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Processo nº 39/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 6 de Março de 2008 foi proferida decisão sumária em que se entendeu que
não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do primeiro recurso
interposto para este Tribunal por A. e que o segundo não procede por as questões
enunciadas serem manifestamente infundadas.
A decisão assentou nos seguintes fundamentos:
4. Entende-se que é caso de proferir decisão sumária, nos termos do artigo
78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por o Tribunal Constitucional
não poder tomar conhecimento do objecto do primeiro recurso interposto e por o
segundo não proceder por as questões enunciadas serem manifestamente infundadas.
5. Sustenta o recorrente que o primeiro recurso de constitucionalidade é
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, com vista à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo
720.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do Código de Processo
Penal, mas o mesmo não coloca qualquer questão de constitucionalidade que deva
ser submetida à apreciação deste Tribunal.
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem afirmado em jurisprudência constante
(v., por exemplo, o Acórdão n.º 178/95, publicado no Diário da República, II
série, de 21 de Junho de 1995), que se impõe que “(...) quando se questiona
apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse
sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar
desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por
forma que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros
destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido
da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei
fundamental.”
No requerimento de interposição do recurso o que, verdadeiramente, o recorrente
invoca é uma discordância relativamente à decisão de que recorre, imputando a
inconstitucionalidade à própria decisão recorrida, pois discorda da parte final
do aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “que decidiu remeter os
autos à 1ª instancia para execução, após requerimento de aclaração do
recorrente, por entender que esse requerimento era despropositado, pretendendo
evitar a baixa do processo”.
Ora, como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido por este
mesmo Tribunal – através deste tipo de recursos [previstos, antes do mais, pela
alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição] só pode o Tribunal
Constitucional conhecer de questões relativas à (in)constitucionalidade de
normas. As decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não são em direito
português, objecto de controlo de constitucionalidade. Daí que, para o Tribunal
Constitucional, surja naturalmente como um dado a norma de direito
infra-constitucional que é questionada no recurso. Como se disse no Acórdão n.º
44/85, “saber se a norma era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem
aplicada – isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal
Constitucional.” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408).
Assim, quanto ao primeiro recurso de constitucionalidade interposto, não se
encontram preenchidos os pressupostos necessários ao respectivo conhecimento.
6. Quanto ao segundo recurso de constitucionalidade interposto, o mesmo não
procede por as questões enunciadas serem manifestamente infundadas.
Quanto à primeira questão enunciada, o Tribunal Constitucional já apreciou a
conformidade à Constituição da norma contida no artigo 127.º do Código de
Processo Penal, tendo sempre decidido por unanimidade não julgar
inconstitucional tal norma, como, paradigmaticamente, ilustra o Acórdão n.º
1165/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 1997),
merecendo igualmente referência os Acórdãos n.º 320/97 (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 36.ª vol., pp. 807 e segs.) e n.º 542/97 (inédito).
Não padece obviamente do vício de inconstitucionalidade a norma constante do
artigo 127.º do Código de Processo Penal, enquanto prescreve o princípio da
livre apreciação da prova em processo criminal, comportando naturalmente o mesmo
a possibilidade de o tribunal se socorrer de máximas ou regras de experiência na
valoração e integração das várias provas produzidas ao longo da audiência.
Aliás, não existiu, no caso, qualquer non liquet em matéria de prova (v. fl. 15
verso: “Ou seja, o que se pretendeu dizer, e se disse claramente é que no caso
se não postula qualquer dúvida que imponha a intervenção do princípio in dubio
pro reo”), pretensamente suprido através do apelo, em exclusivo (v. fl. 17: “O
sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um
facto desconhecido para um facto conhecido” - itálico nosso), a “processos
mentais constituídos por raciocínios dedutivos e presunções de culpa”, nos
termos do requerimento de interposição do recurso.
Reitere-se que não cabe ao Tribunal Constitucional proceder à valoração da prova
produzida no processo ou à análise da consistência lógica do raciocínio
decisório.
7. Quanto, por último, à segunda questão enunciada no (também) segundo recurso
de constitucionalidade, como se escreveu no Acórdão n.º 573/98 (publicado no
Diário da República, II Série, de 13 de Novembro de 1998), “(S)são incontáveis
as vezes que este Tribunal teve de apreciar a constitucionalidade das normas dos
artigos 410.º, n.º 2, e 433.º do Código de Processo Penal, e sempre ele
concluiu, embora com vozes discordantes, pela sua compatibilidade com a Lei
Fundamental. Fê-lo, primeiro, no Acórdão n.º 322/93 (publicado no Diário da
República, II Série, de 29 de Outubro de 1993), e, depois, em muitos outros que
seguiram na sua esteira, designadamente nos Acórdãos n.ºs 356/93, 443/93,
141/94, 170/94, 171/94, 172/94, 399/94, 504/94, 635/94, 55/95 e 177/96. E, mais
recentemente, o Tribunal reafirmou esta jurisprudência, no Acórdão n.º 533/98
(...).” O único desvio a esta posição resultou do Acórdão n.º 486/98 (não
publicado, mas disponível em www.tribunalconstitucional.pt), tendo o citado
Acórdão n.º 573/98, tirado em Plenário, procedido à sua revogação, e decidindo
não julgar inconstitucionais as referidas normas, juízo, este, que se aplica no
presente caso.
Não se descortina minimamente o que porventura pudesse conduzir a entendimento
diverso, quanto à conclusão de que os aludidos normativos não padecem do vício
de inconstitucionalidade, isto tendo em conta a posição sustentada pelo
recorrente a fl. 25, segundo a qual, deparando-se “unicamente” um eventual vício
dos previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tem forma
de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, vícios esses que, de
qualquer forma, foram, no presente caso, objecto de análise por parte do
tribunal de segunda instância, concluindo este pela sua não verificação. (V. fl.
13 verso: “(…) notando que a Relação de Évora se debruçou sobre a impugnação da
matéria de facto deduzida pelo recorrente, apreciando com o detalhe indicado as
críticas formuladas à forma como a 1.ª Instância estabelecera os factos
provados, afirmando também a inexistência dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do
CPP”).
O n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal tem por finalidade elencar
quais os fundamentos atinentes a matéria de facto que podem ser invocados
perante o tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja os poderes
de cognição deste à matéria de direito, mas para a respectiva aplicação ponto é
que haja a possibilidade de haver recurso para o tribunal a que a lei, em
princípio, só confere poderes de cognição quanto àquela última matéria.
Daí o carácter manifestamente infundado da questão enunciada perante este
Tribunal.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o
seguinte:
Questão prévia:
O recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional,
requerendo que ao mesmo fosse dado efeito suspensivo nos termos do art° 78° n° 3
da LTC contrariamente, à decisão do STJ que o admitiu com efeito devolutivo.
Se é certo que as partes só podem impugnar o efeito do recurso nas suas
alegações, também não é menos certo que independentemente da douta decisão
sumária que ora se recorre para a conferencia, não ter conhecido do objecto dos
recursos, salvo o devido respeito entendemos que deveria ter-se pronunciado
sobre o efeito a dar à interposição do mesmo.
Por outro lado, sempre ressalvado o devido respeito a douta decisão sumária
acabou por cometer uma nulidade ao conhecer de questão que não lhe foi colocada
neste recurso (art° 720° nº 1 do CPC ex vi art° 40 do CPP e ao não se pronunciar
sobre o efeito do presente recurso cometeu a mesma nulidade, mas neste caso por
omissão de pronuncia (art° 379° n° 1 alínea c) do CPP.
E esta questão é tanto mais relevante se tivermos em conta que o recorrente pelo
menos desde Dezembro de 2007, até à presente data se encontra em prisão (para
nós mais do que duvidosa), por decisão não transitada em julgado — entenda-se, o
presente recurso ao qual deve ser atribuído o efeito suspensivo, ao que ainda
modesta mente pensamos !-
Nesta medida entendemos com o devido respeito que em conferência a douta decisão
sumária deve ser declarada nula pelos motivos acima indicados.
Da Reclamação:
1) A douta decisão sumária dispõe que “O nº 2 do art° 410° do Código de
Processo Penal tem por finalidade elencar quais os fundamentos atinentes a
matéria de facto que podem ser invocados perante o tribunal de recurso, mesmo
nos casos em que a lei restrinja os poderes de cognição deste à matéria de
direito, mas para a respectiva aplicação ponto é que haja a possibilidade de
haver recurso para o tribunal a que a lei, em principio, só confere poderes de
cognição quanto àquela matéria”.
2) Ora com o devido respeito que aliás é muito pela douta decisão sumária, o
n° 2 do art° 410° do CPP não tem somente por finalidade a invocação de
fundamentos junto do 1° Tribunal de Recurso, uma vez que de acordo com douto
Acórdão n° 573/98 do Tribunal Constitucional “…não julgar inconstitucionais as
normas resultantes da conjugação do artigo 433° do Código de Processo Penal com
o corpo do n.° 2 do artigo 410° do mesmo Código, na medida em que limitam os
fundamentos do recurso a que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por
si ou conjugada com as regras da experiência comum” (sublinhado nosso)
3) “É certo que a decisão recorrida se refere, de forma expressa, a este
acórdão, para confirmar que a matéria de facto, nos seus vícios, só deve ser
conhecida pelo Tribunal da Relação a não ser que seja conhecida oficiosamente
pelo STJ.
4) Contudo da análise desse mesmo acórdão resulta que a interpretação dada ao
n° 2 do art° 410º do CPP pelo aqui recorrente encontra-se de acordo com a
jurisprudência do douto Tribunal Constitucional, uma vez que o que se pretende é
que fossem conhecidos os vícios constantes do douto Acórdão da Relação de Évora,
nomeadamente no que respeita à contradição entre a matéria de facto dada como
provada e a sua fundamentação e consequentemente entre esta e a decisão.
5) Pois a matéria de facto pode estar assente, mas conter uma contradição
insanável da motivação, ou entre a decisão e a fundamentação e entre esta e a
decisão, independentemente de os factos estarem dados com assentes.
6) E vai daí se a decisão de direito ao fundamentar ou decidir de um recurso
em que a matéria de facto, embora assente, é patentemente contraditória,
insuficiente ou omissa, incorrerá num vício plasmado no artigo 410° do CPP, só
passível de correcção se for possível a este venerando tribunal colmatar tal
lacuna.
7) Ora com esta interpretação que se fez do artigo 434º do CPP, fica
coarctado um direito ao recurso sobre a matéria de facto mormente o previsto no
artigo 410º n° 2 do CPP.
8) Uma coisa é impugnar o recurso sobre a matéria de facto nos termos do
artigo 412° do CPP, outra coisa é embora assente a matéria de facto, não poder
mais o recorrente invocar os vícios do artigo 410° n° 2 do CPP.
9) Ora se o tribunal recorrido decide que a matéria de facto é intocável mas
ao decidir comete o vício do artigo 410° nº 2 do CPP, por exemplo, face aos
factos provados em primeira instância e mantidos pelo tribunal de recurso,
fundamenta de forma contrária aos mesmos, como poderá o recorrente interpor
recurso para o STJ desta contradição insanável entre a decisão e a fundamentação
resultante do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras
da experiência comum?!...
10) Na verdade a decisão sumária refere vários doutos acórdãos deste Venerando
Tribunal que decidiram não julgar inconstitucionais as citadas normas, quando os
vícios resultam unicamente do “texto” da decisão recorrida.
11) Assim, a contrario, no fundo é isto que se pretendia ver apreciado,
far-se‑á uma interpretação normativa inconstitucional da norma ínsita no nº 2 do
art° 410º do CPP e 434° do mesmo diploma quando, pelos vistos, nem agora há
possibilidade de recurso para o STJ dos vícios suscitados e constantes do texto
da decisão recorrida, por si só ou conjugadas com as regras da experiência
comum.
12) Relativamente à aliás douta decisão sumária que decidiu não conhecer do
recurso de inconstitucionalidade interposto quanto à norma do art° 720° n° 1 do
CPC, ex vi art° 4° do CPP, salvo o devido respeito em nenhum momento se arguiu
inconstitucional a decisão recorrida, mas sim a interpretação da referida norma,
no sentido de ser aplicável em processos em cuja a possibilidade de recurso tem
por base direitos constitucionais, nomeadamente o principio da presunção de
inocência, até transito em julgado, bem como o principio da igualdade previsto
nos art° 32° n° 2 e 13° da CRP.
13) Agora com o devido respeito por outra opinião, mas seguramente douta, o ter
aceitado como válida a aplicação e interpretação que se faz do artigo 720° n° 2
do CPC ao processo penal, ferindo direitos constitucionalmente consagrados é
inconstitucional.
14) Ora na verdade, não se pode escamotear que toda a decisão terá que ter por
base a aplicação de normas jurídicas e que essa mesma aplicação terá como base
também uma dada interpretação.
15) Assim, o que se pôs em causa desde o início foi a interpretação que se fez
do art° 720° nº 1 do CPC quando admite a sua aplicabilidade em processo em que
existe a possibilidade de recurso ferindo assim os supra citados princípios
constitucionais e não tanto se é ou não aplicável ao caso ou se foi ou não bem
aplicada, isso sim, da competência dos tribunais comuns.
16) Contudo, se com dada interpretação se fere os aludidos princípios passará
sempre com o devido respeito por opinião contrária a ser da competência do
Tribunal Constitucional pois neste caso trata-se de questões relativas à
interpretação e aplicação conforme à Constituição.
17) Sempre ressalvado o devido respeito em momento algum (incluindo no
requerimento de interposição de recurso) se invocou uma discordância
relativamente à decisão recorrida quando decidiu remeter os autos à 1ª instância
para execução, porquanto o que suscitou, foi a interpretação que o mesmo fez e
que viola os direitos constitucionais do arguido aqui recorrente.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional
respondeu à reclamação nos termos seguintes:
1º
Carece manifestamente de fundamento a pretensa nulidade, invocada a coberto da
“questão prévia” suscitada pelo reclamante: na verdade, nunca poderia constituir
nulidade por omissão de pronúncia a circunstância de o relator não ter alterado
oficiosamente o efeito do recurso, tal como fora fixado no Tribunal “a quo”,
sendo evidente que tal questão poderá naturalmente ser suscitada pelo
recorrente, caso o processo alcance a fase das alegações.
2°
Relativamente à segunda “questão prévia”, afigura-se efectivamente que o
primeiro recurso, interposto a p. 45, terá originado um processamento autónomo
(cf. p. 76), entretanto remetido a este Tribunal Constitucional, pelo que tal
requerimento não constituiria objecto dos presentes autos, ficando sem efeito o
ponto 5. da douta decisão reclamada.
3°
Quanto à reclamação propriamente dita, é manifesta a sua improcedência, sendo
evidente que não se mostra sequer delineado qualquer critério normativo, em
torno dos preceitos legais questionados, efectivamente aplicado pelo Supremo
Tribunal de Justiça à dirimição do caso.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
3. A. invoca, na presente reclamação, que
O recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional,
requerendo que ao mesmo fosse dado efeito suspensivo nos termos do art° 78° n° 3
da LTC contrariamente, à decisão do STJ que o admitiu com efeito devolutivo.
Se é certo que as partes só podem impugnar o efeito do recurso nas suas
alegações, também não é menos certo que independentemente da douta decisão
sumária que ora se recorre para a conferência, não ter conhecido do objecto dos
recursos, salvo o devido respeito entendemos que deveria ter-se pronunciado
sobre o efeito a dar à interposição do mesmo.
Como se deixou relatado, a decisão reclamada conclui que o recurso de
constitucionalidade interposto do acórdão de 4 de Outubro de 2007 não coloca
qualquer questão de constitucionalidade que deva ser submetida à apreciação do
Tribunal Constitucional e, no que respeita ao recurso de constitucionalidade
interposto do acórdão de 13 de Dezembro de 2007, que o mesmo não procede por
manifesta improcedência das questões enunciadas no requerimento de interposição
de recurso.
Neste requerimento (fls. 82 e segs.), o recorrente peticionou que fosse
sindicada a constitucionalidade das normas do artigo 127.º do Código de Processo
Penal, na interpretação “da qual decorre que o Tribunal a quo entende que o
princípio da livre apreciação da prova lhe permite formar a convicção mediante
processos mentais constituídos por raciocínios dedutivos e presunções de culpa”,
e do artigo 410.º, n.º 2, 411.º, n.º 1, 412.º, n.º 1, ex vi artigo 434.º todos
do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual “nos recursos
interpostos da 1.ª Instância ou da Relação o Supremo Tribunal de Justiça só
conhece dos vícios do artigo 410.º n.º 2 do CC, por sua própria iniciativa e,
nunca, a pedido do recorrente (…)” – o recurso terá que visar – “exclusivamente
matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou
de facto, do julgamento de 1.ª instância).” Terminou pedindo que “deve ser
admitido o presente requerimento, com efeito suspensivo (artigo 78.º da LTC),
para subida ao Tribunal Constitucional, seguindo-se os termos posteriores.”
Como é evidente, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida
apreciar a admissão do respectivo recurso (artigo 76.º, n.º 1 da Lei do Tribunal
Constitucional). O reclamante também não ignora que a decisão que admita o
recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal Constitucional e que as
partes só podem impugná-la nas suas alegações (artigo 76.º, n.º 3 da Lei do
Tribunal Constitucional).
Ora, as alegações de recurso para o Tribunal Constitucional são sempre
produzidas neste Tribunal e apenas quando, para tal, a parte for notificada
(artigo 78º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional). É que, como se
ponderou no Acórdão n.º 246/01 e se reiterou no Acórdão n.º 292/03 (ambos
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, “não está na disponibilidade d[o]
recorrente determinar se o seu recurso prossegue ou não, ou se e quando lhe
compete apresentar as alegações; é a lei que o determina”. E, no presente caso,
não havia efectivamente lugar à sua apresentação, por ser de proferir decisão
sumária.
Como tal, improcede a arguição de nulidade com fundamento em omissão de
pronúncia sobre o efeito a dar à interposição do recurso.
4. Em segunda linha, a ora reclamante vem dizer, entre o mais, o seguinte:
Por outro lado, sempre ressalvado o devido respeito a douta decisão sumária
acabou por cometer uma nulidade ao conhecer de questão que não lhe foi colocada
neste recurso (art° 720° nº 1 do CPC ex vi art° 40 do CPP) (…)
A invocada nulidade por excesso de pronúncia parece reportar‑se ao facto de o
primeiro recurso, interposto a fls. 45-46, ter originado um processamento
autónomo, e nele ter sido proferido, pelo Tribunal Constitucional, decisão
sumária, com data de 15 de Janeiro de 2008, que decidiu não tomar conhecimento
do recurso, e que foi confirmada, em sede de reclamação para a conferência, pelo
Acórdão nº 149/2008, de 4 de Março, que transitou em julgado.
Ora, tendo em consideração que a questão suscitada nesse recurso foi objecto de
decisão transitada em julgado, em momento anterior à prolação da decisão ora
reclamada, que data de 6 de Março de 2008, e que tem idêntico sentido
dispositivo, o reclamante carece manifestamente de interesse processual para
suscitar a questão da nulidade por excesso de pronúncia.
Isso porque, como decorre, por maioria de razão do princípio geral de direito
ínsito no artigo 675º, nº 1, do CPC, a decisão susceptível de ser executada e
que decidiu definitivamente a situação jurídica sob litígio, foi aquela que
transitou primeiramente em julgado, sendo inteiramente irrelevante, do ponto de
vista do interesse do reclamante, que uma outra decisão posterior tenha mantido
esse mesmo entendimento.
Pelo que, nesta parte, não é de conhecer da reclamação
5. Nesta reclamação, considera o reclamante, em jeito de conclusão, o seguinte:
Assim, a contrario, no fundo é isto que se pretendia ver apreciado, far-se-á uma
interpretação normativa inconstitucional da norma ínsita no nº 2 do art° 410º do
CPP e 434° do mesmo diploma quando, pelos vistos, nem agora há possibilidade de
recurso para o STJ dos vícios suscitados e constantes do texto da decisão
recorrida, por si só ou conjugadas com as regras da experiência comum.
O teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, de fls. 82
e segs., confirma que o presente recurso tem como objecto (para além da norma
referida ao artigo 127.º do Código de Processo Penal, cuja apreciação e decisão
na decisão reclamada o reclamante não pretende refutar) a apreciação da
inconstitucionalidade da norma do artigo 410.º, n.º 2, 411.º, n.º 1, 412.º, n.º
1, ex vi artigo 434.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual “nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação o
Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do artigo 410.º n.º 2 do CC,
por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente (…)” – o recurso
terá que visar – “exclusivamente matéria de direito (com exclusão, por isso, dos
eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância)”.
Não pode o reclamante vir agora reformular o objecto do recurso e pretender a
apreciação, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional, de uma
“interpretação dada ao n.º 2 do art.º 410.º do CPP pelo aqui recorrente” que se
“encontra de acordo com a jurisprudência do douto Tribunal Constitucional, uma
vez que o que se pretende é que fossem conhecidos os vícios constantes do douto
Acórdão da Relação de Évora, nomeadamente no que respeita à contradição entre a
matéria de facto dada como provada e a sua fundamentação e consequentemente
entre esta e a decisão.”
Na decisão reclamada demonstrou-se que constitui jurisprudência constante do
Tribunal Constitucional no que concerne ao direito ao recurso das decisões
penais condenatórias a jurisprudência que considera que a Constituição não exige
ou impõe a existência de um terceiro grau de recurso, não abalando a presente
reclamação os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
Impõe-se, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação, confirmando
a decisão reclamada na parte em que conclui pelo carácter manifestamente
infundado das questões enunciadas perante este Tribunal.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar improcedente a arguição de nulidade com fundamento em omissão
de pronúncia, indeferindo, nesta parte, a presente reclamação;
b) Não tomar conhecimento da arguição de nulidade por excesso de
pronúncia;
c) Indeferir a reclamação na parte restante.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Maio de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
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