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Processo n.º 1026/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I ? Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 23 de Dezembro de 2009,
vem dela reclamar dizendo o seguinte:
?1 Em decisão sumária foi doutamente entendido que as normas e respectivas
interpretações ou dimensões normativas cuja inconstitucionalidade foi arguida
pelo ora recorrente não foram as mesmas que foram aplicadas pelo Tribunal
judicial recorrido.
2 Na verdade, o Colendo Tribunal Constitucional em pelo menos dois Acórdãos,
sendo um deles o n° 555/2008 da 2.ª Secção de 19 de Novembro, julgou
inconstitucional a norma do art° 215° n.º 4 do C.P.P. quando interpretada no
sentido de permitir que, em caso de declaração oficiosa de excepcional
complexidade, esta não tenha de ser PRECEDIDA da audição do arguido, por
violação do disposto no artigo 32° n° 1 da C.R.P. (o sublinhado é nosso).
3 No caso dos autos, o Tribunal da Relação de Évora decidiu, a fls. 146 que: ?De
todo o modo, tendo sido dada ao arguido a oportunidade para se pronunciar antes
de o juiz de instrução tomar a decisão sobre a declaração de especial
complexidade do processo requerida pelo Ministério Público e porque a resposta
do arguido, apresentada ainda dentro do prazo de tolerância, foi tomada em
consideração no despacho em que foi reponderada a decisão tomada, não pode, de
modo algum, falar-se em violação do disposto no art. 32.º n°s 1 e 5 da
Constituição, não tendo sido aplicado nenhum preceito do Código de Processo
Penal ou do CPC segundo uma interpretação violadora da Constituição da República
Portuguesa, designadamente os invocados pelo recorrente, pelo que improcede a
declaração de nulidade impetrada e, bem assim, o pedido de extinção da prisão
preventiva por excesso de prazo. ?
4 Ora, como se verifica, o Tribunal Judicial recorrido não refere nenhuma norma
e muito menos uma dimensão normativa, limitando-se aqui a elencar os factos e a
afirmar que não se violou qualquer disposição constitucional.
5 Todavia, da leitura atenta de todo o conteúdo do Acórdão do Tribunal da
Relação de Évora não podem resultar quaisquer dúvidas que a sua decisão se
fundamentou nas normas e dimensão normativa composta pelos art°s 215°n°4, 105 n°
1, 113°n°2 e 10°, 107° A do C.P.P. e artigo 145° do C.P.C.
6 Tal dimensão normativa foi descrita e arguida tempestivamente pelo recorrente
antes da decisão que transparece no Acórdão do T.R.E. pelo que haverá de ter
sido ponderado pelos Venerandos Desembargadores.
7 Nem de outra forma poderia acontecer, sob pena de ?denegatio justitiae?.
8 O cerne da questão, ora ?sub judice? acha-se no alcance que for dado á
expressão PRECEDIDA quando se afirma no Acórdão do T.C. atrás citado que a
declaração de especial complexidade deve ser precedida de audição do arguido.
9 No entender do recorrente tal expressão significa que a declaração de especial
complexidade só pode ocorrer depois da junção do requerimento/promoção do
arguido ou após o esgotamento de todos os prazos conferidos por lei para o mesmo
se pronunciar.
10 Como está bem evidente nos autos, o TRE defende uma dimensão normativa algo
inédita que corresponde a valorar um despacho judicial de declaração de
excepcional complexidade efectuada ainda no prazo legal do arguido, a qual foi
tomada sem prévia audição do arguido, porque o seu requerimento até dá entrada
em tempo posterior.
11 Não pode haver quaisquer dúvidas de que a decisão em que se consubstancia o
citado despacho judicial NÃO TOMOU EM CONTA A ARGUMENTAÇÃO EXPENDIDA PELO
ARGUIDO.
12 O que foi feito foi uma REPONDERAÇÃO DA DECISÃO TOMADA ANTERIORMENTE.
13 ?Ad absurdo? equivale a dizer que o cidadão e seus advogados têm os seus
prazos de defesa sujeitos à possibilidade dos Senhores Juízes tomaram decisões
sem os auscultarem, bastando, depois dessas decisões, reponderá-las, confirmando
os despachos anteriores ou não.
14 Nestes contextos, bem simples, o recorrente arguiu a inconstitucionalidade do
conceito normativo resultante da combinação dos art°s 215°n°4, 105° n.º 1, 113.º
n°2 e 10, 107°A do C.P.P. e 145° do C.P.C. quando interpretado no sentido de
permitir que, cm caso de declaração de excepcional complexidade, este não tenha
de ser PRECEDIDA de audição do arguido, por violação do disposto no art° 32° n°
1 e 5 da CRP., NOMEDAMENTE PERMITIR QUE O JUIZ EMITA TAL DECLARAÇAO NO ÚLTIMO
DIA DO PRAZO SUPLETIVO DE DEZ DIAS, ACRESCIDO DOS TRES DIAS DE MULTA
EFECTIVAMENTE PAGO, CONFERIDO POR LEI À DEFESA PARA SE PRONUNCIAR.
15 Ora, quando o TRE entende normal que o requerimento/promoção do arguido foi
tomado em consideração no DESPACHO EM QUE FOI REPONDERADA a decisão (demasiado)
anteriormente tomada, (isto é, valorando posteriormente um despacho anterior que
não foi precedido de audição do arguido) estará a violar os direitos do cidadão
a contribuir com os seus argumentos e perspectivas para a bondade da decisão
judicial que irá ser tomada, ofendendo os mais elementares direitos de defesa.
16 Um destes dias ainda veremos acontecer a Leitura de um Acórdão antes das
alegações finais da Defesa em Julgamento, seguido de uma reponderação.?
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado da
reclamação, pronunciou-se no sentido da sua improcedência.
3. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
2. Profere-se decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC por não se
verificarem preenchidos os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso.
Com efeito, as impugnações deduzidas ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da LTC, versando normas (enquanto preceitos, no seu sentido objectivo, ou
interpretações ou dimensões normativas), pressupõem que as mesmas tenham sido
aplicadas, com o sentido que vem especificado pelo Recorrente, enquanto ratio
decidendi ou critério essencial da decisão a quo, atendendo à natureza
instrumental do recurso de constitucionalidade.
3. No caso dos autos, o Tribunal da Relação de Évora decidiu, a fls. 146 que: ?De
todo o modo, tendo sido dada ao arguido a oportunidade para se pronunciar antes
de o juiz de instrução tomar a decisão sobre a declaração de especial
complexidade do processo requerida pelo Ministério Público e porque a resposta
do arguido, apresentada ainda dentro do prazo de tolerância, foi tomada em
consideração no despacho em que foi reponderada a decisão tomada, não pode, de
modo algum, falar-se em violação do disposto no art. 32° n°s 1 e 5 da
Constituição, não tendo sido aplicado nenhum preceito do Código de Processo
Penal ou do CPC segundo uma interpretação violadora da Constituição da República
Portuguesa, designadamente os invocados pelo recorrente, pelo que improcede a
declaração de nulidade impetrada e, bem assim, o pedido de extinção da prisão
preventiva por excesso de prazo.?
Ora, o Recorrente, a fls. 167 disse: ?(?) deve o presente recurso obter
provimento, declarando-se a inconstitucionalidade do conceito normativo
resultante da combinação dos art°s 215° n°4, 105° n° 1, 113° n°2 e 10.º, 107°A
do C.P.P. e art° 145° do C.P.C. quando interpretado no sentido de permitir que,
em caso de declaração de excepcional complexidade, este não tenha de ser
PRECEDIDA de audição do arguido, por violação do disposto no art° 32° n° 1 e 5
da C.R.P., nomeadamente permitir que o Juiz emita tal declaração no último dia
do prazo supletivo de dez dias, acrescido dos três dias de multa efectivamente
pago, conferido por lei à Defesa para se pronunciar.? (sublinhados nossos).
Verifica-se, assim, que existe uma manifesta falta de identidade entre a
interpretação normativa levada a efeito pelo Tribunal recorrido e aquela que o
Recorrente pretende ver integrada no objecto do presente recurso já que esta
pressupõe que aquela interpretação partia do princípio de que a declaração de
excepcional complexidade do processo pudesse não ser precedida de audição do
arguido.
Ora, como vem referido, o Tribunal ouviu sobre tal incidente o Recorrente,
consignando que considerou na decisão o objecto dessa audição, pelo que a
dimensão normativa apresentada pelo mesmo Recorrente não reveste, na economia do
presente recurso de constitucionalidade, qualquer tipo de recorte relevante.
Assim, não existindo identidade entre o objecto do recurso ? tal como é
configurado pelo Recorrente ? e a ratio decidendi da decisão recorrida, conclui-se
pela impossibilidade de conhecimento do mesmo.
Cumpre apreciar e decidir.
II ? Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a
argumentação do Reclamante em nada abala a fundamentação da decisão sumária
reclamada. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende
da prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo
recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo,
constituindo essa norma fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem
como o prévio esgotamento dos recursos ordinários.
No caso em apreço, e como foi referido, inexiste identidade entre a
interpretação normativa feita pelo Tribunal recorrido e aquela que o Recorrente
pretende ver apreciada no objecto do presente recurso já que ?esta pressupõe que
aquela interpretação partia do princípio de que a declaração de excepcional
complexidade do processo pudesse não ser precedida de audição do arguido.?
Reiterando o que foi dito na decisão sumária ora reclamada: ? (?) como vem
referido, o Tribunal ouviu sobre tal incidente o Recorrente, consignando que
considerou na decisão o objecto dessa audição, pelo que a dimensão normativa
apresentada pelo mesmo Recorrente não reveste, na economia do presente recurso
de constitucionalidade, qualquer tipo de recorte relevante.?
O Recorrente pode dissentir do teor da decisão recorrida e da respectiva
fundamentação, mas transmitir esse seu dissídio a este Tribunal, não é
consentâneo com a especificidade normativa do recurso de constitucionalidade.
Consequentemente, resta concluir pela impossibilidade de conhecimento do recurso
e pela improcedência da presente reclamação.
III ? Decisão
5. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em
consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento
do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos
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