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Processo n.º 537/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
O objecto do recurso foi delimitado pelo recorrente, nos seguintes moldes:
“As normas cuja inconstitucionalidade se debaterão são os artºs 420º-1-a) e c) e 400º-f) do CPP”.
Recebido o requerimento de interposição de recurso, no Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido despacho, datado de 8 de Junho de 2011, do seguinte teor:
“Através do requerimento que antecede (fls. 3969), o arguido A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional do “despacho proferido por V. Exas.”
Havendo dúvidas sobre a decisão que o arguido pretende impugnar, notifique-o para esclarecer qual a decisão recorrida.”
Notificado de tal convite ao aperfeiçoamento, o recorrente veio responder, nos seguintes termos:
“ (…) a primeira decisão perante a qual se invoca a inconstitucionalidade dos artigos 400º-f) e 420º-1-a a c) do CPP se deparou no despacho proferido pelo Senhor Juiz Desembargador ao não admitir o recurso para o STJ (sendo alegada na reclamação oferecida) e a segunda decisão, ao rejeitar o recurso por manifesta improcedência, é o próprio Acórdão proferido nesse mesmo STJ em 31/3/2011 (sendo alegada no requerimento que invocou nulidade do mesmo Acórdão).”
O recurso foi, então, admitido no tribunal a quo.
2. Por Decisão Sumária de 8 de Julho de 2011, não se conheceu do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
“Sobre o recorrente recai o ónus de identificar, em termos claros e inequívocos, a decisão que pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional.
Ora, no presente caso, apesar de o recorrente ter sido expressamente convidado a esclarecer qual a decisão recorrida, não o veio fazer de forma inequívoca.
Na verdade, não se compreende, através da resposta ao despacho de convite formulado pelo tribunal a quo, se o recorrente pretende, de facto, identificar a decisão que é alvo do recurso interposto – sendo certo que, do requerimento de interposição de recurso, resulta que a decisão recorrida é apenas uma, sendo igualmente apenas um o recurso de constitucionalidade – ou referir quais são as decisões que aplicaram as normas, alegadamente desconformes com a Lei Fundamental.
Certo é que, nada esclarecendo a resposta apresentada, e sendo, obviamente, inviável dar uma segunda oportunidade ao recorrente de suprir a deficiência já assinalada pelo tribunal a quo – como resulta claramente do disposto no n.º 6 do artigo 75.º A da LTC - teremos de concluir que não é possível conhecer-se do objecto do recurso, pelo que, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, é caso de proferir decisão sumária, termos em que se passa a decidir.
(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que a indicação dos elementos expressamente previstos nos n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º A, da LTC, e a identificação da decisão recorrida, subsumível à previsão normativa de uma das alíneas do artigo 70.º do mesmo diploma, constituem requisitos formais de apreciação do recurso e não mero cumprimento de um dever de cooperação do recorrente para com o Tribunal.
Assim, a consequência do incumprimento ou cumprimento insuficiente de tais requisitos - após a prolação de convite ao aperfeiçoamento, pelo juiz a quo ou pelo relator do Tribunal Constitucional, no caso de omissão do primeiro - é, inevitavelmente, o não conhecimento do recurso.
Na verdade, no presente caso, o recorrente não identifica, desde logo, de forma clara e inequívoca, a decisão recorrida - além de não identificar a norma, cuja sindicância pretende, mas apenas os preceitos que lhe servirão de suporte - impossibilitando que o Tribunal Constitucional aprecie, desde logo, a presença dos pressupostos de admissibilidade do recurso, que implicam um juízo relacional com a decisão recorrida, nomeadamente a verificação do esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a efectiva aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão; a suscitação da questão de constitucionalidade normativa, prévia à prolação da decisão, de modo processualmente adequado, perante o tribunal a quo (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Face às considerações expendidas, conclui-se pela não admissibilidade do recurso.”
3. Inconformado, o reclamante apresentou reclamação, nos seguintes termos:
“Como vem sendo mais do que habitual nesse Tribunal, nos presentes autos, existe mais uma decisão sumária, fecundando o seu mérito em alegada incapacidade formal decorrente do mencionado recurso...
Mas a realidade é que estão lá os requisitos formais atinentes ao recurso em causa:
- as normas cuja inconstitucionalidade se debatem são os art°s 420°-1-a) e c) e 400°-f) do CPP.
- as normas que implicam e convocam a inconstitucionalidade são os art°s 32°-l e 13°-l da CRP.
- As peças processuais onde a inconstitucionalidade de ambos os preceitos foi suscitada são a reclamação oferecida ao Senhor Conselheiro Presidente do STJ — que nesse seguimento admitiu o recurso para o STJ — e posteriormente no requerimento que invocou a nulidade do acórdão que rejeitou o recurso dito, proferido nesse seguimento de rejeição.
- Foram essas as ocasiões para o efeito, uma vez que foi aí que o recorrente se deparou com a aplicação daquelas duas normas que estribando e entendimento de rejeitar o recurso são inconstitucionais por violarem aqueles 2 preceitos da CRP.
- Não se diga, pois, que faltam requisitos formais ou que o recorrente não deu cumprimento aos mesmos, no âmbito da interposição do presente recurso.
- Isto, salvo o muito devido respeito.
Razões pelas quais deverá o recurso ser admitido, diferentemente da decisão sumária contra o mesmo proferida.
Se dúvidas existissem acerca das peças processuais onde a inconstitucionalidade foi versada bastaria atender ao seguimento dos autos e verificar que a questão se depara, na sua génese, na recusa de apreciação do recurso por parte do STJ.
E será evidente que as normas reputadas de inconstitucionais são precisamente aquelas que permitiram o erróneo entendimento que sedimentou a recusa do recurso, precisamente as normas convocadas pelo recorrente.
O facto do recurso não ser apreciado pelo STJ estriba-se em 2 disposições altamente inconstitucionais.
E assim sendo, deverá a questão ser devidamente esclarecida e apreciada por esse altíssimo Tribunal.
Para que se não repita a aplicação daquelas normas que permitem erroneamente a recusa de tais recursos, como é flagrante assim agora acontecer. “
4. O Ministério Público pugna pelo indeferimento da reclamação, referindo que o recorrente, mesmo após ter sido expressamente convidado a identificar a decisão de que interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, não o fez, com um mínimo de clareza, referindo, na sua resposta, indistintamente, quer o despacho proferido pelo Senhor Desembargador que, na Relação, não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer o Acórdão deste último Tribunal, que rejeitou o recurso por manifesta improcedência.
Uma vez que o cumprimento do referido ónus de identificação é essencial para que o Tribunal analise os requisitos de admissibilidade do recurso, conclui o Ministério Público que não estamos perante uma mera exigência formal, mas um elemento decisivo para que o Tribunal possa averiguar da admissibilidade ou, no caso, do conhecimento do recurso.
Acrescenta, por último, que, embora já não fosse o momento processual apropriado, o recorrente continua, na reclamação apresentada, a não identificar, com clareza e rigor, a decisão recorrida.
II – Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, o reclamante não aduziu qualquer argumento que abalasse a correcção do juízo efectuado.
Na verdade, limita-se a afirmar que estão presentes todos os requisitos formais atinentes ao recurso em análise, sem contudo abordar a questão, determinante da decisão sumária de não conhecimento do recurso, relativa à identificação da decisão recorrida.
De facto, como acentua o Ministério Público, embora o cumprimento do referido ónus de identificação já não pudesse considerar-se tempestivo e eficaz, em sede de reclamação, certo é que o recorrente persiste na omissão, não esclarecendo a dúvida sobre qual a decisão recorrida.
Em face do exposto, reafirmando e dando por reproduzida toda a fundamentação constante da decisão reclamada, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da reclamação da decisão sumária, proferida nestes autos a 8 de Julho de 2011.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 27 de Julho de 2011. Catarina Sarmento e Castro – João Cura mariano – Rui Manuel Moura Ramos
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