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Processo n.º 536/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:I – Relatório1. A. e B., inconformados com a decisão sumária proferida a 11 de Julho de 2011, vêm dela reclamar (em requerimentos separados, mas com conteúdo idêntico) dizendo o seguinte:
“2° Quanto à 1.ª questão levantada pelo arguido no seu recurso, ou seja, a questão da apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do art. 400°, n° 1, al. f) do CPP, na interpretação que lhe foi conferida pelo STJ, conforme consta da sua decisão sumária, o TC considerou aí não ser possível decidir da mesma por esta não ter sido levantada de ‘modo processualmente adequado’, ou seja, ‘por não ter sido suscitada perante o Tribunal recorrido em termos de este estar obrigado a dela conhecer nos termos do art. 72°, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional’.
3.º Se na verdade essa é a regra é também verdade que tem sido admitidas algumas excepções à mesma, excepções essas que se encontram devidamente tipificadas no Ponto 42 do Douto Acórdão do TC n° 674/1999 deste Tribunal Constitucional e cujo teor aqui reproduzimos: ‘Assim a dispensa da prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade — prévia, relativamente à prolação da decisão jurisdicional que se pretende recorrer — tem sido admitida, desde logo, naqueles casos em que o recorrente não tenha tido a oportunidade processual de suscitar a questão anteriormente (CFR. Acórdão n° 136/85, ACS do TC, ‘Vol. Pags 6/5 e segs, AC. N° 94/88, ACS do TC,’Vol. Pags 1089 e segs; AC. N° 5 1/90, ACS do TC, 15° Vol, pags 499 e segs e AC. N° 60/95, ACS do TC, 30° Vol. Pags 445 e segs).
4.º Mas tem sido igualmente admitida naqueles casos, em que não era exigível ao recorrente que tivesse suscitado a questão previamente — e isto, quer devido à imprevisibilidade da aplicação da norma ao caso (AC. n° 391/89, ACS do TC, 13° Vol, Tomo II, pags 367 e segs; AC. n° 61/92, ACS do TC 21° Vol. Pags 761 e segs e AC. n° 188/93, ACS do TC 24° Vol, pags 495 e segs) quer ainda por tal suscitação constituir contradição evidente com a estratégia processual adoptada (AC. n° 605/75, ACS do TC, 32° Vol. Pags 449 e segs).
5.º Outro tipo de situações, excepcionais, que dispensam a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade ocorre naqueles casos em que o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, se não esgote com a decisão recorrida, como acontece por exemplo, em função do que se preceitua no art. 102°; n° 1, do CPC, com o conhecimento da incompetência absoluta (AC. n° 3/83, ACS do TC, 1° Vol, pags 245 e segs); e, ocorre ainda naqueles casos em que a questão da inconstitucionalidade se refira a normas processuais aplicáveis, a título principal ou incidental, na própria decisão que vai apreciar o requerimento em que se contenha a arguição de nulidade ou o pedido de aclaração (CFR. V.g. o AC. 206/86, ACS do TC, 7° Vol, Tomo II, pags 975 e segs).
6° Todavia, fora estes casos excepcionais a questão de inconstitucionalidade — reafirma-se — há-de ser suscitada antes de proferida a decisão recorrida’.
Assim somos convictos em afirmar que o recurso do arguido quanto à questão suscitada ao abrigo do art. 70°, n° 1, al. b) da LTC, não cumpriu o disposto no art. 72°, n° 2 da LTC, por isso o que está aqui em causa é se o mesmo pode ou não ser aceite por se enquadrar no regime de excepções anteriormente referido.
7.º A decisão sumária do TC foi no sentido de que o recurso do arguido não se podia enquadrar nesse regime, contudo nós discordamos da mesma pelos motivos que passamos a expor: O arguido foi condenado por decisão da 1.ª Instância face a essa decisão a defesa do arguido teve de ponderar quais as opções de defesa que lhe restavam em relação ao mesmo. Do art. 32°, n° 1, da CRP, deflui que a opção de recurso para instâncias superiores era uma opção da defesa, já que esse direito lhe estava garantido, ou seja, assegurado pela própria Constituição. Contudo esse direito não é um direito eterno nem absoluto já que se encontra limitado e defendido na Lei processual penal, que nos diz taxativamente quais as condições em que o arguido o pode exercer.
8° Assim, esse direito encontra-se definido no art.399° do CPP e limitado ou condicionado pelo art. 400.º do mesmo diploma. Por isso ao interpor recurso para o TRL a defesa do arguido estava assim descansada com a garantia decorrente do texto dos arts 32°, n° 1, da CRP conjugado com os arts 399° e 400°, n.º 1 Al. f) do CPP, de que se houvesse lugar a indeferimento do recurso pelo TRL, esta poderia sempre recorrer ainda para o STJ já que a pena aplicada no Acórdão ao arguido era superior a 8 anos.
9.º Não havia nada no texto desses normativos que fizesse a defesa do arguido poder pensar, ou sequer suspeitar o contrário. Assim, quando o TRL indeferiu o recurso do arguido e manteve a decisão de ia Instância a defesa voltou a interpor recurso para o STJ, por acreditar que tinha esse direito já que o texto dos já aludidos normativos assim o garantia.
10.º Curiosamente, esse recurso foi aceite pelo TRL nos termos dos arts 399° e 400°, n° 1, al. f) do CPP subiu para o STJ e foi também aceite por este Tribunal nos termos dos mesmos normativos.
11.º Ou seja, o mesmo normativo ao abrigo do qual o arguido interpôs recurso para o STJ e do qual este foi aceite na 1.ª fase serviu de fundamento para rejeitar o mesmo na conferência.
12° Sintetizando, sendo o direito de recurso uma garantia de defesa do arguido que se encontra respaldada pela própria Constituição (art. 32°, n° 1, da CRP), dizendo a Lei que é possível recorrer de todos os Acórdãos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na Lei (art. 399° do CPP) e tipificando ainda a Lei quais são essas decisões que não admitem recurso (art. 400° do CPP) e não se enquadrando a situação do arguido abrangida por nenhuma das situações tipificadas no texto do art. 400° do CPP — nomeadamente a do n° 1, al. f)) desse normativo — é lógico que a defesa do arguido nunca suspeitou ou sequer supôs que o recurso pudesse vir a ser rejeitado.
13° Assim havendo uma garantia de que o recurso do arguido podia ser interposto para o STJ, é óbvio, que a rejeição do mesmo por este Tribunal só poderia ser uma surpresa, já que do texto dos já aludidos normativos nada indicava essa hipótese ou seja, o art. 400° do CPP diz-nos taxativamente quais são as decisões que não admitem recurso e se a situação do arguido não se encontrava no texto desse normativo então a regra era a admissão do mesmo, daí que a rejeição terá de constituir algo de anormal e contrário à regra e como tal uma surpresa.
14° Aliás o próprio TRL aceitou o recurso e enviou o mesmo para o STJ por aceitar que este se enquadrava no âmbito do art. 400°, n° 1, al. f) do CPP, ou seja que não devia ser rejeitado nos termos desse normativo. Assim como se pode afirmar que a defesa do arguido não foi surpreendida com a rejeição do mesmo-
15° Por outro lado, como seria possível o arguido colocar a questão da inconstitucionalidade da interpretação desta norma ao STJ se a mesma foi aplicada no Acórdão final que rejeitou o recurso do arguido e do qual não cabia mais nenhum recurso-
16° Ou seja, qual o mecanismo à disposição do arguido para poder invocar essa inconstitucionalidade de forma atempada e adequada se esta foi aplicada pelo Tribunal recorrido em despacho do qual não é admissível mais nenhuma recurso excepto para o TC-
17° Tão pouco poderia o arguido invocar a inconstitucionalidade de uma norma que ainda não tinha sido aplicada pelo Tribunal antes desta norma ter sido aplicada ou sem saber se a mesma viria a ser alguma vez aplicada... Seria quase como recorrer a pedir a absolvição de uma pena de prisão pela qual o arguido ainda nem sequer tinha sido condenado e sem sequer saber se o viria a ser!
18° A verdade é que, o arguido só pode invocar a inconstitucionalidade de uma norma após a aplicação da mesma, ou seja, não faz sentido recorrer ou levantar questões sobre situações que na prática não existem nesse momento.
19° Sendo assim, a decisão que aplicou a norma, ou seja o Acórdão do STJ que rejeitou o recurso do arguido era irrecorrível, desta decisão só havia hipótese de recurso para o TC, estando já esgotadas todas as outras hipóteses.
20° Neste caso, a inconstitucionalidade da norma só poderia ser levantada directamente em recurso para o TC já que não havia hipótese alguma do arguido o poder fazer ao Tribunal recorrido em termos deste estar obrigado a dela conhecer já que após o Acórdão que rejeitou o recurso do arguido o Tribunal recorrido perdeu toda a legitimidade para poder reconhecer das questões levantadas por este, e ainda que essa questão pudesse ter sido colocada num requerimento de aclaração também aí o TC considera na sua jurisprudência não se entender como tendo sido feita de forma processualmente adequada (CFR. ACS n°s 90/85, 62/85 e 94/88).
21° Face ao exposto podemos concluir o seguinte:
Em primeiro lugar pelo conteúdo do texto dos arts 32°, n° 1, da CRP, conjugado com os textos dos arts 399° e 400°, n° 1, al f) do CPP nada indicava que o recurso do arguido poderia vir a ser rejeitado por um entendimento próprio que o STJ fez do conteúdo nesse normativo, entendimento esse que não decorre do texto do mesmo normativo nem se encontra aí explicito.
22° Por outro lado, o facto do próprio TRL não ter rejeitado o mesmo recurso nem tão pouco o STJ o ter rejeitado liminarmente, indicava ao arguido que este se encontrava dentro do âmbito do já aludido normativo.
Assim quando o recurso do arguido foi rejeitado pelo STJ na conferência, ainda por cima tendo como fundamento dessa rejeição uma interpretação própria que o Tribunal fez do conteúdo do mesmo normativo ao abrigo do qual esse recurso já tinha sido aceite e enviado para esse Tribunal é claro que podemos afirmar que o arguido foi surpreendido com essa decisão, já que não esperava a mesma.
23° Em segundo lugar, tão pouco existe forma do arguido poder levantar a questão da inconstitucionalidade ao STJ de forma processualmente adequada já que a peça processual onde o Tribunal aplicou essa norma (o Acórdão que rejeitou o recurso do arguido) marca o limite final do poder de cognição desse Tribunal. Não tendo o mesmo legitimidade, para poder conhecer de posteriores questões que lhe sejam levantadas pelo arguido, nomeadamente essa.
24° Ou seja, o arguido não podia suscitar a inconstitucionalidade de uma norma antes desta existir ou ter sido aplicada; e, após a aplicação da mesma, já não podia levantá-la de forma adequada perante o Tribunal que proferiu essa decisão em termos deste poder dela conhecer já que esse Tribunal com a decisão onde aplicou a mesma norma esgotou todo o seu poder de cognição, e perdeu a legitimidade para conhecer posteriores questões levantadas pelo arguido.
25° Podemos também afirmar que, o arguido foi surpreendido com a interpretação que o STJ fez dessa norma já que à mesma norma os tribunais aplicaram dois sentidos diferentes, ou seja, primeiro o recurso do arguido foi aceite pelo TRL e enviado para o STJ nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, e depois foi rejeitado por esse Tribunal nos termos desse mesmo normativo. Por outro lado do texto dos arts 32°, n° 1, da CRP, conjugado com os arts 399.º e 400°, n° 1, al. f) do CPP nada indicava que o mesmo recurso podia ser rejeitado, pelo contrário, garantia-se o mesmo.
26° Se é verdade que existem acórdãos do STJ que indicam que esse Tribunal pode ter esse entendimento, também é certo que o arguido não conhece nem pode conhecer todos os acórdãos do STJ que existem nem o conteúdo dos mesmos, tal como aliás o TRL também não os conhece. Pois se esse Tribunal conhecesse, ou aderisse a esse entendimento, teria rejeitado o recurso do arguido liminarmente quando este foi interposto, com base no mesmo entendimento.
27° Podemos assim afirmar que não só a defesa do arguido foi surpreendida com a interpretação que o STJ fez da norma constante do art. 400°, n° 1, al. f) do CPP, como foi impossível a mesma poder levantar essa questão a esse Tribunal de modo processualmente adequado; já que, com a aplicação dessa norma o STJ esgotou todo o seu poder de cognição, para poder apreciar posteriores questões levantadas pela mesma.
28° Assim, dada a imprevisibilidade de aplicação da norma (tão imprevisível que não só o arguido como o TRL nunca suspeitaram da aplicação da mesma) e a impossibilidade técnica do arguido poder suscitar essa questão perante o Tribunal recorrido em termos deste estar obrigado a dela conhecer (já que com a aplicação da mesma este Tribunal perdeu o poder de conhecer ulteriores questões levantadas pelo arguido) podemos afirmar que a presente questão levantada no recurso do arguido para o TC se enquadra no regime de excepções por nós já aludido e que se encontra descrito no ponto 42 do AC. n° 674/1999 deste douto TC, pelo que face ao exposto, no nosso entendimento e face à doutrina e jurisprudência deste TC deverá o recurso do arguido ser aceite e apreciado no que toca à concreta questão levantada neste ponto, ou seja, quanto à interpretação que o STJ fez da norma constante do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP e da possível inconstitucionalidade da mesma.
29° Quanto às questões levantadas ao abrigo do art. 70, n.º 1 , al. g) da LTC, podemos afirmar o seguinte: Na realidade aceitamos que, poderá ter havido falta de clareza na forma como as questões foram postas no requerimento pois, o Acórdão do qual o arguido pretende recorrer é o Acórdão do TRL que confirmou a decisão do Acórdão de 1.ª Instância. Já quanto à questão do recurso dever, ou não, ter sido interposto directamente no TRL, para uma melhor percepção da mesma devemos explicar aqui todos os passos que foram dados pela defesa do arguido e as opções que esta dispunha. O julgamento destes autos durou mais de 1 ano e durante esse tempo foram ouvidas quase 100 testemunhas.
Na decisão de 1.ª instância, a defesa encontrou erros na apreciação da matéria de facto, erros de Direito e Inconstitucionalidades. Em face disto a defesa resolveu recorrer dessa decisão para o TRL. Ora tendo a defesa 30 dias apenas, para preparar o recurso do arguido e tendo nesse tempo de escutar dezenas de gravações de testemunhas e examinar dezenas de documentos que constam dos autos, a defesa teve de fazer opções dado que estava limitada em termos temporais. Assim optámos por alicerçar o nosso recurso para o TRL sobre os erros na matéria de facto, primeiro porque esses erros poderiam levar à absolvição do arguido e segundo porque quanto aos outros erros, matéria de Direito e Inconstitucionalidades, ainda havia outras opções futuras em aberto; ou seja, a possibilidade de posteriores recursos para o STJ e TC e porque tais erros poderiam levar à anulação do Acórdão mas não directamente à absolvição do arguido.
30° O TRL veio a indeferir o recurso do arguido e confirmou assim a decisão de 1.ª Instância e aí a defesa voltou a ponderar as hipóteses que ainda tinha na ‘mesa’. Essas hipóteses eram recorrer para o STJ, ou preterir esse recurso e recorrer para o TC.
31° Os erros de Direito mais patentes no Acórdão, e que saltam à vista de qualquer pessoa média, são o facto do arguido ter sido condenado em diversos crimes em que não vinha pronunciado ou acusado, tendo como factos atinentes à execução dos mesmos facticidade porque tão pouco vinha incriminado, ou pronunciado, e tudo isto fora das condições previstas nos arts 358° e 359° do CPP.
32° Esses erros consubstanciavam, em 1.ª análise, a nulidade do Acórdão nos termos do art. 379° do CPP e a inconstitucionalidade do mesmo por força dos ACS 674/1999 e 463/2004, ambos do TC. Assim, qual seria a melhor hipótese para a defesa- Recorrer para o STJ e deixar ainda em aberto a hipótese de poder voltar a recorrer para o TC ou recorrer directamente para o TC e perder assim a hipótese de puder levantar a questão das nulidades do Acórdão perante o STJ- A resposta a esta pergunta foi encontrada pela defesa, do arguido, no texto do art. 70°, n° 6 da LTC que nos diz: ‘Se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o TC não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira’.
33.º Assim a defesa optou por levantar a questão das nulidades perante o STJ com a certeza que lhe era dada pela interpretação deste normativo de que se este Tribunal indeferisse ou rejeitasse o recurso do arguido, ou seja se mantivesse a decisão anterior (do TRL) o arguido poderia sempre interpor recurso da mesma para o TC nos termos do texto deste normativo (art. 70.º, n° 6 da LTC).
34.º Tal como já explicamos, no ponto anterior, o STJ rejeitou o recurso do arguido e não apreciou as questões postas por este nesse recurso, mantendo assim válida, e inalterada, a decisão do TRL, ou seja, por outras palavras, confirmou essa decisão.
Em face disto o arguido resolveu então interpor recurso para o TC, conforme a interpretação que o mesmo fez no n° 6, do art. 70.º, da LTC. Ora esse recurso não podia ser interposto directamente no TRL porque tecnicamente nessa fase processual os autos já não se encontravam nesse Tribunal e sim no STJ, por isso o pedido de interposição teve de ser dirigido a esse Tribunal, por uma questão meramente processual, por ser esse o Tribunal que tinha na sua posse os autos, inclusivamente o próprio Acórdão do TRL, já que foi este Tribunal que ao rejeitar o recurso do arguido manteve, confirmou ou validou assim as decisões do Acórdão do TRL.
35.º Por outro lado, o recurso foi interposto de forma processualmente adequada ou seja do mesmo consta que o recurso feito ao abrigo da al. g) do n° 1, da LTC, dizia respeito a questões constantes no Acórdão do TRL, contudo o próprio STJ aceitou o recurso e o MP teve oportunidade para se pronunciar sobre o mesmo.
36° Face ao exposto, entende o arguido que, quando o TRL prolatou a sua decisão, não era possível à defesa do arguido recorrer directamente da mesma para o TC por caber ainda recurso ordinário dessa decisão para o STJ, sob pena da defesa perder a hipótese de recorrer para este Tribunal.
37.º Assim, nos termos do art. 70.º n.º 6 da LTC, a defesa considerou que se o STJ confirmasse a decisão do Acórdão do TRL haveria sempre a hipótese de ainda se poder recorrer dessa decisão para o TC, e foi o que o arguido fez com base na interpretação que fez desse normativo.
38° Assim, nos termos do art° 70, n° 6, da LTC, o recurso do arguido deverá ser aceite pelo TC e prosseguir para apreciação dos pontos levantados no mesmo, sobre a questão das normas já anteriormente julgadas inconstitucionais por este douto Tribunal.
39.º Finalmente, se este douto Tribunal considerar que não cabe razão ao arguido na sua reclamação, ainda assim, existe uma questão sobre a qual a defesa do arguido gostaria de ser aclarada, ou seja, que outra hipótese é que a mesma tinha de recorrer da decisão do TRL para o Te, quando dessa decisão ainda cabia hipótese de recurso ordinário para o STJ, sem perder a hipótese de poder recorrer para esse Tribunal- Por outras palavras, seria possível o arguido recorrer do TRL directamente para o TC e se este Tribunal indeferisse o recurso do arguido, poderia este voltar a recorrer do Acórdão do TRL para o STJ-”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“3. Profere-se decisão sumária ex vi artigo 78.º, n.º 1, da LTC por ausência de pressupostos essenciais ao conhecimento das questões que integram o recurso interposto. De facto, não obstante o recurso ter sido admitido no tribunal recorrido, essa decisão, como se sabe, não vincula este Tribunal (cfr. artigo 76.º, n.º 3 da LTC).
Analisemos em que medida se verifica a ausência de pressupostos.
4. A primeira questão de constitucionalidade suscitada é integrada em recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC e diz respeito ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), na redacção actualmente em vigor, interpretado no sentido de que ‘ainda que a pena única aplicada ao arguido seja superior a 8 anos, se as penas parcelares, que compõem essa pena, forem individualmente inferiores a esse valor, não está garantido o direito de duplo recurso’, face ao âmbito de protecção contido no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição. Os recursos que têm como fundamento a referida alínea b), têm vários pressupostos, devendo visar, designadamente, a apreciação de inconstitucionalidade que tenha sido suscitada durante o processo. Suscitar uma questão durante o processo significa colocar a mesma a apreciação judicial antes que se dê por extinto o poder jurisdicional do tribunal a quo, isto é, até que aquele profira a decisão final. E essa suscitação deve ser feita de modo processualmente adequado, o que implica, nos termos do artigo 72.º, n.º 2 da LTC, que a questão tenha sido suscitada perante o tribunal recorrido em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
4.1. Existem, contudo, situações em que não é exigível ao recorrente constitucional a satisfação deste pressuposto. O Tribunal Constitucional tem identificado, em jurisprudência reiterada, várias conjunturas que, a verificarem-se, dispensam a suscitação antecipada da inconstitucionalidade. Um caso de tal índole verificar-se-á quando o recorrente é surpreendido pela aplicação, na decisão, de determinado preceito legal ou pela interpretação que é dada a determinado preceito ou conjunto de preceitos. A pronúncia judicial, na sua ratio decidendi, apresenta-se, portanto, como insólita, inédita, ou imprevisível.
Esta imprevisibilidade, que resultará no carácter-supresa da decisão é apreciada em termos objectivos. Quer isto dizer que não basta que, do ponto de vista meramente subjectivo (isto é, da perspectiva do recorrente), a decisão se apresente como não expectável. O que o Tribunal se questiona é se, perante o caso concreto, seria exigível ao recorrente a antecipação da questão (o que pressupõe, obviamente, a antecipação da aplicabilidade de determinado preceito legal e/ou de certa interpretação imputada ao quadro normativo aplicável). Este juízo, partindo do caso concreto, é feito em moldes abstractos e objectivos. O Tribunal visa apurar se o efeito-surpresa da decisão é, ou não, fundamentado. Não será fundamentado naqueles casos em que a aplicação de determinado preceito deve ser racionalmente antecipada e em que a mesma surge com uma interpretação que é confirmada por jurisprudência anterior (designadamente – mas não necessariamente – daquela instância e não obstante se tratar de entendimento unânime ou reiterado).
4.2. Significa isto que a dispensa de um ónus que o sistema impõe, em ordem ao conhecimento de questões relativas a normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, apenas procede em situações verdadeiramente excepcionais. A situação que agora apreciamos não integra, no entanto, tal excepcionalidade. De facto, a aplicabilidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP – uma vez que se trata de norma relativa à admissibilidade de recurso penal para o Supremo Tribunal de Justiça – é mais do que previsível. Sustentam os Recorrentes que a imprevisibilidade reside na interpretação que lhe foi atribuída, ao considerar que, no caso de cúmulo de penas, não basta que a pena única seja superior a 8 anos, tornando-se ainda necessário que as penas parcelares sejam individualmente superiores. Este entendimento do Supremo Tribunal de Justiça não é, no todavia, inédito, tendo vindo, ao invés, a ser aplicado por aquele Tribunal, como se pode conferir, por exemplo, pelo acórdão de 20 de Outubro de 2010, proferido no âmbito do processo 651/09.8PBFAR.E1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), bem como pela jurisprudência nele citada.
Competia aos Recorrentes antecipar a aplicação de tal preceito naquele sentido pois que o mesmo resulta já de outra jurisprudência anterior cujo conteúdo não deveria desconhecer Neste sentido se tem vindo a pronunciar, de modo reiterado, a jurisprudência constitucional. Como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, ‘ (…) desde logo terá de ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada).’
Conclui-se, face ao exposto, que era exigível aos Recorrentes a antecipação da aplicação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP na interpretação referida, e que deveriam, portanto, ter suscitado a questão perante o Tribunal a quo em termos tais que este estivesse em condições de a apreciar e decidir. Não o tendo feito, não pode agora o recurso que pretendem interpor ser conhecido.
5. As outras duas questões suscitadas integram recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, referente a decisões judiciais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional. Sustentam os Recorrentes, relativamente a estas questões (respeitantes aos artigos 358.º e 359.º do CPP e ao artigo 359.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo código), que as decisões do Tribunal da Relação e do tribunal de 1.ª instância procederam a uma interpretação inconstitucional daqueles preceitos, face a decisões anteriores deste Tribunal.
5.1. Sucede que, nesta parte, os Recorrentes intentam recorrer das decisões proferidas anteriormente pela Relação e pela 8.ª Vara Criminal de Lisboa. Como é óbvio, não seria admissível recurso da decisão proferida pela 1.ª instância por extemporaneidade. O mesmo já não sucederia quanto ao acórdão da Relação. No entanto, um recurso de constitucionalidade desta decisão deveria ter sido dirigido a esse Tribunal pois só o mesmo poderia admitir o recurso da sua pronúncia. Os Recorrentes não cuidaram, no entanto, de obedecer ao trâmite processual devido tendo, aliás, interposto recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, mencionando, expressamente, que a decisão de que recorriam era a que havia sido proferida por este Tribunal. Não é admissível que, em requerimento cujo intróito é dirigido a determinado tribunal e que detalhadamente especifica a decisão que é objecto de recurso, venham enxertar, mais à frente, e sem a necessária autonomização, novo recurso, dirigido a um outro Tribunal, e que tem por objecto uma outra decisão, diversa da que é inicialmente visada.
5.2. O recurso foi admitido da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois só relativamente às suas pronúncias é que o mesmo detém a capacidade de admitir ou recusar a admissão do recurso de constitucionalidade. Não pode, portanto, ser conhecido o recurso da decisão do Tribunal da Relação, enxertado, de modo não autonomizado, em requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça e que tem por objecto a decisão proferida pelo mesmo. O não conhecimento funda-se no facto de que esta decisão, tendo-se limitado a apreciar a admissibilidade do recurso interposto para o Supremo, não aplicou nenhum daqueles preceitos já especificados. Pelo que, também nesta parte não pode o recurso ser conhecido.”
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação4. A decisão sumária ora impugnada determinou o não conhecimento dos recursos de constitucionalidade constantes dos autos por dois fundamentos: relativamente aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, pelo facto de a inconstitucionalidade não ter sido suscitada durante o processo, não procedendo qualquer motivo que pudesse justificar a não exigibilidade, em concreto, da satisfação deste ónus; quanto aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), do mesmo diploma, pelo facto de os recursos terem sido interpostos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido admitidos pelo mesmo tribunal, e não da decisão da Relação de Lisboa, em requerimento dirigido a este mesmo Tribunal.
5. Os Reclamantes vêm agora, em síntese, alegar o seguinte: quanto aos recursos interpostos ao abrigo da referida alínea b), não lhes poderia ser exigível que antecipassem a suscitação de inconstitucionalidade de norma que, versando a admissibilidade do recurso penal para o Supremo Tribunal de Justiça, ainda não tinha sido aplicada, nem tão-pouco se pode esperar que os mesmos tenham a “obrigação” de conhecer a jurisprudência anterior daquele Tribunal nesta matéria. Aduzem em favor da sua pretensão o facto de o recurso ter sido inicialmente admitido no Tribunal da Relação e de não ter sido liminarmente indeferido no Supremo Tribunal de Justiça. Nenhum dos seus argumentos, no entanto, colhe sucesso. De facto, para o que ora importa – isto é, para efeitos de se considerar que não lhes seria exigível a suscitação da inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido em termos de este estar dela obrigado a conhecer – é totalmente irrelevante o facto de a Relação ter admitido o recurso e de o mesmo não ter conhecido indeferimento liminar no Supremo Tribunal de Justiça. Importa, isso sim, é apurar se os então recorrentes tiveram oportunidade processual de suscitar a questão. Recorde-se que a mesma diz respeito a norma que rege a admissibilidade do recurso pelo que a sua aplicabilidade era mais do que previsível: surgia, sim, como totalmente expectável, à luz de um recorrente mediano, colocado naquela posição em concreto. Sustentam ainda os Recorrentes que não têm o dever de conhecer toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. O certo é que, não tendo tal dever, têm esse ónus se pretendem alinhar a sua estratégia processual, prevenindo a possibilidade de um futuro recurso de constitucionalidade. Retomando o que já foi dito na decisão ora reclamada, “[c]ompetia aos Recorrentes antecipar a aplicação de tal preceito naquele sentido pois que o mesmo resulta já de outra jurisprudência anterior cujo conteúdo não deveria desconhecer Neste sentido se tem vindo a pronunciar, de modo reiterado, a jurisprudência constitucional. Como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, ‘(…) desde logo terá de ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada).”
6. Os Recorrentes invocam que não tiveram à sua disposição qualquer mecanismo processual que lhes permitisse a suscitação antecipada da questão. Isto não corresponde à verdade. Desde logo, como é óbvio, poderiam tê-lo feito aquando da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Mas, e como salienta o Reclamado, puderam fazê-lo quando foram notificados do parecer emitido pelo Ministério Público junto daquele Tribunal, o qual suscitou, precisamente, a questão da inadmissibilidade do recurso. Tendo oportunidade de responder, suscitando, então, a questão de inconstitucionalidade normativa, optaram por não proceder a tal suscitação. Não o tendo o feito, desperdiçaram outro mecanismo processual que tinham ao seu alcance e que lhes permitia a satisfação do ónus processual o qual não pode portanto, em termos objectivos, ser tido como inexigível neste caso concreto.
7. No que se refere aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, sustentam os Reclamantes que, tendo optado por recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas junto deste puderam interpor recurso do acórdão da Relação. Por outro lado, se o tivessem feito aquando da decisão proferida pela segunda instância, não seria ainda admissível recurso, visto caber ainda meio ordinário de impugnação. Questionam, por fim, qual o caminho processualmente correcto para, recorrendo para o Supremo Tribunal de Justiça, poderem recorrer posteriormente, para o Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação.
A resposta encontra-se nos artigos 70.º, n.º 6 e 75.º, n.º 2, da LTC. No caso em apreço, notificados da não admissão do recurso, os Reclamantes deveriam, então, ter interposto recurso da decisão da Relação. Mas este recurso deveria ter sido dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão e não ao Supremo Tribunal de Justiça. Mesmo que se admitisse que se verificara um lapso, o que parece ser defendido pelos Reclamantes quando reconhecem alguma “falta de clareza”, o certo é que o recurso da decisão da Relação não deveria ter sido dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça – como, efectivamente, foi. Como escreveu Lopes do Rego, “carece o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade de ser dirigido ao Magistrado titular do órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida — não podendo, segundo jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional conhecer-se do recurso quando o respectivo requerimento tiver sido dirigido a entidade incompetente, ‘a non domino’, para sobre ela se pronunciar” (Cfr. Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, pág. 213).”
Saliente-se ainda, ademais, que o acórdão apresentado pelos Recorrentes como acórdão-fundamento, procede à apreciação de uma interpretação do artigo 359.º do CPP que não corresponde à que se apresentou nos autos. De facto, aquele aresto julgou inconstitucional a norma do artigo 359.° do CPP, quando interpretado no sentido de, em situação em que o tribunal do julgamento comunica ao arguido estar-se perante uma situação de alteração não substancial dos factos descritos na acusação, quando a situação é, efectivamente, de alteração substancial da acusação, o silêncio do arguido pode ser havido como acordo com a continuação do julgamento. Ora, a situação que se verificou nos presentes autos é radicalmente diferente porque, nenhuma decisão entendeu que se estava perante uma alteração substancial dos factos.
Pelo que improcedem as reclamações apresentadas.
III – Decisão8. Face ao exposto, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento dos recursos.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Agosto de 2011. José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos
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