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Processo n.º 610/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), da decisão sumária que não tomou conhecimento do recurso que o reclamante interpôs do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
2. A reclamação tem o seguinte teor:
'(...)
A) o art. 119-b) viola o art. 219-1 e 2 da Lei Fundamental na hermenêutica expendida pelo STJ no sentido de que só pode concluir-se que se aceitou que se fizessem as diligências sugeridas, porque se entendeu que eram as mais adequadas. O recorrente entende que o Ministério Público não é um mero “gestor de papéis”, deve dirigir a investigação, delinear um plano de investigação, executar a politica criminal e exercer a vedada a posição de “mero espectador passivo” do que os OPC entendem e sugerem in totum, sob pena de falta de direcção do inquérito e de violação do Princípio da Investigação sob garantia da Magistratura...
B) o art.- 434 do CPP viola os arts. 32-1 e 205-1 da Lei Fundamental quando entendido que o STJ não pode apreciar oficiosamente ou sob recurso a insuficiência de uma prova.
C) os arts. 35 e 36-1 DL 15/93 violam o art.- 18-2 e 205 da Lei Fundamental.
D) o art. 21 do DL 15/93 viola o art. 13° e 205 da Lei Fundamental quando entendido que a pena aplicada é (deve ser) a mesma que a aplicada ao co-arguido B. pois este foi acusado de reincidência o que não ocorreu com o recorrente… o arguido B. foi acusado de reincidência e condenado em 8 anos pelo que recorrente seja condenada em idêntica pena... sem tal circunstancia agravante. Se aquele foi condenado em 8 anos, o ora recorrente deveria ser condenado em 5 ou 6 anos… sob pena de flagrante desigualdade…
E) o art. 21 do DL 15/93 viola ainda os arts 13º e 205º da CRP quando o STJ entende que um caso de 3.967 Kg dc cocaína condenado em 7 anos não é comparável in casu com a pena de 8 anos por 18 Kg de haxixe... Há muito que o Colendo Tribunal Constitucional decidiu que: ”…a igualdade consiste cm tratar por igual o que é essencialmente igual e em tratar diferentemente o que essencialmente for diferente. A igualdade… proíbe as distinções arbitrárias ou sem fundamento material bastante…” Ac Tribunal Constitucional 433/87 in B.M.J. 371. 145.... Acresce que: “um dos Princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões da Justiça e de ausência de disparidades injustificadas na aplicação das penas. O cidadão comum não percebe muitas vezes as Decisões Judiciais porque casos semelhantes têm soluções diametralmente dispares, sendo umas pessoas castigadas com grande severidade e outras beneficiando de uma especial brandura…”-Senhor Juiz Conselheiro Simas Santos e Mestre Paulo Pinto Albuquerque in Expresso – 7 Fevereiro 2009- pág 37.
A violação dos Princípios Constitucionais supra mencionados impõe que este recurso veja concedido provimento'.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pugnou pelo indeferimento da reclamação, alegando, entre o mais, que o reclamante “nada diz sobre as razões processuais porque entende que se devia conhecer do recurso”.
4. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que negou provimento ao recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, por seu turno, havia confirmado a decisão do tribunal de 1.ª instância relativamente à pena de 10 anos de prisão aplicada ao recorrente pela prática de um crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
O recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), através de requerimento com o seguinte teor:
“A – O artigo 119.º - b) [do Código de Processo Penal] viola o artigo 219.º-1 e 2 da Lei Fundamental, na hermenêutica expendida pelo STJ no sentido de que só pode concluir-se que se aceitou que se fizessem as diligências sugeridas, porque se entendeu que eram as mais adequadas.
O recorrente entende que o Ministério Público não é um mero ‘gestor de papéis’, deve dirigir a investigação, delinear um plano de investigação, executar a política criminal e exercer a acção penal sendo-lhe vedada a posição de ‘mero espectador passivo’ do que os OPC entendem e sugerem in totum, sob pena de falta de direcção do inquérito e de violação Princípio da Investigação sob garantia da Magistratura...
A questão foi suscitada nas Conclusões 15.ª até 21.ª do recurso interposto do TRL para o STJ.
B – O artigo 434.º do CPP viola os arts. 32.º-1 e 205.º-1 da Lei Fundamental quando entendido que o STJ não pode apreciar oficiosamente ou sob recurso a insuficiência de uma prova.
Esta questão foi suscitada nas Conclusões 22 a 26.
C – Os artigos 35.º e 36.º-1 [do] DL n.º 15/93 violam o artigo 18.º-2 e 205.º da Lei Fundamental.
D – O artigo 21.º do DL 15/93 viola o artigo 13.º e 205.º da Lei Fundamental quando entendido que a pena aplicada é (deve ser) a mesma que a aplicada ao co-arguido B. pois este foi acusado de reincidência o que não ocorreu com o recorrente...
(...)
E – O artigo 21.º do DL 15/93 viola ainda os arts. 13.º e 205.º da CRP quando o STJ entende que um caso de 3.967 Kg de cocaína condenado em 7 anos não é comparável in casu com a pena de 8 anos por 18 Kg de haxixe...
(...)
A violação dos Princípios Constitucionais supra mencionados impõe que este recurso seja recebido, sendo tempestivo e pertinente”.
2. O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo. Todavia, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional; e porque a presente situação se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se imediatamente.
3. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que admite, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, os recursos interpostos de decisão que aplique, como ratio decidendi, norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
Esse recurso exige, como pressuposto processual específico, que a questão de constitucionalidade objecto do recurso tenha sido suscitada durante o processo de modo a que o tribunal recorrido se encontrasse vinculado ao seu conhecimento, como decorre, igualmente, do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
Efectivamente, nestes processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional limita-se ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000, e sobre o sentido de tal requisito, José Manuel Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 40 e 72); sendo que, como também vem sendo reiterado pela jurisprudência deste Tribunal, constitui entendimento pacífico que «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996)». – cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais aí se remete.
Por outro lado, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto.
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo.
Não incidindo a intervenção do Tribunal Constitucional sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, o objecto do recurso de constitucionalidade é circunscrito à apreciação, ratione constitutionis, de normas jurídicas, exorbitando da esfera de competência cognitiva assinalada a esta jurisdição o controlo imediato das decisões proferidas pelos outros tribunais, ainda que os recorrentes lhes assaquem a violação de preceitos constitucionais. A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “é, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […]».
Nessa medida, cumprirá esclarecer que o objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, nada tem a ver com eventuais questões de ilegalidade ou de acerto na aplicação das normas in concreto à luz dos factos tidos em conta pelas instâncias ou de outros que devessem ter sido relevados.
Por fim, exige-se ainda que a norma contestanda tenha constituído o fundamento normativo do juízo recorrido.
Trata-se, na circunstância, de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000), daí resultando que o objecto do recurso só possa ser constituído pela ratio decidendi do juízo recorrido – o seu fundamento normativo –, uma vez que não cabe a este Tribunal conhecer de questões de validade normativo-constitucional que não possam repercutir-se na decisão, determinando a sua alteração em caso de procedência do recurso de constitucionalidade.
4. Perscrutando os elementos constantes dos autos, constata-se que os referidos pressupostos não se encontram verificados.
Vejamos.
4.1. Quanto à primeira “norma” referida no requerimento de interposição de recurso – o artigo 119.º b), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que “só pode concluir-se que se aceitou que se fizessem as diligências sugeridas, porque se entendeu que eram as mais adequadas” –, constata-se que, para além do recorrente contestar o juízo decisório propriamente dito e contrariamente ao indicado no requerimento de interposição de recurso, não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.
De acordo com o recorrente, tal questão encontrar-se-ia suscitada nas conclusões 15.ª a 21.ª do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nas quais alegou o seguinte:
“(...)
11- Acresce que os autos padecem de NULIDADE INSANÁVEL ab initio: os órgãos de policia criminal só podem actuar se o Ministério Público lhes conferir o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito – art. 270 – 1 CPP cujo título é bem cristalino: (ACTOS QUE PODEM SER DELEGADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS ÓRGÃOS DE POLICIA CRIMINAL)
12- O Ministério Público violou os arts. 219-1 CRP, 262-2, 263-1, 53- 2-a) e b) e 270- 4 CPP, CIRCULAR 8/87 de 21/12 da PGR, CIRCULAR 6/ 2002 ( “...nos termos do artigo 12°- n°2 - b) do Estatuto do Ministério Público determino o seguinte: 1-Os Magistrados do Ministério Público intervirão directamente nos inquéritos, definindo as diligências de investigação a levar a cabo, ou participando directamente na sua realização, quando o julguem oportuno, sem prejuízo da delegação genérica de competências para a investigação, na Policia Judiciária, prevista neste despacho.) inexistiu PLANEAMENTO DA INVESTIGAÇÃO o que traduz NULIDADE INSANÁVEL: - Professor Marcelo Caetano, in Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, Forense, Rio Janeiro, 1977, pág. 139, e art. 119-B) CPP
13-A direcção do inquérito implica que o Ministério Público acompanhe e oriente a investigação e lhes determine os actos a praticar o que inexiste in totum nos autos pois a PJ tudo realizou, ousou sugerir e executou....
14- Os órgãos de polícia criminal ou as autoridades de polícia criminal -art. 1.°- 1-d) do C.P.P. – não podem substituir o papel das autoridades judiciárias, sob pena se colocar em causa o sentido do “princípio da investigação sob garantia judicial” – Drª Anabela M. Rodrigues, “A fase preparatória do Processo Penal — O caso Português”, in STVUDIA IVRIDICA, n.° 61, Coimbra Editora, p. 956 e Sr Procurador Geral Henrique Pereira Teotónio no excelente artigo publicado na Revista do Ministério Público: “Titularidade do Inquérito e Dependência Funcional das Polícias in “Cadernos da Revista do Ministério Público” n°4, página 93.”
15-In casu o que temos-
- o Sr Inspector da P.J. sugeriu tudo ao Ministério Público;
- o M. Público nada sugeriu a não ser acatar prazos e remeter ao TCIC...
- a P.J. realizou, escutou, ousou sugerir;
- o Ministério Público acatou o que lhe foi sugerido! Volumes 1 e 2
16-O caso é grave: a ausência de direcção do inquérito pelo M° Público e a “roda-livre-investigatória-” pela PJ de tudo quanto ousou sugerir e foi acatado ipsis verbis - até as promoções do M°P° são cópia fiel de todos os dizeres da P.J. e conduz à NULIDADE do PROCESSO!
17-O arguido não tem especial prazer em arguir a NULIDADE mas como a investigação foi “realizada” e a Acusação lhe tentou imputar todos os males... e ainda foi condenado em 10 anos pode e deve argui-la em sede de Contestação, como o fez, pois a Decisão Instrutória é irrecorrível...
18- “DIRIGIR O INQUÉRITO significa guiá-lo ou conduzi-lo, traçar-lhe o caminho, lançar o vector de orientação, devendo quem assiste o MP actuar sob a sua directa orientação não deverá, sob pena de demissão (do M.P.), deixar-se ao completo alvedrio destes (OPC) a fritura das diligências…” – in Cadernos M°. Público 4 supra id, p. 95
19- O PODER de INVESTIGAÇÂO do MINISTÉRIO PÚBLICO: art. 221-1 da Lei Fundamental – exercício da Acção Penal. - não foi exercido pois foi a PJ quem tudo sugeriu e realizou em PLANO DE INVESTIGAÇÃO do Ministério Público.
20-DEVE SER DECLARADO QUE O MIN. PÚBLICO NÃO DIRIGIU NEM DETERMINOU À PJ. O ENCARGO DE REALIZAR DILIGÊNCIAS CONCRETAS, ACOLHEU O ROTEIRO POLICIAL, FORMULANDO ACUSAÇÂO SEM FLAGRANTE DELITO.... QUE A A P.J. SUBSTITUIU O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE A P.J. GUIOU/CONDUZIU O INQUÉRITO, SUGERIU E REALIZOU AS DILIGÊNCIAS QUE OUSOU SUGERIR, PRENDEU QUANDO QUIS E ONDE QUIS, LANÇOU SUSPEITAS GENÉRICAS E CONSTRUIU JUIZO “POLICIAL”.
21- FOI VIOLADO O PRINCIPIO DA INVESTIGAÇÃO SOB GARANTIA JUDICIAL E FALTOU DIRECÇÃO DO M°. PÚBLICO NO INQUÉRITO PELO QUE SE VERIFICA A NULIDADE DO PROCESSADO: ARTS. 219-1 DA CRP, 119- B), 48,49 E SS DO CPP.
(...)”.
Ora, ao dizer que o Ministério Público violou determinadas normas legais ou preceitos constitucionais, que o poder de investigação não foi exercido ou que foi violado o princípio da investigação, ocorrendo, com esse fundamento, uma nulidade, o recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade – por antonomásia, normativa – nos termos e com o sentido referidos a montante.
4.2. Mutatis mudandis, o mesmo poderá dizer-se quanto à norma do artigo 434.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que “o STJ não pode apreciar oficiosamente ou sob recurso a insuficiência de uma prova”.
Relativamente a esta norma e de acordo com a indicação constante do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, a questão de constitucionalidade encontrar-se-ia suscitada nas conclusões 22.ª a 26.ª do recurso interposto para o Tribunal a quo, nas quais se discorreu do seguinte modo:
“(...)
22- Dos 8 Inspectores da PJ que seguiram o caso “A.” parece que apenas UM (1) terá visto o arguido A. pelas 19H33 de 10 Fev. 2009 com um saco de desporto. -Este depoimento é insuficiente para alicerçar a condenação ou qualquer facto pois uma testemunha só é autêntica se é “estranha às partes e ao processo” – in Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, Vol 2 – 67 ….
23- Por isso mesmo:
“…os depoimentos dos policiais que prendem os acusados... não podem ser tidos, a rigor, como insuspeitos e isentos... tais policiais não são estranhos às partes e ao processo, não deixaram de ter participação no facto, nem podem deixar de estar, pelo menos moralmente, interessados no reconhecimento da procedência da acção penal a que deram causa... “-Hélio Sodré, oh cit. pág. 16
24- O depoimento do Inspector C. é de “...DIMINUÍDA CREDIBILIDADE… INSUFICIENTE PARA DAR SEGURANÇA PROBATÓRIA UMA CONDENAÇÃO EM JULGAMENTO....” “A SUA CREDIBILIDADE É NULA... –SRª DRª TERESA BELEZA- in Revista Ministério Público n.. 74, ano 19, - Abril 1998, pág.
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25-Sem outra testemunha, que não o Inspector C., sem corroboração de outros meios de prova, a Condenação é uma peça sem validade no plano judicial. Acresce que
26-Os Inspectores da P.J. são inquiridos como TESTEMUNHAS, acabam por PRESTAR DEPOIMENTO DE PARTE… SÃO CO-AUTORES DAS PEÇAS QUE JUNTARAM AOS AUTOS COMO UMA PETIÇÃO INICIAL… E INTERESSADOS NA PROCEDÊNCIA DO QUE ALEGAM AFIM DE VER O ARGUIDO A. PRESO POR UMA QUESTÃO DE HONRA” E CONDENADO AO MÀXIMO...
A JUSTIÇA PORTUGUESA NÃO PODE SER ASSIM!
(...)”.
Como se constata, pelo exposto, também aqui não foi suscitada a questão de constitucionalidade da norma pretendida sindicar ratione constitutionis, inexistindo qualquer referência a tal suporte normativo.
4.3. Em terceiro lugar, também não podem considerar-se preenchidos os pressupostos do recurso quanto aos artigos 35.º e 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, porquanto essas normas não foram aplicadas pelo acórdão recorrido, como resulta claramente da seguinte fundamentação:
“(...)
Pretende de seguida o recorrente que o regime especial consagrado nos art°s 35° e 36°, n° 1, do DL n° 15/93 é inconstitucional, violando os art°s 18°, n°2, 32°, n° 1, 62° e 205° da Constituição, quando interpretados no sentido de que «basta a mera referência à existência/prática/condenação por um crime para determinar a perda um bem, sem que se tenha em atenção de forma especificada e em concreto que o bem servisse para este ou para aquele acto ilícito concreto».
Esta alegação tem apenas em vista o «bem» enquanto instrumento destinado à prática de um crime.
Ora, no caso, não estão em causa objectos que apenas estivessem destinados a servir para a prática de um crime: alguns dos bens declarados perdidos foram mesmo utilizados na prática de um crime, o de tráfico de estupefacientes, e, mais importante, todos eles foram directamente adquiridos pelo arguido através desse crime.
Quer dizer: a decisão recorrida, sem o dizer expressamente, subsumiu a situação em análise à previsão do art. 35º, n° 1, do DL n° 15/93 («são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos», como se vê da enunciação que fez dos pressupostos do perdimento após as alterações introduzidas pela Lei n° 45/96.
Mas mais correcto era aplicar ao caso o art. 36°, n° 2, do mesmo diploma, que prevê o perdimento, além do mais que aqui não importa, «dos objectos, direitos e vantagens que através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem», pois, se alguns dos bens declarados perdidos serviram para a prática do crime de tráfico, antes disso, todos eles foram directamente adquiridos pelo arguido através desse crime.
Deve notar-se que quando se fala no n° 1 do art. 35º em objectos «produzidos» pela infracção não se tem em vista as vantagens dela retiradas. Sobre a matéria são elucidativas as palavras de Figueiredo Dias a propósito de situação paralela no âmbito do CP (os anteriores art°s 107°, n° 1, e 109°, n° 2, correspondentes no essencial aos actuais 109°, n°1, e 111°, n°2):
«Ao contrário do que costuma pensar-se, “produto” não se identifica com vantagens retiradas do crime, mas com objectos criados ou produzidos pela actividade criminosa. Assim, por exemplo, os objectos furtados ou a soma obtida com a burla não consubstanciam o “produto” em sentido técnico, para efeito do art. 107°; antes se trata ali de “vantagens” cabidas no âmbito do art. 109°. O conceito de produto abarca, ao invés, a moeda contrafeita, o documento falsificado, a arma fabricada em violação das regras ou autorizações legais, etc. Nestes casos, a vantagem (...) consistirá no enriquecimento patrimonial conseguido com a respectiva venda ou utilização» (Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, página 618).
Assim, a alegação de inconstitucionalidade, dirigindo-se, tal como está formulada, a uma determinada interpretação do n° 1 do art. 35°, não obstante referir o art. 36°, n° 1, do DL n° 15/93, alheio à situação, fica prejudicada com a subsunção do caso à previsão do n° 2 deste último preceito, o que aqui se decide.
(...)”.
4.4. Por fim, entende o recorrente que o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 viola os artigo 13.º e 205.º da Lei Fundamental “quando entendido que a pena aplicada é (deve ser) a mesma que a aplicada ao co-arguido B. pois este foi acusado de reincidência o que não ocorreu com o recorrente” e quando “o STJ entende que um caso de 3.967 Kg de cocaína condenado em 7 anos não é comparável in casu com a pena de 8 anos por 18 Kg de haxixe”.
No entanto, apesar da referência que é feita à norma do artigo 21.º do citado diploma legal, o que acaba por estar em causa no objecto definido pelo recorrente não é mais do que o próprio acto judicial de aplicação da lei ao caso, a implicar o controlo da dosimetria da pena concretamente aplicada “em comparação” tendo em conta a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias relevadas na sua decisão.
Trata-se, consequentemente, de matéria subtraída à esfera de competência cognitiva deste Tribunal porque manifestamente desprovida de um suporte normativo exógeno à apreciação das circunstâncias determinantes do juízo decisório.
5. Termos em que, face a tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade.'
Cumpre julgar.
II. Fundamentação
5. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
De facto, o reclamante não aduz qualquer argumentação susceptível de controverter os fundamentos que presidiram à prolação da decisão reclamada, limitando-se a repetir o que já constava do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade quanto ao seu objecto.
Assim sendo e confirmando-se os fundamentos da decisão sumária reclamada, aqui se reitera o juízo aí proferido segundo o qual não se encontram preenchidos os requisitos determinantes do conhecimento do recurso.
III. Decisão
6. Termos em que, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário.
Lisboa, 27 de Julho de 2011. José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos
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