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Processo n.º 687/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. veio apresentar requerimento, onde refere pretender “arguir a nulidade” da decisão sumária proferida e “por mera cautela, (…) reclamar para a conferência”.
Para fundamentar a arguição do referido vício, invoca a violação do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), defendendo que a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento é obrigatória, por força do aludido normativo, pelo que a omissão de tal despacho configura nulidade, que deve ser suprida mediante revogação da decisão sumária e formulação do convite em falta.
Autonomizando a pretensão de reclamação para a conferência, vem ainda o reclamante alegar que invocou a questão de constitucionalidade, que pretende ver sindicada, de modo processualmente adequado e válido, na motivação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que a decisão sumária de não conhecimento do recurso violou o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como os artigos 70.º, 71.º, 72.º, 78.º-A e 78.º-B, todos da LTC.
Mais refere que a decisão reclamada viola a obrigação de fundamentar, de facto e de direito, não permitindo ao reclamante um exame seguro da decisão e dos seus fundamentos, coarctando o direito ao recurso.
Por último, invoca ainda que “a interpretação dada ao n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal (CPP) pelo Tribunal a quo, no sentido de ser suficiente a fundamentação de facto e de direito com considerações genéricas e fórmulas tabelares é inconstitucional”, violando os artigos 32.º e 205.º da CRP.
2. O Ministério Público pugna pelo indeferimento da reclamação, enfatizando, quanto à arguição de nulidade, que o que fundamentou o não conhecimento do objecto de recurso foi a não verificação dos pressupostos processuais indispensáveis para tal conhecimento e não a omissão de menção dos elementos referidos no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC.
No tocante à alegada falta de fundamentação da decisão reclamada, igualmente defende o Ministério Público a improcedência de arguição de tal vício, afirmando que tal alegação não tem qualquer fundamento.
Quanto à invocação de inconstitucionalidade do artigo 97.º, n.º 5, do CPP, por a questão nunca ter sido suscitada previamente, refere estar prejudicada a sua apreciação.
Finaliza, deste modo, referindo que a reclamação é manifestamente improcedente, não sendo adiantados quaisquer argumentos que possam abalar a decisão sumária proferida.
Notificado o recorrido B., nada veio dizer.
II – Fundamentos
3. Em primeiro lugar, cumpre acentuar que, não obstante a autonomização, a que o reclamante procede, da arguição da nulidade da decisão sumária reclamada, relativamente à reclamação, todas as questões suscitadas serão tratadas unitariamente, no presente acórdão, dado que o meio processual idóneo para arguir vícios da decisão sumária, bem como para contradizer a sua argumentação, é a reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.
A este propósito, refere o Acórdão n.º 716/04 deste Tribunal Constitucional (disponível in www.tribunalconstitucional.pt):
“(…) na estrutura do processo constitucional, a reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do art.º 78º-A, da LTC, surge como um modo de reexame da decisão do relator, independentemente desta haver decidido o recurso de meritis ou com base em razões simplesmente processuais, conhecendo a conferência das questões nos mesmos termos e com o mesmo âmbito ou extensão do relator.
(…) não faria o mínimo sentido à luz da garantia constitucional a uma tutela efectiva e eficaz e dos princípios da economia, da celeridade e da preclusão processual (art.º 20º da CRP), admitir-se a arguição de uma nulidade para o relator quando está configurada legalmente a possibilidade de a ver logo julgada por uma formação superior do Tribunal.
Numa tal situação, a reclamação para a conferência surge com a natureza de um verdadeiro “recurso ordinário” para os efeitos referidos no n.º 3 do art.º 668º do CPC, disposição aplicável ao processo constitucional por mor do disposto no art.º 69º da LTC. Estando previsto esse meio de reexame da decisão do relator, em tudo correspondente a um recurso de reexame, a nulidade da decisão do relator apenas poderia ser arguida perante a conferência e nunca perante o relator, de acordo com tal preceito do n.º 3 do art.º 668º do CPC.”
4. Feito este esclarecimento prévio, justificativo da tramitação unitária do requerimento bipartido apresentado, cumpre apreciar da pertinência da arguição apresentada.
O reclamante vem invocar a nulidade da Decisão sumária proferida, por ter sido omitida a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão, estranhando-se que a questão seja suscitada, porquanto a decisão reclamada contém a expressa justificação da não utilização, in casu, do convite ao aperfeiçoamento.
Na verdade, refere-se o seguinte:
“ No requerimento de interposição de recurso, o recorrente não identifica a norma ou interpretação normativa, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada; a norma ou princípio constitucional que considera violado nem a peça processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade, perante o tribunal a quo.
A omissão de menção de tais elementos constitui um incumprimento do disposto no artigo 75.º A, n.ºs 1 e 2, da LTC.
Não é equacionável, porém, in casu, facultar ao recorrente a possibilidade de suprir tal omissão, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º A, atenta a não verificação de pressupostos de admissibilidade do recurso insupríveis por essa via, que sempre determinariam a impossibilidade de conhecimento de mérito, como melhor exporemos infra.
Na verdade, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º A, n.ºs 5 e 6, da LCT, só tem sentido útil quando faltam apenas meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.ºs 1 a 4 do mesmo preceito - carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam os pressupostos de admissibilidade do recurso – enunciados especificamente no artigo 70.º e no n.º 2 do artigo 72.º da LTC - que não podem ser supridos deste modo. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional nºs 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).”
Sendo o excerto transcrito elucidativo, conclui-se pela manifesta improcedência da arguição de nulidade.
5. No que concerne ao invocado vício de falta de fundamentação da decisão reclamada, igualmente não assiste razão ao reclamante.
Da mera leitura da decisão reclamada resulta que foram indicados, com suficiência, os argumentos que fundamentam a solução encontrada, sendo explicado o enquadramento jurídico da questão e o raciocínio a que o Tribunal procedeu, com referência ao caso concreto.
Na verdade, na decisão em referência, pode ler-se o seguinte:
“O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, e que esta tenha sido suscitada de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
5. Vejamos, então, se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa - se encontram preenchidos in casu.
Percorrida a argumentação expendida pelo recorrente, nas alegações de recurso dirigidas ao Supremo Tribunal de Justiça – peça processual em que o recorrente deveria ter suscitado a questão de constitucionalidade, que pretenderia, agora, ver apreciada pelo Tribunal Constitucional - verifica-se que o mesmo invoca, em múltiplas passagens, a violação de normas e princípios plasmados na Constituição da República Portuguesa.
Porém, invariavelmente, assaca tal violação à própria decisão jurisdicional - enquanto ponderação casuística do caso concreto - e não a qualquer critério normativo enunciado como regra abstracta e vocacionada para uma aplicação genérica, devidamente autonomizado das operações subsuntivas do julgador.
Mesmo quando o recorrente alude a uma qualquer interpretação de preceitos do Código Penal e do Código de Processo Penal, reputando-a de inconstitucional, não identifica autonomamente um critério normativo sindicável, em ulterior recurso de constitucionalidade, criticando, ao invés, a decisão, enquanto ponderação da singularidade do caso concreto, ainda que o faça, em algumas passagens, sob a capa de uma aparente dimensão normativa.
É de salientar, aliás, que, não obstante serem variadas as referências à violação da Lei Fundamental, a decisão recorrida apenas identifica, como questão passível de específica pronúncia, a relativa à alegada inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.
Porém, mesmo nesse âmbito, é manifesto que o recorrente, apesar de se reportar a uma alegada interpretação dos aludidos preceitos, relativos à determinação da pena, pretende impugnar o específico juízo subsuntivo do julgador e não colocar qualquer questão normativa de desconformidade constitucional.
Na verdade, refere o recorrente:
“nunca (…) poderia o Tribunal (…) imputar ao arguido/recorrente a responsabilidade porque não prestou declarações e privou o Tribunal da descrição do sucedido na primeira pessoa e da percepção de quaisquer factores endógenos ou subjectivos. Tal redunda numa violação das mais elementares garantias de defesa constitucionalmente garantidas, nomeadamente no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa e consubstancia a violação os princípios da presunção de inocência, da verdade material, do in dubio pro reo, do direito a não auto-incriminação, o que aqui se suscita para os devidos e legais efeitos. Acresce essa interpretação efectuada pelo Tribunal ad quem do artigo 70º, 71º e seguintes do Código Penal nesse sentido é materialmente inconstitucional por violação do disposto no artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.”
A tal argumento, responde o acórdão recorrido, em termos que sufragamos:
“(…) basta ler o acórdão recorrido para se verificar que o silêncio do recorrente não foi considerado na decisão recorrida em prejuízo ou contra o mesmo.
Aliás, deve dizer-se desde já que o recorrente, muito embora alegue que no acórdão recorrido faz uma interpretação dos artigos 71º e 72º do CP que viola o artigo 32º-1 da CRP, não esclarece que interpretação é essa, isto é, que interpretação é que foi feita no acórdão recorrido daqueles preceitos do CP que viole a citada norma constitucional.”
A omissão, por parte do recorrente, da suscitação prévia junto do tribunal a quo de uma verdadeira questão de constitucionalidade, com dimensão normativa, com a identificação da concreta norma ou interpretação normativa a sindicar, suportada por uma fundamentação, minimamente concludente, que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido – requisitos essenciais para que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional – prejudicou, de forma insuprível, a admissibilidade de ulterior recurso de constitucionalidade.”
Sendo a fundamentação aduzida clara e suficiente, é manifesta a falta de razão da reclamação, igualmente quanto a este ponto.
6. Por último, no tocante à invocação de inconstitucionalidade da interpretação do n.º 5 do artigo 97.º do CPP, cumpre referir que não se compreende a que interpretação do referido normativo o reclamante se reporta. Dito de outra forma, não esclarece o reclamante se pretende corrigir o seu requerimento de interposição do recurso, definindo o respectivo objecto, possibilidade que está precludida, pelas razões aduzidas na decisão sumária reclamada – que se prendem, reitera-se, com a falta de suscitação prévia perante o tribunal recorrido (artigo 72.º, n.º 2 da LTC) – ou se, ao invés, se pretende reportar-se à invocada falta de fundamentação da decisão reclamada – arguição que foi julgada improcedente, nos termos supra - circunstância em que resulta ininteligível a referência ao artigo 97.º, n.º 5 do CPP, manifestamente não aplicável, face ao disposto no artigo 69.º da LTC.
III - Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.
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