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Processo n.º 748/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 2 a 11), para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 23 de Setembro de 2010 (fls. 117 e 117-verso), nos termos do qual foi decidido aguardar decisão quanto à admissão de recurso de constitucionalidade interposto de decisão do mesmo Juiz-Relator que não admitiu recurso para o Pleno das Secções Criminais, em função de recurso de constitucionalidade, já admitido e pendente no Tribunal Constitucional, de decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre reclamação perante este deduzida.
2. O recorrente apresentou a seguinte reclamação, cujos termos ora se resumem:
“(…)
VII
O Douto Despacho de que ora se reclama tem, para a ora reclamante, o sentido de “retenção do recurso” a que se refere o nº 4 do art. 76° da LTC, retenção com que se não conforma, assim apresentando, nos termos daquela norma, a presente Reclamação, que se funda essencialmente nos seguintes factos:
1°- No Requerimento de Recurso retido, invocou-se, como se transcreveu supra em 1 e se transcreve de seguida, a razão que levou, a ali requerente e ora reclamante, a interpôr aquele Recurso para o Tribunal Constitucional, ali se tendo escrito
“Na pendência, assim, daquele outro Requerimento de Recurso para o Tribunal Constitucional (supra referido em 1), E POR MERA CAUTELA, POR O MESMO AINDA NÃO TER PODIDO SER ADMITIDO PORQUE ENVIADO NESTA DATA, E PARA A HIPÓTESE DE, ENTRETANTO, PODER PASSAR O PRAZO PARA O ACESSO AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, a requerente, tendo sido notificada do Douto Despacho, de 1 de Setembro de 2010, que lhe deu a conhecer decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sobre Reclamação que interpôs de Despacho do Relator que não admitiu Recurso, para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdão proferido em Conferência, em 12 de Maio de 2010, vem ora requerer, pela via de Recurso para o Tribunal Constitucional “
2°- A matéria objecto do outro Recurso interposto para o Tribunal Constitucional, presentemente já admitido, e a que se refere o Douto Despacho do Conselheiro Relator de que ora se reclama, como razão para a retenção que determinou, não é, salvo o devido respeito e contrariamente ao que se diz naquele Douto Despacho, a mesma matéria do Recurso de cuja retenção ora se reclama;
VIII
Com efeito, mantém-se, para a ora reclamante e ali requerente, a razão que a levou a interpor o Recurso de cuja retenção ora se reclama, pois que, embora já admitido aquele outro Requerimento que levou à subida de Recurso para o Tribunal Constitucional, subida que foi já mesmo notificada à ora reclamante, e em que está em causa a constitucionalidade da interpretação de norma operada por Douto Despacho do Colendo Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o certo é que aquela admissão não vincula, contudo, o Tribunal Constitucional, como prevê a norma do nº 3 do art. 76° da LTC.
IX
Por outro lado, a matéria objecto daquele outro Recurso interposto e já admitido, como referido supra em VIII, diz respeito à interpretação da norma do art. 405° do Código do Processo Penal — “Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso”, enquanto a matéria objecto do Recurso de cuja retenção ora se reclama diz respeito à interpretação das normas da alínea b) do nº 3 e da alínea f) do nº 4 do art.°1 l do Código do Processo Penal — “Competência do Supremo Tribunal de Justiça”.
X
Tentando compreender o significado da expressão usada no Douto Despacho, pelo Colendo Conselheiro Relator, concretamente quando diz “…a verdade é que o mesmo está imbricado com a decisão da reclamação… “, em que a palavra “imbricado” significará “sobreposição”, parcial contudo, conclui-se que, para aquele Relator, haverá sobreposição entre os dois Recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, facto que parece ter influenciado a decisão no sentido da retenção.
XI
A “sobreposição”, a existir no caso sub judice, levaria apenas à consideração de que não estariam esgotados os recursos ordinários de jurisdição que, nos termos do nº 2 do art. 70º da LTC, é pressuposto de admissibilidade dos Requerimentos para apreciação, pela via de recurso pelo Tribunal Constitucional, da fiscalização concreta de constitucionalidade, dado que o Recurso já admitido versa sobre interpretação constante de decisão que recaiu em Reclamação para o Presidente de um Tribunal Superior que, nos termos do art. 70, nº 3 da LTC é, para aquele efeito, equiparada a recurso ordinário.
XII
Todavia, se fora esse o caso, ou seja, se tivesse sido verificada a falta daquele requisito de exaustão de recursos supra referido em XI, tal deveria ter sido expresso no Douto Despacho de que ora se reclama, requisito que considera a ora reclamante, contudo, que se pode achar preenchido, quando, na perspectiva que a levou a decidir ter já interposto, POR MERA CAUTELA, como nele se refere, o Requerimento aqui em causa e de cuja retenção ora se reclama, venha a ser considerado que a Reclamação — decisão recorrida que como acto jurisdicional deu lugar ao outro Recurso já admitido e que tem por objecto a questão da admissibilidade da mesma Reclamação — não podia ter tido seguimento.
XIII
Com efeito, se a decisão do Tribunal Constitucional, a proferir no Recurso já admitido, vier a ser no sentido referido supra em XII, o prazo para interposição do Recurso retido e de cuja retenção ora se reclama, deverá contar-se, então, da notificação da decisão recorrida, e assim confirmada pelo Tribunal Constitucional, nos termos das normas combinadas dos nºs 2 e 4 do art. 70º da LTC, como a ora reclamante ali fez POR MERA CAUTELA no Requerimento de Recurso retido.
XIV
Pelo que, vindo este a ser o caso, como supra em XIII referido, e se não tivesse a ora reclamante interposto já, como efectivamente interpôs, aquele Recurso, cuja subida o Colendo Conselheiro Relator entendeu reter, poderia vir a não estar já em tempo, em virtude de, ENTRETANTO, PODER PASSAR O PRAZO PARA O ACESSO AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, como no Requerimento retido se referiu expressamente, de, então, o vir a interpôr, o que prejudicaria a ora reclamante, de forma concreta e irremediável, com a verificação de impossibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional, assim vendo limitados as garantias e os DIREITOS FUNDAMENTAIS constitucionalmente consagrados.
XV
O Recurso já admitido estará “imbricado”, isto é, em “sobreposição” — no que se presume ser a interpretação do Colendo Conselheiro Relator — com o Recurso ora retido, se a decisão que o Tribunal Constitucional vier a tomar sobre aquele Recurso já admitido, for favorável à interpretação nele (no Recurso já admitido) feita pela ora reclamante, que ali defendeu que a Reclamação que apresentou perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça deve ter o competente seguimento, como acto processualmente previsto.” (fls. 4 a 10).
3. Na medida em que os autos não continham todas as peças processuais necessária à boa decisão da causa, o Ministério Público requereu a junção aos autos “das peças processuais identificadas na primeira parte do douto despacho de fls. 117” (fls. 120). Por despacho proferido pela Relatora, em 30 de Novembro de 2010, ordenou-se a junção das peças processuais supra referidas, tendo a Secretaria facultado, para consulta, os Procs. n.º 621/10 e n.º 661/10, pendentes nesta 3ª Secção, ao Procurador-Geral Adjunto a exercer funções neste Tribunal, na medida em que as referidas peças constam desses mesmos autos.
4. Após consulta dos referidos autos, em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“1. A tramitação processual que vamos passar a referir foi elaborada após consulta do Proc. n.º 621/10, da 3.ª Secção (o processo principal) e do Proc. n.º 661/10, da 3.ª Secção, que, pelas razões que mais adiante referiremos, se encontram pendentes neste Tribunal Constitucional.
2. Apreciando os recursos interpostos de decisões proferidas no Tribunal da Relação de Lisboa, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu os seguintes três Acórdãos:
- Acórdão de 12 de Maio de 2010, proferido em conferência, que i) rejeitou por inadmissibilidade, o recurso quanto aos crimes pelos quais a arguida fora condenada e questões com eles relacionados; ii) admitiu o recurso da arguida relativamente à pena única; iii) julgou improcedente o recurso quanto à questão de violação do juiz natural e ocorrência de nulidade insanável relativa à composição do tribunal que, em primeira instância, a havia julgado e condenado.
- Acórdão de 27 de Maio, proferido em audiência de julgamento, que negou provimento ao recurso – admitido pela decisão anteriormente referida (ii) – interposto pela arguida e confirmou nessa parte, integralmente, o acórdão recorrido.
- Acórdão de 27 de Maio de 2010, proferido em conferência, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando nessa parte a decisão recorrida, condenou a arguida na pena acessória de proibição do exercício das actividades desenvolvidas na função pública, que desempenhava e para que foi nomeada, pelo período de cinco anos.
3. Do Acórdão proferido em 12 de Maio, que entendeu não ter ocorrido qualquer violação do princípio do juiz natural, a arguida interpôs recurso para o Pleno da Secção e também interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
4. Do Acórdão proferido em 27 de Maio, que negou provimento ao recurso, a arguida arguiu a sua nulidade.
5. Por despacho do Exm.º Senhor Conselheiro Relator de 7 de Julho de 2010, o recurso interposto para o Pleno da Secção, não foi admitido mas foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional (recursos referidos no n.º 3).
6. Por Acórdão de 14 de Julho de 2010 foi indeferida a arguição de nulidade (vd. n.º 4).
7. Do douto despacho que não admitiu o recurso para o Pleno da Secção (n.º 5), a arguida reclamou para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, pelo douto despacho de 6 de Setembro de 2010, não tomou conhecimento dessa reclamação por “ser processualmente inadmissível”.
8. Desta decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a arguida recorreu para o Tribunal Constitucional, recurso que foi admitido por despacho de 23 de Setembro.
9. Este recurso constitui o Proc. n.º 661/10, da 3.ª secção do Tribunal Constitucional.
10. Este Processo encontra-se concluso para Acórdão, na sequência de reclamação para a conferência da Decisão Sumária que não conheceu do recurso.
11. É este recurso que vem referido no douto despacho que, no presente processo, decidiu que o requerimento de recurso devia aguardar a decisão do Tribunal Constitucional (fls.117) e do qual a arguida reclamou (da “retenção de tal recurso”).
12. Efectivamente, o recurso de constitucionalidade agora em causa, reporta-se à decisão do Senhor Conselheiro Relator que não admitiu o recurso para o Pleno das Secções (nº 5), de que a arguida reclamou (nº 7) e de cuja decisão de não conhecimento interpôs recurso para este Tribunal (nºs 8, 9 e 10), resultando, pois, que essa questão vai terminar com o Acórdão que vier a ser proferido no Proc. n.º 661/10, da 3.ª Secção deste Tribunal.
13. Ora, apesar de no douto despacho de fls. 113 – proferido após a arguida reclamar do despacho que reteve o recurso (nº 11) - se dizer - e bem – que das decisões proferidas pelo relatores não cabe recurso para o Tribunal Constitucional, justifica-se a retenção e não, desde logo, a inadmissibilidade do recurso, para não criar “mais confusão” no processo.
14. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação do douto despacho que reteve o recurso.
15. Para se ficar como uma visão da tramitação do processo, diremos ainda que, tendo sido indeferida a arguição de nulidade do Acórdão de 27 de Maio (vd. n.º 4) a arguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que foi admitido.
16. Assim, no processo principal, que agora constitui o Proc. n.º 621/10, da 3.ª Secção, encontram-se admitidos dois recursos de constitucionalidade: o interposto do Acórdão de 12 de Maio, em que está invocada a violação do princípio do juiz natural (n.º 5) e o interposto do acórdão que indeferiu a arguição de nulidade (nº 14).
17. Nesse processo foi a recorrente notificada para alegar.”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Através do recurso de constitucionalidade que foi objecto do despacho ora reclamado, a reclamante pretende colocar em crise despacho proferido pelo Juíz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu recurso para o Pleno das Secções Criminais daquele Tribunal. Ora, o referido despacho foi alvo de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que foi indeferida, por legalmente inadmissível, através de despacho proferido em 7 de Setembro de 2010. Por sua vez, a ora reclamante já interpôs recurso para o Tribunal Constitucional deste último despacho, que corre termos nesta 3ª Secção, sob o Proc. n.º 661/10.
Conforme se afigura evidente, o Proc. n.º 661/10 pode dar origem a uma de três decisões: i) procedência do recurso; ii) improcedência do recurso; iii) impossibilidade legal de conhecimento. Vejamos, então, a relevância de uma eventual decisão quanto ao recurso de constitucionalidade cuja subida foi retida pelo despacho ora reclamado.
Desde logo, a subida do recurso interposto do despacho proferido pelo Juiz-Relator revelar-se-á processualmente inútil, caso esta 3ª Secção venha a julgar procedente o recurso de constitucionalidade interposto e que deu lugar ao Proc. n.º 661/10.
Por outro lado, caso se verifique qualquer uma das outras situações, levantar-se-á a questão de saber se seria admissível (e tempestiva) a interposição de recurso do despacho originariamente proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que os n.ºs 2 e 3 do artigo 70º da LTC determinam que só são passíveis de recurso as decisões que não sejam passíveis de recurso ordinário, compreendendo-se aqui “as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso”. Com efeito, na medida em que o despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça se fundou na inadmissibilidade legal da reclamação deduzida, não pode olvidar-se a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.º 1/2004, n.º 173/2007, n.º 437/2007, n.º 72/08 e n.º 280/2009, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, segundo a qual a utilização de um meio processual inidóneo não é susceptível de interromper o prazo para interposição de recurso previsto no n.º 1 do artigo 75º da LTC. Assim, caso o recurso interposto no Proc. n.º 661/10 venha a ser alvo de decisão de não provimento ou de não conhecimento do objecto, haverá que verificar se o prazo de interposição de recurso do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça foi ou não cumprido.
Toda esta ponderação deve ser levada a cabo pelo referido Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, em função da decisão que vier a ser tomada no âmbito do Proc. n.º 661/10, que se encontra pendente nesta 3ª Secção do Tribunal Constitucional.
Consequentemente, bem andou a decisão reclamada quando determinou a retenção da subida do recurso, até que fosse proferida decisão transitada em julgado, relativamente ao referido Proc. n.º 661/10.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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