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Processo n.º 655/11
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Empresa Jornal da Madeira Ldª, com sede no Funchal, e João Henrique Pinto Correia, residente na mesma cidade, na qualidade, respectivamente, de proprietário e director do Jornal da Madeira impugnaram, ao abrigo do artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a deliberação da Comissão Nacional de Eleições, de 30 de Agosto de 2011, que ordenou a notificação do segundo recorrente “para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal”.
Os recorrentes pretendem a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação da deliberação impugnada, por fundamentos que condensam nas seguintes conclusões:
“I – A Deliberação da CNE proferida em 30/8/2011 e só conhecida pelos Recorrentes hoje (1/9/2011), após divulgação prévia (em 31/8/2011) pelos meios de comunicação social, é NULA por violação dos artigos 266º da CRP, dos artigos 8º (princípio da participação), 7º (principio da colaboração), 6º-A (principio da boa fé) e 100º (direito de audiência dos interessados) todos do CPA, pelo menos, no que dia respeito aos processos nºs 9/11/12/ALRAM/2011, porquanto a CNE proferiu decisão em 30/8/2011, estando ainda em curso prazo (que terminaria em 2/9/2011) para os Recorrentes apresentarem os depoimentos escritos das testemunhas indicadas na sua defesa.
II – O acto da CNE é NULO por violação das alíneas a) e g) do artigo 123º do CPA porquanto a Deliberação notificada aos Recorrentes não se encontra assinada pelo órgão competente autor do acto, nem tão pouco se menciona a existência de qualquer delegação de poderes em nome de quem assinou a dita Deliberação.
III – O acto da CNE (cuja forma a CNE não define nos termos do artigo 15º do Regimento da CNE) pressupondo ser uma Resolução é NULO por violação do artigo 133º do CPA e por violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade, já que não é por natureza definitivo e executório e o seu objecto é ininteligível e ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental: a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, previstas nos artigos 37º e 38º da CRP.
IV – A Deliberação da CNE é NULA (nos termos do artigo 133º 2, alínea d) do CPA) ou caso assim não se entenda, o que se concebe sem conceder, ANULÁVEL (nos termos do artigo 135º do CPA), por falta de fundamentação nos termos do artigo 125º do CPA e 268º nº 3 da CRP, visto conter fundamentação insuficiente e contraditória, pois (i) não refere os factos que a CNE considera provados e não provados, nem tão pouco analisa criticamente a prova produzida nos processos; (ii) pois nos considerados da Deliberação e na Informação que a sustenta refere simultaneamente aspectos relacionados com as publicações de carácter jornalístico e as matérias de opinião e depois conclui, apenas no sentido de limitar os espaços de opinião, ficando os Recorrentes sem se perceber a posição, no fim de contas, da CNE quanto ao tratamento jornalístico efectuado.
Sem prescindir,
V – É totalmente FALSO e desprovido de qualquer fundamento o alegado pelos Participantes e o sentido da Deliberação proferida pela CNE: o JM sempre efectuou um tratamento jornalístico das campanhas eleitorais e do espaço de opinião isento e cumpridor do princípio constitucional da igualdade de oportunidades e de tratamento, conforme proclamado, designadamente no artigo 113º, nº 3, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7º do DL nº 85-D/75 de 26 de Fevereiro.
VI – Num Estado de Direito Democrático não é suposto haver limites e condicionamentos às opções editoriais dos meios de comunicação social e a EJM, tal como qualquer outro meio de comunicação social, é livre de exprimir as suas ideias e de escolher os seus colaboradores de acordo com as suas opções editoriais, sob pena de violação dos artigos 38.º da CRP e 1.º da Lei de Imprensa.
VII – Os Participantes e a CNE pretendem efectuar uma intrusão e ingerência ilegítimas nas opções e escolhas editoriais da EJM que só a si e ao seu Director, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 da Lei de Imprensa, diz respeito.
VIII – O espaço de opinião do JM cobre as mais variadas e diversas matérias, desde as mais triviais às mais técnicas, conforme ampla documentação que os Recorrentes enviaram para apreciação da CNE, veja-se por exemplo, nas edições do JM do dia 17, 18 e 19 de Agosto de 2011 (os artigos de opinião da colaboradora Graça Alves, que aborda FÁTIMA, do colaborador Francisco Fernandes que analisa o Estado Social e Educação - A Escola a tempo inteiro, da colaboradora Rubina Berardo que analisa os distúrbios no Reino Unido, do colaborador Bruno Macedo que disserta sobre a crise económico-financeira e do colaborador Fi1ipe Malheiro, que discorre sobre a acção formativa dos internos do Hospital).
IX – São os colaboradores de longa data e de colaboração continuada (não colaboram, apenas, em período de campanha eleitoral) que definem as matérias e os assuntos que pretendem abordar no JM, sem qualquer ingerência da Direcção do JM e escrevem artigos de opinião e não artigos de opinião politica, desconhecendo os Recorrentes a sua filiação partidária
X – Impedir tais colaboradores de colaborarem com o JM em período de campanha eleitoral e fora dele, como habitualmente o fazem seria impedir/interferir com o conteúdo dos seus artigos de opinião e limitar ilicitamente a liberdade de expressão dos mesmos e o pluralismo democrático e configuraria, inclusivamente, uma injustificada e desmerecida censura politica aos seus autores.
Sublinhe-se também que não existe qualquer proibição legal que determine que candidatos e/ou filiados em partidos políticos escrevam e/ou colaborem com os seus artigos de opinião nos meios de comunicação social (a este respeito juntou-se o artigo publicado no Jornal Público do dia 10 de Agosto de 2009, conforme documento junto as sucessivas defesas da EJM, que demonstra a polémica em torno desta questão e para a qual aqui se remete).
XI – Além do mais a CNE tem uma ideia pouco abonatória, dos leitores do JM e da generalidade dos eleitores da Madeira, pois a CNE considera que um simples artigo de opinião do JM é capaz de determinar pessoas a votarem num ou noutro sentido; frise-se que não está provado que exista uma relação directa entre os artigos de opinião e os votos nos partidos. Para além do mais, o espaço reservado aos artigos de opinião está perfeitamente assinalado. E qualquer leitor médio de um jornal sabe que tratando-se de uma opinião é por natureza algo caracterizado por alguma subjectividade. Contudo, o leitor tem actualmente a possibilidade de aceder a uma quantidade de informação vastíssima e de escolher e processar a informação que lhe aprouver, sem estar cingido a um único meio de comunicação social.
XII – Note-se, igualmente, que o teor de tais artigos de opinião é da exclusiva responsabilidade de quem os escreve – vide artigo 31º nº 4 da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa). Os artigos de opinião publicados nas edições em causa neste processo, identificam os seus autores, pelo que a haver qualquer tipo de “responsabilidade”, o que só por mera questão de patrocínio se admite, essa só seria imputável aos seus autores e nunca ao JM.
XIII – E ainda que assim não fosse, o que só por mera questão de patrocínio se concede, sempre se dirá que tais artigos não prefigurariam qualquer violação da Lei Eleitoral. Tais artigos são meras opiniões particulares, ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão, previsto no artigo 37º da CRP. Aliás, é prática corrente dos vários periódicos, publicarem artigos de opinião expressivos das tendências de quem os profere, de forma a garantir o pluralismo democrático.
XIV – A EJM é uma sociedade comercial por quotas, que tem por actividade a edição e comercialização de publicações periódicas e não periódicas e a actividade de radiodifusão, sonora, e colateralmente, a recolha de distribuição de notícias, comentários ou imagens, a publicidade, a execução e comercialização de trabalhos tipográficos, a organização de eventos culturais (vide certidão permanente com o código de acesso; 4624-3106-0682). A EJM é, assim, uma empresa jornalística, que tem por missão informar e recolher/divulgar noticias, com o seu próprio estatuto editorial e livre de exprimir as suas opiniões. Qualificar a EJM como uma sociedade de economia pública ou mista para efeitos de aplicação do artigo 60º da LEALRAM é um enquadramento errado e excessivo. Aliás, a própria CNE não está segura da sua razão, já que refere que lhe “parece” integrar o conceito de sociedade de economia pública ou mista.”
2. A Comissão Nacional de Eleições limitou-se a remeter ao Tribunal o processo a que respeita a decisão recorrida, nos termos do n.º 3 do artigo 102.º-B da LTC.
A solicitação do relator confirmou o facto alegado no n.º 27 do requerimento inicial, dizendo ter entendido “que a inquirição de testemunhas e outras diligências necessárias à resolução definitiva dos processos correspondentes às ditas participações deveria prosseguir, sem prejuízo da necessidade de acautelar o direito das candidaturas à igualdade de tratamento no decurso do presente processo eleitoral através de uma acção preventiva”.
II – FUNDAMENTOS
3. Consideram-se assentes os factos seguintes pela análise dos processos administrativos juntos:
a) Foram instaurados pela Comissão Nacional de Eleições procedimentos relativos a participações contra o Jornal da Madeira por tratamento jornalístico discriminatório no âmbito da eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, designada para o próximo dia 9 de Outubro de 2011.
b) Os serviços da CNE elaboraram a seguinte informação:
“INFORMAÇÃO
Assunto: Participações apresentadas contra o “Jornal da Madeira” por tratamento jornalístico discriminatório, no âmbito da eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira:
- Proc. 4/ALRAM-2011 - Participação do PND
- Proc. 5/ALRAM-2011 - Participação de cidadão
- Proc. 6/ALRAM-2011 - Participação de cidadão
- Proc. 9/ALRAM-2011 - Participação da CDU Madeira
- Proc. 11/ALRAM-2011 - Participação de cidadão
- Proc. 12/ALRAM-2011 – Participação de cidadão
Teor das participações
1. A participação do PND, de 11.08.2011, tem por objecto a falta de pluralismo nos artigos de opinião política publicados pelo Jornal da Madeira. Refere, designadamente, os factos de o jornal só publicar artigos de opinião de pessoas afectas ao PSD-Madeira e de recusar a publicação de artigos de opinião de qualquer outra força política e a publicação do direito de resposta relativos ao teor de artigos de opinião (cf. Doc. 1)
2. As participações apresentadas pelos cidadãos incidem sobre as edições dos dias 6, 8, 9, 12 e 15 a 22 de Agosto, quer no que respeita ao espaço noticioso, quer quanto ao espaço de opinião. Referem que o Jornal da Madeira, por um lado, enaltece diariamente o Governo Regional da Madeira e o PSD-M, silenciando quaisquer vozes deles discordantes ou não noticiando factos que possam afectar a sua imagem e, por outro lado, dá acesso exclusivo a membros ou pessoas ligadas ao PSD-Madeira, que promovem a sua candidatura nos espaços de opinião (cf. Docs. 2, 3, 4 e 5).
3. A participação da CDU refere-se ao facto de o Jornal da Madeira dedicar amplos espaços noticiosos às actividades do PSD-Madeira e da JSD-Madeira, enquanto as restantes forças políticas se vêm reduzidas, na maior parte das vezes, a pequenos apontamentos, bem como ao facto de reservar os espaços de opinião a pessoas directamente relacionadas com o PSD-M e a JSD-M, não sendo permitido a elementos ligados aos outros partidos qualquer tipo de expressão das suas opiniões (cf. Doc. 6).
4. Todos os participantes requerem, a final, a intervenção urgente da Comissão Nacional de Eleições com vista a adoptar os procedimentos adequados ao caso, de modo a que seja observado por parte do Jornal da Madeira o princípio da igualdade de tratamento jornalístico.
Resposta do Jornal da Madeira
5. Notificado para se pronunciar sobre o teor de cada uma das participações, o Jornal da Madeira respondeu nos termos que constam dos documentos em anexo (cf. Docs. 7, 8, 9, 10 e 11).
Em suma, e no que interessa aos factos apontados pelos participantes, relevantes em matéria de tratamento jornalístico das candidaturas, o Jornal da Madeira refere, quanto à parte noticiosa, que ...aborda os momentos mais relevantes das diferentes candidaturas, reservando páginas diárias para o efeito; ...em nenhum momento omite qualquer iniciativo de releva das várias campanhas político-partidárias, não beneficiando qualquer partido político e invoca, como exemplos disso, várias peças noticiosas, que integram as edições objecto de queixas.
Já quanto ao espaço de opinião, o Jornal da Madeira limita-se apenas a alegar os princípios que orientam a sua actuação, designadamente os seguintes: tal como qualquer outro meio de comunicação social é livre de exprimir as suas ideias e de escolher os seus colaboradores de acordo com as suas opções editoriais; são os colaboradores que definem as matérias e os assuntos que pretendem abordar, sem qualquer ingerência da Direcção deste Jornal; desconhece a filiação partidária dos seus colaboradores e nem isso é requisito e/ou condição para se escrever neste jornal; o teor de tais artigos de opinião é da exclusiva responsabilidade de quem os escreve ...pelo que a haver qualquer tipo de “responsabilidade” ...essa só seria imputável aos seus autores e nunca ao Jornal da Madeira.
O Jornal da Madeira indicou, ainda, testemunhas, já notificadas para se pronunciarem por escrito.
Competência da Comissão Nacional de Eleições
6. A Comissão Nacional de Eleições é um órgão da Administração Eleitoral com funções de regulação e de natureza disciplinar “relativamente a todos os actos de recenseamento e de eleições para órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local” (arts. 1º, nº 3, e 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro).
Como escreveu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 165/85, a C.N.E. - órgão independente que funciona junto da Assembleia da República - é “um órgão sui generis de «administração eleitoral», autónomo relativamente ao Governo, e não integrado na organização administrativa deste dependente - um órgão que o legislador instituiu para justamente lhe confiar, em razão do mesma autonomia ou «independência», um conjunto de tarefas no domínio em causa que entendeu distrair ou retirar do âmbito de competência dos órgãos e agentes do Poder Executivo”.
7. Entre outras, encontra-se cometida à Comissão Nacional de Eleições a competência específica para assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas - alínea d) do artigo 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro.
Neste âmbito é questão central o tratamento conferido pelos órgãos de comunicação social às diferentes candidaturas, sendo da maior importância zelar por que as candidaturas beneficiem de uma cobertura jornalística equilibrada.
8. Os poderes fiscalizadores da CNE não se circunscrevem ao período restrito da campanha eleitoral. Tal como referiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 605/89, o controlo da CNE é exercido “não apenas quanto ao acto eleitoral em si mas de forma abrangente de modo a incidir também sobre a regularidade e a validade dos actos praticados no decurso do processo eleitoral”.
Ainda nas palavras do Tribunal Constitucional “É a especial preocupação em assegurar que estes actos (eleições e referendos), de crucial importância para um regime democrático, sejam realizados com a maior isenção, de modo a garantir a autenticidade dos seus resultados, que Justifica a existência e a intervenção da CNE, enquanto entidade administrativa independente” (Acórdão nº 312/2008).
Tratamento jornalístico das candidaturas
9. A necessidade de garantir a igualdade e a não discriminação das candidaturas tem a sua origem no princípio de direito eleitoral, constitucionalmente garantido, da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e dos direitos dos cidadãos à informação, proclamado na alínea b) do n.º 3 do artigo 113.º da Constituição da República Portuguesa.
As publicações de carácter jornalístico que façam a cobertura da campanha eleitoral estão obrigadas a dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas ao acto eleitoral, em termos de as mesmas serem colocadas em condições de igualdade (n.º 2 do artigo 67.º da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro, e n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro).
10. A exigência legal de conceder um tratamento não discriminatório às diversas candidaturas dirige-se a todos os órgãos de comunicação social que pretendam inserir matéria respeitante à campanha, independentemente da sua natureza pública ou privada (artigo 74º da LEALRAM).
11. No âmbito da cobertura noticiosa da acção das candidaturas, vigora a regra básica de que às notícias ou reportagens de factos ou acontecimentos de idêntica importância deve corresponder um relevo jornalístico semelhante, quer ao nível de espaço informativo, quer no que respeita ao aspecto e relevo gráfico (cf. nº 2 do artigo 1º do DL nº 85-D/75).
Deste modo, não podem dar maior destaque a determinadas candidaturas em detrimento das outras, com o fundamento, designadamente, na pretensa maior valia de um candidato e a irrelevância político-eleitoral de outro. Ao invés, impõe aquele dever, que a publicação, se necessário, faça investigação própria, sendo mesmo de exigir-lhe, nessa base, que, se não estiver em condições de garantir informação equivalente da propaganda de todas as candidaturas, não publique a de qualquer delas, em prejuízo das demais (cf. Acórdão do STJ de 13.03.2003, Proc. 254)
O mesmo dever proíbe que sejam adoptadas condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas presentes ao acto eleitoral, ignorando as respectivas acções desenvolvidas no decurso da campanha.
Mais, é expressamente proibido incluir, na parte meramente noticiosa ou informativa, comentários ou juízos de valor ou de qualquer forma dar-lhe um tratamento jornalístico tendente a defraudar a igualdade de tratamento das candidaturas (artigo 8º do DL nº 85-D/75).
12. No que se refere aos espaços de opinião, determina a lei que as publicações poderão inserir matérias de opinião, de análise política ou de criação jornalística relativas às eleições e às candidaturas, mas em termos de o espaço normalmente ocupado com isso não exceder o que é dedicado à parte noticiosa e de reportagem e desde que tais matérias não assumam uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade (artigo 7º do DL nº 85-D/75).
13. A propósito da importância da cobertura jornalística dos actos eleitorais, como actividade própria dos órgãos de comunicação social, refere-se num acórdão do STJ: «Tal importância advém do papel crucial que a informação (ou dito de outro modo: o direito à liberdade de expressão e à informação) desempenha na formação, consolidação e desenvolvimento de uma sociedade democrática, em que toda a soberania reside no povo; no papel que os partidos políticos e, eventualmente, grupos promotores de candidaturas desempenham na formação da opinião publica e da vontade popular; na relevância dos princípios da igualdade de oportunidades e de isenção das entidades públicas e privadas em relação à propaganda dos partidos, coligações partidárias e grupos proponentes de candidaturas para o correcto e cabal esclarecimento do público e formação daquela vontade popular – tudo princípios estruturantes que derivam de vários preceitos constitucionais (entre outros, os arts. 2.º, 3.º, 9.º, als. b) e c), 10.º, 12.º, 13.º, 38.º, 39.º, 45.º, 46.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 108.º, 109.º, 113.º e 266.º)»
Neutralidade e imparcialidade
14. A empresa proprietária do Jornal da Madeira é a “Empresa Jornal da Madeira, Lda.”, uma sociedade por quotas cujo capital social é detido pelas entidades e nas proporções que a seguir se indicam:
- Região Autónoma da Madeira - € 4.344.878,84 (99,98%);
- Seminário Maior de Nossa Senhora de Fátima - € 798,08 (0,02%);
- Ernesto Fernandes de Freitas - € 49,88 (0,00%);
- Manuel Tomé Teixeira Velosa - € 49,88 (0,00%);
- José António Melvill de Araújo - € 49,88 (0,00%), conforme resulta da informação prestada pela ERC (cf. Doc. 12).
15. Assim, a “Empresa Jornal da Madeira, Lda.” parece integrar o conceito de empresa pública, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, urna vez que a Região Autónoma da Madeira detém a quase totalidade do capital da sociedade (99,98%) e designa dois dos três membros do seu Conselho de Gerência (cf. Doc. 13).
Deste modo, e atendendo a que a redacção do artigo 60.º da LEALRAM inclui “sociedades de economia pública ou mista”, a “Empresa Jornal da Madeira, Lda.” não pode deixar de se considerar abrangida pela referida previsão legal e, por isso, obrigada a cumprir os deveres de neutralidade e imparcialidade.
16. Em conclusão, tem aquela empresa o dever acrescido de manter uma postura neutral e imparcial perante as candidaturas, não favorecendo umas em detrimento de outras.
Assim, o acatamento do princípio da igualdade de tratamento das candidaturas é, no caso do Jornal da Madeira, de uma amplitude e grau de exigência maiores, comparado com outros órgãos de comunicação social.
Apreciação
17. Sem prejuízo do processo habitual de avaliação do tratamento jornalístico conferido às candidaturas pelos órgãos de comunicação social desde a data da marcação da eleição até ao dia da eleição, e no qual se incluirão as participações a que se refere a presente Informação, afigura-se neste momento ser necessário acautelar o direito das candidaturas à igualdade de tratamento no decurso do processo eleitoral face às participações apresentadas.
18. No que respeita ao Jornal da Madeira, verifica-se que, invocada a falta de pluralismo nas matérias de opinião política, aquele jornal, sem negar essa circunstância, considera que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade, fundamentando esta posição em opções editoriais.
Ora, tal posição não tem, no entanto, fundamento legal porquanto nos termos do disposto no artigo 7.º do DL 85-D/75, a matéria de opinião publicada não pode assumir uma forma sistemática de propaganda de determinada candidatura ou de ataque às restantes.
Deste modo, o Jornal da Madeira não observa aquela determinação legal, frustrando, assim, e até à data, os objectivos de igualdade visados pela lei.
Relativamente à matéria noticiosa e apesar de se ter verificado a publicação de notícias alusivas a acções de campanha de outras forças políticas que não o PPD/PSD, importa, ainda assim, alertar para a necessidade da observância das regras e princípios estabelecidos no DL n.º 85-D/75, designadamente no que respeita ao igual aspecto e relevo gráfico a atribuir às noticias relativas às diferentes forças políticas.
Conclusão
Considerando que:
- A CNE deve assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas, designadamente a igualdade e a não discriminação das candidaturas por parte dos órgãos de comunicação social;
- As publicações de carácter jornalístico que façam a cobertura da campanha eleitoral estão obrigadas a dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas ao acto eleitoral;
- As publicações de carácter jornalístico não podem dar maior destaque a determinadas candidaturas em detrimento das outras, nem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas;
- As matérias de opinião, de análise política ou de criação jornalística relativas às eleições não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras;
- O Jornal da Madeira se encontra subordinado aos deveres de neutralidade e imparcialidade e que a violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade constitui ilícito criminal;
Notifique-se o Director do «Jornal da Madeira» para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do DL n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias dte opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela Lei”, designadamente, para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal.”
c) Em 30 de Agosto de 2011, a CNE tomou a seguinte deliberação, que consta da acta respectiva:
“2.2 Participações contra o “Jornal da Madeira” por tratamento jornalístico discriminatório: -------------------------------------------------------------------------------
- Participação do PND -----------------------------------------------------------------------Proc. n.º 4/ALRAM-2011 -----------------------------------------------------------------------
- Participação de cidadão -------------------------------------------------------------------Proc. n.º 5/ALRAM-2011 -----------------------------------------------------------------------
- Participação de cidadão --------------------------------------------------------------------Proc. n.º 6/ALRAM-2011 -----------------------------------------------------------------------
- Participação da CDU Madeira -------------------------------------------------------------
Proc. n.º 9/ALRAM-2011 -----------------------------------------------------------------------
- Participação de cidadão ---------------------------------------------------------------------
Proc. n.º 1 1/ALRAM-2011 --------------------------------------------------------------------
- Participação de cidadão -------------------------------------------------------------------- Proc. n.º 12/ALRAM-2011 ---------------------------------------------------------------------
A Comissão aprovou, por unanimidade dos Membros presentes, a Informação que constitui anexo à presente acta e nos termos e com os fundamentos constantes da mesma tomou a seguinte deliberação: -------------------------------------------------------
Considerando que: -----------------------------------------------------------------------------
- A CNE deve assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas, designadamente a igualdade e a não discriminação das candidaturas por parte dos órgãos de comunicação social; ---------------------------------------------
- As publicações de carácter jornalístico que façam a cobertura da campanha eleitoral estão obrigadas a dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas ao acto eleitoral; ----------------------------------------------------
- As publicações de carácter jornalístico não podem dar maior destaque a determinadas candidaturas em detrimento das outras, nem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas; -------------------------------
- As matérias de opinião, de análise política ou de criação jornalística relativas às eleições não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras; --------------------------------------------------------
- O Jornal da Madeira se encontra subordinado aos deveres de neutralidade e imparcialidade e que a violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade constitui ilícito criminal; ----------------------------------------------------------------------
Notifique-se o Director do «Jornal da Madeira» para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7º do DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias de opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei” designadamente, para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º Código Penal. -------------------------------------------------
Desta deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102º-B da Lei n.º28/82, de 15 de Novembro.---------
O plenário deliberou, ainda, dar conhecimento desta deliberação à Gerência da “Empresa do Jornal da Madeira, Lda.”
d) Quando a deliberação impugnada foi proferida ainda não tinha decorrido o prazo fixado pela CNE para serem apresentados os depoimentos das testemunhas indicadas pela recorrente no âmbito dos nos processos n.ºs 9/ALRAM-2011, 11/ALRAM-2011 e 12/ALRAM-2011.
e) O capital social da “Empresa do Jornal da Madeira Ldª” é de 4 345 876,44, sendo a Região Autónoma da Madeira detentora de uma quota de €4 344 878,84.
4. Fixada a matéria de facto pertinente, importa apreciar as causas de invalidade imputadas ao acto impugnado, começando pelas alegadamente geradoras de nulidade.
É manifestamente improcedente a argumentação dos recorrentes no sentido de que a deliberação da CNE é nula por vícios referentes à forma e aos requisitos externos do acto ou da respectiva notificação.
Em primeiro lugar, importa salientar que deficiências respeitantes à notificação, ou as vicissitudes da divulgação do acto recorrido por outras vias, não constituem causa de invalidade deste. São ocorrências posteriores à prática do acto, não contendendo com a sua perfeição. Respeitarão, quando muito, a requisitos integrativos de eficácia, não aos requisitos, elementos ou pressupostos da deliberação impugnada, pelo que são irrelevantes em sede de apreciação de invalidade.
Em segundo lugar, a regra é a de que os actos dos órgãos colegiais apenas são praticados por escrito quando a lei especialmente o exija (n.º 2 do artigo 122.º do Código de Procedimento Administrativo). As deliberações são tomadas oralmente e documentadas por escrito através da acta (artigo 27.º do CPA). Ora, do processo consta certidão da acta da reunião da CNE de 30 de Agosto de 2011 (fls. 37), na qual se certifica que o acto é da autoria do órgão colegial, que este o proferiu por unanimidade e com o conteúdo que aí é narrado. Assim, tratando-se de deliberação de um órgão colegial, documentado em acta cuja falsidade não foi arguida, é despropositada a exigência dos recorrentes de que o acto fizesse menção a uma delegação de poderes e contivesse a assinatura dos membros do órgão, não tendo sido violado o disposto nas alíneas a) e g) do artigo 123.º do Código de Procedimento Administrativo.
Finalmente, ainda neste plano dos vícios atinentes à forma do acto, nenhum preceito legal ou regulamentar obriga a que a CNE proceda à identificação ou expressa denominação dos seus actos segundo as categorias previstas no artigo 15.º do respectivo Regimento. Em função do seu conteúdo, as deliberações corresponderão a uma resolução, a uma recomendação, a um parecer ou a uma informação, mas não é elemento essencial da forma legal que como tal se intitulem.
No caso, é inquestionável que a CNE pretendeu tomar uma decisão que, ao abrigo de normas de direito público, definisse a situação jurídica dos recorrentes numa situação individual e concreta. Com efeito, resulta inequivocamente, quer dos antecedentes procedimentais, quer da estatuição, quer da cominação acrescentada para o seu incumprimento, que se pretendeu impor ao Director do Jornal da Madeira a adopção de providências no sentido de que, no período de campanha e pré-campanha eleitoral, o conteúdo do jornal em espaços de opinião passe a satisfazer as exigências do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75, não permitindo que nesses espaços se faça a apologia sistemática de uma só candidatura ou força política. Neste sentido, o acto é inteligível, pelo que não incorre no vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo
5. Ainda no capítulo dos vícios alegadamente geradores de nulidade, os recorrentes censuram ao acto recorrido a violação do núcleo essencial de direitos fundamentais [artigo 133.º, n.º 1, alínea d) do CPA], designadamente, a liberdade de expressão (artigo 37.º da CRP) e a liberdade de imprensa (artigo 38.º da CRP), na medida em que se traduz na exigência de que o Director do jornal censure os artigos de opinião dos colaboradores habituais ou solicite a pessoas que nada tem a ver com o seu estatuto editorial que colaborem com o Jornal da Madeira.
O acto recorrido tem uma estatuição praticamente sobreposta ao n.º 2 do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro – que estabeleceu normas sobre o tratamento jornalístico que devia ser dado às diversas candidaturas à Assembleia Constituinte, mas mantido em vigor pelas sucessivas leis eleitorais e aplicável à campanha eleitoral para a eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (cfr. artigo 60.º da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro), preceito que dispõe:
“Artigo 7.º
1 – As diversas publicações poderão inserir matérias de opinião, de análise política ou de criação jornalística relativas às eleições e às candidaturas, mas em termos de o espaço normalmente ocupado com isso não exceder o que é dedicado à parte noticiosa e de reportagem regulado nos artigos anteriores e de se observar o disposto no número anterior.
2 – Tais matérias não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei.”
Este dever foi estendido pelo artigo 1.º da Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, ao período de pré-campanha, isto é, passou a incidir sobre as publicações periódicas a partir da publicação do decreto que marque a data do acto eleitoral ou do referendo.
A imposição às empresas jornalísticas e aos directores das publicações periódicas do dever de velar no sentido de que, no período de campanha e pré-campanha eleitoral, as matérias de opinião ou de análise política atinentes às eleições não assumam uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas, ou de ataque a outras de tal modo que se frustrem os objectivos de igualdade visados pela disciplina jurídica das campanhas eleitorais não contende com o núcleo essencial de qualquer dos direitos compreendidos na liberdade de imprensa.
Com efeito, como os demais direitos fundamentais, a liberdade de imprensa, incluindo a liberdade de orientação editorial dos jornais, não é um direito absoluto, tendo os limites inerentes à concordância prática com outros direitos fundamentais. Ora, a Constituição garante institucionalmente a existência de períodos pré-eleitorais definidos e especialmente destinados ao esclarecimento dos cidadãos eleitores, em que, a par do princípio da liberdade de propaganda, avultam os princípios da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e da imparcialidade das entidades públicas perante elas [alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 113.º da CRP]. O estabelecimento de um dever, a cargo do director do jornal, de que é proprietária uma entidade do sector empresarial público, de evitar que a intervenção de colaboradores externos em artigos de opinião ou análise transforme os “espaços de opinião” do meio de comunicação em causa em instrumento de apologia sistemática a favor de alguma ou algumas das candidaturas em detrimento das demais é adequado e necessário para a realização da igualdade das candidaturas.
Não se trata, contrariamente ao que argumentam os recorrentes, de proceder a censura relativamente às intervenções dos colaboradores permanentes externos, mas de evitar a violação do princípio da igualdade das candidaturas. Para tanto, na perspectiva do cumprimento dos deveres do órgão de comunicação social, não é forçoso suspender a sua habitual colaboração, mas zelar pelo estabelecimento do equilíbrio das colunas de opinião. O que a lei proíbe é a transformação dos espaços que as publicações resolvam dedicar a artigos de opinião e análise política em formas sistemáticas de propaganda de certas candidaturas.
6. E, como a deliberação recorrida considerou, relativamente a órgãos de comunicação detidos por entidades públicas, este dever geral estatuído pelo n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 85-D/75, surge reforçado pelo artigo 60.º da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 3 de Fevereiro (Lei Eleitoral para a Assembleia da Região Autónoma da Madeira) que dispõe que os órgãos e agentes das sociedades de economia pública ou mista não devem praticar actos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem um concorrente às eleições em detrimento ou vantagem de outros.
Efectivamente, é improcedente o argumento de que a “Empresa Jornal da Madeira Ldª” não integra o conceito de “sociedades de economia pública ou mista”, para efeitos do disposto no artigo 60.º da referida Lei Eleitoral. Por duas essenciais razões. Em primeiro lugar, por uma razão de ordem sistemática. O sector empresarial público é integrado pelas empresas públicas e pelas empresas participadas, considerando-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais – mutatis mutandis, a Região ou entidades regionais – possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro e artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 13/2010/M, de 5 de Agosto de 2010). Em segundo lugar, por uma razão de ordem teleológica. Este
conceito, que abstrai da forma jurídica para atender ao efectivo poder de direcção, é o adequado a assegurar que os meios ou fundos públicos não são utilizados para favorecer ou prejudicar umas candidaturas em relação a outras.
7. Importa seguidamente apreciar o vício de natureza procedimental que resultaria de, relativamente aos processos n.º s 9/ALRAM-2011, 11/ ALRAM-2011 e 12 / ALRAM-2011, a decisão ter sido proferida antes de decorrido o prazo para serem apresentados os depoimentos das testemunhas indicadas na defesa dos recorrentes, o que, no entender destes violaria o disposto no artigo 266.º da Constituição e os artigos 6.º-A, 7.º, 8.º e 100.º do Código do Procedimento Administrativo.
A CNE justifica este procedimento pela necessidade de providenciar urgentemente em ordem a assegurar a igualdade de tratamento das candidaturas no decurso do presente processo eleitoral, face a indícios de desrespeito pela legalidade por parte do Jornal da Madeira consistente na apologia sistemática de uma só candidatura em matérias de opinião, sem prejuízo da posterior inquirição das testemunhas e outras diligências necessárias à resolução definitiva dos processos correspondentes às queixas apresentadas.
Com efeito, em qualquer fase do procedimento pode o órgão competente para a decisão final ordenar fundamentadamente as medidas que se mostrem necessárias se houver justo receio de, sem tais medidas, se produzir lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos em causa (artigo 84.º do CPA). É a uma medida desta natureza que materialmente corresponde a decisão da CNE.
Esta opção da CNE não viola qualquer dos princípios do procedimento administrativo invocados pelos recorrentes. Aliás, o que poderia estar em causa seria apenas o direito à prova no âmbito do procedimento administrativo, uma vez que o Director do jornal foi ouvido e participou na formação da decisão administrativa relativamente às queixas que deram origem aos referidos processos. E a possibilidade de produção dessa prova não é coarctada pela decisão tomada, como a explicação apresentada pela CNE tornou claro.
Improcede, pois, esta causa de invalidade.
8. Os recorrentes imputam à deliberação impugnada o vício de falta de fundamentação, o que, em seu entender, geraria a sua nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 133.º, n.º 2, alínea d) e 125.º do Código do Procedimento Administrativo e dos artigos 37.º, 38.º e 268.º, n.º 3, da Constituição, ou, subsidiariamente, anulabilidade, nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo.
Vejamos.
Nos termos do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável neste domínio por força do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo Código, a deliberação em causa está sujeita às exigências de fundamentação dos actos administrativos ou em matéria administrativa. Fundamentação que deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (n.º 1 do artigo 125.º do CPA). Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (n.º 2 do artigo 125.º do CPA).
A deliberação recorrida, além do que expressamente reproduz, remete para a informação do Gabinete Jurídico de que se apropria. É, pois, nesta que há-de procurar-se a satisfação dos requisitos da fundamentação, designadamente da sua suficiência.
O conteúdo concretamente exigível da fundamentação é variável, em função do tipo de acto e das circunstâncias concretas do procedimento, exigindo-se que discurso fundamentador seja idóneo para revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo do órgão que tomou a decisão, de modo que um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido, em termos de permitir-lhe a aceitação ou a impugnação esclarecida da decisão administrativa e a possibilidade de controlo pelos tribunais. A suficiência da fundamentação é mais o atributo do que é concreto do que do que do é exaustivo, sendo que aos actos que comprimam direitos ou imponham obrigações, pelo seu carácter restritivo e individualizado, se exige que contenham uma fundamentação mais clara e completa.
Ora, se a fundamentação de direito da deliberação recorrida é suficiente e esclarecedora, já o mesmo não pode predicar-se da fundamentação de facto. Na verdade, a informação de que o acto recorrido se apropriou, depois do historial do procedimento e de considerações gerais de natureza jurídica, limitou-se a uma apreciação conclusiva em função da argumentação dos recorrentes de que ao Jornal cabia definir e prosseguir a sua linha editorial, mas sem análise concreta da situação, designadamente mediante a indicação dos artigos de opinião que, no espaço ocupado pelos “colaboradores externos” do jornal, consubstanciam uma prática sistemática de propaganda a favor de determinada candidatura em detrimento ou desfavor das restantes. Toda a fundamentação relevante neste aspecto é, afinal, a que se encontra nos n.ºs 17 e 18 da Informação. Do que aí se refere não é possível extrair, com a segurança necessária a uma actuação em conformidade ou a uma impugnação eficaz, se o que se considera violar as obrigações decorrentes do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º85-D/75 é o facto de o elenco de colaboradores do jornal manter um carácter partidariamente monocolor independentemente dos temas versados, o facto de todos ou alguns deles estarem envolvidos no combate eleitoral em curso por banda de uma das forças políticas que o disputam e continuarem, apesar disso, a subscrever os seus artigos de opinião, ou o conteúdo concreto dessas peças e, nesse caso, quais dessas intervenções se consideram indiciar apologia sistemática de uma das candidaturas.
Ora, o que pode constituir base de facto da imputação da violação do princípio do tratamento igual e imparcial das candidaturas por parte dos órgãos de comunicação é a prática jornalística concreta, não a argumentação do interessado, porventura inaceitável, àcerca do regime legal e da consistência das acusações da sua violação. Face a tal apreciação constante da “Informação” de que a deliberação recorrida se apropriou, que se abstém de pôr em evidência os factos considerados para adoptar a medida em causa, um destinatário normal do acto não fica em condições de contrariar esclarecidamente, nomeadamente perante o Tribunal, a base factual do juízo em função do qual se considerou que o Jornal da Madeira não tem respeitado o princípio da imparcialidade e da igualdade das candidaturas.
E não pode aligeirar-se a exigência de fundamentação com o argumento de que se trata de uma “acção preventiva”, sem prejuízo da ulterior averiguação dos factos em concreto, a resolver oportunamente. A decisão, ainda que se considere tomada a título preventivo ou com a natureza de medida provisória, pressupõe um juízo de violação do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75 e do artigo 60.º da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro. Tem de revelar, não só as ponderações jurídicas, mas também as verificações de facto que foram determinantes para a sua adopção.
Assim sendo, a deliberação recorrida enferma de insuficiência de fundamentação, equivalente à sua falta (n.º 2 do artigo 125.º do CPA). A falta de fundamentação implica a anulabilidade do acto e não a sua nulidade, nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, como é entendimento jurisprudencialmente pacífico e doutrinalmente dominante.
A apreciação das demais causas de invalidade fica prejudicada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e anular a deliberação recorrida.
Lisboa, 6 de Setembro de 2011. – Vítor Gomes – Gil Galvão – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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