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Processo n.º 558/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A. S. A., ré na presente acção intentada por B., Lda., que culminou com
transação homologada por sentença judicial, formulou um pedido de apoio
judiciário na sequência da notificação da reforma da conta que determinou a
exigência do pagamento de custas judiciais, a seu cargo, no montante de ? 106
337,69.
O pedido foi deferido, em sede de impugnação judicial, na modalidade de dispensa
total do pagamento da justiça e demais encargos com o processo, mas pelo juiz do
processo foi considerado que o concedido apoio judiciário não abrangia as custas
devidas em momento anterior ao da formulação do pedido.
Dessa decisão, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, e do
acórdão que confirmou o julgado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça,
que, através do acórdão de 21 de Maio de 2009, sustentou que o apoio judiciário,
tendo sido requerido já após o trânsito em julgado da decisão final do processo,
não poderia abarcar as custas judiciais em que a parte fora já condenada nessa
decisão.
A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional pretendendo
ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, 6º, nº
2, 18º, 29º, nº 5, 44º, nº 1, e 51º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na
interpretação segundo a qual a concessão do apoio judiciário apenas permite
dispensar o requerente do pagamento dos encargos com o processo que sejam
originados após a concessão desse benefício.
Não havendo obstáculo ao prosseguimento dos autos, a recorrente apresentou
alegações em que formula as seguintes conclusões:
1. As normas legais (bem como a interpretação que das mesmas efectuem os
Tribunais) não podem deixar de ter uma leitura conforme com a Constituição;
2. O presente recurso vem interposto do Acórdão do STJ, proferido no âmbito do
processo n.º 466/09-2 (2.ª Secção), no qual interpretou de forma
desnecessariamente restritiva as normas do artigo 1.º, do n.º 2 do artigo 6.º,
do artigo 18.º, do n.º 5 do artigo 29.º, do n.º 1 do artigo 44.º e do n.º 3 do
artigo 51.º, todas da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no sentido de considerar
que a concessão do apoio judiciário apenas permite dispensar do pagamento de
encargos com o processo originados após a sua concessão;
3. É esta interpretação normativa que o STJ faz das referidas normas legais
intoleravelmente inconstitucional, por afrontar com os princípios
constitucionais da segurança jurídica, da justiça material, do acesso ao direito
e também da igualdade, consagrados nos artigos 2.º, 13.º e 20.º da CRP;
4. Ao abrigo do n.º 2 do artigo 17.º dos já revogados Decreto-Lei n.º 387-B/87,
de 29 de Dezembro e Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, formou-se a convicção
jurisprudencial de que o apoio judiciário só produzia efeitos para o futuro;
5. Sucede, porém, que veio a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, introduzir
alterações no que respeita ao momento em que pode ser requerido o apoio
judiciário, nomeadamente, através dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, estabelecendo
que existem dois casos excepcionais em que se pode recorrer ao instituto da
protecção jurídica, mesmo após a primeira intervenção processual: no caso de se
verificar uma insuficiência económica superveniente ou se, no decurso do
processo, ocorrer um encargo excepcional;
6. Não resulta do actual regime, qualquer preceito que permita proceder a uma
interpretação restritiva dos efeitos do apoio judiciário a actos/situações que
se verifiquem após a formulação do requerimento para a sua concessão.
7. Na verdade, só após tomar conhecimento, no decurso do processo, da ocorrência
de um encargo excepcional, como foi o valor da nova conta de custas, é que a
Recorrente se viu forçada a recorrer (e a obter) o apoio judiciário que lhe
permitisse fazer face a esse encargo excepcional, não fazendo sentido que depois
esse apoio não se aplique a esse mesmo encargo que motivou o pedido;
8. Acresce que, ao admitir o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo fica
esvaziada de sentido a concessão de apoio judiciário à Recorrente, na medida em
que, finda a causa há mais de dois anos e não havendo lugar a mais nenhuma fase
processual subsequente, o pedido somente tinha como único propósito o provimento
daquelas custas judiciais;
9. Além do mais, a interpretação feita pelo Acórdão do STJ da norma do n.º 1 do
artigo 20.º da CRP é manifestamente desprovida de razoabilidade, atenta a
finalidade do apoio judiciário, que é o de evitar que os encargos judiciais
sejam um sacrifício incomportável;
10. Pelo exposto, cumpre concluir que a interpretação demasiado restritiva
defendida pelo STJ é violadora dos princípios constitucionais constantes dos
artigos 2.º e 20.º da CRP, concretizados nos supra referidos artigos da Lei n.º
34/2004;
11. Apenas é conforme à Constituição uma interpretação das normas constantes da
Lei n.º 34/2004, no sentido de considerar que o instituto de protecção jurídica
também compreende a dispensa de taxas de justiça ou demais encargos ocorridos
anteriormente à formulação do correspondente pedido de apoio judiciário;
12. Com efeito, só assim se cumpre o direito de acesso ao Direito e aos
Tribunais, o qual deve ser entendido no sentido de aceder, estar, permanecer,
litigar e sair do Tribunal sem ter de suportar encargos que não se tem
possibilidade de suportar;
13. De facto, uma outra leitura poderia inibir os particulares de acederem ao
Tribunal com receio do que lhes pudesse ocorrer no decurso do processo e,
sobretudo, poderia implicar que quem não conseguisse suportar os encargos
necessariamente decorrentes de um processo, os tivesse a final de pagar apenas
por não ter antecipado a possibilidade de eles surgirem ou de se agravarem;
14. Aliás, uma outra interpretação poderia mesmo implicar uma inadmissível
distinção entre os casos em que a situação de insuficiência económica é
superveniente ou decorre, no decurso de processo, de um encargo excepcional, dos
casos em que a situação de insuficiência económica já se verificava no início do
processo ou, pelo menos, antes da primeira intervenção processual;
15. Refira-se que o Tribunal Constitucional, no seu recente acórdão n.º 374/2009,
a propósito da nova redacção do artigo 18.º introduzida pela Lei n.º 47/2007,
veio reconhecer que os encargos excepcionais ocorridos devem ser abrangidos pelo
apoio judiciário (mesmo se solicitado após e por causa da ocorrência desse
encargo excepcional), sendo inconstitucional uma interpretação normativa que
negue essa possibilidade.
O Exmo representante do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte
modo:
1. Tendo em conta os termos genéricos em que foi formulado o pedido de apoio
judiciário, bem como a generalidade e ambiguidade da decisão que o concedeu, não
se pode concluir que o mesmo tivesse sido concedido para dispensar o pagamento
das custas anteriormente contadas, resultantes da própria causa que estava finda,
por transacção homologada por sentença transitada em julgado.
2. Até porque ainda corria o agravo interposto da decisão que havia ordenado a
reforma da conta, tramitação essa ainda não tributada.
3. Pelo que, tal decisão, não é susceptível de ter criado uma expectativa
legítima à Recorrente, de que estaria dispensada de efectuar o seu pagamento.
4. Consequentemente, a sindicada interpretação normativa efectuada pelo STJ, ao
considerar que o apoio judiciário concedido à Recorrente não a dispensa do
pagamento dessas mesmas custas, não ofende, no caso concreto, os princípios da
confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito
democrático consagrado no artigo 2º da CRP, sendo certo que não foi posto em
causa o seu direito de aceder aos tribunais e pleitear.
5. Assim e uma vez que a interpretação normativa efectuada pelo STJ não ofende
os invocados princípios constitucionalmente consagrados, somos de parecer que o
recurso não merece provimento
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
2. Relevam para a apreciação do recurso os seguintes factos:
a) a B., intentou, em Maio de 2000, no Tribunal Cível de Lisboa, acção
declarativa de condenação com processo comum, contra A., S. A. e outros, pedindo
a declaração de nulidade da venda de um imóvel;
b) na petição inicial foi atribuído à acção o valor de 3.000.001$00 (três
milhões e um escudo);
c) por despacho judicial de 2 de Maio de 2001, com invocação do disposto no
artigo 315º do Código de Processo Civil, foi fixado o valor da causa em 3.300.000.000$00,
(fls. 454);
d) a alteração do valor da causa foi notificado ao autor (fls 455) e chegou ao
conhecimento da ré através da posterior notificação conjunta do despacho de fls
454 e de um outro despacho de 9 de Outubro de 2001, que ordena a liquidação da
taxa de justiça inicial de acordo com o novo valor (fls 463);
e) em 5 de Março de 2002, foi realizada uma tentativa de conciliação que
culminou com uma transação entre as partes, tendo sido acordado que as custas
devidas em juízo seriam suportadas pela Ré (fls 545-547);
f) em 23 de Maio de 2002, após o trânsito em julgado da sentença homologatória,
foi elaborada a conta das custas, tendo como base o valor inicial da acção, que
apurou um montante a pagar de ? 467,86 (fls 559);
g) a ré procedeu ao pagamento dessa importância (fls 561);
h) em 11 de Março de 2004 foi ordenada oficiosamente a reforma da conta para ser
tido em consideração o valor da causa que fora fixado pelo despacho de fls. 454,
e que determinou que viessem a ser calculadas custas no valor de ?106.337,69 (fls.
574 a 581);
i) a reforma da conta foi notificada às partes por carta enviada em 14 de
Dezembro de 2004 (fls 583-588):
j) a ré arguiu a nulidade da reforma da conta e, tendo sido desatendida a
arguição, interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa do
despacho que ordenou a reforma da conta, que foi julgado improcedente (fls 614-629,
643-644, e 324-325 do Apenso 1);
l) em 17 de Maio de 2005, quando estava ainda pendente o recurso de agravo, a ré
apresentou um pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou
parcial do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo,
alegando pretender a 'aplicação do regime transitório do n.° 3 do artigo 51.° da
Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho (fls 726-728);
m) o pedido foi indeferido pelos serviços de segurança social, pelo que a ré
impugnou judicialmente a decisão, tendo vindo a ser concedido o apoio judiciário
na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais
encargos do processo, nos seguintes termos (fls 867):
Da documentação junta ao processo administrativo resulta, além do mais, que a
requerente tem resultados líquidos negativos nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005,
chegando a apresentar capitais próprios negativos.
Não se afirma que tenha possibilidades de custear as despesas, elevadas, da
presente acção.
Assim sendo, concedo provimento ao recurso e concedo provimento à impugnação e,
em consequência, defiro o pedido de protecção jurídica na modalidade solicitada
- dispensa total de pagamento de taxa de justiça e custas.'
n) o juiz do processo entendeu, porém, que o apoio judiciário concedido à ré não
cobre o valor das custas judiciais contadas e notificadas em Dezembro de 2004,
porquanto ?(?) o apoio judiciário só produz efeitos em relação aos actos ou
termos posteriores à sua formulação, não tendo assim qualquer eficácia
relativamente às custas já contadas?;
o) desta decisão, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
que foi julgado improcedente (fls. 978), e ainda recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça, que confirmou a decisão das instâncias, por acórdão de 21 de Maio de
2009 (fls. 1090);
p) é deste acórdão que vem interposto o recurso de constitucionalidade.
3. Como decorre da matéria de facto descrita, a recorrente requereu o benefício
de apoio judiciário já após o trânsito em julgado da decisão final, e na
sequência de um incidente de reforma da conta, que determinou a rectificação do
montante das custas a pagar de ? 467,86 para ? 106.337,69. A correcção ficou,
por outro lado, a dever-se à alteração do valor da causa, determinada pelo juiz
no decurso do processo e antes da prolação da decisão final, ao abrigo do
disposto no artigo 315º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que permite que o
valor da causa acordado, expressa ou tacitamente, pelas partes possa ser
alterado pelo tribunal quando se encontre em flagrante oposição com a realidade.
A acção visava a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de um
imóvel, pelo que não lhe correspondia o valor equivalente à alçada da Relação
mais 1$00, previsto no artigo 312º do Código de Processo Civil, e que se refere
às acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, como foi
indicado na petição inicial, mas antes o valor do acto jurídico cuja validade se
pretendia apreciar, como determina o artigo 310º do mesmo diploma.
Pretende a recorrente que a interpretação feita pelo tribunal recorrido das
normas dos artigos 1.º, 6.º, n.º 2, 18.º, 29.º, n.º 5, 44.º, n.º 1, e 51.º, n.º
3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no sentido de que o apoio judiciário
apenas permite dispensar do pagamento de encargos com o processo originados após
a sua concessão, é inconstitucional por afrontar os princípios da segurança
jurídica, da justiça material, do acesso ao direito e igualdade, consagrados nos
artigos 2.º, 13.º e 20.º da Lei Fundamental.
É esta a questão que interessa dilucidar.
A Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e
aos tribunais, entrou em vigor em 1 de Setembro de 2004 e, segundo o regime
transitório decorrente do seu artigo 51º, apenas se tornou aplicável aos pedidos
de apoio judiciário que fossem formulados após essa data (n.º 1), permitindo, no
entanto, o n.º 3 que nos processos judiciais pendentes em 1 de Setembro de 2004
em que ainda não tenha sido requerido o benefício de apoio judiciário, este
possa ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final.
No caso vertente, o processo terminou com transacção entre as partes que foi
homologada por despacho judicial entretanto transitado em julgado, e o apoio
judiciário foi requerido pelo ora recorrente em 17 de Maio de 2005 no âmbito de
um incidente de reforma de conta que foi suscitado em 11 de Março de 2004.
Tendo já transitado em julgado, à data de início de vigência da Lei nº 34/2004,
a decisão final do pleito, nada obstava, em todo o caso, a que o pedido de apoio
judiciário fosse requerido para os termos do incidente pós-decisório,
justificando-se a sujeição do pedido ao novo regime de acesso ao direito
estabelecido por esse diploma, não por força do n.º 3 do artigo 51º, que não
tinha aplicação ao caso, mas por via do princípio geral definido no n.º 1 desse
artigo, pelo qual o novo regime é aplicável aos pedidos de apoio judiciário
formulados após 1 de Setembro de 2004.
A decisão a proferir sobre o pedido não podia, no entanto, ser influenciada
pelas alterações entretanto introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto,
que apenas se aplicavam aos pedidos de protecção jurídica apresentados após a
entrada em vigor dessa lei, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (artigos 6 e 8º).
No tocante à oportunidade do pedido de apoio judiciário, vigorava, por
conseguinte, a norma do artigo 18º da Lei n.º 34/2004, na sua redacção
originária, que, na parte que mais releva, dispunha nos seguintes termos:
1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o
requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.
2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção
processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente ou
se, em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional,
suspendendo-se, nestes casos, o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais
encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário,
aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º
3 - Nos casos referidos no número anterior, o apoio judiciário deve ser
requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o
conhecimento da respectiva situação.
[?]
Para decidir no sentido da não aplicação do benefício do apoio judiciário à
actividade processual anteriormente tributada, o tribunal recorrido tomou em
consideração todas as referidas disposições e ainda o estabelecido no artigo 29º,
n.º 5, Da Lei n.º 34/2004, segundo o qual, não havendo decisão final quanto ao
pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efectuado o pagamento das
custas e encargos do processo judicial, fica suspenso o prazo para proceder ao
respectivo pagamento até que tal decisão seja comunicada ao requerente; bem como
o artigo 44º, n.º 1, que ao estatuir sobre o momento em que o arguido em
processo penal pode requerer o apoio judiciário, afasta a aplicação do regime do
artigo 18º, n.ºs 2 e 3, mas apenas permite a apresentação do requerimento até ao
trânsito em julgado da decisão final.
Como razões adjuvantes indicou ainda a finalidade que é atribuída pela lei ao
sistema de acesso ao direito e aos tribunais, caracterizada no artigo 1.°, n.° l,
e que visa assegurar que «a ninguém seja dificultado ou impedido o conhecimento,
o exercício ou a defesa dos seus direitos», bem como o âmbito da protecção
jurídica, que é circunscrito no n.° 2 do artigo 6.° por referência a «questões
ou causas judiciais».
Como é possível, desde já, concluir, o citado artigo 18º, n.º 2, numa
interpretação sistemática, inculca o entendimento de que o interessado deverá
requerer o apoio judiciário em tempo oportuno para poder participar no processo,
devendo fazê-lo antes da primeira intervenção processual ou antes da primeira
intervenção processual subsequente ao conhecimento de facto superveniente que,
no decurso do processo, determine uma situação de insuficiência económica, como
é o caso em que ocorra uma perda superveniente de rendimentos ou surja um
encargo excepcional associado ao próprio desenvolvimento da lide.
Neste mesmo sentido aponta a circunstância de a apresentação de requerimento de
apoio judiciário suspender o prazo para pagamento da taxa de justiça que for
devida até à decisão definitiva do pedido (artigo 18º, n.º 2) e implicar, quando
envolva a nomeação de patrono, o diferimento do prazo para a propositura da
acção ou, quando o pedido for apresentado na pendência do processo, a suspensão
do prazo que estiver em curso (artigos 18º, n.º 4, e 33º, n.º s 1 e 4, da Lei n.º
34/2007).
Analisando a questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal
Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio
judiciário pressupõe «uma relação conflitual ou pré-conflitual», e tem sobretudo
em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos,
deixe de recorrer a juízo para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos.
E tem sublinhado, em tais termos, que esse instrumento jurídico não pode ser
visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em
custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no
processo deu causa (por todos, o acórdão n.º 112/2001).
Como também tem sido afirmado, o artigo 20º, nº 1, da Constituição pretende
garantir que ninguém possa ser prejudicado no acesso ao direito, por
insuficiência de meios económicos, o que significa que se tem em vista assegurar
que um interessado não possa ser dificultado ou impedido, por esse motivo, do
recurso aos tribunais de forma a aí poder conhecer, fazer valer ou defender os
seus direitos (acórdão n.º 590/01).
Por isso o Tribunal tem dito que o pedido de apoio judiciário não é admissível
após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando tem apenas como
objectivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por
efeito dessa decisão.
Assim se ponderou no acórdão nº 297/0001:
Com efeito, só com este entendimento se pode realizar a finalidade a que se
destina o acesso ao direito e aos tribunais: remover as dificuldades ou
impedimentos que obstem a que qualquer cidadão possa conhecer, fazer valer ou
defender os seus direitos. Deste modo, um pedido de apoio judiciário formulado
quando a causa a que se dirige está definitivamente julgada é manifestamente
extemporâneo, para além de se mostrar claramente inviável, uma vez que o
requerente já conhece o direito que era objecto de conflito, depois de o ter
feito valer e defender na pendência do processo. De facto, um pedido de apoio
judiciário, apenas para evitar o pagamento das custas da acção, depois de se ter
litigado sempre sem qualquer apoio, representa a subversão da finalidade do
regime de acesso ao direito e aos tribunais e não pode ser permitido.
Neste contexto cabe a cada um dos sujeitos processuais conjecturar, no momento
em que toma a decisão de litigar, o valor a que pode ascender o montante das
custas judiciais, para efeito de verificar se deve ou não formular um pedido de
protecção jurídica, de molde a que não venha a ficar prejudicado no exercício do
seu direito à justiça por insuficiência de meios económicos (neste sentido, o
acórdão 248/94, referindo-se a um caso similar em que estava em causa a possível
violação do princípio da segurança jurídica por parte de disposições legais que
alteraram o regime de custas judiciais, agravando o encargo tributário das
partes).
No caso vertente, o valor da causa foi alterado oficiosamente pelo juiz, no
decurso do processo, implicando um agravamento substancial do montante das
custas devidas em caso de decaimento. A recorrente não foi notificado
imeditamente do despacho que fixou definitivamente o valor da causa, mas teve
dele conhecimento através da ulterior notificação conjunta desse despacho e do
que seguidamente ordenou a liquidação da taxa de justiça de acordo com o novo
valor.
E, além disso, teve uma intervenção subsequente no processo quando foi convocada
para a tentativa de conciliação, em que se estabeleceu um acordo entre as partes
quanto à resolução do litígio e a recorrente se obrigou ao pagamento dos
encargos judiciais com o processo.
É de presumir, em todo este condicionalismo, que a parte, usando da diligência
processual devida, poderia ter ficado ciente, antes da tentativa de conciliação
ou, pelo menos, no momento em que se realizou esse acto, de todas as incidências
processuais, incluindo no tocante à obrigação de custas que resultava da
atribuição de um novo valor à causa.
Entendendo a alteração do valor da causa na pendência da acção, e a sua
necessária repercussão no montante das custas judiciais devidas, como um facto
superveniente enquadrável na previsão do artigo 18º, n.º 2, da Lei nº 34/2004,
nada obstava a que a recorrente pudesse requerer o benefício do apoio judiciário
antes da tentativa de conciliação, ou, pelo menos, antes do trânsito em julgado
da decisão final do processo, de modo a que pudesse obter ainda um efeito útil
em vista à obtenção de dispensa do pagamento de custas e demais encargos do
processo que teriam resultado da prolação dessa decisão.
Tendo a recorrente negligenciado essa possibilidade e tendo antes formulado o
pedido de protecção jurídica apenas quando foi notificada da reforma da conta,
num momento em que há muito tinha sido proferida a condenação definitiva em
custas, não pode dizer-se, à luz da jurisprudência constitucional há pouco
mencionada, que tenha ficado impossibilitada, em razão da sua insuficiência
económica, de recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos e
interesses legítimos.
Neste plano, a decisão recorrida, ao interpretar as referidas disposições legais
no sentido de que o pedido de apoio judiciário, quando requerido já após a
decisão final, não pode implicar um efeito retroactivo em relação à actividade
processual já tributada, limita-se a sufragar o entendimento do Tribunal
Constitucional pelo qual não há violação da garantia de acesso aos tribunais
quando a parte tenha litigado no processo sem suscitar a existência de
dificuldades económicas e tenha apenas requerido a protecção jurídica para se
eximir ao pagamento de custas judiciais em que tenha sido condenada.
4. A questão que pode colocar-se, e vem também invocada no recurso, é a de saber
se este julgamento mantém a mesma validade quando ocorra, por efeito do dito
facto superveniente, um agravamento substancial do valor das custas com que a
recorrente não pudesse razoavelmente contar, em termos de poder considerar-se
verificada, no caso, a violação do princípio da segurança jurídica.
O princípio da segurança jurídica surge como uma projecção do Estado de direito
e é invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa
interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito
ínsito no artigo 2º da Constituição.
A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa
vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares
relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da
segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em
exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e ao legislador.
Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma
especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições
jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados
de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional,
in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2,
2000, pág. 625).
Explicitando um pouco mais esta ideia, assim se escreveu no acórdão nº 786/96 (publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 34.º, pp. 23 e ss.):
O princípio da protecção da confiança exprime uma ideia de justiça que aprofunda
o Estado de direito democrático. Segundo ela, o Estado não pode legislar
alterando as expectativas legítimas dos cidadãos relativamente às respectivas
posições jurídicas, a não ser que razões ponderosas o ditem (?). Prevalecem,
neste último caso, a necessidade e o valor dos fins almejados, perante a
segurança e a solidez das expectativas. Mas tal sacrifício das expectativas deve
ser previsível para os cidadãos atingidos e não desproporcional à lesão dos
interesses subjacentes (?).
Mas haverá lesão de expectativas que implique a violação do princípio da
confiança?
Pressuposto de tal violação é a validade das expectativas. Isso não implica,
necessariamente, que estas correspondam a direitos subjectivos, mas apenas que
tenham um fundamento jurídico. E, por outro lado, não bastam quaisquer
expectativas tuteladas juridicamente para que se justifique a intervenção do
princípio da confiança. A validade das expectativas impõe que a previsibilidade
da manutenção de uma posição jurídica se fundamente em valores reconhecidos no
sistema e não apenas na inércia ou na manutenção do status quo.
O ponto é que, no caso em apreço, não pode dizer-se que a recorrente não pudesse
razoavelmente contar com a interpretação normativa que foi seguida pelo tribunal
recorrido. Essa interpretação corresponde a um entendimento jurisprudencial
corrente e, como se observou já, não envolve, em si, uma qualquer violação do
direito de acesso aos tribunais. Por outro lado, a recorrente não pode declarar-se
surpreendida com a alteração do valor da causa - e o consequente agravamento do
montante das custas ?, quando foi notificada do despacho que fixou esse valor, e
teve intervenção no processo a seguir à prolação desse despacho, e teve
necessariamente de ponderar o montante das custas que ficaria a seu cargo, ao
acordar na resolução do litígio por transacção judicial, que, além do mais,
implicava a aceitação da responsabilidade pelo pagamento das custas que fossem
apuradas no processo.
Não pode ignorar-se, por outro lado, que o valor da causa indicado na petição
inicial estava em manifesta contradição com o regime legal aplicável, pelo que
sempre seria previsível que esse valor fosse corrigido por intervenção oficiosa
do juiz, nos termos legalmente admitidos.
Assim sendo, a recorrente não pode invocar uma expectativa legítima quanto ao
montante das custas a liquidar, quando é certo que, usando da diligência
processual devida, poderia ter obtido todas as informações relativas ao
desenvolvimento e estado da causa, incluindo no se refere à falada alteração do
valor inicial da acção, que, de resto, eram relevantes para efeito de transigir
sobre os direitos que constituíam objecto do pedido, e podia até ter previsto a
possível correcção do valor da causa por efeito da intervenção oficiosa do juiz.
Além de que, estando definido o princípio segundo o qual, «no caso de transacção,
as custas são pagas a meio, salvo acordo em contrário» (artigo 451º, n.º 2, do
Código de Processo Civil), a recorrente não poderia aceitar, segundo a
normalidade das coisas, um agravamento da sua posição processual em relação ao
critério legalmente estabelecido sem previamente providenciar no sentido de
determinar com precisão qual o valor total das custas que, por via do acordo,
ficavam a seu cargo.
Tudo indica, por conseguinte, não haver, no caso, violação dos princípios da
segurança jurídica e da justiça material.
5. A recorrente invoca, no entanto, ainda a violação do princípio da igualdade,
por considerar que a interpretação adoptada poderá implicar uma inadmissível
distinção entre os casos em que a situação de insuficiência económica é
superveniente ou decorre, no decurso de processo, de um encargo excepcional, dos
casos em que a situação de insuficiência económica já se verificava no início do
processo ou, pelo menos, antes da primeira intervenção processual.
Como é sabido, o princípio da igualdade, podendo ser entendido em diferentes
dimensões (proibição do arbítrio, proibição de discriminação, obrigação de
diferenciação), traduz-se essencialmente na regra da generalidade na atribuição
de direito~s e na imposição de deveres (Gomes Canotilho/Vital Moreira,
Contituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, vol. I, Coimbra, págs.
338-339).
No caso concreto, o que pode estar em causa é o princípio da igualdade perante a
lei na vertente de proibição de diferenciação em situações iguais.
Não há, no entanto, sequer qualquer evidência de que a interpretação normativa
adoptada tenha implicado uma diferenciação de tratamento entre pessoas
igualmente carentes de apoio judiciário apenas pelo facto de a sua situação de
insuficiência económica se ter revelado no início ou na pendência do processo.
De facto, como se fez já notar, a Lei n.º 34/2007, no seu artigo 18º, n.º 2,
admite que o apoio judiciário possa ser concedido se a «situação de
insuficiência económica for superveniente ou se, em virtude do decurso do
processo, ocorrer um encargo excepcional», caso em que o pedido deve ser
formulado antes da primeira intervenção processual que ocorra após o
conhecimento dessa situação. Neste ponto, a lei não estabelece qualquer
distinção, no acesso ao direito e aos tribunais, entre aqueles que não disponham
de meios económicos no momento em que lhes cumpre tomar a decisão de litigar e
aqueles outros cuja insuficiência económica determinante da concessão de
protecção jurídica só venha a verificar-se no decurso do processo.
O que sucede é que, no caso concreto, a recorrente só formulou o pedido de apoio
judiciário num momento em que já tinha sido proferida, com trânsito em julgado,
a decisão final do processo e a consequente condenação em custas, pelo que, como
considerou o tribunal recorrido, o apoio judiciário que veio a ser concedido
apenas podia valer para a tramitação posterior a essa decisão, não abrangendo a
actividade processual anterior já tributada.
Tal interpretação não envolve qualquer violação do princípio da igualdade pela
linear razão de que o regime de acesso ao direito apenas serve para permitir à
parte intervir no processo em defesa dos seus direitos e interesses legítimos e
não para se eximir ao pagamento de custas em que a sua participação no processo
tenha dado causa.
Considerando a finalidade do regime de protecção jurídica, não pode dizer-se que
a recorrente tenha sido objecto de um tratamento desigual em relação a quaisquer
outros interessados que se encontrem em situação de insuficiência económica no
início ou no decurso do processo. Com efeito, a recorrente só não beneficiou do
apoio judiciário, em tempo útil, para obter a dispensa de pagamento de custas
devidas pela prolação da decisão final, por não o ter requerido até ao trânsito
em julgado dessa sentença, e por não revelado, por isso, que se encontrava em
situação de dificuldade económica impeditiva de continuar litigar no processo
antes de este ter chegado ao seu termo.
Não há, nesta circunstância, como bem se vê, qualquer violação do princípio da
igualdade.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao
recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão
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