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Processo n.º 803/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls. 1308 foi proferida a seguinte decisão sumária:
«Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
decide-se:
1. A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de
Lisboa que confirmara a decisão de julgar extinto o procedimento cautelar de
embargo de obra nova, declarando caduco o embargo decretado no processo
cautelar. Por acórdão de 19 de Março de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça
confirmou o decidido na Relação, assim negando provimento ao agravo. Notificada,
A. arguiu a nulidade do aresto, mas, em 28 de Maio de 2009, o Supremo Tribunal
de Justiça indeferiu, por acórdão, tal pretensão.
É deste ultimo aresto que a interessada recorre para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro
(LTC). Convidada a esclarecer tal pedido, respondeu:
A., Recorrente com os sinais nos autos, tendo sido notificada, por carta
registada de 19.10.09, do despacho proferido em 19.10.09, a fls., segundo o qual
deve enunciar o exacto sentido da norma cuja conformidade constitucional
pretende questionar; e indicar a peça processual em que suscitou a questão de
inconstitucionalidade/ilegalidade, vem dizer e requerer o seguinte:
I. normas questionadas:
1. No recurso interposto em 7.06.09, a fls., já se respondeu às questões ora
colocadas, pelo que somos forçados a mais uma repetição.
2. Efectivamente, as normas cuja conformidade constitucional a recorrente
pretende questionar são as seguintes:
a) Os art. 731.º, n.º 2 + 762.º, n.º 2 do CPC;
b) O art. 20.º do CRP; e
c) O art. 660.º, n.º 2 do CPC
3. Quanto à alínea a), diz o STJ que é pela distribuição que processa a
repartição com igualdade do serviço do Tribunal, se designa a Secção ou o Juiz
que deve servir do Relator (art. 209.º do CP).
4. Simplesmente, neste caso, a distribuição já se tinha efectuado há muito tempo
e não havia lugar a nova distribuição, aplicando-se expressamente as normas dos
arts. 731.º, n.º 2 e 762.º, n.º 2 do CPC.
5. Quanto à alínea b), o STJ refere que não havia que decidir sobre a
fossilização/vetustez deste processo e que esta questão nada tem a ver com a
justiça do caso concreto: o prazo desrazoável de pendência do processo é uma
situação normal, que não merece qualquer comentário ou decisão apropriada.
6. Simplesmente, esta posição do “deixa andar” veda o acesso ao direito em tempo
útil e eficaz.
7. Quanto à alínea c), o STJ afirma simultaneamente que há trânsito em julgado e
que não há trânsito em julgado, incorrendo em flagrante incoerência e
contradição, não respondendo às questões pertinentes adequadamente colocadas
pelo recorrente, servindo-se do manto diáfano das questões essenciais, novas e
prejudicadas, distinção sibilina para encobrir a verdadeira pronúncia sobre as
conclusões apresentadas.
II. peças processuais de suscitação:
8. Nas alegações/conclusões apresentadas em 25.10.08, a fls.
Na arguição de nulidade de 6.04.09 (via Fax), de fls. [...].
2. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual o
recurso vem interposto, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões
dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo'. Esta disposição impõe o entendimento de que o recurso tem
carácter normativo, isto é, deve incidir necessariamente sobre normas aplicadas
na decisão recorrida sobre as quais o interessado já havia suscitado uma questão
de inconstitucionalidade (artigo 72º n.º 2 da LTC).
No caso em presença apura-se, no entanto, que a recorrente não suscitou perante
o tribunal recorrido qualquer questão relacionada com a desconformidade
constitucional das normas que agora identifica como objecto do recurso. O que
fez foi criticar as decisões proferidas por nelas não se haver dado cumprimento
a tais normas. Ora, a errada perspectiva com que construiu a sua pretensão
explica, por exemplo, que inclua no objecto deste recurso uma norma da própria
Constituição (o artigo 20º), norma que, obviamente, não é possível submeter a um
julgamento de desconformidade constitucional.
Na verdade, a questão que a recorrente apresenta no seu requerimento de
interposição do recurso reporta-se à alegada violação de determinados princípios
constitucionais e legais pelo Tribunal recorrido, o que, sem uma concreta
referência à desconformidade constitucional das normas aplicadas, revela que a
questão não tem carácter normativo e se reconduz, afinal, à crítica directa da
decisão impugnada.
3. Com este fundamento, decide-se não conhecer do objecto do recurso. [...]»
2. Notificada, a recorrente reclama nos seguintes termos:
«A., Recorrente com os sinais nos autos, tendo sido notificada, por carta
registada de 28.10.09, do despacho proferido em 27.10.089, a Fls. …., que
decidiu não conhecer do objecto do recurso, com custas pela recorrente, fixando
a taxa de justiça em 7 UC (714,00 Euros), sem prejuízo do apoio judiciário
(subentende-se),
Mas, não se conformando com a aliás douta decisão, nos termos do art. 78.º-A,
n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção resultante da Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, vem reclamar para VV. Exas., nos termos e com os
fundamentos seguintes:
I. A errada perspectiva…
O art. 20.º da CRP
1. É provocante e sintomática a perspectiva em que se coloca o Exmo.
Conselheiro-Relator ao afirmar que é errada a perspectiva com que a recorrente
construiu a sua pretensão de ilegalidade/inconstitucionalidade ao incluir no
objecto deste recurso uma norma da própria Constituição (o art. 20.º).
Mas, a verdade é que essa questão constitui o cerne da mensagem que a recorrente
pretende transmitir, com mágoa e descrédito institucional.
É precisamente esta focagem que está na ordem do dia e constitui a diapasão que
nos dá o tom para afirmar o facto deplorável de a justiça ser um dos maiores
falhanços em três décadas e meia de democracia em Portugal.
É o cancro que corrói um dos pilares fundamentais da vida em sociedade, não
dando resposta nem em tempo útil, nem de forma fiável às demandas de cidadãos e
empresas.
Não se vislumbra uma genuína preocupação com a necessidade de a justiça a
funcionar bem melhor.
É este debate é que interessa abrir mesmo a nível do presente caso concreto,
para que a próxima revisão constitucional seja a oportunidade aproveitada para
resolver esta magna questão, que não é compatível com a defesa e a prossecução
de interesses próprios do sindicalismo na justiça.
Efectivamente, no domínio da celeridade, andamos, há anos, a clamar quanto à
lentidão escandalosa da justiça, mas ainda não tivemos nem cidadania, nem
vontade política, para eliminar um dos cancros da morosidade do sistema,
designadamente o Tribunal Constitucional, como 3ª e às vezes 4ª instância de
recurso, mas com decisões formais que retiram/vedam o direito dos cidadãos de
acesso aos tribunais, porque tais despachos não dão importância ao Direito em
concreto, nem ao direito ao recurso efectivo que deve fazer parte do nosso
património cultural.
Na verdade, só com o juízo ético se poderá atingir a realização da justiça.
E é neste ponto nuclear que se deve centralizar o julgamento de desconformidade
constitucional, o resto é uma superficialidade arrepiante.
II – O refrão:
A questão normativa;
A questão decisória impugnada.
Esta dicotomia tem sido prejudicial na análise da constitucionalidade/legalidade
e tem foros de bizantinismo e estagnação borolenta [sic].
O tempo de encarregará de transpor para o Direito Constitucional Português o
verdadeiro recurso de amparo que reparará a injustiça de um processo como o
presente, que dura há 21 anos!!!, sem que o Tribunal Constitucional
problematize/censure esta delonga!!!
Ora, a fossilização/vetustez deste processo não é tolerável pelo Direito e deve
ser censurada pelo Venerando Tribunal Constitucional.
No caso dos autos, ultrapassou-se desmesuradamente o lapso temporal proporcional
e adequado à complexidade do procedimento cautelar de embargo de obra nova, que
é de carácter urgente!!!
Donde, é inadmissível e intolerável constitucionalmente o prolongamento deste
jogo processual cautelar, que já vai com a vetustez de 21 anos!!!
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, VV. Exas. Darão procedência à
presente reclamação, decidindo conhecer do objecto do recurso.»
3. Para além de afirmações genéricas, totalmente inoportunas e incapazes de
substanciar a crítica que se exige a peças processuais de natureza recursiva, a
reclamante nada adianta que, com pertinência, contrarie as ponderações que
fundamentam a decisão sumária em causa.
Por essa razão, cumpre reafirmar, nos seus precisos termos, tal decisão.
4. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, confirmando a decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante,
fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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