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Processo n.º 999/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A ? Relatório
1 ? A., melhor identificada nos autos, reclama para o Tribunal Constitucional,
?(...) ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.°-A da Lei n.º 28/82 (Lei
Tribunal Constitucional), da Decisão Sumária, que decidiu não admitir o recurso
de constitucionalidade por ela interposto?, reportando-se à decisão do Supremo
Tribunal de Justiça que não lhe admitira o recurso de constitucionalidade que aí
interpôs nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC).
2 ? A decisão reclamada tem o seguinte teor:
?(...)
A arguida A. notificada do despacho que lhe indeferiu a reclamação veio em
requerimento dirigido aos Ex.mos Conselheiros interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do art. 70.°, n.º 1, alínea b), da LTC.
No respeitante à parte do requerimento de interposição de recurso para o TC em
que se invoca, pelos motivos nele expostos, que a decisão da reclamação ao não
admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça violou os arts. 29.° e 32.°
da CRP, refere-se que, face ao disposto no n.º 2 do art. 72.° da LTC, o recurso
previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela
parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ?de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer?.
E na reclamação não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade.
Refira-se ainda que o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico
só pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º
1 do art. 280.° da CRP.
Não se admite pois o recurso para o Tribunal Constitucional, que se reporta à
decisão que indeferiu a reclamação e não a qualquer norma em que a mesma decisão
se tenha baseado.
*
No que concerne ao segmento do requerimento de interposição do recurso onde se
pretende que sejam apreciadas as normas dos arts. 70.° e 71.°, ambos do CP, na
interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal da Relação do Porto, refere-se que
não compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a
admissibilidade do recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional, atento
o disposto no art. 76.°, n.º 1, da LTC, uma vez que nessa parte a decisão não
foi proferida nos termos do art. 405.° do CPP.
Pelo exposto, não se toma conhecimento desta parte do requerimento de fls. 158 e
segs.
(...)?.
3 ? Por seu turno, a reclamação assenta nos seguintes argumentos:
?(...)
O Tribunal a quo entende que ?O Recurso para o Tribunal Constitucional não é
admissível pois se reporta à decisão que indeferiu a reclamação e não a qualquer
norma em que a mesma decisão se tenha baseado.
Todavia, nesta parte, a arguida alude aos art.s 29° e 32° da CRP, por entender
que a não admissão do recurso em causa configura uma violação de tais artigos.
Por outro lado, é claro que a arguida/recorrente não poderia arguir em momento
anterior tal inconstitucionalidade ? pela simples razão de não poder prever que
a mesma se registaria em fase de Recurso!
É a interpretação que o Digno Supremo Tribunal de Justiça fez dos preceitos
invocados (artigo art. 2°, nº 4 do Código Penal) que gera o vício da
inconstitucionalidade que se invocou.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da
interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação
ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal
Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade
que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão a arguida/recorrente não podia
pressupor, intuir, que o Digno Supremo Tribunal de Justiça, agiria como agiu, e
interpretaria as normas do Código Penal e da própria Constituição como
interpretou e aplicou.
É com a prolação da Decisão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios
e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de
maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático,
pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem
jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto
para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do
disposto no aludido art. 2°, pelo Insigne Supremo Tribunal de Justiça, ao não
admitir o recurso em causa constitui uma violação dos artigos 29° e 32° da
Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas
previamente no seu recurso do Tribunal da Relação do Porto, para o Supremo
Tribunal de Justiça.
É, pois, um vício que se regista somente na Decisão, que se pretende seja
analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem a recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto
para o Tribunal Constitucional.?
4 ? Considerando os demais elementos constantes dos autos que antecederam a
prolação da decisão reclamada, resulta que a ora reclamante, inconformada com o
despacho que não lhe admitira o recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça, dele reclamou para o Presidente desse Tribunal, com base nos seguintes
fundamentos:
?(...)
No caso em apreço estamos perante uma situação de uma confirmação pela Relação,
de uma Decisão da primeira instância, cuja pena aplicada é inferior a 8 anos.
De acordo com os supra indicados artigos não é permitido o Recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, nesta situação.
Tendo em conta que o processo em apreço diz respeito a factos praticados em 2006
e que o novo Código Processo Penal entrou em vigor em Setembro de 2007, estamos
na presença do problema da aplicação da Lei no Tempo.
?«Num caso de sucessão de leis penais, havendo normas mais favoráveis num e
noutro dos regimes, há que comparar as consequências concretas que da aplicação
de uma e outra lei resultam e aplicar de maneira completa aquela cujos
resultados sejam menos gravosos para o arguido.»
Assim, analisando ambos os regimes penais, facilmente concluímos que o anterior
é mais favorável à arguida.
Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, I, 2001, p.
281, «para se determinar se uma Lei é mais favorável ao arguido do que outra,
avaliam-se as consequências no seu conjunto e no caso concreto» (ponderação
concreta).
Pertinentemente, Américo Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª ed,
Coimbra Editora, 1997, p. 191, salienta que não é necessário proceder a uma
avaliação concreta, quando é evidente, numa simples consideração abstracta, que
uma das Leis é claramente mais favorável que a outra.
O que se verificou no caso em apreço.
Discutida na Doutrina é a questão de saber se a ponderação deve ser unitária ou
diferenciada.
Ponderação unitária significa que é a Lei na sua totalidade, na globalidade das
suas disposições, que deve ser aplicada; a ponderação diferenciada, considerada
a complexidade de cada uma das Leis e a relativa autonomia de cada uma das
disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das
disposições de cada Lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub
judice, disposições de ambas as Leis (vide Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 192,
193).
A doutrina maioritária entende que se deverá optar pela ponderação unitária,
pois, caso contrário, o Julgador estaria a criar novos regimes, e não a aplicar
o mais favorável de entre os vigentes desde a prática do ilícito até à decisão,
violando, desse modo, o princípio da separação de poderes.
O STJ, por Ac. de 03/11/2005, publicado no DR Série I-A, de 19/12/2005 (Ac. nº
11/2005) decidiu que «sucedendo-se no tempo Leis sobre o prazo de prescrição do
procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime
concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das
Leis concorrentes».
Aliás, tal Venerando Tribunal, na motivação do Assento publicado em 17/03/1989,
ao defender uma ponderação global e aplicação de uma das Leis em bloco,
considerou que «não é lícito construir regimes particulares pela conjugação de
elementos de uma e outra Lei, com prejuízo da quebra de coerência e a obtenção
de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente».
Assim, deve aplicar-se o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável
para a arguida, em obediência ao disposto no art. 2°, nº 4 do CP.]?
Nestes termos deveria o Recurso em questão ser admitido?.
5 ? Perante o indeferimento dessa reclamação, a reclamante recorreu, então, para
este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC,
fazendo constar do respectivo requerimento as seguintes indicações:
?(...)
A arguida foi condenada na 4ª Vara Criminal do Porto, a 4 anos e 4 meses de
prisão, como autora de um crime de Tráfico de Estupefacientes, do art. 21° n.º 1
do DL 15/93 de 22/01.
Inconformada interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto,
por entender que a sua conduta preenche um crime de Tráfico de Menor Gravidade (art.
25° DL 15/93), pois estamos perante um caso de mera detenção, não se tendo
provado mais nada, nomeadamente o lucro.
Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, o facto de ter 2 filhos
pequenos a seu cargo, que com a sua prisão, ficarão sem ter quem tome conta
deles, bem como o facto de permanecer em liberdade há cerca de dois anos sem que
se conheçam novos incidentes criminais e, pelo contrário estar a trabalhar para
a subsistência própria e da família, deveria ser-lhe aplicada uma pena mais leve,
atenuada, próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção
geral e especial, devendo ser suspensa na sua execução, mostrando-se violados os
art.s 70° e 71° do CP; 25° da Lei 15/93 e 32° da CRP.
Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao
recurso.
Dessa decisão, interpôs a arguida recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
tendo o mesmo sido indeferido nos termos dos art.°s 400.º n.º 1 alín. f) do CPP
e art. 432° n.º 1 alín. b) e c) do mesmo diploma.
Ora, no caso em apreço estamos perante uma situação de uma confirmação pela
Relação, de uma Decisão da primeira instância, cuja pena aplicada é inferior a 8
anos.
De acordo com os supra indicados artigos não é permitido o Recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, nesta situação.
Todavia, de acordo com o CPP anterior tal situação era possível.
Tendo em conta que o processo em apreço diz respeito a factos praticados em 2006
e que o novo Código Processo Penal entrou em vigor em Setembro de 2007, estamos
na presença do problema da aplicação da Lei no Tempo.
?«Num caso de sucessão de leis penais, havendo normas mais favoráveis num e
noutro dos regimes, há que comparar as consequências concretas que da aplicação
de uma e outra lei resultam e aplicar de maneira completa aquela cujos
resultados sejam menos gravosos para o arguido.»
Assim, analisando ambos os regimes penais, facilmente concluímos que o anterior
é mais favorável à arguida.
Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, 1, 2001, p.
281, «para se determinar se uma Lei é mais favorável ao arguido do que outra,
avaliam-se as consequências no seu conjunto e no caso concreto» (ponderação
concreta).
Pertinentemente, Américo Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª ed,
Coimbra Editora, 1997, p. 191, salienta que não é necessário proceder a uma
avaliação concreta, quando é evidente, numa simples consideração abstracta, que
uma das Leis é claramente mais favorável que a outra.
O que se verificou no caso em apreço.
Discutida na Doutrina é a questão de saber se a ponderação deve ser unitária ou
diferenciada.
Ponderação unitária significa que é a Lei na sua totalidade, na globalidade das
suas disposições, que deve ser aplicada; a ponderação diferenciada, considerada
a complexidade de cada uma das Leis e a relativa autonomia de cada uma das
disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das
disposições de cada Lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub
judice, disposições de ambas as Leis (vide Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 192,
193).
A doutrina maioritária entende que se deverá optar pela ponderação unitária,
pois, caso contrário, o Julgador estaria a criar novos regimes, e não a aplicar
o mais favorável de entre os vigentes desde a prática do ilícito até à decisão,
violando, desse modo, o princípio da separação de poderes.
O STJ, por Ac. de 03/11/2005, publicado no DR Série 1-A, de 19/12/2005 (Ac. nº
11/2005) decidiu que «sucedendo-se no tempo Leis sobre o prazo de prescrição do
procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime
concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das
Leis concorrentes».
Aliás, tal Venerando Tribunal, na motivação do Assento publicado em 17/03/1989,
ao defender uma ponderação global e aplicação de uma das Leis em bloco,
considerou que «não é lícito construir regimes particulares pela conjugação de
elementos de uma e outra Lei, com prejuízo da quebra de coerência e a obtenção
de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente».
Assim, deve aplicar-se o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável
para a arguida, em obediência ao disposto no art. 2°, nº 4 do CP.]?
Por tal motivo ao não se admitir o recurso em causa, violou-se o art. 29° e 32°
da CRP.
Por outro lado, entendemos também, salvo melhor opinião, que a interpretação e
aplicação do disposto nos arts. 70°, 71° do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação
do Porto, na interpretação de que «não registando a recorrente quaisquer
antecedentes criminais e de condição social modesta», não se verifica suficiente
para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral da medida de pena
que possa ser suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de
prognose mais favorável a esta, todos por violação do art. 32° da Constituição
da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no
seu recurso da 1ª vara do Tribunal Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação
do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa ? como critério principal de determinação da pena
? e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou
correctamente o art. 71° do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da
adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma
pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para
aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade.
Pretende assim a recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas
jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas
jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma
constitucional.
(...)?.
6 ? Já neste Tribunal, o representante do Ministério Público pugnou pelo
indeferimento da reclamação.
B ? Fundamentação
7 ? Importa, antes de mais, começar por precisar que a presente reclamação versa
sobre o despacho de inadmissibilidade do recurso proferido de acordo com a
disposição do artigo 76.º, n.º 1, da LTC. Por esse motivo, a respectiva
reclamação devia ter sido deduzida nos termos do n.º 4 desse artigo e não, como
a recorrente invoca, com base no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, que apenas tem
aplicação perante as decisões sumárias proferidas neste Tribunal ao abrigo do n.º
1 desse preceito.
A errada indicação da norma que sustenta formalmente o pedido não tem, neste
caso, efeito impeditivo ao seu conhecimento pela relação de identidade entre o
meio processual despoletado e o previsto na lei (cf. artigo 199.º do Código de
Processo Civil, ex vi o artigo 69.º da LTC).
8 ? Conhecendo do pedido, afigura-se manifesta a sua improcedência.
De facto, o recurso de constitucionalidade foi interposto nos termos da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que admite a fiscalização concreta da
constitucionalidade de normas que tenham sido aplicadas como ratio decidendi
pela decisão recorrida, exigindo-se, ademais, que a questão tenha sido
adequadamente suscitada durante o processo.
O sentido desta exigência tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional.
Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República II
Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que o requisito da suscitação da
questão de constitucionalidade deve ser entendido ?não num sentido meramente
formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da
instância)?, mas ?num sentido funcional?, de tal modo que essa invocação haverá
de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da
questão, ?antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita?.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] ?uma mera questão de forma secundária?.
É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva
pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o Tribunal
Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e
não a um primeiro julgamento de tal questão», devendo aqui acentuar-se que, nos
processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se
limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o
tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado. Ainda na mesma linha de
pensamento podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário
da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos
arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal
oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o sentido de um tal requisito, cf.
José Manuel Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3ª edição
revista e actualizada, Coimbra, 2007, pp. 76 e ss.).
É certo que nada impede que, ao invés de se suscitar a inconstitucionalidade de
um preceito legal se questione apenas um seu segmento ou uma determinada
dimensão normativa, contudo, para que se possa dar como cumprido o ónus de
suscitação de um problema de constitucionalidade, será sempre necessário que o
recorrente impute o vício da inconstitucionalidade, de forma directa e imediata,
a uma norma mediante a explicitação da dimensão normativa que, no seu
entendimento, viola a lei fundamental, não bastando para que possa considerar-se
suscitada uma questão de constitucionalidade a afirmação de que é
inconstitucional, qua tale, o entendimento sustentado por uma parte ou agente
processual.
Para tais efeitos, importa, pois, colocar o tribunal recorrido perante o dever
de apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, havendo
de concretizar-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido
ele não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.
Nestes termos, exigir-se-á que, em sede de recurso, a questão de
constitucionalidade seja concretizada de modo claro, directo e objectivo (cf.
Acórdão n.º 1210/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) nas conclusões
da motivação do recurso uma vez que são estas que delimitam o âmbito e o objecto
do recurso e, concretizando o sentido dessa exigência, tem este Tribunal
estabelecido que «?suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo
de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma
questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama,
obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.? Impugnar a
constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a
Constituição não ao acto de aplicação do Direito ? concretizado num acto de
administração ou numa decisão dos tribunais ? mas à própria norma, ou, quando
muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf.
Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este publicado no Diário da
República, II Série, de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas
sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão
de constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma (...)? ? cf. o
referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais remete.
Sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
constituído por normas jurídicas, não pode sindicar-se, no recurso de
constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça
aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que
importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação
normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério
normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do
caso concreto (correcção do juízo subsuntivo), sendo por isso forçoso que, no
âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade
de normas, não sendo admissíveis recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde
alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a
concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se
assacar ao acto judicial de ?aplicação? a violação (directa) dos parâmetros
jurídico-constitucionais.
Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do
julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal
Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas
apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão
recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de
constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da
República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)], razão pela
qual se prevê no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, que tais recursos ?só podem ser
interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou
da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos deste estar obrigado a dela conhecer?.
9 ? Projectando estes criteria no presente caso, constata-se que a decisão
recorrida não fez aplicação das normas dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal,
o que constitui motivo bastante para que o recurso não pudesse ser admitido
quanto a tal questão.
Quanto ao restante, resulta dos elementos constantes dos autos que a reclamante
não suscitou, com o alcance atrás explicitado, qualquer questão de
constitucionalidade normativa, sendo que, contrariamente ao que alega, teve
oportunidade para o fazer no momento em que reclamou do despacho que não lhe
admitira o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por outro lado, não pode olvidar-se que o próprio recurso de constitucionalidade
acaba por ter como objecto a decisão recorrida na parte em que se contesta a
concreta definição e aplicação do regime legal, matéria que escapa, como se
disse, à sindicância deste tribunal.
A decisão reclamada não merece, pois, qualquer censura.
C ? Decisão
10 ? Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs..
Lisboa, 04/02/2010
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos
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