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Processo n.º 1037/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC):
?1. A., arguido nos presentes autos, notificado do acórdão do Tribunal da
Relação do Porto, de 4 de Novembro de 2009, que negou provimento ao recurso por
si interposto dos despachos do juiz de instrução criminal, que constam de fls.
87 e 110/111 do presente translado, veio interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
?O recurso visa a fiscalização concreta da inconstitucionalidade da parte do
Acórdão que, em 04.11.09, julgou inexistirem as invocadas irregularidades e
inconstitucionalidades da interpretação normativa do disposto nos artºs 215º, nº
4; 105º, nº 1; 113º, nº 9 e 123º do C.P.P..
Concretamente, visa o presente recurso a fiscalização concreta da
constitucionalidade da interpretação dada às supra referidas normas segundo as
quais;
- A irregularidade da prolação de decisão declarativa de excepcional
complexidade dos autos, nos termos do disposto no artº 215º, nº 4 do CPP, antes
que tenha decorrido o prazo legal para o arguido sobre ela se pronunciar, não
determina a invalidade de tal decisão
- A irregularidade da prolação de decisão declarativa de excepcional
complexidade dos autos, nos termos do disposto no artº 215º, nº 4 do CPP, antes
mesmo que tenha decorrido o irregular encurtamento do prazo legal para o arguido
sobre ela se pronunciar, não determina a invalidade de tal decisão
- A irregularidade do encurtamento para cinco dias do prazo legal para o arguido
se pronunciar quanto ao pedido de declaração da especial complexidade não tem um
nexo de dependência lógica ou histórica com a posterior declaração de especial
complexidade, pelo que não implica a invalidade do acto
- A irregular declaração de especial complexidade não determina a invalidade de
todos os seus efeitos substantivos, processuais e materiais, nomeadamente a de
alargar os prazos máximos de prisão preventiva
- a declaração de especial complexidade a que se alude no nº 3 do normativo
processual, não carece de ser precedida de prévia (notificação pessoal ao
arguido.
A interpretação da norma referida, viola o disposto nos artºs 3º, nº 2 e 3; 9º -
b); 18º; 20º, nºs 4 e 5; 28º e 32º, nomeadamente no seu nºs 1 da Constituição da
República Portuguesa.
A apontada inconstitucionalidade foi concretamente invocada na motivação e
conclusões do Recurso interposto via mail em 31.07.09 e confirmado em suporte de
papel junto aos autos em 03.08.09
2. Entende-se, no caso, ser de proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do
artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por não ocorrerem os
pressupostos de admissibilidade do recurso.
Com efeito, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade
normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a
normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente
deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa
inconstitucional). Não lhe compete apreciar questões de inconstitucionalidade ou
violação de direitos fundamentais imputadas directamente a decisões judiciais,
em si mesmas consideradas (à semelhança do recurso de amparo espanhol ou da
queixa constitucional alemã). A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade
é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a
decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível que o que se
pretende confrontar com a Constituição é um critério normativo (ao qual depois
se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso,
susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está
em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às
particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando?se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC ? como ocorre no presente caso ?, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade
haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante
o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito
aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de
inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da
questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de
proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações
especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional
se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de
todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade.
3. De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a invocada questão
de inconstitucionalidade que se pretende submeter à apreciação deste Tribunal
respeita à interpretação dos artigos 215.º, n.º 4, 105.º, n.º 1, 113.º, n.º 9 e
123.º, do Código de Processo Penal, que o recorrente desdobra em 5 proposições
normativas, alegadamente aplicadas pela decisão recorrida, que, no seu
entendimento, violam o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 9.º, alínea b), 18.º,
20.º, n.ºs 4 e 5, 28.º e 32.º, n.º 1, da Constituição.
Porém, o recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de
constitucionalidade normativa, com referencia aos preceitos da lei processual
penal que diz terem sido interpretados em violação da Constituição, antes
imputou o vício de inconstitucionalidade às próprias decisões judiciais, que
acusa de violarem as normas processuais penais e constitucionais que enumera.
Na peça processual que o recorrente diz ter suscitado as questões de
inconstitucionalidade ? a motivação e conclusões do recurso interposto para a
Relação por e-mail em 31 de Julho de 2009 ? encontram-se, efectivamente,
referencias à violação de normas constitucionais nas seguintes passagens:
- Fls. 9 da motivação: é manifesto que a fixação de prazo inferior ao legal,
viola o disposto no artigo 32º da CRP por inadmissível compressão do direito de
defesa do arguido;
- Fls. 15 da motivação: Cotejada e ponderada a exposta realidade, conclui-se que
os despachos em apreço, não notificado ao arguido e que reduziu o prazo legal
para este pronunciar sobre a excepcional complexidade dos autos e bem assim que
indeferiu as apontadas irregularidades, são ilegais por violação do disposto nos
artigos 105º, n.º 1, 107º, n.º 5, 113º, n.º 9, 215º, 379º, n.º1, alínea c),
todos do CPP e nos artigos 3º, n.º 2 e 3, 9º, alínea b), 18º, 20º, n.ºs 4 e 5,
28º e 32º, estes da Constituição da República; e
- Última conclusão, quando refere que as decisões em apreço violam, por erro de
interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 105º, n.º 1, 107º, n.º 5,
113º, n.º 9, 215º, 379º, n.º1, todos do CPP e 3º, n.º 2 e 3, 9º, alínea b), 18º,
20º, 28º e 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Destas passagens apenas se pode concluir que o recorrente, apesar de ter
invocado a violação de preceitos constitucionais, imputou esse vício aos
despachos sob recurso e não às normas de direito processual penal eventualmente
aplicadas naquelas decisões, o que não constitui forma adequada de suscitar a
questão de constitucionalidade, como se referiu. Tanto basta para que não se
possa tomar conhecimento do objecto do recurso.
4. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.?
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta.
2. O recorrente reclama para a conferência, nos termos do n.º 3 do citado artigo
78.º-A da LTC, dizendo:
? ? vem reclamar para a conferência, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 78.º-A
da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro.
Com efeito, afigura-se manterem-se válidas as concretas questões suscitadas na
interposição do presente recurso.
Por outro lado a apontada inconstitucionalidade verifica-se na interpretação das
normas contidas na Decisão em apreço e versa sobre questão que não era objecto
de anterior recurso ou questão anteriormente suscitada ou previsível nos autos.
Na verdade o presente recurso versa sobre a inconstitucionalidade da
interpretação feita do dispositivo legal concretamente invocado.?
3. O Ministério Público sustenta que a reclamação é improcedente, em conclusão,
porque o reclamante não adianta quaisquer outros argumentos que possam abalar o
teor da decisão sumária proferida, limitando-se a renovar argumentação por si
anteriormente utilizada ? aliás, sem qualquer sucesso ? nos recursos que
interpôs ao longo do processo em curso.
4. O reclamante limita-se a dizer que a questão de constitucionalidade incide ?sobre
questão que não era objecto de recurso ou questão anteriormente suscitada ou
previsível nos autos?.
Na mais favorável das interpretações, pretenderá acolher-se à jurisprudência do
Tribunal que, num entendimento funcional do ónus de suscitar a questão de
constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, admite
que tal ónus não é imposto naquelas situações, excepcionais ou anómalas, em que
o interessado não tenha tido oportunidade de, agindo com normal diligência,
arguir a questão de inconstitucionalidade. É o que sucede, designadamente,
quando a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada tenha sido
imprevistamente aplicada pela decisão recorrida ou lhe tenha sido dado um
sentido com que o interessado não devesse razoavelmente contar.
Verifica-se, porém, que qualquer das cinco proposições normativas em que o
recorrente desdobra a questão corresponde a situações já verificadas nas autos
no momento em que foi interposto e motivado o recurso da decisão de 1.ª
instância para a Relação, nada tendo o acórdão recorrido inovado nesse domínio.
Consequentemente, o recorrente deveria ter colocado a questão de
constitucionalidade (qualquer dessas ?dimensões? em que desdobra a questão),
como questão de constitucionalidade normativa, em termos de o tribunal que
proferiu o acórdão recorrido saber que tinha uma questão dessa natureza para
examinar. Ora, como a decisão reclamada põe em destaque mediante a transcrição
das passagens adequadas, o recorrente imputou as inconstitucionalidades aos
sucessivos despachos e não a normas por estes aplicadas.
Não há, pois, razões para alterar a decisão sumária que decidiu pelo não
conhecimento do objecto do recurso.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas com 25 (vinte e cinco) UCs de taxa de justiça
Lx., 26/1/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
[1] Rectificado pelo Acórdão nº 54/2010
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