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Processo n.º 555/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido em 4 de Novembro de 2010 no Supremo Tribunal de Justiça, depois de, em acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, o mesmo tribunal lhe ter indeferido um posterior pedido de esclarecimentos. Requereu o seguinte:
[...] Nestes termos,
21º - E porque o recorrente continua inconformado com a decisão proferida por este Supremo Tribunal de Justiça que decidiu manter o douto acórdão recorrido, encontrando-se nos presentes autos completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários (nºs 2 a 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional);
22º - Dela vem agora o recorrente, porque esta em tempo e para tal têm legitimidade (n.º 1 do art. 75 e al. b) do nº 1 do art.º 72º da Lei do T. Constitucional),
Interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
23º- Atento ao disposto nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo das quais o presente recurso é interposto, o qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional).
De facto,
24º - O recorrente não se conforma, por entender que a interpretação que foi feita do n.º 3 do artigo 34º do CPEREF, nos termos supra referidos é inconstitucional.
25º - Uma vez que tal interpretação vai para além do estatuído na norma, violando os direitos adquiridos pelo recorrente ao permitir que os seus efeitos se repercutam retroactivamente, colidindo com os direitos legalmente adquiridos pelo recorrente;
26º - Esvaziando completamente os poderes legalmente atribuídos ao Juiz do processo quando fixa a remuneração do liquidatário;
27º - Pois se a remuneração do liquidatário é fixada a final e se aplica a todo o período em que exerceu as suas funções, não se percebe por que razão é permitida ao Juiz fazê-lo em outro momento do processo.
28º - Uma vez que, com este entendimento, se reduz o carácter da remuneração fixada a um mero adiantamento por conta da remuneração a fixar só no final do processo;
29º - Quando no referido artigo se diz apenas que a remuneração “(...) pode ser alterada, a todo o tempo, em função das dificuldades e dos resultados que vierem a verificar-se durante a gestão da empresa;”
30º - Não se diz que essa alteração prejudica as remunerações já recebidas, entendimento este já perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão supra referenciado;
Assim,
31º - Predeterminou-se por um critério erigido a norma, nos termos do qual, é permitida a retroactividade da referida disposição legal, que determina um carácter de mero adiantamento à remuneração do liquidatário,
32º - É esta norma que deverá constituir o objecto de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade;
33.º - Ao fim e ao cabo foi criada uma norma que ampliou desmesuradamente o alcance do n.º 3 do artigo 34º do CPEREF, pervertendo o espírito deste dispositivo legal.
Além disso,
34.º - Criou-se uma nova norma que permite a preclusão das remunerações já percebidas pelo recorrente e que, como óbvio se torna, contende com os seus direitos adquiridos garantidos pelo art. 2º da CRP;
35.º- Uma vez que ofende de modo intolerável e injustificado os princípios dos direitos adquiridos, da segurança e confiança jurídica, corolários do principio do estado de direito democrático, pois desvaloriza e esvazia o despacho judicial, transitado em julgado, que fixou a remuneração do recorrente.
36º - A elaboração da questionada norma violou, ainda, o princípio da legalidade, porquanto os tribunais estão sujeitos à lei (art. 203º da CRP).
37.º - Violou também o princípio da separação dos poderes, invadindo a esfera das competências legislativas da Assembleia da República e do Governo (al. b) do art. 161º, al. b) e p) do art. 165º, al. a) e b) do art. 198º, e nº 5 do art. 112º, todos da CRP).
Também,
38º - Permanece sem julgamento a questão da remuneração do anterior liquidatário do processo.
39.º - O Tribunal da Relação de Lisboa, resumiu esta questão à pergunta se a remuneração deste se havia fixado em cem ou duzentos mil escudos, mas a não respondeu no seu acórdão.
Contudo,
40º - Apesar de invocada aquela nulidade e inconstitucionalidade, também o Supremo Tribunal de Justiça não respondeu a esta questão, por entender que a mesma “não vem questionada nas conclusões do presente recurso”
41º - O que não corresponde à verdade, pois a esta questão constava do art. 8.º das conclusões, ao qual o Tribunal recorrido respondeu que o valor era de duzentos mil escudos, quando mantém na integra a decisão que fixa este valor em cem mil escudos.
42º - Incorrendo assim na nulidade estatuída na al. c) e b) do n.º 1 do art. 668.º do C. Processo Civil e violando o n.º 1 do art. 205.º da CRP;
Termos em que:
Observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal as recorrentes têm legitimidade, estão em tempo e estão representadas por advogado nos termos dos artigos 72º nº 1 al. b), 75º e 83º da Lei do T. Constitucional;
Requerem a V. Ex.a. que desde já considere validamente interposto recurso da decisão deste Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respectivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
2. Todavia, o recurso não foi admitido por despacho do seguinte teor:
O agravante A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido a folhas 224 e seguintes, invocando as als. b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15.11), alegando a inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 34º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, com a interpretação que se alega ter sido feita no acórdão recorrido, de estabelecer um critério “nos termos do qual é permitida a retroactividade da referida disposição legal”.
Não pode ser.
Em primeiro lugar, há que dizer que a invocação da alínea c) acima referida só pode se compreendida por mero lapso, uma vez o recorrente não alega que foi recusada a aplicação de qualquer norma constante de acto legislativo.
Depois e como consta de jurisprudência constitucional firme e reiterada, a suscitação da questão de constitucionalidade deve ocorrer durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal “a quo”.
Assim, o objecto do recurso de inconstitucionalidade apenas poderá incidir sobre a apreciação, à luz das regras jurídico-constitucionais, de um juízo normativo efectuado pelo tribunal recorrido – cfr. artigo 72º, nº 2 ,da referida Lei.
Ora, durante o presente processo não foi levantada qualquer questão de constitucionalidade da referida norma e interpretação.
Assim, por não estarem reunidos os requisitos para a admissão do recurso, não se admite o mesmo.
3. Inconformado, A. reclama para o Tribunal Constitucional do despacho denegatório, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, dizendo:
1º – Têm os presentes autos origem na decisão proferida pela 2.ª Secção, da 15.ª Vara Cível de Lisboa, quando ali foi decidido que o liquidatário, ora recorrente, deveria refazer as contas da falência, nos seguinte termos:
2º – As remunerações do liquidatário que o antecedeu, entretanto já falecido, deveriam ser contabilizadas em Esc. 100.000$00 por mês e não como Esc. 200.000$00;
3º – Quanto às remunerações do liquidatário, ora recorrente, foi determinado que a sua remuneração mensal de Esc. 200.000$00, fosse reduzida ao período de 8 meses;
4º – Ainda, ali se ordenou, que o recorrente restituísse à massa falida todos valores dali retirados que excedam o ora decidido.
Assim,
5º – Convicto da injustiça dessa decisão, recorreu de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa;
6º – Ali alegou, que quanto ao anterior liquidatário, limitou-se a elaborar a conta nos termos do despacho que fixou a remuneração deste;
7.º – E quanto à sua remuneração, também foi calculada nos termos de decisão proferida pelo Juiz do processo, no âmbito das suas funções, observando os limites da legislação vigente e que transitara em julgado;
8º – Não distinguindo, a referida decisão, nos seus termos, qualquer prazo limite de validade e tendo em consideração que o regime legal adstrito a esta situação não proíbe o conteúdo da decisão assim tomada, deveria entender-se que a mesma se destina a vigorar até que cessasse as suas funções;
Pelo que,
9º – Alterando-se aquela decisão sem o respeito dos direitos adquiridos pelo recorrente, ofendeu-se de forma intolerável e injustificada os princípios da segurança e confiança jurídicas, corolários do princípio do estado de direito democrático, a que se reporta o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa – CRP;
10º – Mas não foi esse o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu o douto acórdão que confirmou na íntegra a decisão proferida pela 1.ª instância;
Contudo,
11º – Limitou-se a identificar os normativos legais e a reproduzir os textos legais, não tendo especificado os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua decisão;
12º – Incorrendo assim na nulidade estatuída na al. b) do n.º 1 do Art. 668.º do C. Processo Civil e violando o n.º 1 do Art. 205.º da CRP, o que então se invocou em sede de alegações de recurso;
Por isso,
13º – E inconformado mais uma vez com esta decisão, e sempre persuadidas da inequívoca nulidade e inconstitucionalidade do acórdão proferido, decidiu o recorrente dele interpor recurso de agravo em 2. instância para o Supremo Tribunal de Justiça;
14º – Tendo invocado, para o efeito, a oposição deste acórdão, com outros acórdãos anteriormente proferidos no âmbito da mesma matéria de facto e do mesmo quadro normativo;
Pelo Tribunal da Relação do Porto:
15.º – “O despacho que atribuiu ao liquidatário a remuneração de 70.000$00 mensais, acrescida de IVA, não distinguindo nos seus termos qualquer prazo limite de validade e tendo em consideração que o regime legal adstrito a esta situação não proíbe o conteúdo da decisão assim tomada, tem de entender-se que se destina a vigorar até que cessem as suas funções.” (sumário acórdão de 18-02-2002, proferido no Processo N.º 0151912, publicado em www.dgsi.pt com o n.º de documento RP200202 18015 1912)
E pelo Supremo Tribunal de Justiça:
16º – “A decisão que fixa a remuneração do liquidatário judicial consente alteração superveniente, tios termos do art. 34.º nº 3 do GPEREF, aprovado pelo DL nº 132/93, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 315/98, de 20 de Outubro, quando tal se justifique, em função dos critérios legais estabelecidos, “maxime” do “sucess fee”, defeso não sendo que a alteração se repercuta retroactivamente, sem prejuízo dos efeitos entretanto já produzidos.”
(sumário do acórdão de 30-03-2006, proferido no Processo 06B878, publicado em www.dgsi.pt com o n.º de documento SJ200603300008782)
Assim,
17º - Foi admitido o agravo interposto em 2a instância, tendo o recorrente invocado e fundamentando nas suas alegações as nulidades e inconstitucionalidade de que padecia o acórdão recorrido;
18º - Constantes das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do Art. 668º, da al. b) do n.º 1 do Art. 755º, ambos do C. Processo Civil e do n.º 1 do Art. 205.º da CRP;
No entanto,
19º - Também neste Supremo Tribunal de Justiça acordou-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se o acórdão recorrido;
20º - Fazendo deste acórdão, jurisprudência publicada em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
I) - A remuneração definitiva de um liquidatário judicial só a final, aquando da cessação das suas funções com o trânsito em julgado da decisão que aprovar as contas da liquidação da massa falida, pode ser realmente fixada.
II) - E isto porque só nessa altura se pode proceder a uma avaliação global sobre o concreto exercício da função, da natureza e dificuldade dos actos praticados e da taxa de sucesso do seu desempenho.
III) - Com base nessa avaliação, a remuneração, que eventualmente já tenha sido fixada, pode ser corrigida para mais ou para menos, passando, então, a definitiva.
IV) - Essa correcção, de forma alguma pode ser entendida como uma violação da qualquer decisão definitiva já tomada sobre a remuneração do liquidatário, uma vez que, como já disse, essa remuneração só a final pode ser fixada, não dispensando a fixação de qualquer quantia anteriormente ocorrida a esse título da aferição “a posteriori” nos termos acima referidos.
V) - Sendo assim, a questão da retroactividade da aplicação da fixação da remuneração de um liquidatário nunca se põe, pois se esta é fixada a final, obviamente se aplica a todo o período que mediou entre o início e a cessação das funções do mesmo liquidatário.
21º - Porque o recorrente continua inconformado com a decisão proferida por este Supremo Tribunal de Justiça que decidiu manter o douto acórdão recorrido, encontravam-se completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários (nºs 2 a 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional);
22º - Recorreu para o Tribunal Constitucional nos termos das alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T. Constitucional,
23º - Tendo a sua admissão sido recusada pelo douto despacho a fls..., do qual agora se vem reclamar nos termos seguintes:
24º - A interpretação pelo que foi feita pelo Supremo Tribunal de Justiça do n.º 3 do artigo 34º do CPEREF, nos termos supra referidos é inconstitucional.
25º - Uma vez que tal interpretação vai para além do estatuído na norma, violando os direitos adquiridos pelo recorrente ao permitir que os seus efeitos se repercutam retroactivamente, colidindo com os direitos legalmente adquiridos pelo recorrente;
26º - Esvaziando completamente os poderes legalmente atribuídos ao Juiz do processo quando fixa a remuneração do liquidatário;
27º - Pois se a remuneração do liquidatário é fixada a final e se aplica a todo o período em que exerceu as suas funções, não se percebe por que razão é permitida ao Juiz fazê-lo em outro momento do processo.
28º - Uma vez que, com este entendimento, se reduz o carácter da remuneração fixada a um mero adiantamento por conta da remuneração a fixar só no final do processo;
29º - Quando no referido artigo se diz apenas que a remuneração “(...) pode ser alterada, a todo o tempo, em função das dificuldades e dos resultados que vierem a verificar-se durante a gestão da empresa;”
30º - Não se diz que essa alteração prejudica as remunerações já recebidas, entendimento este já perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão supra referenciado;
Assim,
3 º - Predeterminou-se por um critério erigido a norma, nos termos do qual, é permitida retroactividade da referida disposição legal, que determina um carácter de mero adiantamento à remuneração do liquidatário;
32º - É esta norma que deverá constituir o objecto de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade;
33º - Ao fim e ao cabo foi criada uma norma que ampliou desmesuradamente o alcance do n.º 3 do artigo 34º do CPEREF, pervertendo o espírito deste dispositivo legal.
Além disso,
34.º - Criou-se uma nova norma que permite a preclusão das remunerações já percebidas pelo recorrente e que, como óbvio se toma, contende com os seus direitos adquiridos garantidos pelo art. 2º da CRP;
35º - Uma vez que ofende de modo intolerável e injustificado os princípios dos direitos adquiridos, da segurança e confiança jurídica, corolários do princípio do estado de direito democrático, pois desvaloriza e esvazia o despacho judicial, transitado em julgado, que fixou a remuneração do recorrente.
36º - A elaboração da questionada norma no douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de justiça publicado em www.dgsi.pt e cujo sumário se reproduziu, violou ainda, o princípio da legalidade, porquanto os tribunais estão sujeitos à lei (art. 203º da CRP).
37.º - Violou também o princípio da separação dos poderes, invadindo a esfera das competências legislativas da Assembleia da República e do Governo (al. b) do art. 161º, al. b) e p) do art. 165º, ai. a) e b) do art. 198º, e nº 5 do art. 112º, todos da CRP).
38.º - E rompeu com a jurisprudência até então perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça que seguia do bom entendimento da não aplicação retroactiva da referida norma.
39.º - Obrigando o recorrente a recorrer para o Tribunal Constitucional nos termos que o fez e cujo recurso foi infundadamente recusado.
40º - Uma vez que ali se invoca que a presente questão de inconstitucionalidade não fora invocada anteriormente nos autos.
41º - Quando, na verdade, a norma cuja inconstitucionalidade se invoca, resulta do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, sem que o recorrente pudesse invocar a referida inconstitucionalidade em recurso ordinário nos presentes autos.
42º - Razão pela qual deverá agora ser admitido o recurso interposto.
Acrescendo que:
43.º - Como supra exposto, o recorrente já havia invocado nas suas alegações de recurso as nulidades e inconstitucionalidade de que padecia o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação constante das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do Art. 668.º, da al. b) do n.º 1 do Art. 755.º, ambos do C. Processo Civil e do n.º 1 do Art. 205.º da CRP”,
44º - Uma vez que no referido Acórdão não foi fundamentada a decisão de manter a decisão proferida na primeira instância, pois entende o recorrente, que não basta a identificação dos normativos legais ou reprodução dos textos legais, é imperativo que o Tribunal recorrido especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão.
45º - E que não mereceu qualquer censura por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
46º - Que por sua vez também incorreu nas mesmas nulidades e inconstitucionalidade pois permanece sem julgamento a questão da remuneração do anterior liquidatário do processo.
47º - O Tribunal da Relação de Lisboa, resumiu esta questão à pergunta se a remuneração deste se havia fixado em cem ou duzentos mil escudos, mas a não respondeu no seu acórdão.
Contudo,
48º - Apesar de invocada aquela nulidade e inconstitucionalidade, também o Supremo Tribunal de Justiça não respondeu a esta questão, por entender que a mesma “não vem questionada nas conclusões do presente recurso
49º - O que não corresponde à verdade, pois a esta questão constava do art. 8.º das conclusões, ao qual o Tribunal recorrido respondeu que o valor era de duzentos mil escudos, quando mantém na integra a decisão que fixa este valor em cem mil escudos.
Termos em que:
Deve a presente reclamação ser julgada procedente, admitindo-se o recurso validamente interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos legais, dando-se por aqui reproduzido o demais alegado e peticionado no requerimento de interposição de recurso recusado.
4 No Tribunal Constitucional o representante do Ministério Público diz o seguinte:
1º – O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b), c) e f) do nº 1 do artigo 70.º da LTC, da interpretação que, segundo o recorrente, terá sido efectuada pelo acórdão recorrido, da norma estatuída no n.º 3 do artigo 34.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF).
2º – O despacho reclamado, para além de salientar o evidente lapso na invocação da citada alínea c), dado não vir invocada qualquer recusa de aplicação de norma constante de acto normativo, não admitiu o recurso, por não ter sido levantada, durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade da referida norma e interpretação.
3º – Efectivamente, um dos requisitos da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do art.º 70.º da LTC, conforme decorre do nº 2 do artigo 72.º do mesmo diploma, consiste na suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de forma que, ele possa, e deva, dela conhecer.
4º – Acresce que a suscitação de questão de inconstitucionalidade não se basta com a afirmação de que a interpretação aplicada viola a Constituição ou os seus princípios, mas com a especificação, de forma clara e contundente, das razões da alegada desconformidade da norma ou interpretação normativa.
5.º – Ora, o momento processual indicado para tal, no caso em apreço, eram as alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
6.º – Porém, resulta dos autos não ter sido questionada, nessa peça processual, a constitucionalidade de qualquer interpretação normativa da norma agora em causa, ou de qualquer outra, não havendo, aliás, nenhuma referência a preceitos ou princípios constitucionais nessa mesma peça processual.
7.º – O reclamante vem agora dizer que «(…) a norma cuja inconstitucionalidade se invoca, resulta do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, sem que o recorrente pudesse invocar a referida inconstitucionalidade em recurso ordinário nos presentes autos».
8.º – Mas, o recorrente só está dispensado do ónus da suscitação prévia, em casos excepcionais e anómalos, se a interpretação acolhida na decisão recorrida for insólita, inesperada ou imprevisível.
9.º – De todo o modo, incumbe ao recorrente explicar por que razão entende que a interpretação é surpreendente ou anómala e porque lhe era processualmente impossível, anteriormente, ter suscitado a questão, ou seja, porque estava dispensado do ónus da suscitação prévia (v.g. Acórdão nº 213/2004). Ora, sobre essa matéria, o reclamante nada esclarece.
10.º – No entanto, a decisão recorrida, o acórdão do STJ que negou provimento ao agravo, confirmando o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não pode ser caracterizada como decisão surpresa, até porque o agora reclamante, nas alegações de recurso para o STJ, invocou a norma do n.º 3 do art.º 34.º do CPEREF, sustentando, de seguida, o entendimento «(…) que resulta claro que a remuneração do Liquidatário Judicial pode ser alterada, mas nunca com efeitos retroactivos (…)».
11.º – No entanto, como já afirmamos, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade por violação de lei de valor reforçado.
12.º – Mas, recai sobre as partes o ónus de analisar as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas na decisão e, como tal, de adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos.
13.º – Resulta, assim, do exposto que:
– o Supremo Tribunal de Justiça não recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (recurso da alínea c);
– não foi suscitada, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (recurso da alínea b);
– não foi aplicada norma em relação á qual tivesse sido suscitada, durante o processo, a sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado (recurso da alínea f);
– a interpretação, cuja constitucionalidade o reclamante pretende ver apreciada, acolhida pelo STJ, não pode ser considerada como, insólita, inesperada ou imprevisível.
14.º – Pelo que, por não se verificarem, efectivamente, os requisitos de admissibilidade do recurso, interposto ao abrigo das alíneas c), b) e f) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC deve ser indeferida a reclamação.
5. A questão que importa solucionar no presente caso consiste em saber se é de manter o despacho que, no Supremo Tribunal de Justiça, indeferiu o requerimento de interposição recurso do citado acórdão daquele tribunal. O que, face ao preceituado no n.º 4 do artigo 77º da referida LTC, implica apurar da verificação todos os requisitos do recurso interposto.
O reclamante pretende que o recurso seja admitido ao abrigo das alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e tem como objecto a norma do n.º 3 do artigo 34º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF). Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos destes normativos, das decisões dos tribunais que: (b) «apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo»; (c) «recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado»; (d) «recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República»; (e) «recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma»; (f) «apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)».
Ora, é patente que o acórdão recorrido não recusou aplicar qualquer norma «constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado»; assim como não aplicou «norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)». Nem, aliás, o reclamante enuncia como objecto do presente recurso uma norma que tenha sido desaplicada ou aplicada nessas circunstâncias.
O que invoca é que o tribunal recorrido aplicou uma norma inconstitucional que retirou do já referido n.º 3 do artigo 34º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. Todavia, pretendendo o reclamante ver conhecida neste Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a questão da inconstitucionalidade da citada norma, deveria, por imposição expressa do n.º 2 do artigo 72º da LTC, ter suscitado a questão «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer». O Tribunal tem entendido, em jurisprudência constante, que a suscitação da questão deverá ocorrer antes de o tribunal recorrido ter proferido a sua decisão, pois só assim é possível conhecer dessa matéria em momento anterior a ver esgotado o seu poder jurisdicional.
Acontece que, contrariamente ao que afirma, o reclamante nunca suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 34º do CPEREF perante o Supremo Tribunal de Justiça. Na verdade, facilmente se retira da alegação apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça que nenhuma menção é feita a tal matéria, pois nada se diz que possa ser interpretado como uma acusação de inconstitucionalidade directamente reportada à aludida norma.
Nestes termos, haverá que concluir – conforme se pondera no despacho reclamado – que se não verificam os requisitos necessários à interposição do recurso.
6. Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, mantendo o despacho que, no Supremo Tribunal de Justiça, indeferiu o requerimento de interposição do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Setembro de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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