ACTC nº 287/05
Processo n.º 217/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como recorrente A. e como
recorrido o Ministério Público e B. e outra, o Tribunal da Relação de Lisboa,
apreciando um recurso interposto pelo arguido de um despacho que indeferiu a
realização de uma perícia, decidiu, por acórdão de 2 de Junho de 2004, anular o
julgamento realizado em primeira instância [no qual o arguido foi condenado pela
prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível nos termos dos
artigos 131º e 132º, nº 1, e nº 2, alínea i), do Código Penal] e ordenou a
realização de nova perícia psiquiátrica ao arguido, para avaliação de “um quadro
de stress pós traumático (de guerra)”.
Na sequência de tal decisão, o Ministério Público junto do Tribunal da Relação
de Lisboa requereu a declaração de especial complexidade do processo, nos termos
do artigo 215º, nºs 1, alínea d), e 3, do Código de Processo Penal. Fê-lo nos
seguintes termos:
2 - Relativamente à situação processual do arguido verifica-se que: este arguido
encontra-se ininterruptamente detido desde 2.04.02 (fls. 50 verso); por douto
despacho de fls. 60-62 foi determinada a sua prisão preventiva, mantida e
reafirmada por doutos despachos de reexame efectuados na fase de inquérito, de
instrução e de julgamento - fls. 215, 299, 373, 414, 629, 641, e 796.
Em nosso entender permanecem válidos e inalterados os pressupostos de facto e de
direito determinantes da prisão preventiva pelo que, promovo que continue a
aguardar nessa situação.
Mais se verifica que, a Acusação dos autos foi proferida em 27.05.02, a
pronúncia, em 17.01.03 e a condenação em 27.01.04; que os autos têm adquirido
excepcional complexidade resultante dos exames periciais realizados; e que, em
sede de recurso interlocutório o arguido invoca a necessidade de novas perícias;
que a dilação temporal entre as fases da Acusação, de instrução e julgamento
demonstra a tendência para a morosidade dos actos processuais que envolvem a
determinação da responsabilidade penal do arguido, decorrente das diligências
requeridas e sua complexidade; tendo em conta o crime fortemente indiciado
contra o arguido e condenação proferida, ainda que não transitada em julgado, e
a previsível demora dos autos, promovo que os mesmos sejam declarados de
excepcional complexidade nos termos e para os efeitos do arts. 215º, n.º 1,
alínea d), e 3, n.º 3 do CPP.
À defesa não foi dada oportunidade de se pronunciar sobre tal requerimento.
A especial complexidade do processo foi declarada por despacho de 17 de Março de
2004. É o seguinte o teor desse despacho:
O arguido está acusado e condenado pela prática de um crime de homicídio
qualificado.
Assim sendo e tomando em atenção a complexidade das questões postas no decurso
dos autos e no recurso, declaro a excepcional complexidade do processo, nos
termos e para os efeitos do artigo 215º, nº 1-d) e 3/3 do CPP.
O arguido reclamou para a conferência, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa,
por acórdão de 14 de Abril de 2004, decidido manter o despacho reclamado. Para
tanto, considerou o seguinte:
Inegavelmente, o procedimento é por um dos crimes previstos no n° 2 do art. 215°
do CPP, uma vez que se está perante crime de homicídio qualificado, dos arts.
131 ° e 132° nos 1 e 2-i), do CP, punível com prisão de 12 a 15 anos.
Resta pois saber se existe “... excepcional complexidade, devido, nomeadamente,
ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do
crime”, como se exige no dito art. 215° do CPP.
5.1. Desde logo, há a notar que a situação dos autos se não contém em nenhum dos
casos directamente previstos no legal dispositivo.
Mas a enumeração legal não é exaustiva, como manifestamente resulta do advérbio
ali sublinhado.
Por isso e salvo o devido respeito, a objecção levantada pelo recorrente não tem
razão de ser.
5.2. Em abstracto e em geral, os casos de homicídio podem não revelar uma
especial dificuldade de julgamento.
No entanto, este caso apresenta especificidades.
Na verdade, suscitam-se nele questões complexas e morosas sobre a actuação e
responsabilidade do arguido - perícias de personalidade e psiquiátrica sobre a
ingestão de álcool - agora reafirmadas no recurso e que, a serem deferidas e
realizadas nos moldes pretendidos, podem determinar enorme dilação da decisão
final, uma vez que é sabida de todos a anormal e por vezes inaceitável
acumulação de serviço dos peritos e organismos chamados a intervir nessas
situações.
Assim estão presentes neste caso as razões de ser da norma do art. 215°, n° 3 do
CPP: atender a casos especiais de processos onde se manifestem problemas que
demandem uma maior disponibilidade de meios por parte dos serviços da justiça,
com a consequente dilação dos prazos, designadamente os de prisão preventiva.
Deve pois manter-se a decisão do relator.
2. O arguido interpôs recurso do acórdão de 14 de Abril de 2004 para o Supremo
Tribunal de Justiça, tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo:
1- A matéria de facto provada em julgamento em 1ª instância e a perícia
realizada não revestiram especial complexidade no douto tribunal círculo Torres
Vedras.
2 - Perícias ou questões técnicas apreciadas por entidades alheias ao tribunal
de julgamento não revestem especial complexidade para o próprio órgão de
soberania, pois são conhecimentos cujo juízo técnico se presume subtraído à
livre apreciação do Juiz julgador - art. 163º CPP.
3 - Prevendo o art. 216º C.P.P. a suspensão do prazo de prisão preventiva por
três (3) meses em função da perícia, não é fundamentada nem proferida ao abrigo
de qualquer disposição legal a decisão que prorroga a prisão preventiva por
especial complexidade em função da perícia.
4 – Só o elevado número de arguidos ou o carácter altamente organizado do crime
pode revestir especial complexidade cfr. art. 215º, 3 – C.P.P., tanto mais que,
'a especial complexidade do processo não pode ter por fundamento a complexidade
das questões de direito suscitadas...:' - cfr. acórdão deste Alto Tribunal de
1-7-1993 - Proc. 045475 - Doc sj 1993071045453 - Relator Sr Juiz Conselheiro
Cardoso Bastos in www.dgsi - ou perícias subtraídas à livre apreciação do juiz
julgador
5 - O acórdão recorrido violou os arts. 215º - 1- D) e 3, 151º, 163º e 216º
C.P.P. e art. 32º - 1, 2 e 3 da Lei Fundamental.
6 - A ampliação do prazo de prisão preventiva - art. 215º - 3 CPP - por especial
complexidade, com base em perícias - subtraídas à livre apreciação do juiz
julgador, com prazo consignado no art. 216º CPP - sem que à defesa seja
previamente comunicada a promoção do Ministério Público - viola o princípio do
contraditório e é inconstitucional por violação dos arts. 32º - 1, 2 e 3 da
C.R.P. e arts. 5° e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O recurso foi rejeitado, por acórdão de 22 de Julho de 2004.
Desse aresto interpôs o arguido recurso de constitucionalidade, recurso que foi
deferido, no que respeita à admissibilidade do recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça, pelo Acórdão nº 686/2004.
3. Após o julgamento de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal
Constitucional no Acórdão nº 686/2004, o Supremo Tribunal de Justiça apreciou o
recurso interposto da decisão que havia declarado a especial complexidade do
processo, na sequência da promoção do Ministério Público (promoção que não foi
comunicada à defesa, como se referiu).
O Supremo Tribunal de Justiça considerou que o juízo sobre a complexidade se
assume como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida de
apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Entendeu
também que as dificuldades de investigação, o número de intervenientes
processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais
provenientes da intervenção dos suspeitos por crimes, a intensidade da
utilização dos meios são elementos a considerar no critério do juiz, para
determinar a especial complexidade do processo, e que tal noção assume um
sentido “essencialmente de natureza factual” no artigo 215º, nº 3, do Código de
Processo Penal.
Apreciando, de seguida, o concreto objecto do recurso, o Supremo Tribunal de
Justiça considerou o seguinte:
4. Mas, sendo assim, e considerando a natureza do recurso, o STJ apenas se
poderá pronunciar sobre se os pressupostos de facto, assentes no acórdão
recorrido como base da decisão para a conclusão sobre a especial complexidade,
se contêm na dimensão normativa da noção do art. 215º do CPP.
O acórdão recorrido verificou que no processo se discutiam questões complexas e
morosas, relativas à determinação de factos relevantes, nomeadamente “perícias
de personalidade e psiquiátricas pela ingestão de álcool”, e teve em atenção as
“diligências requeridas” e a “sua complexidade”.
Estes elementos, que têm de se considerar assentes, no juízo prudencial sobre a
natureza e particularidades do procedimento, permitem, na sequência do juízo de
facto sobre a complexidade, integrar os pressupostos da noção utilizada no art.
215º do CPP.
Esta conclusão não é afastada pelo art. 216º do CPP. Esta norma, que dispõe
sobre um específico alargamento do prazo de prisão preventiva, seja ou não o
processo classificado de especial complexidade, não se substitui ao juízo, que
seja possível, sobre a complexidade. A realização de perícias, múltiplas,
contra-perícias, requeridas em diversas fases do processo – pode, por si,
revelar e traduzir – é um juízo de prudencial ponderação de cada caso – a
especial complexidade.
Os factos assentes no acórdão recorrido sobre a especificidade do processo
levaram o tribunal a quo a concluir pela verificação da especial complexidade do
procedimento.
A especial complexidade é causa, nos termos do art. 215º do CPP, de elevação
dos prazos máximos de prisão preventiva.
Em consequência, negou provimento ao recurso.
4. A. interpôs novo recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
A., arguido preso nos autos supra id tendo sido notificado do teor da Douta
Decisão e não se conformando com a mesma, dela vem interpor RECURSO para o
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
O art. 216º Cód. Proc. Penal prevê a SUSPENSÃO POR TRÊS (3) MESES DO DECURSO DO
PRAZO DE PRISÃO PREVENTIVA QUANDO TIVER SIDO ORDENADA PERÍCIA.
A Lei adjectiva prevê que em CASO DE PERÍCIA SE SUSPENDA O DECURSO DA PRISÃO
PREVENTIVA POR PERÍODO DE TRÊS MESES ... pelo que inexiste fundamento para
atribuir especial complexidade a um processo já julgado em 1ª Instância...
PERÍCIAS ou QUESTÕES TÉCNICAS apreciadas por entidades alheias ao Tribunal não
podem revestir especial complexidade para o próprio Tribunal.
A hermenêutica expendida no sentido de que pode ser ampliado o prazo de prisão
preventiva pela declaração de especial complexidade, com base em perícias de
personalidade e psiquátrica - e que a realização de perícias múltiplas pode por
si revelar e traduzir a especial complexidade - estas subtraídas à livre
apreciação do Senhor Juiz Julgador e já com o prazo consignado no art. 216º
C.P.P. - e sem que à Defesa seja comunicada previamente a Promoção do Ministério
Público - viola os arts. 32º-1 e 2, da Lei Fundamental, os arts. 5° e 6° da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Princípio do Contraditório.
A prorrogação do prazo de prisão preventiva nestes termos é manifestamente
infundada e contrária aos arts. 215º-1 d) e 3, 151º, 163º e 216º do C.P.P. e
violadora do art. 32º-1, 2 e 3 da Lei Fundamental e os citados arts 5° e 6° da
CEDH ... O recurso tem assim em vista declarar a inconstitucionalidade do art.
215º-3 CPP por violação dos arts. 32º-1, 2 e 3 da C.R.P. e arts. 5° e 6° da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem quando entendido que é admissível a
ampliação do prazo de prisão preventiva - ART. 215º-3 CPP - com base em
perícias, SUBTRAÍDAS À LIVRE APRECIAÇÃO DO JUIZ JULGADOR.
O recurso é legítimo e tempestivo e a inconstitucionalidade foi arguida na
CONCLUSÃO 6ª do recurso interposto em 28 ABRIL 2004.
Pelo que deve ser admitido.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu
do seguinte modo:
1 - PREVENDO O ART 216 CPP A SUSPENSÂO POR 3 MESES DO PRAZO DE PRISÃO
PREVENTIVA, QUANDO TIVER SIDO ORDENADA PERÍCIA, INEXISTE FUNDAMENTO PARA
ATRIBUIR ESPECIAL COMPLEXIDADE A PROCESSO JÁ JULGADO EM 1ª INSTÂNCIA.
2 - PERÍCIAS OU QUESTÕES TÉCNICAS apreciadas por entidades alheias aos Srs.
Juízes Julgadores, não podem revestir complexidade para o T.R.L. e causar ipso
facto a prorrogação da prisão preventiva.
3 - O art. 215º-3 do CPP é inconstitucional por violação dos arts. 27º, 28º,
29º-4 e 32º-1, da Lei Fundamental e arts. 5° e 6° da Convenção Europeia Direitos
do Homem na hermenêutica expendida no sentido de que pode ser ampliado o prazo
de prisão preventiva no TRL devido à realização de perícias múltiplas -
subtraídas à livre apreciação do Senhor Juiz Julgador e já com o prazo
consignado no art. 216º C.P.P. - e após julgamento efectuado há meses, sem que à
1ª Instância os mesmos autos suscitassem essa especial complexidade ...
4 - A prorrogação da prisão preventiva afecta a liberdade do recorrente e é
contrária aos arts. 27º, 28º, 29º-4 e 32º-1 da Lei Fundamental.
Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
1 - A verificação de um procedimento criminal de excepcional complexidade pode
radicar na necessidade de se efectuarem perícias, no quadro de um determinado
processo, de modo a registar-se uma elevação do prazo de prisão preventiva, nos
termos do disposto na norma do n° 3 do artigo 215° do Código de Processo Penal.
2 - Esta elevação não é vedada pelo facto dessa mesma perícia ou perícias terem
determinado a suspensão desse mesmo prazo, em período não superior a três meses,
face ao disposto no artigo 216°, n° 1, alínea a), e n° 2, do mesmo Código.
3 - Em matéria de prisão preventiva a Constituição remete para o legislador
ordinário a fixação de prazos, não ocorrendo qualquer falta de rigor, hiato ou
desproporcionalidade, no facto de perícias legalmente ordenadas no processo
poderem simultaneamente concorrer para a suspensão e elevação do prazo de prisão
preventiva em curso, por períodos perfeitamente concretizados e balizados e que
se não se podem considerar excessivos.
4 - Termos em que não tendo sido violada qualquer norma ou princípio
constitucionais, deverá improceder o presente recurso.
Os demais recorridos não apresentaram contra-alegações.
Cumpre apreciar.
II
Fundamentação
5. O recorrente suscita no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade duas questões.
A primeira tem por objecto uma dada interpretação dos artigos 215º, nº 3, e 216º
do Código de Processo Penal, segundo a qual a realização de perícias à
personalidade do arguido cuja realização se afigure demorada e complexa pode
fundamentar a declaração de especial complexidade a que se refere o nº 3 do
artigo 215º do Código de Processo Penal, com o consequente prolongamento do
prazo de prisão preventiva, em detrimento da suspensão a que se refere o artigo
216º do Código de Processo Penal.
A segunda questão tem por objecto o mesmo artigo 215º, nº 3, do Código de
Processo Penal, interpretado no sentido de a promoção do Ministério Público para
que seja declarada a especial complexidade do processo não ter de ser comunicada
à defesa a fim de esta se pronunciar sobre a mesma.
No entanto, nas alegações apresentadas esta segunda questão não é, expressa ou
implicitamente, referida. Dever-se-á concluir que foi abandonada, pelo
recorrente, não se tomando, consequentemente, conhecimento de tal questão (cf.,
neste sentido, entre outros, os acórdãos nºs 286/2000, 122/2003 e 468/2004,
todos em www.tribunalconstitucional.pt).
Deste modo, apreciar-se-á apenas a primeira questão.
6. A declaração de especial complexidade a que se refere o artigo 215º, nº 3,
do Código de Processo Penal tem por consequência o prolongamento dos prazos de
prisão preventiva previstos no nº 1 do mesmo artigo.
Tal declaração, com a consequência inerente em termos de prazo de prisão
preventiva, é justificada na perspectiva da lei por especiais dificuldades que a
investigação, num caso concreto, possa encontrar. Essas dificuldades revelam-se,
por exemplo, na investigação da criminalidade altamente organizada, com
envolvimento de vários arguidos e recurso a meios sofisticados reveladores de
elevada perigosidade. Em casos deste tipo é suscitada uma ponderação entre os
valores de justiça prosseguidos pela investigação e os direitos do arguido
sujeito à prisão preventiva que justificará um aumento proporcionado dos prazos
da prisão preventiva. Ora, não é contrário à Constituição, de acordo com um
parâmetro de proporcionalidade, que nessas situações especiais um certo
alargamento dos prazos se verifique. Mas não se esgotam nos casos referidos,
porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa,
podendo circunstâncias várias da investigação justificar idêntica ponderação.
Nos presentes autos está em causa a investigação de um crime de homicídio
qualificado. Considerou a defesa pertinente a realização de uma perícia com
vista a averiguar a existência de um quadro de stress pós-traumático de guerra.
A realização desse tipo de perícias sobre o estado vivido pelo agente no momento
do acto pode ser muito complexa e revelar uma especial dificuldade na
configuração da matéria de facto com pertinência para a questão da
imputabilidade. O tribunal recorrido entendeu desse modo a situação criada, no
caso concreto, pela realização da perícia, ponderando a investigação do facto do
autor na sua globalidade e não aceitando, como resulta da interpretação do
recorrente, que seriam as perícias em si apenas a justificar a declaração da
especial complexidade.
Para o tribunal recorrido, não é a perícia, ou a sua realização, que justifica
sem mais declarar a especial complexidade, desde logo porque, por definição,
quem a realiza é entidade diversa do tribunal (cf. artigo 152º do Código de
Processo Penal). No entanto, o processo em que ela é ordenada, os factos a que
se refere e até a apreciação do seu resultado pelo tribunal (cf. artigo 163º do
Código de Processo Penal) apresentam um elevado grau de dificuldade e, só por
essa via, o tribunal veio a fundamentar a declaração de especial complexidade do
processo. Há, desta forma, uma apresentação desfocada pelo recorrente da
relevância da perícia para a declaração de especial complexidade.
A declaração de especial complexidade com o fundamento assinalado mantém-se,
assim, dentro dos parâmetros em que a Constituição pode admitir um prolongamento
dos prazos de prisão preventiva.
A circunstância de o artigo 216º do Código de Processo Penal prever precisamente
a situação em que é ordenada perícia, determinando, para esses casos, a
suspensão do prazo de prisão preventiva não infirma o que se deixa dito.
O que fundamenta aquela suspensão e o que fundamenta a especial complexidade são
razões distintas. A suspensão apenas decorre da necessidade de as perícias não
porem em causa, pelo decurso dos prazos, as razões justificativas da prisão
preventiva. A declaração de especial complexidade depende já da configuração
complexa do facto que as perícias se destinam a esclarecer.
Assim, a declaração de especial complexidade decorre, como se referiu e resulta
da decisão recorrida, das dificuldades de investigação do processo, no qual é
ordenada uma perícia requerida pela defesa.
Refira-se, a final, que a circunstância de a declaração ocorrer na 2ª instância
não é relevante para efeito do presente juízo de não inconstitucionalidade, já
que as dificuldades de um processo quanto à caracterização e compreensão dos
factos podem manifestar-se em qualquer fase do respectivo decurso.
Improcede, portanto, o recurso de constitucionalidade.
III
Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao
recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 25 de Maio de 2005
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos
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