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Processo n.º 550/2010
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, “A., Lda.”, impugnou junto do Tribunal Tributário de Lisboa o acto de liquidação da taxa sobre a tela publicitária colocada na Av. dos Estados Unidos da América n.º …, em Lisboa, referente ao 2.º trimestre de 2007, edifício do domínio exclusivamente privado, acto emitido pela Câmara Municipal de Lisboa.
Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 21.10.2009, julgou-se a impugnação improcedente.
Inconformada, dessa decisão veio “A., Lda.” interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Por acórdão de 19.05.2010, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando procedente a impugnação.
Para fundamentar a sua decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, baseando-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão da constitucionalidade das taxas devidas pelo licenciamento de painéis publicitários colocados em propriedade privada, recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, das normas que suportam a liquidação impugnada, designadamente os artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (publicado no Edital n.º 35/92, do Diário Municipal n.º 16.336, de 19.03.1992, com a redacção dos Editais n.º 42/95, de 25/4 e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.º 16331, de 12.03.1992, 61, de 25.04.1995) que estabelecem, respectivamente, o seguinte:
Artigo 3.º (Licenciamento Prévio)
1. A afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis, fica sujeita a licenciamento prévio da Câmara Municipal.
2. Exceptuam-se do disposto no número anterior as marcas, objectos e quaisquer referências a bens ou produtos expostos no interior do estabelecimento.
Artigo 16.º (Taxas)
1. São aplicáveis ao licenciamento e renovações previstos neste regulamento as taxas estabelecidas na Tabela de Taxas Licenças e Outras Receitas Municipais.
2. Salvo disposição em contrário, as entidades legalmente isentas do pagamento de taxas às Autarquias não estão isentas do licenciamento a que se refere este Regulamento.
2. Dessa decisão, tanto o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo como o Município de Lisboa interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), ambos os recursos tendo por objecto a questão da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (publicado no Edital n.º 35/92, do Diário Municipal n.º 16.336, de 19.03.1992).
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou alegações, concluindo que as normas dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí prevista pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular, não são organicamente inconstitucionais, termos em que deverá conceder-se provimento ao recurso.
4. A Exma. Representante da Fazenda Pública junto do Município de Lisboa, apresentou alegações, concluindo que:
1ª O presente recurso tem por objecto o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 19 de Maio de 2010, na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no n°. 2, do artigo 103° e alínea i), do n°. 1, do artigo 163°, da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 3° e 16°, do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, por concluir que, estando em causa afixação de publicidade em edifício particular, a taxa revestiria a natureza de um imposto, por inexistência do sinalagma que caracteriza a taxa.
2ª Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3° e 16°, do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa,
3ª Os elementos definidores dos conceitos e taxa e de imposto encontram-se bem delimitados, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência e assentam no carácter bilateral da primeira e unilateral do segundo.
4ª O procedimento de licenciamento de afixação de mensagens publicitárias no Município de Lisboa obedeceu, à data a que se reporta o acto tributário em apreço – 2° trimestre do ano de 2007 – ao seguinte quadro legal:
a) Artigos 238° n.° 4 e 241°, da Constituição da República Portuguesa;
b) Alínea h), do n.° 2, do artigo 53° e alínea b), do n.° 7, do artigo 64°, da Lei n.° 169/99 de 18 de Setembro, na redacção da Lei n°. 5-A/2002, de 11 de Janeiro;
c) Alínea e), do artigo 10° e artigo 15°, da Lei n°. 2/2007, de 15 de Janeiro, que aprovou a Lei das Finanças Locais;
d) N°s. 1 e 2, do artigo 1° e artigo 11°, da Lei n.° 97/88, de 17 de Agosto;
e) Regulamento da Publicidade, aprovado pela Deliberação da Assembleia Municipal n.° 30l/AML/92 em 27 de Fevereiro de 1992, constante do Edital n.° 35/92 e publicado no Diário Municipal n.° 16.336 de 19 de Março de 1992, com as alterações introduzidas pelos Editais n.° 42/95 e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais de 25 de Abril de 1995 e de 30 de Maio de 1995, este último com a rectificação do Edital n.° 53/95, publicado no Boletim Municipal de 06 de Junho de 1995, salientando-se os artigos em questão no presente recurso, a saber o 3° e 16°;
f) Artigos 27° a 33° da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano de 2007.
5ª É inquestionável que a afixação de mensagens publicitárias no exterior dos edifícios, independentemente do suporte utilizado, permite promover perante o público, com vista à respectiva comercialização, os produtos e serviços oferecidos pelo anunciante, preenchendo o conceito legal de publicidade consagrado no artigo 3°, do Código de Publicidade.
6ª Os efeitos da afixação da publicidade – diálogo publicitário – produzem-se pelo facto de os potenciais clientes circularem na via pública. Esta funciona como meio de transmissão da mensagem publicitária.
7ª A transmissão da mensagem publicitária produz um impacto no bem jurídico ambiente, quer a publicidade esteja afixada em propriedade privada, quer em bens do domínio público.
8ª O que significa que a actividade publicitária não pode fugir à prévia apreciação da entidade administrativa legalmente competente para esse efeito, dado que existe uma maior intensidade de uso daquele bem jurídico por parte do anunciante.
9ª A possibilidade de um eventual uso negativo do bem jurídico ambiente e a necessidade de assegurar o respeito pelos restantes utilizadores, impõem a sujeição a restrições ao exercício da actividade publicitária.
10ª As razões constantes das duas conclusões que antecedem constituem o fundamento da exigibilidade da taxa devida por licenciamento e afixação de mensagens publicitárias.
11ª Impõe-se, face ao especial beneficio sentido pelo particular e à intervenção da Administração no procedimento de verificação de conformidade da mensagem publicitária com os limites impostos ao exercício desta actividade pelo legislador, que aquele suporte os custos decorrentes da actividade administrativa.
12ª Existe, nesta matéria e por força da lei, que expressamente a prevê, a derrogação ao princípio da gratuitidade da actividade administrativa consagrado no n°. 1, do artigo 11º, do C.P.A..
13ª O conceito legal de taxa constante, quer do artigo 4° da Lei Geral Tributária, quer do artigo 3°, da Lei n°. 53-E/2006, de 29 de Dezembro, pressupõe a verificação alternativa de uma prestação da Administração, consubstanciada na prestação concreta de um serviço público, ou na utilização de um bem do domínio público, ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
14ª No caso em apreço, a possibilidade de afixação de uma tela publicitária na edificação sita na Avenida dos Estados Unidos da América, n°. 110, em Lisboa nasceu por força de um título jurídico individual, obtido na sequência do procedimento de licenciamento consubstanciado no Processo n°. 8470/07/ALC/DMAU/DGEP, desencadeado pela recorrida junto da Câmara Municipal de Lisboa.
15ª Nos termos do nº. 2, do artigo 1º, da Lei n°. 97/88 e do Regulamento da Publicidade, compete à Câmara Municipal de Lisboa estabelecer, na área do respectivo concelho, critérios de licenciamento para afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental.
16ª A actividade publicitária constitui uma actividade sujeita a limites de ordem pública, conforme resulta dos artigos 4° a 8°, do Regulamento de Publicidade, pelo que o respectivo licenciamento pela entidade competente visa salvaguardar o interesse público em aspectos relacionados, entre outros, com a estética ou ambiente dos lugares ou da paisagem, com danos que a afixação de publicidade possa provocar a terceiros, com a protecção do património histórico, cultural, arquitectónico ou paisagístico, a segurança das pessoas e bens que circulam na via pública, a visibilidade de placas toponímicas, semáforos e sinais de trânsito.
17ª Os valores subjacentes à necessidade de licenciamento da actividade em questão merecem a protecção conferida pelo legislador, quer os suportes publicitários estejam instalados em bens do domínio público ou semi-público, quer em propriedade privada.
18ª Restringir a sujeição ao procedimento de licenciamento prévio aos casos em que a publicidade fosse afixada em bens do domínio público ou semi-público significaria, na prática, que a salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental apenas seriam dignos de tutela estando em causa a utilização do domínio público e, que, ao invés, estando em causa a afixação de publicidade em edifícios privados, tudo seria permitido.
19ª Tal interpretação poria em causa o efeito útil da norma, a unidade do sistema jurídico e os valores que o legislador pretendeu salvaguardar ao regular a actividade de afixação de mensagens publicitárias.
20ª Estes argumentos valem igualmente no caso da renovação anual das licenças, porquanto, restringir os objectivos da norma ao momento do licenciamento significaria, na prática, que a salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental apenas seriam dignos de tutela num primeiro momento e que a partir de certa altura os particulares poderiam alterar os pressupostos do licenciamento.
21ª O direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o direito à qualidade de vida constituem o valor subjacente à imposição de limites legais à afixação e inscrição de mensagens publicitárias e consubstanciam um direito fundamental constitucionalmente consagrado – cfr. artigo 66° da C.R.P..
22ª A actividade administrativa desenvolvida pelos serviços da C.M.L., no exercício das suas competências de licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, não se restringe à afixação de publicidade em bens do domínio público, antes abrange, pelas mesmas razões, os imóveis pertencentes a particulares.
23ª O procedimento de licenciamento não se reconduz a uma mera “licença fiscal”, antes consubstancia uma verdadeira prestação da Administração, no exercício das competências legais.
24ª Impossibilitar os municípios de cobrar a taxa devida pelo licenciamento de afixação das mensagens publicitárias origina uma obrigação de desenvolver gratuitamente uma competência que foi cometida por lei e à qual, nos termos da mesma lei, corresponde uma contraprestação do particular, consubstanciada no pagamento da taxa e viola o princípio da autonomia financeira dos municípios e o disposto no n°. 4, do artigo 238° e no artigo 240°, da C.R.P..
25ª Face ao regime legal de licenciamento da afixação de publicidade e à existência de uma efectiva actividade por parte da Administração, não restam dúvidas que o tributo sub judice configura uma taxa e não um imposto.
26ª A posição assumida pelo douto Acórdão n°. 177/2010, deste Venerando Tribunal, em 5 de Maio de 2010, veio alterar a posição anteriormente perfilhada relativamente à natureza jurídica da taxa em apreço, por considerar que o licenciamento da afixação da mensagem publicitária, independentemente do suporte utilizado pelo particular, implica uma verdadeira remoção de um obstáculo jurídico, quer se trate da licença inicial, quer se trate da renovação da mesma licença, porque se trata de uma actividade relativamente proibida nos termos da lei, sendo que esta prestação da Administração se enquadra no âmbito do n°. 2, do artigo 4°, da L.G.T., legitimando a liquidação e cobrança de uma taxa.
27ª Conclui-se pela inexistência de obstáculos legais à criação da taxa sub judice pela Assembleia Municipal de Lisboa e, como tal, a sua exigência, nos termos do disposto nos artigos 3° e 16°, do Regulamento de Publicidade, atrás mencionados e na Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais relativa ao ano a que reporta a liquidação, não viola qualquer disposição constitucional, nomeadamente o disposto no n° 3, do artigo 103° e na alínea i), do n°. 1, do artigo 165°, da C.R.P..
28ª O douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 19 de Maio de 2010, ora recorrido, na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no n°. 2, do artigo 103° e alínea i), do n°. 1, do artigo 163°, da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 3° e 16°, do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, peca por erro de direito, violando o disposto nos artigos 238°, n° 4, e 241° da C.R.P. e, bem assim, o n°. 2, do artigo 4°, da L.G.T. e o artigo 3°, da Lei n°. 53-E/2006, de 29 de Dezembro.
5. Contra-alegou a recorrida, concluindo do seguinte modo:
I. Vêem a Câmara Municipal de Lisboa e o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em virtude de o Acórdão Recorrido, proferido em 19.05.2010, ter julgado a impugnação procedente por considerar que os que os artigos 3° e 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, são inconstitucionais, por violação do disposto nos arts 103°, e 163° nr. 1, alínea i) da CRP
II. Com efeito no entender da Câmara Municipal de Lisboa e do Ministério Público tais normas, não são organicamente inconstitucionais, na medida em que prevêem a cobrança de uma taxa pela afixação de publicidade num prédio pertencente a particular, remetendo a sua fundamentação para a fundamentação explanada no Acórdão nr. 177/2010.
III. Mais, entende a RECORRENTE que a fixação de mensagens publicitárias no exterior dos edifícios, permite promover perante o público, com vista à respectiva comercialização, os produtos e serviços oferecidos pelo anunciante, e consequentemente, o anunciante retira vantagens especiais que se repercutem na actividade publicitária, razão pela qual, é legítimo que quem retira proveitos da actividade da Administração pague pela obtenção dos mesmos, tentando desta forma justificar o sinalagma.
IV. Sucede porém que, são destituídos de fundamento os argumentos esgrimidos pelos RECORRENTES.
V. Nos termos do disposto no artigo 4° da Lei Geral Tributária, as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
VI. Contudo, não pode relevar o facto, de, porventura, a Lei Geral Tributária ter, na mencionada disposição legal, lançado mão de um conceito amplo de taxa, susceptível de abarcar a remoção de quaisquer obstáculos jurídicos ao comportamento dos particulares, mesmo que não lhes consentindo a utilização de bens semi-públicos.
VII. Na verdade, não é possível enquadrar no conceito de taxa, as importâncias exigidas por quaisquer entidades públicas a um particular, como mera condição de remoção de um obstáculo jurídico à utilização dos seus bens próprios, se lhe conferir direito à utilização de bens semi-públicos ou colectivos.
VIII. Razão pela qual, tais prestações só poderiam ser qualificadas de taxas caso existisse uma contrapartida para a RECORRIDA, o que não ocorreu, pois, a RECORRIDA no âmbito da sua actividade, efectuava a exploração comercial de publicidade, designadamente, através da afixação de suportes publicitários em empenas cegas ou fachadas laterais de edificações particulares sediadas na cidade de Lisboa.
IX. Na verdade, a RECORRIDA não procedia à afixação de suportes publicitários em edifícios públicos ou semi-públicos, e sim em edifícios particulares, pelo que, não se vislumbra como pode estar em causa uma taxa.
X. Aliás, tal como tem sido proclamado pela doutrina e jurisprudência, o que distingue a taxa do imposto é a sua ligação com uma contraprestação determinável das instituições jurídico-públicas.
XI. Ora, no caso em apreço não se verifica a existência desse vínculo porque, não foi feita utilização de anúncios num espaço público; não foi prestada qualquer contrapartida por parte da Câmara que, como assinala, por exemplo, o AC. TC. N° 313/92 de 6 de Outubro (Proc. 435/91), e reafirma o AC. TC. 453/03 de 14 de Outubro (Proc. 410/03), mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é visto pela doutrina como uma imposição de uma taxa somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem publico ou semi-público.
XII. Não havendo qualquer oneração especial de um serviço público, nem qualquer utilização de um bem público ou semi-público, dado que o local pertence a particulares, terá de se considerar o tributo em causa como um imposto.
XIII. Na verdade estabelece o Acórdão do Tribunal Constitucional nr 34/04, de 14 de Janeiro, proferido no âmbito do Proc. 33/03, que “trata-se, assim (a orientação jurisprudencial no sentido da inconstitucionalidade orgânica das ditas “taxas de publicidade”), jurisprudência constante, e, aliás, quase unânime deste Tribunal, (...), que cumpre reiterar nos presentes autos, pois não se deparam argumentos susceptíveis de alterar o decidido – não sendo este o caso, designadamente, da ideia de que o anunciante, ao afixar a publicidade em fachadas de prédios, de sua propriedade ou devidamente autorizado pela proprietário, estaria a fazer uma utilização ou “ocupação” do “espaço público”, ou de qualquer bem semi-publico, como o ambiente. Como se afirmou nesse Acórdão nr 43 7/03, não se divisa no caso de qualquer contrapartida específica, na utilização de um bem semi-público, para a remuneração periódica da mera permanência do reclamo e friso em questão”.
XIV. Com efeito, tal como tem entendido a jurisprudência do Tribunal Constitucional, os tributos denominados “taxas” cobrados pela Câmara Municipal de Lisboa relativamente a instalação de reclamos em prédios urbanos são, à face da Constituição, de qualificar como impostos. Como assim, a sua criação através de diploma não legislativo e não emitido pela Assembleia da República ou pelo Governo devidamente credenciado viola o preceituado nos artigos 106°, 2 e 168°, 1, i) da CRP, versão de 1982.
XV. Assim as quantias cobradas ao abrigo dos artigos 3° e 16° do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, pela colocação de reclamos luminosos em prédios pertença de particulares não são taxas, por ausência de contrapartida prestada pelo município, devendo ser vistas como impostos, e não tendo tais encargos sido criados por diploma emanado da Assembleia da República ou pelo Governo devidamente credenciado por aquela, devem as normas que os criaram ser consideradas organicamente inconstitucionais.
XVI. Assim, sendo o tributo cobrado, pela instalação de mensagens publicitárias em prédios urbanos particulares, qualificado como imposto, verifica-se que o mesmo deveria estar sujeito ao princípio da legalidade de reserva de lei formal constante do artigo 165°, nr 2, alínea i) da CRP.
XVII. Todavia, a possibilidade de cobrança de tributos pela instalação de mensagens publicitárias em prédio urbanos particulares, foi criada por meio de um diploma não legislativo, ferido de inconstitucionalidade, por violar os arts. 103°, nr 2 e 165°, nr 2, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Com efeito, a inconstitucionalidade dos supra mencionados artigos 3° e 16° do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, foi já declarada pelo Tribunal Constitucional em diversos Acórdãos, como sejam, os Acórdãos nrs. 558/98, publicado no D.R. II Série, de 11/11/1 998, nr 63/99, publicado no D.R. II Série, de 31/03/99, 32/200, 346/2001 e 437/2003, publicado no D.R. II Série, de 14/02/2004.
XIX. E isto, porque, conforme referido supra, nos termos do disposto do art. 165°, nr. 1, ai. i) da CRP, a criação de impostos é da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização do Governo.
XX. Perante o exposto, conclui-se que, por via de normas manifestamente ilegais e inconstitucionais, pretende a RECORRENTE, locupletar-se à custa da RECORRIDA, exigindo-lhe o pagamento de uma elevada quantia pecuniária que sabe não lhe ser devida.
XXI. Com efeito, não pode deixar de se concluir que a respectiva imposição tem de obedecer aos ditames que, pela Lei Fundamental, são dirigidos aos impostos.
XXII. Nos termos do disposto do artigo 135° do Cód. de Procedimento Administrativo, “são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.
XXIII. Assim sendo, o acto de liquidação e cobrança ora reclamado, constitui um acto afectado pelo vício da anulabilidade.
II – Fundamentação
6. Nos presentes autos, o Tribunal Constitucional é confrontado com dois recursos de constitucionalidade, sendo que ambos têm exactamente o mesmo objecto: a questão da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí prevista pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular.
7. Sobre a questão da constitucionalidade das taxas devidas pelo licenciamento de painéis publicitários colocados em propriedade privada decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 177/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, o qual, inflectindo aquela que havia sido até então a sua jurisprudência, não julgou as normas aí em apreciação inconstitucionais.
Ora, as normas em apreciação no âmbito dos presentes autos correspondem, em substância, às normas que foram objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional nesse aresto, pelo que se dá aqui por integralmente reproduzida a fundamentação aí expendida.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar organicamente inconstitucionais as normas constantes dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (publicado no Edital n.º 35/92, do Diário Municipal n.º 16.336, de 19.03.1992, com a redacção dos Editais n.º 42/95, de 25/4 e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.º 16331, de 12.03.1992, 61, de 25.04.1995), na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí prevista pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular;
b) e, em consequência, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Setembro de 2011. – Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.
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