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Processo n.º 299/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
(Carlos Pamplona de Oliveira)
Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., recorreu da decisão proferida pelo Tribunal Judicial do Funchal que o condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão. Por acórdão de 28 de Outubro de 2010, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso. Diz-se no aresto:
“Nos termos do art. 429º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do art. 412º, nº 3 do mesmo código. Porém, essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, a despistar e corrigir erros de julgamento, expressamente indicados pelo recorrente.
Assim, para atingir a adequada delimitação do objecto do recurso e obstar à sua utilização apenas para sobrepor uma nova apreciação à matéria de facto fixada em 1ª instância, veio o legislador processual penal da revisão operada pela Lei 48/2007, de 29/8, a par da eliminação da exigência da transcrição dos depoimentos, impor ao recorrente em matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar. Relativamente às duas últimas especificações, recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente não só ter como referência o consignado na acta, quanto ao registo áudio ou vídeo das provas prestadas em audiência, mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 5 do art. 412º do CPP).
In casu, tomando as conclusões e o corpo da motivação que necessariamente sintetiza, verifica-se que o recorrente quanto ao depoimento da testemunha supra referida (Telmo Amorim) fazendo uma transcrição parcial destes, conclui, no seu entender, que perante tal depoimento os factos supra apontados foram incorrectamente julgados, o que não obedece ao intuito delimitador que norteia a exigência especificadora da parte final do referido nº 4 do art. 412º do CPP.
O «ónus de impugnação da decisão da matéria de facto não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limita a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a decisão proferida sobre a matéria de facto» (cfr., entre outros, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 259/2002, DR. II Série, de 13-12-02).
E, não se mostrando cumpridas aquelas especificações, o Tribunal de recurso fica sem saber, ou seja, desconhece a vontade do recorrente, sendo certo que a exigência legal, contida no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, na versão actual, não constitui um ónus excessivamente pesado para o recorrente, já que «pretendendo impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação» (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 140/2004, DR. II Série, de 17-04-04, quando a versão do art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP não era tão exigente como é na versão actual).
Por isso, não constando tais especificações do próprio texto da motivação do recurso, é «insanável a deficiência resultante da omissão dessas especificações [cfr. Ac. do STJ de 9-03-06, proferido no processo nº 461/06, relatado por Simas Santos e Ac. do STJ de 15-12-05. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 17-03-05, proferido no processo nº 129/05 (do mesmo relator) e, ainda, Ac. do STJ de 13-07-05, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
Daí que nem sequer se imponha a formulação de convite para o recorrente corrigir as conclusões (Assim, também, Ac. do STJ de 5-06-08, proferido no processo nº 1884/08, relatado por Simas Santos e Ac. do TC nº 124/2004 já citado).
Assim sendo, não estando cumpridas (sequer na motivação de recurso) os ónus de impugnação da matéria de facto aludidos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, este Tribunal da Relação apenas pode sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art. 410º, nº 2, do CPP, os quais são de conhecimento oficioso (Jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR, I-A Série, de 28-12-1995).”
2. Inconformado, o recorrente recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, em requerimento do seguinte teor:
“(…) O recorrente pretende que seja julgado inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, 32.º nos 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 412º nos 3 e 4 do CPP, quando interpretada e ou aplicada no sentido de que o ónus de impugnação da matéria de facto só se encontra cumprido quando, o arguido, na motivação de recurso, para além de especificar, nos termos legais, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicar concretamente, no caso de prova gravada, as passagens em que se funda a impugnação, esclarecendo em que termos e de que forma o elemento de prova que indica impõe decisão diversa da recorrida”.
3. Recebido o recurso, o recorrente alegou tendo concluído da seguinte forma:
“1– O recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 412.º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, defendendo que a mesma foi interpretada em violação e contra o disposto nos artigos 20º, 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
2 – Mostram os autos, que o recorrente inconformado com o respeitável acórdão proferido pelo Tribunal de Vara Mista do Funchal, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando a decisão proferida sobre determinados pontos de facto.
3 – O recorrente, para efeito de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, depoimento de uma testemunha que identificou, indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação, com referência ao consignado na acta, transcrevendo a parte relevante do seu depoimento.
4 – O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não conhecer da parte do recurso respeitante à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, entendendo que o recorrente não cumpriu os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto aludidos no artigo 412.º nºs 3 e 4 do CPP, decisão com a qual o recorrente não se pode conformar.
5 – A “ratio decidendi” assenta e escora-se na interpretação dada à norma do artigo 412º n.ºs 3 e 4 do CPP, no sentido de que o ónus de impugnação da matéria de facto só se encontra cumprido quando o recorrente na motivação de recurso, para além de especificar, nos termos legais, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicar concretamente, no caso de prova agravada, as passagens em que se funda a impugnação, esclarecer em que termos e de que forma a prova que indica impõe decisão diversa da recorrida.
6 – Defende o recorrente que a interpretação dada à referida norma, para além de não ter correspondência com a Letra da Lei, viola Princípios e Normas Constitucionais (artigo 200 nº 1, 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), as garantias de defesa onde se inclui o direito ao recurso, a presunção de inocência que tem como corolário o da proibição da inversão do ónus da prova.
7 - A interpretação e consequentemente aplicação dada à referida norma, não se afigurava como expectável e previsível de forma a que o recorrente pudesse ou devesse suscitar esta questão de constitucionalidade no recurso interposto para o Tribunal da Relação, pelo que o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal reveste, in casu, o carácter de decisão surpresa para efeito de dispensa do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, o que se requer que seja considerado.
8 – Pelo exposto, o recorrente pretende que seja julgada inconstitucional por ilação, violação dos artigos 20º, 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 412.º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, quando interpretada e ou aplicada no sentido de que o ónus de impugnação da matéria de facto só se encontra cumprido quando, o arguido, na motivação de recurso, para além de especificar nos termos legais, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicando concretamente, no caso de prova gravada, as passagens em que se funda a impugnação, esclareça também em que termos e de que forma os elementos de prova que indica impõem decisão diversa da recorrida.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso com as consequências legais”.
4. O Ministério Público apresentou contra-alegação, concluindo da seguinte forma:
Por todo o exposto ao longo das presentes alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá:
a) abster-se de conhecer o presente recurso de constitucionalidade, devido ao facto de o arguido não ter suscitado, perante o tribunal a quo, de forma a este poder apreciá-la, a questão de constitucionalidade que agora entendeu de submeter à apreciação deste Tribunal Constitucional;
b) falta, assim, um dos pressupostos processuais de admissibilidade do presente recurso, uma vez que a questão de constitucionalidade não foi suscitada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, razão que obsta ao conhecimento do presente recurso;
c) caso, no entanto, se entenda que o presente recurso deve ser apreciado de mérito, julga-se que deverá negar-se provimento ao recurso, pelo facto de a interpretação normativa suscitada, relativa ao art. 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, não contrariar a Constituição da República Portuguesa, como resulta de jurisprudência assente deste Tribunal Constitucional.
d) assim, não deverá ter-se por inconstitucional, por violação dos artigos 20º, 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 412º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, quando interpretada e ou aplicada no sentido de que o ónus de impugnação da matéria de facto só se encontra cumprido quando o arguido, na motivação de recurso, para além de especificar, nos termos legais, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicar concretamente, no caso de prova gravada, as passagens em que se funda a impugnação, esclarecendo em que termos e de que forma o elemento de prova que indica impõe decisão diversa da recorrida.
5. Na sequência do despacho convite do anterior Relator no sentido de se pronunciar sobre a possibilidade do Tribunal não conhecer do objecto do recurso, afirmou o recorrente, em suma, que a decisão recorrida representa, na parte em que aplicou a norma impugnada, uma verdadeira “decisão surpresa” para efeito de dispensa do ónus de suscitação prévia da questão, uma vez que não cabia ao recorrente antecipar a interpretação da norma que, além de ilegal é, em seu entender, inconstitucional.
II – Fundamentação
6. Começando precisamente por esta última questão, cumpre recordar que o Ministério Público alega que não se encontram preenchidos os pressupostos para a interposição do presente recurso, em virtude de o arguido não ter suscitado perante o tribunal a quo, de forma a este poder apreciá-la, a questão de inconstitucionalidade que agora submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
Na verdade, constitui jurisprudência reiterada deste Tribunal que o apontado requisito só pode considerar-se preenchido se a questão de inconstitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a sua decisão. O recorrente invoca, todavia, não ter tido oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, por o aresto do tribunal a quo ser uma “decisão surpresa” para efeitos de dispensa do ónus de suscitação prévia; a interpretação feita pela Relação “não se afigurava como expectável, previsível, de forma a que o arguido, recorrente, pudesse ou devesse suscitar a questão de constitucionalidade no âmbito do recurso que interpôs da decisão de 1.ª instância.”
O Tribunal Constitucional enquadra na noção de “decisão surpresa” as situações obviamente excepcionais ou anómalas, “em que o recorrente não dispõe de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão” (Acórdão n.º 322/2003).
7. A situação que agora apreciamos não integra, no entanto, tal excepcionalidade. De facto, a aplicabilidade do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação da decisão recorrida, é mais do que previsível. Sustenta o Recorrente que a imprevisibilidade dada à norma do artigo 412º n.ºs 3 e 4 do CPP, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que o ónus de impugnação da matéria de facto só se encontra cumprido quando o recorrente na motivação de recurso, para além de especificar, nos termos legais, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicar concretamente, no caso de prova gravada, as passagens em que se funda a impugnação, esclarecer em que termos e de que forma a prova que indica impõe decisão diversa da recorrida. Defende assim o recorrente que a interpretação dada à referida norma, para além de não ter correspondência com a letra da lei, viola princípios e normas constitucionais (artigo 20.º nº 1, 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), as garantias de defesa onde se inclui o direito ao recurso, a presunção de inocência que tem como corolário o da proibição da inversão do ónus da prova.
8. O aludido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça não é, todavia, inédito, tendo vindo a ser aplicado por aquele Tribunal, de uma forma reiterada como se pode conferir, por exemplo, pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, citados na decisão recorrida (Acórdãos de 17 de Março de 2005, de 13 de Julho de 2005 e de 9 de Março de 2006) e, ainda, v.g, os Acórdãos de 14 de Maio de 2008 e 25 de Março de 2010, bem como da Relação de Lisboa de 29 de Setembro de 2009 e 14 de Abril de 2010 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Com efeito, a imprevisibilidade, que resultará no carácter-supresa da decisão é apreciada em termos objectivos. Quer isto dizer que não basta que, do ponto de vista meramente subjectivo (isto é, da perspectiva do recorrente), a decisão se apresente como não expectável. O que o Tribunal se questiona é se, perante o caso concreto, seria exigível ao recorrente a antecipação da questão (o que pressupõe, obviamente, a antecipação da aplicabilidade de determinado preceito legal e/ou de certa interpretação imputada ao quadro normativo aplicável). Este juízo, partindo do caso concreto, é feito em moldes abstractos e objectivos. O Tribunal visa apurar se o efeito-supresa da decisão é, ou não, fundamentado. Não será fundamentado naqueles casos em que a aplicação de determinado preceito deve ser racionalmente antecipada e em que a mesma surge com uma interpretação que é confirmada por jurisprudência anterior (designadamente – mas não necessariamente – daquela instância e não obstante se tratar de entendimento unânime ou reiterado).
9. Conclui-se, face ao exposto, que era exigível aos Recorrentes a antecipação da aplicação do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal na interpretação referida, e que deveriam, portanto, ter suscitado a questão perante o Tribunal a quo em termos tais que este estivesse em condições de a apreciar e decidir. Não o tendo feito, não pode agora o recurso que pretendem interpor ser conhecido.
III – Decisão
10. Face ao exposto, o Tribunal decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta.
Lisboa, 26 de Julho de 2011. José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, conforme declaração – Rui Manuel Moura Ramos – com a declaração de que voto a decisão também e sobretudo por o entendimento suscitado perante este Tribunal (ver supra, n.º 2) não coincide com o que foi assumido pela decisão recorrida (cf. transcrição no ponto n.º 1)
DECLARAÇÃO DE VOTO
No projecto que apresentei à Secção propunha que o Tribunal conhecesse do pedido e que julgasse procedente o recurso.
Na verdade, é minha convicção que na apreciação das situações objectivamente excepcionais ou anómalas em que ao recorrente é dispensada a suscitação prévia da questão, a jurisprudência do Tribunal assenta na necessidade de garantir o acesso à justiça constitucional por não ter sido dada ao interessado uma razoável oportunidade de dar cumprimento ao requisito exigido por lei. Na apreciação das circunstâncias em que deve ancorar-se o juízo do Tribunal, releva a configuração concreta da lide em que se desenvolve a conduta processual da parte onerada com o dever de suscitar a questão de inconstitucionalidade. A verdade é que sobre o juiz recai o dever de garantir o contraditório, conferindo às partes o direito de «se pronunciarem» sobre as questões «de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso» em que sejam interessadas (artigo 3º n.º 3 do Código de Processo Civil). Acresce que o direito ao recurso em processo penal está expressamente previsto na Constituição; tratando-se um direito fundamental, merece uma disciplina específica de protecção que, por exemplo, os artigos 405º e 417º do Código de Processo Penal visam estabelecer, conferindo ao interessado a possibilidade de discutir expressamente esta questão no processo. Todavia, ao recorrente não foi dada qualquer oportunidade de discutir a questão do não conhecimento do seu recurso na parte que interessa à questão de inconstitucionalidade antes da decisão final.
Não pode, assim, aceitar-se que, não tendo sido dada essa oportunidade no tribunal recorrido, o Tribunal Constitucional se recuse, depois, a conhecer do recurso com fundamento na não suscitação da questão naquele tribunal.
Salvo o devido respeito, o entendimento espelhado no Acórdão quanto a esta matéria não se fundamenta num critério objectivo, ao contrário do que aparentemente assume, pois radica unicamente na 'previsibilidade' da aplicação da norma impugnada a solução do problema; e discorre sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para daí retirar a ilação de que ao recorrente cabia o ónus de antecipar uma questão de inconstitucionalidade quanto à norma que porventura viesse a ser, assim interpretada, aplicada ao caso. Todavia, no caso presente, a decisão recorrida é um acórdão da Relação de Lisboa, afigurando-se, além do mais, incongruente o argumento retirado da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para decidir a matéria relativa aos requisitos do conhecimento do recurso de decisões penais condenatórias de 1ª instância, previsto na Constituição, sobre o qual, como é óbvio, a jurisprudência do referido Supremo Tribunal de Justiça, em regra, não trata.
Seria, assim, de concluir que o recorrente não teve uma razoável oportunidade processual para suscitar antecipadamente a questão, pelo que estava dispensado do cumprimento do aludido requisito.
Carlos Pamplona de Oliveira
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