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Processo n.º 729/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., S.G.P.S., S.A., recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 31-1-2008, no processo nº
81/E/1999, da 3.ª Secção, da 5.ª Vara Cível de Lisboa, que confirmou decisão da
1.ª instância que negara provimento a pedido de substituição por caução de
medidas cautelares solicitadas por Afonso Fernandes Lourenço da Silva.
Fundamentou esse recurso em oposição de acórdãos do Tribunal da Relação.
O Desembargador Relator não admitiu o recurso por entender que o acórdão
indicado como fundamento não se encontrava em contradição com o acórdão
recorrido sobre a questão fundamental de direito.
O recorrente reclamou deste despacho, tendo o Vice-Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça indeferido a reclamação por decisão de 26-6-2008, com os
seguintes fundamentos:
“Conforme o disposto no art. 687.º, n.º 1, do CPC, para os casos previstos no
citado art. 678.º, n.º 4 do CPC, ou seja, quando haja oposição de acórdãos, é
necessário indicar no requerimento de interposição de recurso, o acórdão
anterior da Relação que esteja em oposição com o acórdão recorrido, para que o
relator possa apreciar a verificação desse pressuposto legal, como se fez.
Sucede, porém, que o acórdão da Relação de Lisboa de 08.04.2004, indicado como
acórdão-fundamento, não se apresenta como um acórdão definitivo, por dele se ter
interposto recurso para o S.T.J.
Sendo assim, não pode suportar o fundamento do n.º 4 do ad. 678.º do CPC, que
pressupõe necessariamente um acórdão final, definidor de determinada situação
jurídica; e no caso concreto, o acórdão final é do Supremo Tribunal de Justiça.”
O recorrente deduziu pedido de aclaração desta decisão, em que suscitou a
inconstitucionalidade da interpretação do artigo 678º, n.º 4, do C.P.C.,
sustentada naquela decisão.
O Vice-Presidente do S.T.J. indeferiu o pedido de aclaração, por despacho
proferido em 22-7-2008.
A., S.G.P.S., S.A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
“…notificada do douto despacho de 22.07.2008 que se pronunciou sobre o pedido de
aclaração do douto despacho de 26.06.2008, vem, nos termos do disposto no artigo
208º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 70º, n.º 1, alínea b),
n.ºs 2 e 3 e no artigo 72º, n.º 2, ambos da Lei do Tribunal Constitucional,
interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie é a constante do n.º 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil (na
versão dada pelo Decreto-lei n.º 38/2003 de 8 de Março) na interpretação dada
pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do Excelentíssimo Conselheiro
Presidente, no despacho de 26.06.2008 e no despacho de 22.07.2008, de fls. 90 e
91, no sentido que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
fundado em oposição de acórdãos, quando o acórdão-fundamento proferido pelo
Tribunal da Relação não constituir decisão final, por ter havido recurso para o
STJ, mesmo que este tenha confirmado o acórdão fundamento, sendo que o
acórdão-fundamento só constitui decisão final se do mesmo não for admissível
recurso ordinário ou no caso de o ser, o mesmo não for interposto, transitando
assim em julgado.
Tal interpretação da norma referida está em clara viciação dos princípios
fundamentais da igualdade e de tutela jurisdicional efectiva consagrados
respectivamente nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa
(CRP), conforme já invocado no requerimento de aclaração apresentado pela ora
Reclamante, com data de entrada de 08.07.2008 (fls. 78 e ss.).”
Em 7-10-2008 foi proferida decisão sumária neste Tribunal de não conhecimento do
recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que,
por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota
com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo
excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade, por a mesma ser de todo
imprevista, inesperada ou insólita.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o
apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de
constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter
proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em
princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido
que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua
aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar
a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão
judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz
quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos
factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem
necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida.
O recorrente pretende que se aprecie a constitucionalidade do n.º 4, do artigo
678.º, do C.P.C., interpretado no sentido que não é admissível recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, fundado em oposição de acórdãos, quando o
acórdão-fundamento proferido pelo Tribunal da Relação não constituir decisão
final, por ter havido recurso para o STJ, mesmo que este tenha confirmado o
acórdão fundamento, sendo que o acórdão-fundamento só constitui decisão final se
do mesmo não for admissível recurso ordinário ou no caso de o ser, o mesmo não
for interposto, transitando assim em julgado.
Contudo, só suscitou esta questão de constitucionalidade perante o
Vice-Presidente do S.T.J., no requerimento de aclaração da decisão em que tal
interpretação foi adoptada como ratio decidendi da decisão recorrida, pelo que,
não foi suscitada adequadamente perante o tribunal recorrido a questão que se
pretende agora ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
O recorrente teve oportunidade de o fazer no requerimento de reclamação do
despacho do Desembargador Relator que não admitiu o recurso para o S.T.J. e
era-lhe exigível que o fizesse, uma vez que a interpretação do n.º 4, do artº
678º, do C.P.C., sustentada na decisão recorrida não pode ser considerada
inesperada, imprevista ou insólita.
Na verdade, não só a letra da lei comporta tal entendimento como o mesmo se
enquadra na finalidade apontada nos trabalhos preparatórios que conduziram à
introdução do tipo de recurso em causa do direito processual civil português.
(vide, efectuando uma resenha histórica da consagração deste tipo de recurso no
C.P.C. pela reforma de 1961, ANTUNES VARELA, na R.L.J., Ano 116, pág. 93 e
seg.). Escreveu Lopes Navarro, no relatório parcelar sobre os Projectos de
revisão do C.P.C., que conduziram à reforma de 1961, sobre os recursos
ordinários, relativamente à introdução deste tipo de recurso:
“Pretende-se assim estabelecer jurisprudência obrigatória relativamente a
questões de direito que normalmente não podem ser apreciadas em recurso pelo
Supremo Tribunal” (In. “Projectos de revisão do Código de Processo Civil”, de
Lopes Navarro e Eduardo Coimbra, vol. II, pág. 78, da Edição Oficial de 1958).
Perante este quadro era exigível ao recorrente que tivesse suscitado
antecipadamente a questão de constitucionalidade colocada no presente recurso ao
tribunal recorrido uma vez que era perfeitamente previsível a possibilidade da
sua adopção.
Não o tendo feito, não pode ser conhecido o recurso interposto, por falta de
cumprimento de um requisito essencial, devendo ser proferida decisão sumária
nesse sentido, nos termos do artigo 78º - A, n.º 1, da LTC.
A recorrente reclamou desta decisão com os seguintes argumentos:
“II - DA (IM)PREVISIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO DADA PELO STJ À NORMA DO N.º 4 DO
ARTIGO 678º DO CPC
11. Primeiro, da doutrina citada na decisão sumária objecto da presente
reclamação para demonstrar a previsibilidade da interpretação em causa não
resulta, pelo menos de uma forma patente e muito menos expressa, o entendimento
defendido pelo STJ.
12. Mais no acórdão do STJ, funcionando em pleno, de 28.07.1981, objecto da
anotação de Antunes Varela (in RLJ, Ano 116, pp. 90 e ss.) citada pelo
Excelentíssimo Conselheiro Relator, a decisão não mereceu aprovação unânime dos
Conselheiros, por diversas razões.
13. Tem interesse para o caso, o voto vencido do Conselheiro Mário de Brito que
entendeu que “O motivo invocado no acórdão não impedia, a meu ver, o
prosseguimento do recurso. Na verdade o requisito constante do artigo 764.º do
Código do Processo Civil – «e dele não foi admitido recurso de revista ou de
agravo por motivo estranho à alçada do Tribunal» – é de exigir apenas quanto ao
acórdão recorrido, e não quanto ao acórdão indicado em oposição: – o preceito é,
aliás, claro neste sentido.” (in RLJ, Ano 116, pp. 93 - sublinhados nossos).
14. Ou seja, já na altura não era uma interpretação que encontrasse consenso no
STJ.
15. Acrescenta-se que, conforme referido por Lopes Navarro, ilustre Relator do
projecto de revisão do CPC, citado por Antunes Varela (in RLJ, Ano 116, pp. 90 e
ss.), a finalidade era “... estabelecer jurisprudência obrigatória relativamente
a questões de direito que normalmente não podem ser apreciadas em recurso pelo
Supremo Tribunal.”
16. De facto, na nossa humilde opinião, a admissibilidade de recurso com
fundamento na oposição de julgados entre um acórdão da Relação e outro de outra
Relação (proferido anteriormente), sobre a mesma questão fundamental de direito,
que tenha sido confirmado pelo STJ, não contraria a finalidade atrás referida.
Antes pelo contrário reforça-a, no sentido, de impedir a oposição de julgados
entre acórdãos da Relação divergentes e essencialmente com aqueles cujos
entendimentos foram corroborados pelo Tribunal Superior, que, de outro modo,
fugiriam ao conhecimento do STJ. Para atingir essa finalidade, é indiferente que
o acórdão fundamento seja ou não recorrível por razões estranhas à alçada da
Relação.
17. E, no caso dos presentes autos, tal questão é ainda mais irrelevante,
porquanto, no apenso do processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão
fundamento (recurso de agravo n.º 6179/02 da Relação de Lisboa, processo n.º
2985/97- C da 5ª Vara Cível de Lisboa, 1ª Secção), correspondente ao incidente
de prestação de caução para substituição da providência cautelar decretada, era
ainda admissível o recurso para o STJ do acórdão da Relação que foi interposto
pelos requerentes dessa providência, ao abrigo do n.º 2 do art. 754º do CPC, na
redacção dada pelo DL n.º 180/96 de 25.09, ainda aplicável aos processos
pendentes à data do inicio da vigência do DL n.º 375-A/99 de 30.09, nos termos
do seu art. 8º, n.º 2.
18. Com o referido DL n.º 375-A/99 que alterou a redacção do n.º 2 do art. 754º
do CPC (decisões de que cabe agravo na 2ª instância), na redacção anterior ao DL
303/2007 de 30.08, deixaram de ser admitidos recursos para a 2ª instância de
acórdãos da relação proferidos no âmbito de incidentes.
19. Aos presentes autos do acórdão recorrido sobre o qual a ora Reclamante
interpôs recurso com fundamento na oposição de julgados já se aplica o n.º 2 do
art. 754º do CPC na redacção dada pelo DL n.º 375-A/99, ou seja, já não era
admissível recurso para o STJ.
20. Ou seja, se ao processo do qual resultou o acórdão fundamento fosse
aplicável o n.º 2 do art. 754º do CPC na redacção dada pelo DL n.º 375-A/99, não
se admitindo o recurso para o STJ, segundo a interpretação do STJ do n.º 4 do
art. 678º do CPC, já estariam reunidos todos os requisitos previstos no citado
preceito, designadamente, o facto de o acórdão fundamento ser um acórdão
definitivo e final.
21. O próprio STJ não tem aplicado, recentemente e pelo menos de uma forma
uniforme, a interpretação que defendem no despacho de 26.06.2008.
22. De facto no acórdão (STJ, de 14.06.2007, Processo: 07B1481, Relator
Conselheiro Pereira da Silva, disponível em www.dgsi.pt - sublinhado nosso), o
STJ concluiu que “Para a admissibilidade do recurso contemplado no art. 678º nº
4 do CPC, decorre flagrante de tal normativo, como já salientado, entre outros,
no acórdão de 24-05-07, por nós relatado, proferido nos autos de agravo
registados sob o n º 12/5/07-2, outra não sendo a tese defendida por Amâncio
Ferreira (cfr. “Manual dos Recursos em Processo Civil” 3ª Edição Revista,
Actualizada e Ampliada, pág. 104), impõe-se, entre outros, a verificação do
seguinte requisito: O “acórdão recorrido ser insusceptível de recurso ordinário
por motivo estranho à alçada do tribunal, a menos que, cumulativamente, também o
recurso não fosse admissível por razão de alçada”.
23. Deste modo, neste acórdão, o STJ não considerou que o requisito da
irrecorribilidade por motivo alheio à alçada do tribunal se aplicasse ao acórdão
fundamento, aplicando-o somente ao acórdão recorrido.
24. Refira-se ainda, conforme reconhecido por Antunes Varela, que não se
encontra plasmada na letra da lei tal interpretação, sendo explicito que a
expressão “... do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada
do tribunal...” se refere ao acórdão recorrido, não se podendo retirar do texto
do preceito em causa a extensão desta exigência ao acórdão fundamento. Pelo que
pela letra da lei não era previsível a interpretação dada pelo STJ.
25. Segundo, também a doutrina actual e maioritária não tem espelhado essa
interpretação defendida pelo STJ, sendo prova disso a ausência de referência à
suposta condição de o acórdão fundamento ter de ser um acórdão “definitivo” para
efeitos do recurso por oposição de julgados.
26. Os autores têm enumerado requisitos para a aplicação do n.º 4 do art. 678º,
dos quais não consta a necessidade de do acórdão fundamento não caber recurso
ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal. Exemplo disso é a enumeração
de requisitos que faz Fernando Amâncio Ferreira:
“Respinga-se do n.º 4 do art. 678.º impor-se a verificação dos seguintes
requisitos para a admissibilidade do recurso nele contemplado:
a) dois acórdãos da mesma ou de diferente relação em oposição sobre a mesma
questão fundamental de direito, verificando-se esta quando o núcleo da situação
de facto, à luz da norma aplicável, é idêntica em ambos eles,
b) o acórdão dito em oposição, o denominado acórdão-fundamento ser anterior e
haver transitado em julgado;
c) o acórdão recorrido ser insusceptível de recurso ordinário por motivo
estranho à alçada do tribunal,
d) a orientação perfilhada no acórdão recorrido não estar de acordo com a
jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ, quer nos anteriores recursos para
o tribunal pleno (assentos), quer nos julgamentos de revista ou agravo ampliados
(acórdãos de fixação de jurisprudência).”
(Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina
2000, pp. 84 e – sublinhado nosso)
27. Assim como José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes:
“O n.º 4 (cuja redacção foi alterada pelo DL 38/2003, que suprimiu a remissão
para os arts. 723- A e 732-B) admite a interposição de recurso de revista do
acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, proferido por qualquer
tribunal da relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não
caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a
orientação nele perfilhada estiver de acordo com jurisprudência já anteriormente
fixada pelo STJ.”
(José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código do Processo Civil
Anotado, Coimbra Editora 2003, p. 12 - sublinhado nosso)
28. Terceiro, no despacho da Relação de não admissão do recurso para o STJ com
fundamento na oposição de julgados, a Relação não aplicou o n.º 4 do art. 678º
do CPC de acordo com a interpretação feita pelo STJ no douto despacho de
26.06.2008. Efectivamente a Relação rejeitou o recurso com base em fundamentos
totalmente distintos do STJ, nomeadamente na distinção entre a questão
fundamental de direito e a fundamentação, presente nos dois acórdãos em causa.
29. Ora se a interpretação da norma em causa feita pela Relação fosse semelhante
à do STJ, na apreciação do recurso, aquele tribunal ter-se-ia limitado a
considerar que o acórdão fundamento não era um acórdão definitivo, sem se
debruçar nem apreciar o seu conteúdo para efeitos de determinação da existência
de oposição de julgados.
30. Ou seja, caso a Relação partilhasse da interpretação do STJ, teria ficado
pela análise dos “requisitos processuais” do recurso de oposição de julgados,
sem necessidade de ir além, designadamente, de proceder à análise do conteúdo
dos acórdãos para determinar a oposição de julgados.
31. Importa ainda ter em conta que a ora Reclamante sempre referiu que o acórdão
da Relação que constitui acórdão fundamento havia sido confirmado pelo Supremo
Tribunal de Justiça, na sequência de recurso para este tribunal superior.
32. O que significa que já a Relação estava ciente que o acórdão fundamento
invocado pela ora Reclamante tinha sido objecto de um acórdão do STJ
confirmativo daquele.
Pelo que não se pode dizer que a interpretação feita pela Relação se deveu a
falta de informação quanto à natureza do acórdão fundamento.
33. Em suma, contrariamente à douta decisão sumária de que se reclama, a
interpretação no n.º 4 do art. 678º do CPC, cuja inconstitucionalidade se requer
que seja apreciada por este Venerando Tribunal, não é assim tão previsível ou
expectável, até porque nem foi a interpretação seguida pela Relação de Lisboa.
34. Mais, o recorrido, na sua resposta ao requerimento de interposição do
recurso com fundamento na oposição de julgados, (requerimento de 05.03.2008),
também não invocou a interpretação do STJ relativamente à norma do n.º 4 do art.
678º do CPC.
III - DO CRITÉRIO PARA DETERMINAR A (IM)PREVISIBILIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO
35. Para além disso, acresce que não poderá o requisito para que haja dispensa
do ónus de invocação atempada das questões de constitucionalidade, tal como
descrito no Acórdão n.º 232/94 (Tribunal Constitucional, Processo n.º 152/93,
Relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). “Esta dispensa só deverá ocorrer em casos de
interpretações judiciais de todo em todo anómalas ou imprevisíveis ou
insólitas, com as quais o operador do direito não poderia razoavelmente contar”
ser de tal maneira exigente que anule a própria possibilidade de dispensa,
tornando a prova de motivos para dispensa numa prova diabólica, devido a uma
exigência de prognose irreal.
36. Não se pretende criticar “... o entendimento que vem sendo dado pelo
Tribunal à expressão «durante o processo» faz recair sobre as partes o ónus de
considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas eventualmente
aplicáveis na decisão a proferir, por forma a poderem validamente recorrer para
o Tribunal Constitucional.” Acórdão n.º 232/94. (Tribunal Constitucional,
Processo n.º 152/93, Relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), nem tão pouco na parte em que afirma que “Não
pode, assim, invocar-se a mera «surpresa» na interpretação de certa norma para
justificar a dispensa.” Acórdão n.º 232/94 (Tribunal Constitucional, Processo
n.º 152/93, Relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt)
37. Pretende-se é demonstrar que tem que existir um equilíbrio, sem o qual se
criará flagrantes situações de injustiça ao subverter-se uma garantia
constitucional criada como um mecanismo de excepção, numa denegação de justiça
por requerer um imensurável juízo de prognose a cada passo processual.
38. Uma interpretação como a propugnada no Acórdão n.º 122/00 (Tribunal
Constitucional, Processo n.º 257/99, Relator Conselheiro Bravo Serra, disponível
em www.tribunalconstitucional.pt), afigura-se mais justa e equilibrada. Embora
baseando-se também noutros motivos para considerar dispensado o ónus da
suscitação da questão da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão
final, acabou por aceitar que seria suficientemente inesperada uma interpretação
“...que não tem sido liquidamente sufragado pela jurisprudência dos nossos
tribunais da ordem dos tribunais judiciais, pelo sempre se poderá dizer que a
mesma não constitui um dado com que os operadores jurídicos, inequivocamente,
contem.” (Sublinhado nosso.)
39. Uma interpretação demasiado restritiva da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da
Lei do Tribunal Constitucional coarcta o direito de acesso à justiça (art. 20º
Constituição da República) sem justificação.
40. O n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa estabelece que
“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos”. Ao exigir que recaia sob o cidadão o ónus de fazer um juízo de
prognose alargado ao ponto de se exigir que sejam equacionadas toda e qualquer
interpretação de uma norma jurídica que se pretende alegar, está a ser denegada
justiça por ser imposta uma tarefa, senão impossível, extremamente
desproporcional.
41. No presente caso é considerado como ónus do Recorrente um nível de
conhecimento que extravasa o exigível ao homem médio, ou ao jurista médio, pois
a este não pode ser exigível que conheça e domine opiniões de uma doutrina que
salvo a decisão do STJ, parece ter sido abandonada.
42. Tenha-se ainda em conta o defendido no Acórdão n.º 263/92 (Tribunal
Constitucional, Processo nº 118/92, relator Conselheiro Monteiro Diniz,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt “Na verdade, este tribunal tem vindo
a entender, num plano conformador da sua jurisprudência genérica sobre este
tema, que naqueles casos anómalos em que o recorrente é confrontado com uma
situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e
inesperada (isto é, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o
conteúdo e o sentido da decisão), não dispondo já de oportunidade processual
para suscitar a questão da constitucionalidade durante o processo, ainda assim
existirá o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. Os Acórdãos nºs
136/85 e 448/91, o primeiro, no Diário da República, II série, de 28 de Janeiro
de 1986, o segundo, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 398, pp. 222 e ss, e
o terceiro, de 11 de Fevereiro de 1992, ainda inédito)”.
43. Não se pode considerar no presente caso que um normal juízo de prognose,
considerasse possível a interpretação que foi dada pelo Supremo Tribunal de
Justiça.
44. Nos casos em que o Tribunal Constitucional recusou conhecer de recursos por
considerar que a interpretação da norma aplicada era previsível, (como nos
Acórdãos n.º 291/92, (Tribunal Constitucional, Processo nº 98/92, Relator
Conselheiro Ribeiro Mendes, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e n.º
57/91 (Tribunal Constitucional, Processo n.º 292/90, Relator: Conselheiro Mário
de Brito, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), ou foi considerado que a
interpretação cabia na letra do preceito, n.º 479/89 (Tribunal Constitucional,
Processo n.º 288/88, Relator Conselheiro Cardoso da Costa, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt)), ou que existia jurisprudência e doutrina
abundante sobre a questão em causa, não podendo o interessado ignorar, desde
logo, qual seria a interpretação da norma jurídica em causa.
45. Ora, no caso objecto de recurso, não é manifestamente essa a situação,
conforme ficou demonstrado.
46. Independentemente de tudo o que foi anteriormente exposto, é necessário
ainda ter em consideração que, por razões de estratégia processual e na mera
hipótese de a interpretação em causa ser previsível, não pode ser exigível que a
Recorrente suscitasse antes a inconstitucionalidade da interpretação em causa,
visto que, ao fazê-lo, estaria a dar argumentos à outra parte, bem como ao
tribunal, para a impugnação e o indeferimento da sua pretensão.”
O recorrido prescindiu do direito de responder à reclamação.
*
Fundamentação
O recorrente defende que neste caso é dispensável a exigência da suscitação
prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido por
entender que a posição sustentada na decisão recorrida não era previsível.
Visando os recursos a apreciação de questões já decididas, compreende-se que,
como regra, se exija que apenas se possa interpor recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, relativamente a
questões anteriormente suscitadas perante o tribunal recorrido de modo a dar-lhe
oportunidade de se pronunciar sobre essas questões.
Daí que só naqueles casos em que a interpretação normativa questionada e
perfilhada pela decisão recorrida se revela totalmente imprevisível e insólita,
sobre a qual seria perfeitamente desrazoável exigir ao recorrente um prévio
juízo de prognose relativo à sua aplicação, em termos de poder antecipar a sua
aplicação, é que se deve considerar dispensado o ónus da sua suscitação perante
o tribunal recorrido.
Ora, cabendo a interpretação perfilhada pela decisão recorrida na letra da
disposição interpretada e sendo a mesma compatível com os objectivos perseguidos
com a introdução dessa disposição no Código de Processo Civil pela reforma de
1961, não é possível dizer que a mesma possa ser inesperada ou insólita.
Pode não ser a melhor interpretação (e não cabe a este tribunal fazer tal
julgamento), mas era uma das interpretações possíveis e previsíveis, num juízo
de prognose.
Reunindo a interpretação sustentada na decisão recorrida estas características,
era exigível que o recorrente a tivesse suscitado previamente perante o tribunal
recorrido, de modo a dar-lhe oportunidade de a poder apreciar.
Não o tendo feito revela-se correcta a decisão de não conhecer o recurso por
falta de cumprimento deste requisito essencial do recurso de
constitucionalidade, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., S.G.P.S., S.A., da
decisão sumária proferida neste Tribunal em 7-10-2008.
*
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 19 de Novembro de 2008
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
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