|
Processo n.º 891/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
«1. Por acórdão de 9 de Dezembro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu, com a seguinte fundamentação, o pedido de habeas corpus deduzido pelo recorrente:
“O recorrente fundamenta o pedido de habeas corpus nos artºs 220º, n.º 1, alínea a), e 222º, nº 2, alínea c), do CPP. Mas uma e outra dessas normas referem-se a realidades distintas e a apreciar por entidades distintas. A primeira prevê o excesso do prazo para a entrega do detido ao poder judicial, sendo fundamento de habeas corpus em virtude de detenção ilegal, competindo a sua apreciação ao juiz de instrução, como se estabelece no corpo do nº 1 do artº 220º. A segunda prevê a manutenção da situação de prisão para além do prazo fixado pela lei ou por decisão judicial, sendo fundamento de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, cuja apreciação, esta sim, cabe ao Supremo Tribunal de Justiça.
A alegação do recorrente situa-se no âmbito da primeira dessas normas, pois o que pretende é que entre o momento da sua detenção e o da apresentação ao juiz de instrução decorreram mais de 48 horas, em violação do disposto no artº 254º, nº 1, alínea a), do mesmo código. Mas, se fosse fundada essa pretensão, o meio que o arguido tinha ao seu dispor era pedir ao juiz de instrução, a coberto de providência de habeas corpus própria, que pusesse termo à pretendida ilegalidade: excesso do prazo máximo de detenção.
A petição de habeas corpus perante o Supremo Tribunal de Justiça tem de fundar-se não em detenção ilegal, mas em ilegalidade da prisão proveniente de uma das situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artº 222º. O requerente invoca a alínea c), mas a partir de factos que nada têm que ver com a sua previsão – manutenção da prisão «para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial» –, pois o que diz é que houve detenção por mais de 48 horas.
Percebe-se pelo teor de um dos pedidos formulados a final, o da alínea c), que o recorrente pretende ser ilegal a sua prisão preventiva em virtude de haver sido excedido o prazo máximo de detenção. Não tem que ser aqui decidido se assim é ou não, na medida em que, na apreciação da petição de habeas corpus o Supremo Tribunal de Justiça só tem que decidir se ocorre alguma das referidas situações do nº 2 do artº 222º, que configuram casos em que a ilegalidade da prisão é tão flagrante e evidente que o seu ataque se não compadece com a demora própria de um recurso. E a pretensa ilegalidade da prisão preventiva decorrente de um excesso do prazo de detenção não preenche nenhuma daquelas situações, designadamente a da alínea c), invocada pelo requerente, como é evidente. Para que no caso pudesse ocorrer essa situação era necessário que estivesse excedido qualquer dos prazos de duração máxima da prisão preventiva previstos no artº 215º, o que está muito longe de ocorrer, visto essa medida haver sido aplicada apenas em 29/11/2010.
Apesar de, como se disse, o Supremo Tribunal de Justiça não ter que apreciar um eventual excesso de detenção, não pode deixar de se dizer que não se mostra fundada a alegação do requerente nesse sentido. Ao contrário do que afirma no nº 13 da petição, não é exacto que o «JIC mandou cumprir o mandado de detenção no acto da busca», pois, como se vê do respectivo despacho, a fls. 31, o juiz de instrução ordenou a detenção do requerente depois das buscas que autorizou. E no mandado de detenção junto pelo requerente a fls. 6 consta que o seu cumprimento devia ter lugar na data, e não no acto, «da realização das buscas já determinadas».
E nada permite concluir que a detenção teve lugar antes das 10 horas do dia 27/11/2010. Não só é essa a hora afirmada pelo senhor juiz de instrução, como o requerente não diz que lhe foi dada ordem pelos inspectores da Polícia Judiciária, que realizavam a busca, para não se ausentar da sua residência às 7 horas nem dá conta de qualquer gesto concreto da parte deles no sentido de o impedirem de sair antes das 10 horas. E por isso também não pode ser afirmada a existência de qualquer anomalia na não exibição ao requerente do mandado de detenção antes das 10 horas.
Deste modo, é manifesta a falta de fundamento do pedido de habeas corpus. E não tem que ser aqui dada resposta às pretensões formuladas nas alíneas a) a e) da parte final da petição, por dizerem respeito a pretensos vícios relacionados com a detenção que nunca poderiam configurar qualquer dos fundamentos de habeas corpus previstos no nº 2 do artº 222º, âmbito único de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.”
2. O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com vista à apreciação de constitucionalidade dos artigos 254.º, 257.º e 258.º do Código de Processo Penal (CPP), que entende violarem os artigos 27.º, 28.º e 32.º da Constituição e o artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “se entendidos que o suspeito, alvo de Mandado de Detenção e de Busca, não é logo detido de imediato, com entrega imediata de cópia, quando abordado pelo OPC, com o cripto-argumento de que só após várias horas de Busca é que se procede à detenção, assim se prorrogando por mais de 48 horas a abordagem ao suspeito e submissão ao Poder Judicial”.
3. A transcrição a que se procedeu da fundamentação do acórdão recorrido torna imediatamente evidente, sem necessidade de qualquer esforço de demonstração ou mediação interpretativa, que o Supremo Tribunal de Justiça não fundou a sua decisão em qualquer dos preceitos legais que o recorrente indica e que não retirou de quaisquer outros, designadamente daqueles que entendeu referirem-se ao seu âmbito de cognição da providência de habeas corpus, o sentido que o recorrente quer ver sindicado por este Tribunal.
Na verdade, o acórdão entendeu que não cabia ao Supremo apreciar pretensos vícios relacionados com a detenção (anteriormente à apresentação ao juiz de instrução) por nunca poderem configurar qualquer dos fundamentos de ilegalidade da prisão previstos no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, âmbito restrito de apreciação confiada ao Supremo Tribunal de Justiça. Portanto nada decidiu que possa referir-se ao conteúdo normativo dos artigos 254.º, 257.º e 258.º do CPP, pelo que não fez aplicação de qualquer norma desses preceitos extraída.
Aliás, numa preocupação exaustiva de esclarecimento da falta de razão do recorrente, o acórdão recorrido fez ainda mais, para lá do âmbito de tutela da liberdade que por este meio processual lhe está cometida. Tornou patente – e isso é matéria em que os tribunais da causa são soberanos, não cabendo ao Tribunal Constitucional interferir em tal domínio – que, segundo os dados revelados pelo processo, não só o juiz de instrução não ordenou que o mandado de detenção fosse cumprido “no acto das buscas” mas sim “depois das buscas”, como também nada permite concluir que a detenção tenha ocorrido antes das 10 horas do dia 27 de Novembro de 2010 ou que, de qualquer modo, ao recorrente tenha ficado limitado na sua liberdade ou sido impedido de se ausentar antes dessa hora, em termos de poder concluir-se ter havido excesso de duração da detenção. De todo o modo, isso é matéria aduzida ex abundante, não integrando a ratio decidendi do acórdão.
Assim, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação da norma que o recorrente identifica com objecto do recurso, não está preenchido o pressuposto básico de admissibilidade de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pelo que o recurso não pode prosseguir.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, com 8 unidades de taxa de justiça.»
2. O Recorrente reclama desta decisão nos seguintes termos:
“A., arguido preso nos autos supra id. notificado da Decisão Sumária e não se conformando com a mesma vem RECLAMAR para o Plenário, ao abrigo do art. 78-A – n°1 da Lei do Tribunal Constitucional. São fundamentos:
1- O argumento de que o Mandado de detenção é entregue quando aprouver à P.J. conduz a errada interpretação da Lei e da Justiça, pelo que os presentes autos “subirão” ao Senhor Juiz da Cour Europeénne de Strasbourg em momento oportuno....
2- Emitido um Mandado de Detenção contra um cidadão, deve a P.J. esperar dias e dias ou horas e horas para realizar outras diligências ----
Segundo o Sr Prof. Paulo Pinto Albuquerque:
‘ .. o mandado deve ser entregue ao detido imediatamente, isto é, durante o acto de detenção... Comentário do CPP – 2° ed - pag. 685 - ed. Universidade Católica em anotação ao artº 258 do CPP.
3 - Reza o art. 258 – 3 do CPP que o mandado de detenção é exibido ao detido e entregue uma das cópias...; ora, o requerente foi colocado sob a alçada / controlo físico da P.J. de Lisboa pelas 7H00 de 27-11-2010 mas só foi presente ao MM° Juiz em 29-11-2010 pelas 10H00.
4- Os arts. 220, 254, 257 e 258 do CPP violam os arts. 27, 28 e 32 da Lei Fundamental e art. 5º da Convenção Europeia, se entendidos que o suspeito, alvo de Mandado de Detenção e de Busca, não é logo detido de imediato, com entrega imediata de cópia, quando abordado pelo OPC, com o cripto-argumento de que só após várias horas de Busca é que se procede à detenção, assim se prorrogando por mais de 48 Horas a abordagem ao suspeito e submissão ao Poder Judicial, traduzindo-se este estado em PRISÃO ILEGAL…..!!!!
5 - Entre as 7H00 de 27-11 e as 10H00 de 29-11 decorreram 51 Horas: o req. só foi entregue ao Poder Judicial 51 horas após ser abordado pelos seis (6) Inspectores da Policia Judiciária, sendo certo que o Mandado de Detenção emitido em 25-11 mandava prender e ser conduzido ao Tribunal.., o que é de conhecimento oficioso e não pode ser ostracizado !!!!
Pelo exposto deve ser admitido e provido o recurso.”
3. O Ministério Público pronuncia-se no sentido de dever considerar-se que a reclamação foi dirigida por lapso ao Plenário, devendo tratar-se como dirigida à conferência a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC. E que deve julgar-se improcedente, por nada dizer quanto aos requisitos de admissibilidade do recurso.
4. Cabe à formação a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º da LTC e não ao Plenário do Tribunal apreciar as reclamações das decisões do relator proferidas ao abrigo do n.º 1 do citado artigo 78.º. Assim, vai apreciar-se a reclamação de fls. 141 como reclamação para a conferência e não para o Plenário.
5. O recorrente, desprezando os fundamentos de decisão reclamada, a natureza do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e os respectivos pressupostos e requisitos de admissibilidade, insiste em que o modo como decorreu o cumprimento dos mandados de busca e detenção conduziu a que tivesse ficado detido mais de 48 horas sem apresentação ao juiz. Em função disso persiste na pretensão de que se julgue que os artigos 220.º, 254.º, 257.º e 258.º do Código de Processo Penal violam os artigos 27.º, 28.º e 32.º da Constituição.
A improcedência da reclamação é manifesta.
Na competência do Tribunal Constitucional somente cabe apreciar, por via de recurso, a constitucionalidade das normas que os restantes tribunais tenham aplicado (ou a que tenha recusado aplicação com fundamento em inconstitucionalidade) como ratio decidendi da decisão recorrida. Julga, por via de recurso, questões de constitucionalidade normativa. Não lhe compete substituir-se aos tribunais da causa na determinação dos factos relevantes ou na escolha, interpretação e aplicação do direito ordinário.
Ora, como a decisão sumária refere, o Supremo Tribunal de Justiça nada decidiu que possa considerar-se aplicação de qualquer norma extraída dos preceitos legais que o recorrente refere. Aliás, nem sequer considerou serem verdadeiros os pressupostos de facto em que assenta a afirmação do recorrente de que estava privado de liberdade por mais de 48 horas sem apresentação ao juiz competente.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com vinte unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
|