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Processo n.º 414/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I. Relatório
1. O senhor advogado A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro
(LTC), do acórdão proferido em 6 de Março de 2008 no Supremo Tribunal
Administrativo pelo qual, concedendo-se provimento ao recurso jurisdicional
interposto pela Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores,
se julgou improcedente a acção de reconhecimento de direito intentada pelo ora
recorrente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Especifica:
“ […]
As questões de constitucionalidade que se pretende ver apreciadas pelo Venerando
Tribunal ad quem estão formuladas nas contra-alegações do recurso a que se
reporta o douto acórdão recorrido, exactamente nos termos que, para maior
clareza e fidelidade, se passa a transcrever.
a. “ … desconformidade das alterações introduzidas no Regulamento pela Portaria
nº 884/94 com o disposto no nº 6 do art. 115.º da Constituição, na versão
introduzida pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, visto as normas
que regem a CPAS deverem constar de decreto regulamentar, por se tratar de um
regulamento independente.”
E já antes se havia alegado (início de fls. 6 das contra-alegações): “ É clara a
desconformidade constitucional da norma revogatória (da Portaria nº 884/94), na
medida em que subtrai ao regulamento a única via ali expressa de fazer justiça a
carreiras contributivas inferiores a 15 anos, em obediência ao comando
constitucional do art. 63.º n.º 4, seja directamente seja por analogia” (fls. 6
e 7).
b. “Aliás, o regulamento em causa também é desconforme com os preceitos
constitucionais do n.º 4 do art. 63º e do n.º 5 do citado art. 115.º,
nomeadamente, além das disposições do art. 13.º, com as do art. 17.º, na
dimensão destas últimas em que, ao indexar o valor das reformas, não respeita
todo o tempo de trabalho que, por imperativo constitucional, tem de aproveitar
ao cálculo da pensão. Tratou-se de estabelecer uma disciplina excepcional com
força de lei e contrária à Lei Fundamental, através de fonte secundária, que é
um regulamento e, mais, um regulamento formalmente inconstitucional” (fls. 7 das
contra-alegações ).
(o inciso constitucional que hoje contém os preceitos acima invocados é o art.
112º)
c. “ ... uma opção normativa ou interpretativa, nos termos da qual apenas releva
o tempo de trabalho se superior a 15 anos, para efeitos de atribuição da pensão
de velhice aos advogados, atenta manifestamente contra o princípio
constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º, na medida em que, como a
jurisprudência mostra à saciedade, para os trabalhadores em geral vigora
indiscutivelmente o direito de aproveitamento integral daquele tempo apoiado nas
contribuições cobradas. É clara a discriminação em sede de profissão” (fls. 13
das contra-alegações).
d. “ De qualquer forma, é de presumir que, de harmonia com os princípios da
justiça e da igualdade, houve a intuição de que a pensão calculada nos termos
dos art. 10.º n.º 4 e 20.º constitui um mínimo de referência para os cálculos
daquela a que o ora recorrido tem direito. De outro modo até seriam contrariados
aqueles princípios, pois se instituiria uma situação de clara discriminação
injustificada do ora recorrido em relação aos advogados que ou se reformaram na
vigência plena do Regulamento aprovado em 1983 ou viram a sua inscrição
cancelada” (fls. 10).
[…]”
O recurso foi admitido no Tribunal recorrido.
No Tribunal Constitucional o recorrente foi convidado a precisar o exacto
sentido da interpretação normativa cuja conformidade constitucional questiona,
tendo respondido nos seguintes termos:
“ […]
1. As normas dos art. 10.º n.º 4 e 13º n.º 1 al. a), editadas, à margem dos
constitucionais requisitos de forma, pelo n.º 1º da Portaria nº 884/94, de 1 de
Outubro, com o sentido de que, ignorando o princípio universal de conservação de
direitos adquiridos e em formação, excluem o direito, para efeitos de pensão de
velhice, ao aproveitamento de todo o tempo de trabalho tal como reflectido na
carreira contributiva, a subscritores da Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores que, no período de vigência comum ao preceito constitucional do
art. 63.º n.º 4, por um lado, e ao Regulamento da mesma Caixa tal como aprovado
pela Portaria nº 487/83, de 27 de Abril, por outro, já estavam habilitados com o
prazo de garantia fixado neste Regulamento.
2. A norma do art. 17.º n.º 1, de evidente correlação estreita com as do número
antecedente, na redacção veiculada, à revelia dos requisitos formais aplicáveis,
pelo n.º 1 da mencionada Portaria n.º 884/94, com o sentido de que, ao
estabelecer valores mínimos para as pensões de velhice, exclui do direito ao
aproveitamento integral do tempo de trabalho subscritores da aludida Caixa que,
no período de vigência comum ao preceito constitucional do art. 63.º n.º 4 e ao
Regulamento da dita Caixa tal como aprovado pela Portaria n.º 487/83, já
satisfaziam o prazo de garantia estabelecido no art. 13.º n.º 1 al. a) deste e,
consequentemente, estavam ao abrigo do princípio de conservação de direitos
adquiridos e em formação.
3. A norma do n.º 2.º da Portaria nº 884/94, de 1 de Outubro, carente de
legitimidade constitucional para o efeito, no segmento em que revoga as normas
ínsitas nos nº 1 e 2 do art. 19.º e n.º 1 e 3 do art. 20.º do Regulamento da
Caixa tal como aprovado pela Portaria nº 487/83, de 27 de Abril, com o sentido
de que, (1) quanto às normas do art. 19.º e no que respeita a subscritores da
Caixa que já tinham completado o prazo de garantia de 10 anos do art. 13.º n.º 1
al. a) do citado Regulamento (no período de vigência comum ao preceito
constitucional do art. 63.º n.º 4 e ao referido Regulamento), ignorando o
princípio de conservação de direitos adquiridos e em formação, exclui, via
eliminação do direito a pensão reduzida, o direito ao aproveitamento integral do
tempo de trabalho; (2) quanto às referidas normas do art. 20.º, com o sentido de
que, com a aniquilação do mecanismo, aliás satisfatório, aí previsto para a
concretização do direito ao aproveitamento integral do tempo de trabalho, este
direito fundamental é indevidamente postergado, com manifesto retrocesso da
protecção constitucionalmente consagrada no que respeita aos mesmos
subscritores.
Em razão do sentido assinalado para cada norma impugnada, o recorrente pretende
ainda a apreciação da constitucionalidade formal das mesmas, posto que foram
editadas em diploma – a Portaria 884/94 – que indica como lei habilitante o
Decreto-lei n.º 163/83, de 27 de Abril, e este, tal como foi alegado no Tribunal
recorrido, porque se limita a atribuir as competências objectiva e subjectiva,
impunha a emissão das normas em causa sob a forma de decreto regulamentar. Para
mais, a Portaria em questão invoca preceito legal inexistente – o n.º 3 do art.
26º do diploma habilitante, o qual, aliás, já tinha caducado à data da emissão
da Portaria n.º 884/94 de 1 de Outubro, por ter sido expressamente revogado pelo
art. 78º do Decreto-lei nº 328/93, de 25 de Setembro.
[…] ”
Prosseguindo o recurso os seus trâmites, alegou o recorrente, concluindo:
“ […]
1 – O art. 63.º n.º 4 da Constituição consagra o direito, universal, ao
aproveitamento de todo o tempo de trabalho para efeitos da protecção na velhice
consubstanciada na pensão de reforma. O art. 13.º n.º 1 al. a) do Regulamento da
Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, na redacção introduzida com
a Portaria n.º 884/94 de 1 de Outubro, na interpretação constitucionalmente
ilegítima que lhe empresta a Caixa, veda o aproveitamento do tempo de trabalho
inferior a 15 anos em manifesta discriminação violadora do art. 13º da Lei
Fundamental e do referido art. 63º n.º 4, posto que discrimina, no universo dos
destinatários deste comando, os subscritores da Caixa. Enfermam da mesma
desconformidade os preceitos regulamentares dos art. 10.º nº 4 e 17.º nº 1, na
actual redacção, porquanto confortam e desenvolvem a referida discriminação.
2 – Também afronta o citado art. 13.º, quer à luz do princípio de conservação
dos direitos adquiridos e em formação, tal como esclarecido na Lei de Bases da
Segurança Social de 14 de Agosto de 1984, quer à do comando de sujeição a esta
Lei da referida Caixa, discriminar negativamente, uma vez cumprido o prazo de
garantia estabelecido na versão original daquele Regulamento, entre os
subscritores que completaram os 70 anos no período de vigência comum ao comando
do art. 63.º n.º 4, editado pela Lei Constitucional nº 1/1989, por um lado, e ao
Regulamento da Caixa na mesma versão, por outro, e aqueles dos subscritores que
aguardavam apenas a completação daquele requisito etário. A interpretação
legítima, à luz daqueles incisos constitucionais, é a que assegura a igualdade
de tratamento a todos os que satisfazem o prazo de garantia.
3 – A norma do citado art. 63.º n.º 4 estabelece o imperativo de que todo o
tempo de trabalho releve, nos termos da lei, para o cálculo da pensão de
velhice, independentemente de qualquer problema de contagem emergente do facto
de o trabalhador ter estado integrado em diversos sistemas ou sub-sistemas de
Segurança Social, ou de outra causa, isto é, coloque-se ou não um problema de
intercomunicabilidade de sistemas ou regimes de segurança social pública. Aliás,
o art. 111.º do Regulamento prevê expressamente, aceitando-a, a acumulação de
benefícios com outros regimes de Segurança Social. É neste sentido que devem ser
lidos os preceitos acima arguidos de desconformidade à Constituição.
4 – A alteração introduzida no aludido art. 13º nº 1 al. a), bem como nos art.
10.º nº 4 e 17º n.º 1, é convergente com a revogação, operada no nº 2 da
Portaria 884/94, dos art. 19.º e 20.º da versão inicial do Regulamento; de tal
convergência resulta a eliminação do dispositivo, ínsito naqueles artigos, o
qual, na prática, assegurou, durante o período de vigência comum à versão
original do Regulamento e ao preceito resultante da Lei Constitucional nº
1/1989, a pensão de velhice aos subscritores que tinham carreira contributiva
inferior à necessária para usufruir da pensão máxima, isto é, garantiu o
aproveitamento de todo o tempo de trabalho nos termos da lei. Portanto, a norma
revogatória é desconforme ao preceito constitucional do art. 63º n.º 4. Viola-o,
posto que lhe retira a eficácia jurídica no que toca aos subscritores da Caixa,
assim criando uma arbitrária situação de desigualdade flagrante quer face ao
universo dos destinatários do direito do art. 63.º n.º 4 quer entre os
subscritores da Caixa que completaram o prazo de garantia no período acima
referenciado, como explicitado nas alegações antecedentes.
5 – De facto, a mencionada norma revogatória contraria o dever do Estado de se
abster de atentar contra a realização ao direito de aproveitamento integral do
tempo de trabalho proporcionada pelos dois preceitos regulamentares revogados,
constituindo uma clara e injustificável instância de infracção do princípio da
proibição de retrocesso social.
6 – A novação operada com a Portaria n.º 884/94 apresenta-se como habilitada
pelo Decreto-lei nº 163/83, de 27 de Abril, o qual se limita a conferir
competência objectiva e subjectiva para regulamentar a gestão da Caixa;
careciam, em consequência, as regras editadas, de constar de decreto
regulamentar. Constam de Portaria, pelo que esta padece, designadamente no seu
nº 1, com as normas do art. 10.º n.º 4, 13.º, n.º 1 al. a) 17.º nº 1; e, no seu
nº 2, com o segmento revogatório dos art. 19.º e 20.º de inconstitucionalidade
formal por violação do art. 112º nº 6 da Constituição, o que as invalida.
Termos em que deve ser declarada: a inconstitucionalidade formal das normas dos
artigos 10.º nº 4, 13º n.º 1, al. a) e 17º n.º 1 do Regulamento da Caixa de
Previdência dos Advogados e Solicitadores com a redacção editada pelo n.º 1 da
Portaria nº 884/94, de 1 de Outubro, bem como da norma revogatória do n.º 2 do
mesmo diploma, no segmento em que revoga os art. 19º e 20º, com a consequente
repristinação de todas as referidas normas alteradas e revogadas; ou, se assim
se não entender, a inconstitucionalidade material das normas dos art. 10.º nº 4,
13.º n.º 1 al. a) e 17.º n.º 1 acima referidas, bem como da norma revogatória do
n.º 2 da Portaria no segmento identificado, tal como arguido.
[…]”
A recorrida Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores
apresentou a sua contra-alegação.
II. Fundamentação
3. O recorrente requer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional, que seja apreciada a conformidade constitucional das
normas dos artigos 10.º n.º 4, 13.º n.º 1, alínea a) e 17.º n.º 1 do Regulamento
da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, na redacção dada pelo n.º
1.º da Portaria nº 884/94, de 1 de Outubro, bem como da norma revogatória do n.º
2.º do mesmo diploma, no segmento em que revoga os artigos 19.º e 20.º do
referido Regulamento; em seu entender, tais normas enfermam de
inconstitucionalidade formal e material.
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional tem natureza normativa, visando apreciar a conformidade
constitucional de normas efectivamente aplicadas como ratio decidendi na decisão
recorrida. Nestes processos, a apreciação da questão de inconstitucionalidade
está condicionada a uma efectiva aplicação da norma impugnada; importa, assim,
apurar quais as normas que foram aplicadas na decisão recorrida, pois só estas
poderão ser objecto do presente recurso.
No acórdão recorrido considerou-se que “ (…) à luz da primeira versão do
regulamento da CPAS, o aqui recorrido [ora recorrente] ainda poderia vir a obter
o direito à «pensão reduzida» a que se referia o art. 19º, n.º 1, dado que ele,
à data do cancelamento, já tinha «mais de 10 anos de inscrições na Caixa» (art.
10.º, n.º 3). Mas só lhe seria possível requerer essa pensão quando lhe coubesse
«o direito à pensão por inteiro se se mantivesse como beneficiário» (art. 19.º,
n.º 2), isto é, quando completasse 70 anos de idade (art. 13º, n.º 1, al. a), na
redacção original).” Entendeu-se, ainda, que a “nova redacção do regulamento,
trazida pela Portaria n.º 884/94, eliminou os artigos que previam aquela pensão
reduzida. Mas manteve ainda a possibilidade de o beneficiário com inscrição
cancelada obter uma pensão de reforma — desde que não tivesse optado por receber
o resgate e contasse «mais de 15 anos de inscrição na Caixa» (art. 10.º, n.º 4).
E, como é óbvio, a isto acrescia o requisito da idade, pelo que esse direito à
pensão estava dependente de o beneficiário já haver completado os 65 anos
referidos no art. 13.º, n.º 1, al. a).”
Tendo-se concluído que “até à emergência da Portaria n.º 884/94, o autor e ora
recorrido [aqui recorrente], apesar de ter a sua inscrição na CPAS cancelada, já
perfizera o previsto prazo de garantia e só dependia da formação do requisito da
idade (completar 70 anos) para poder requerer uma pensão reduzida. Com o novo
regime jurídico, vigente a partir de Outubro de 1994, o autor viu-se despojado
«ex abrupto» do prazo de garantia vencido, não tendo sequer a hipótese de se
inscrever na CPAS de modo a completá-lo. Ou seja: o primeiro regime permitia que
o aqui recorrido adquirisse o direito à reforma e o segundo regime veio
recusar-lhe absolutamente tal direito.”
Como resulta do teor do acórdão, designadamente nos trechos agora transcritos, a
decisão recorrida pronunciou-se apenas sobre o reconhecimento do direito à
pensão de reforma reduzida por motivo de cancelamento da inscrição e no sentido
de que o novo regime jurídico decorrente da Portaria n.º 884/94, que se
considerou aplicável, veio retirar ao ora recorrente a possibilidade de adquirir
esse direito, que o regime anterior lhe concederia, sem se emitir qualquer
pronúncia acerca do valor da pensão. Ou seja, na decisão recorrida não foi
aplicado o n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento da Caixa de Previdência dos
Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, na
redacção dada pelo n.º 1.º da Portaria nº 884/94 de 1 de Outubro, que dispõe
sobre o valor mínimo da pensão de reforma.
Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de inconstitucionalidade, a
análise do Tribunal incidirá apenas nas normas dos artigos 10.º n.º 4 e 13.º n.º
1, alínea a) do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, na redacção
dada pelo n.º 1.º da Portaria nº 884/94, de 1 de Outubro, e da norma do n.º 2.º
da Portaria nº 884/94 de 1 de Outubro, no segmento em que revoga os artigos 19.º
e 20.º do referido Regulamento.
Vejamos, então.
4. Diz, no que agora interessa, a Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro:
“ […]
Mais de 10 anos volvidos sobre a publicação da Portaria n.º 487/83, de 27 de
Abril, torna-se necessário rever algumas das soluções então consagradas, a fim
de introduzir no Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores algumas disposições e alterar outras, de acordo com o que resulta
da experiência colhida e das transformações sociais verificadas.
Foi ouvida a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores.
Assim, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 163/83,
de 27 de Abril:
Manda o Governo, pelos Ministros da Justiça e do Emprego e da Segurança Social,
o seguinte:
1.º – Os artigos 4.º, 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 35.º,
59.º, 60.º, 61.º, 72.º, 73.º, 91.º, 92.º, 109.º e 110.º da Portaria n.º 487/83,
de 27 de Abril, passam a ter a seguinte redacção:
[…]
Artigo 10.º
Cancelamento da inscrição
1 –…………………………………………………
2– ....………………………………………………
3 – Cancelada a inscrição, pode, a todo o tempo, o beneficiário requerer o
resgate das contribuições pagas, excepto das destinadas à acção de assistência e
da percentagem afecta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios
recebidos.
4 – O beneficiário com mais de 15 anos de inscrição na Caixa, se não tiver
recebido o resgate, tem direito ao valor das pensões e subsídios.
[…]
Artigo 13.º
Direito à reforma
1 – O direito à reforma é reconhecido:
a) Aos beneficiários que tenham completado 65 anos de idade e tenham, pelo
menos, 15 anos de inscrição;
b) …………………………………………………
[…]
2.º – São revogados o n.º 3 do artigo 17.º e os artigos 19.º, 20.º, 21.º, 22.º,
28.º, 37.º, 38.º, 39.º e 40.º.
3.º – São aditados, no lugar correspondente, os artigos 5.º-A, 115.º-A, 115.º-B,
115.º-C, 115.º-D e 115.º-E:
[…].”
Resulta do texto da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro, que a mesma foi
emitida “ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º
163/83, de 27 de Abril”, diploma que, no que ora interessa, dispõe:
“ […]
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da
Constituição, o seguinte:
Artigo único. O artigo 26.º do Decreto-lei n.º 8/82, de 18 de Janeiro, passa a
ter a seguinte redacção:
Artigo 26.º
1– …………………………………………………
2–..………………………………………………
3 – O regime de segurança social dos advogados e solicitadores será gerido pela
Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, cujo regulamento será
aprovado por portaria dos Ministros da Justiça e dos Assuntos Sociais.”
O referido Decreto-Lei n.º 8/82 aprovou o regime de segurança social dos
trabalhadores independentes, estabelecendo, no seu artigo 26.º, no que aos
advogados e solicitadores diz respeito, o seguinte:
“ Artigo 26.º
(Caixas privativas de profissionais liberais)
[…]
3 – Os advogados e solicitadores poderão inscrever-se no regime estabelecido
neste diploma se, tendo menos de 55 anos, o requererem no prazo de 1 ano a
contar da data de entrada em vigor do presente diploma ou do início do exercício
da respectiva actividade.
4 – O uso da opção prevista no número anterior não desvincula os profissionais
da inscrição obrigatória na respectiva caixa privativa.
5 – O regime estabelecido neste diploma aplicar-se-á aos advogados e
solicitadores a partir da plena integração no sistema de segurança social da
instituição de previdência social referida no número anterior.
6 – O diploma de integração no sistema de segurança social da instituição de
previdência social referida no n.º 4 poderá determinar a sua transformação em
instituição destinada a assegurar modalidades de prestações de segurança social
complementares das estabelecidas no artigo 11.º.”
Do que se deixa exposto, apura-se que a norma ao abrigo da qual a Portaria n.º
884/94 de 1 de Outubro foi emitida não podia ser, como se refere no seu texto, o
“n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 163/83 de 27 de Abril”, desde logo
porque este decreto-lei tem um único artigo, mas sim o n.º 3 do artigo 26.º do
Decreto-Lei n.º 8/82 de 18 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º
163/83, de 27 de Abril.
Deve ainda assinalar-se que foi ao abrigo desta norma que foi aprovada, pela
Portaria n.º 487/83 de 27 de Abril, a versão inicial do Regulamento da Caixa de
Previdência dos Advogados e Solicitadores. Contudo, o artigo 26.º do Decreto-Lei
n.º 8/82 de 18 de Janeiro voltou a ser alterado pelo artigo único do Decreto-Lei
n.º 431/83 de 13 de Dezembro, passando a ter a seguinte redacção:
“ Artigo 26.º
(Caixas privativas de profissões liberais)
[…]
5 – Os advogados e solicitadores poderão inscrever-se no regime estabelecido
neste diploma se, tendo menos de 55 anos, o requererem no prazo de 1 ano a
contar da data de entrada em vigor do presente diploma ou do início do exercício
da respectiva actividade.”
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 221/84, de 4 de Julho, pretendeu corrigir o
“lapso” cometido no Decreto-Lei n.º 431/83, que “reproduziu no n.º 5 do novo
artigo 26.º o n.º 3 do mesmo artigo na redacção do Decreto-Lei n.º 8/82, de 18
de Janeiro, quando se pretendia reproduzir o n.º 3 do mesmo artigo na redacção
que lhe fora dada pelo Decreto-Lei n.º 163/83, de 27 de Abril”. Assim, por força
do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 221/84, que produziu efeitos “a partir da data
da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 163/83, de 27 de Abril, revogado pelo
Decreto-Lei n.º 431/83, de 13 de Dezembro” (cfr. Artigo 2.º), o artigo 26.º do
Decreto-Lei n.º 8/82, de 18 de Janeiro, passou a ter a seguinte redacção, no que
aos advogados e solicitadores diz respeito:
“ Artigo 26.º
[…]
5 – O regime de segurança social dos advogados e solicitadores é gerido pela
Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, nos termos do regulamento
aprovado por portaria dos Ministros da Justiça e do Trabalho e Segurança Social.
6 – Os advogados e solicitadores poderão inscrever-se no regime estabelecido
neste diploma se, tendo menos de 55 anos, o requererem no prazo de 1 ano a
contar da data de entrada em vigor do presente diploma ou do início do exercício
da respectiva actividade.”
Apura-se, assim, que a Portaria n.º 884/94, publicada em 1 de Outubro de 1994,
não podia fazer apelo ao n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 8/82, de 18 de
Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 163/83, de 27 de Abril, pois essa
norma fora já revogada pelo Decreto-Lei n.º 431/83 de 13 de Dezembro. Quando
muito, podia ter feito menção ao n.º 5 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 8/82 de
18 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 221/84, de 4 de Julho.
Apura-se ainda que, em data anterior à publicação da Portaria n.º 884/94, o
Decreto-Lei n.º 8/82 de 18 de Janeiro foi revogado pelo artigo 78.º do
Decreto-Lei n.º 328/93 de 25 de Setembro que aprovou o novo regime geral de
segurança social dos trabalhadores independentes e que entrou em vigor no dia 1
de Janeiro de 1994.
5. Para sustentar a inconstitucionalidade formal das normas sindicadas, por
violação do n.º 6 do artigo 112.º da Constituição, o recorrente alega que a
'novação' operada com a Portaria n.º 884/94 se apresenta habilitada pelo
Decreto-lei nº 163/83 de 27 de Abril, que se limita a conferir competência
objectiva e subjectiva para regulamentar a gestão da Caixa. Por essa razão, as
regras editadas na sua sequência, inscrevendo-se em regulamento independente,
deveriam de constar de decreto regulamentar.
Saliente-se, antes de mais, que quanto às normas relativas a formas e a
competências vale o princípio tempus regit actum, o qual determina que o
parâmetro de aferição da constitucionalidade orgânico-formal de uma certa norma
é aquele que vigorava ao tempo da sua formação.
Como se diz no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 56/95, de 9 de Fevereiro
de 1995 (Diário da República, II Série, de 28 de Abril de 1995) “A regularidade
formal dos actos normativos, com efeito, rege-se sempre pelas normas
constitucionais que estiverem em vigor à data da respectiva formação e que lhes
digam respeito. E outro tanto se diz quanto às regras de competência que
igualmente digam respeito à formação dos actos.”
Na versão vigente em 1 de Outubro de 1994 (data da publicação da Portaria n.º
884/94), dispunha o n.º 6 do artigo 115.º da Constituição – decorrente da Lei
Constitucional n.º 1/82 – que “Os regulamentos do Governo revestem a forma de
decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem
como no caso de regulamentos independentes”, estabelecendo o seu n.º 7 que “Os
regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que
definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”. Tais normas
correspondem hoje aos n.ºs 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição.
O Tribunal Constitucional tem entendido que regulamento independente é aquele em
que a lei se limita a definir a competência objectiva, isto é, a matéria sobre
que pode incidir o regulamento, e a competência subjectiva, ou seja, a entidade
competente para emitir o regulamento (neste sentido, Acórdãos n.ºs 1184/96 e
289/2004 publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 12 de
Fevereiro de 1997 e de 26 de Maio de 2004).
Deste modo, para se poder determinar se estamos em presença de um regulamento
independente, como tal sujeito à forma de decreto regulamentar por força do n.º
6 do artigo 115.º da Constituição (actual n.º 6 do artigo 112.º), tem de
conhecer-se a lei ao abrigo da qual o regulamento foi aprovado, a sua lei
habilitante, cuja indicação deve constar em menção expressa.
Tem-se entendido, seguindo o que defendem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, na
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, 1993, pág. 516, que
esta exigência de indicação da lei habilitante tem como objectivo, por um lado,
disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando o Governo e a Administração a
controlarem, em cada caso, tal competência e, por outro lado, garantir a
segurança e a transparência jurídicas, dando a conhecer aos destinatários o
fundamento do poder regulamentar.
Tal como se diz no Acórdão n.º 375/94 (disponível para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt): “Ao impor o dever de citação da lei habilitante,
o que a Constituição pretende é garantir que a subordinação do regulamento à lei
(e, assim, a precedência da lei relativamente a toda a actividade
administrativa) seja explícita (ostensiva)”. Sobre esta questão diz-nos, ainda,
o Acórdão n.º 268/88 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de
Dezembro de 1988):
“(…) abrangidos pela regra bidireccional do n.º 7 do artigo 115.º da CRP estão
todos os regulamentos, nomeadamente os que provenham do Governo (…). Todos esses
regulamentos, de um ou de outro modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à
lei que necessariamente precede cada um deles, e que, por força do nº 7 do
artigo 115º da Constituição tem de ser obrigatoriamente citada no próprio
regulamento.
O papel dessa lei precedente – di-lo o n.º 7 do artigo 115.º – não é sempre o
mesmo.
Umas vezes, a lei a referir é aquela que o regulamento visa regulamentar. Será
esse o caso dos regulamentos de execução stricto sensu ou dos regulamentos
complementares.
Outras vezes, a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e
objectiva para a sua emissão. De facto, no exercício do poder regulamentar têm
de ser respeitados diversos parâmetros, e assim é que «cada autoridade ou órgão
só pode elaborar os regulamentos para cuja feitura a lei lhe confira
competência, não podendo invadir a de outras autoridades ou órgãos (competência
subjectiva)» e nessa «feitura deverá visar-se o fim determinante da atribuição
do poder regulamentar (competência objectiva)» – Afonso Rodrigues Queiró,
«Teoria dos regulamentos», Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, nºs
1-2-3-4, p. 19. (...)”.
O princípio da precedência da lei que se encontra consagrado no n.º 7 do artigo
112.º da Constituição (n.º 7 do artigo 115.º na versão considerada) impõe “(1) a
precedência da lei relativamente a toda a actividade regulamentar; (2) o dever
de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos” sendo
aplicável “a todas as espécies de regulamentos, incluindo os chamados
regulamentos independentes (cfr. Art. 112.º/7 e 8 [art. 112.º/6 e 7]), ou seja,
aqueles cuja lei se limita a definir a competência subjectiva e objectiva para a
sua emissão.” (GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
7ª edição, Coimbra [2003], pág. 837).
São, assim, inconstitucionais tanto os regulamentos carecidos da necessária
habilitação legal como aqueles que não a indiquem expressamente. Os regulamentos
emitidos sem prévio acto legislativo habilitante são inconstitucionais por
violação do princípio da precedência da lei, ínsito no n.º 7 do artigo 112.º da
Constituição, n.º 7 do artigo 115.º na versão considerada, (neste sentido,
Acórdão n.º 184/89, Diário da República, I Série, de 9 de Março de 1989); os que
não o indiquem expressamente são formalmente inconstitucionais por violação do
disposto na mesma norma constitucional (neste sentido, entre muitos outros, o
Acórdão n.º 666/06, Diário da República, I Série, de 4 de Janeiro de 2007).
A Portaria n.º 884/94 indica como norma habilitante o “n.º 3 do artigo 26.º do
Decreto-Lei n.º 163/83 de 27 de Abril”, norma esta que, todavia, não existe: o
Decreto-Lei n.º 163/83 tinha um único artigo que conferiu nova redacção ao n.º 3
do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 8/82 de 18 de Janeiro. Acresce que o n.º 3 do
artigo 26º do Decreto-Lei n.º 8/82, na redacção que lhe foi conferida pelo
citado artigo único, já não estava em vigor, pois fora entretanto alterado pelo
artigo único do Decreto-Lei n.º 431/83, de 13 de Dezembro.
Admitindo que a Portaria em apreço queria referir-se ao n.º 5 do artigo 26.º do
Decreto-Lei n.º 8/82, na sua última redacção, dada pelo Decreto-Lei n.º 221/84
de 4 de Julho, o certo é que não pode deixar de notar-se que o Decreto-Lei n.º
8/82 fora já expressamente revogado pelo artigo 78.º alínea a) do Decreto-Lei
n.º 328/93 de 25 de Setembro, com efeitos desde 1 de Janeiro de 1994.
Deve, assim, concluir-se que a Portaria n.º 884/94 de 1 de Outubro indica como
norma habilitante um preceito legal inexistente.
São, pois, inconstitucionais as normas impugnadas da Portaria n.º 884/94, por
violação do princípio da precedência da lei, consagrado no n.º 7 do artigo 115.º
da Constituição na versão então em vigor (actual n.º 7 do artigo 112.º).
III. Decisão
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucionais as normas dos artigos 10.º n.º 4 e 13.º n.º 1,
alínea a) do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores,
aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, na redacção dada pelo n.º 1.º
da Portaria nº 884/94, de 1 de Outubro, e a norma do n.º 2.º da Portaria nº
884/94, de 1 de Outubro, no segmento em que revoga os artigos 19.º e 20.º do
referido Regulamento, por violação do princípio da precedência da lei,
consagrado no n.º 7 do artigo 115º da Constituição, na versão decorrente da Lei
Constitucional n.º 1/82 (actual n.º 7 do artigo 112.º);
b) conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida de
acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade;
Lisboa, 24 de Março de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
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