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Processo n.º 625/2010
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do despacho proferido em 20 de Julho de 2010 pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação que apresentara no sentido de ser admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que pretendia interpor do acórdão proferido na Relação do Porto que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o condenara na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro. Requereu o seguinte:
1. – O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante, brevitatis causa, CRP), do artigo 6º, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, ambos, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 143/85, de 26 de Novembro, n.º 85/89, de 07 de Setembro, n. 88/95, de 01 de Setembro, e, em último lugar, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
2. – Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do conjunto normativo dos artigos 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 400º, n.º 1, alínea f), e 432º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n. 48/2007, de 29.8, quando seja interpretado no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão condenatório em 6 anos de prisão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação em processo aberto em 14 de Maio de 2007 por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância posterior à data da entrada em vigor da referida lei n.º 48/2007,
§ – Porque tal conjunto normativo, na interpretação que lhe foi dada, consubstancia uma restrição inadmissível do direito de acesso aos tribunais previsto no artigo 20º, n.º 1, da CRP, e no artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e das garantias de defesa e do direito de recurso previstos no artigo 32º, n.º 1, da CRP e também no artigo 6º, n.º 1, da CEDH, e, em suma, do próprio princípio da confiança como vertente do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo-2 da CRP.
3. – Pretende-se, de igual modo, ver apreciada a inconstitucionalidade do conjunto normativo dos artigos 432º, n.º 1, alínea b), e 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29.08, interpretado no sentido fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, na parte que se reporta à exigência da prolação da decisão pelo tribunal de primeira instância antes da data da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, isto é, no sentido de que recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância anterior àquela data.
§ – Porque tal conjunto normativo, na interpretação que lhe foi dada, consubstancia uma restrição inadmissível do direito de acesso aos tribunais previsto no artigo 20º, n.º 1, da CRP, e no artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e das garantias de defesa e do direito de recurso previstos no artigo 32º, n.º 1, da CRP e também no artigo 6º, n.º 1, da CEDH, e, em suma, do próprio princípio da confiança como vertente do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2º da CRP.
4. – Pretende-se ainda ver apreciada a inconstitucionalidade do conjunto normativo dos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 357º, n.º 2, e 356, n.º 7, todos, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que os órgãos de polícia criminal podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito.
§ – Porque tal conjunto normativo, na interpretação que lhe foi dada, viola o princípio constitucional da imediação, directamente resultante do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP), e, outrossim, o princípio nemo tenetur se ipsum accusare (proibição da auto-incriminação), do qual decorre o direito constitucional ao silêncio, que constitui o cerne das garantias de defesa consagradas pelo artigo 32º, n.º 1, da CRP.
5. – Por último, pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 31º do Decreto-Lei n. 15/93, de 22.01, tal como foi feita pelo Tribunal da Relação do Porto, no sentido de que a atenuação especial da pena esta afastada quando o arguido faz uso do seu direito ao silêncio na audiência de julgamento,
§ – Por violação do direito constitucional ao silêncio, incluído nas garantias da defesa previstas no artigo 32º, n.º 1, da CRP.
6. – Dando cumprimento ao imperativo legal do artigo 75-A, n.º 2, in fine, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), as questões de inconstitucionalidade que ora se pretendem ver apreciadas foram suscitadas nos autos, mais concretamente na motivação e conclusões do recurso para o Tribunal da Relação do Porto, e na motivação e conclusões do recurso para o Supremo Tribunal de justiça e, outrossim, na reclamação para o Exmo. Sr. Presidente do mesmo Supremo Tribunal. [...]
2. O recurso foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, por decisão sumária proferida no Tribunal Constitucional, decidiu-se não conhecer do seu objecto mediante os seguintes fundamentos:
[...] 2. Pretende, em suma, o recorrente ver fiscalizados os seguintes 4 grupos de normas, a saber:
– artigos 5º n.º 1 e n.º 2 alínea a) e 400º n.º 1 alínea f) e 432º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n. 48/2007, de 29.8, no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão condenatório em 6 anos de prisão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação em processo aberto em 14 de Maio de 2007 por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância posterior à data da entrada em vigor da referida lei n.º 48/2007;
– artigos 432º n.º 1 alínea b) e 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, interpretado no sentido fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, na parte que se reporta à exigência da prolação da decisão pelo tribunal de primeira instância antes da data da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, isto é, no sentido de que recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância anterior àquela data.
– artigos 55º n.º 2, 249º n.º 1 e n.º 2 alínea b), 357º n.º 2 e 356 n.º 7 todos do Código de Processo Penal, no sentido de que os órgãos de polícia criminal podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito.
– artigo 31º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, no sentido de que a atenuação especial da pena está afastada quando o arguido faz uso do seu direito ao silêncio na audiência de julgamento.
3. Acontece que o recurso previsto na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º n.º 2 LTC). O Tribunal tem pacificamente entendido, em aplicação destes preceitos, que o recurso reveste natureza normativa, isto é, que deve objectivar-se na norma ou normas que o tribunal comum aplicou, como razão de decidir, apesar da acusação de inconstitucionalidade previamente formulada pelo recorrente.
É, por isso, de afastar liminarmente a possibilidade de o Tribunal fiscalizar os grupos de normas enunciados em 2º, 3º e 4º lugar, por ser manifesto que a decisão recorrida não aplicou tais normas. Com efeito, o despacho aqui em causa não aplicou normas dos artigos 432º n.º 1 alínea b) e 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, nem emitiu qualquer pronúncia sobre se os órgãos de polícia criminal podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito e se a atenuação especial da pena está afastada quando o arguido faz uso do seu direito ao silêncio na audiência de julgamento.
Na verdade, o despacho afirmou que, ao abrigo de normas constantes dos artigos 432º n.º 1 alínea b), e 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, com a redacção resultante da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto (aplicáveis ao caso por serem as normas vigentes «no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso», mas «sem campo de intervenção do artigo 5º n.º 1 do Código de Processo Penal, por se não contemplar um caso de confluência de regimes»), o acórdão da Relação seria irrecorrível «tendo em conta a pena aplicada ao arguido que, no caso, não foi superior a 8 anos».
Daqui resulta que quando o recorrente pede a fiscalização de normas do Código de Processo Penal «na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto» está a pretender incluir no objecto do recurso normas que a decisão recorrida efectivamente não aplicou. E também é certo que esta decisão não aplicou normas do artigo 5º n.º 1 e n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal, pois entendeu que o preceito não tinha, no caso, aplicação. Assim como nada disse sobre a data da 'abertura' do processo e sobre a moldura penal abstracta aplicável ao caso. Não é, por isso, também possível conhecer de norma retirada dos artigos 5º n.º 1 e n.º 2 alínea a) e 400º n.º 1 alínea f) e 432º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n. 48/2007, no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão condenatório em 6 anos de prisão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação em processo aberto em 14 de Maio de 2007 por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância posterior à data da entrada em vigor da referida lei n.º 48/2007
4. Sendo, assim, de concluir que o recorrente visa, no presente recurso, ver apreciadas normas que a decisão recorrida efectivamente não aplicou, decide-se, nos termos do já aludido n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, não conhecer do seu objecto. [...].
3. Contra esta decisão reclama nestes termos o recorrente:
I. Das razões para a cognoscibilidade de todo o objecto do recurso
1. Em sucintas palavras, e, de algum modo, antevendo a conclusão última a que, inelutavelmente, seremos forçados a chegar, o ora reclamante/recorrente cumpriu, na íntegra, todos os pressupostos processuais do presente recurso de constitucionalidade,
2. Pois as várias questões de (in)constitucionalidade foram suscitadas durante o processo,
3. De modo processualmente adequado,
4. Perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
5. Em termos de este estar obrigado a delas conhecer,
6. Decisão recorrida essa que já não admitia recurso ordinário,
7. Por já se encontrarem esgotados todos os que no caso em concreto cabiam.
8. As questões de constitucionalidade foram postas ao tribunal a quo, e
9. Em virtude dessas mesmas questões já terem sido objecto da última palavra no plano dos tribunais ditos comuns,
10. É agora chegada a hora de o Tribunal Constitucional cumprir o seu verdadeiro desiderato,
11. Ou seja, pronunciando-se quanto ao objecto do recurso junto de si interposto!
12. E tomando posição sobre as legítimas e pertinentes questões de constitucionalidade legal e tempestivamente suscitadas pelo recorrente.
13. Quer sobre a decisão recorrida da reclamação para o Presidente do STI quanto à admissibilidade de recurso ordinário para esse Supremo Tribunal,
14. Quer sobre a decisão recorrida do Tribunal da Relação do Porto quanto ao mérito de todas as questões de constitucionalidade levantadas no processo que culminou na condenação injusta, desmesurada e ilegal dum cidadão, ao arrepio do respeito dos mais elementares direitos, liberdades e garantias protegidos pela nossa Lei Fundamental e pelo nosso Estado de Direito Democrático.
I.A. – Da identificação da decisão recorrida e do momento processual da interposição do recurso para o tribunal constitucional
15. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, suscitando junto deste todas as questões de (in)constitucionalidade por si aduzidas ao longo do processo,
16. Questões essas colocadas a partir da aplicação conjugada de conjuntos normativos do Código de Processo Penal, na redacção anterior e posterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, em violação de normas e princípios constitucionais tempestivamente identificados,
17. Ou seja, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Ora,
18. Tal recurso foi interposto – e só podia sê-lo – após a prolação da última decisão que não admitiu recurso ordinário (e que foi a decisão da reclamação para o Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça),
19. Isto é, quando já haviam sido esgotados todos os [recursos ordinários] que no caso cabiam,
20. Observando-se a jurisprudência dominante do Tribunal Constitucional e cumprindo-se, deste modo, o preceito legal constante do n.º 2 do artigo 70º da LTC, que, por efeitos de facilitação, de seguida se transcreve:
2 - Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.
21. Preceitua o n.º 3 do mesmo artigo que “São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.” Destarte,
22. Resulta do que vai dito, que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional teve origem na última decisão prolatada (e que não admitia qualquer outro recurso ordinário, assim constituindo o momento adequado e legalmente imposto para recorrer para o dito Tribunal). Ademais,
23. Interposto recurso ordinário (o que sucedeu, in casu, com o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça) que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão (o que também aconteceu, no caso vertente, com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de não admitir o recurso), o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso (conforme artigo 75º, n.º 2, da LTC).
24. Não se esgotando, contudo, o objecto do recurso a essa decisão que, neste caso, impendeu sobre a reclamação do ora recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
25. E isto porque, por um lado, essa mesma decisão não julgou o mérito das questões de constitucionalidade suscitadas sobre a decisão de primeira instância e sobre a decisão do Tribunal da Relação do Porto, e
26. Por outro lado, enquanto não se esgotasse a possibilidade de recurso ordinário, estava o recorrente/arguido impedido de recorrer para o Tribunal Constitucional.
27. O recorrente invocou a inconstitucionalidade do acórdão do tribunal de primeira instância, por violação do princípio constitucional da imediação e do direito constitucional ao silêncio (ver as conclusões XLIV e XLVIII do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal da Relação do Porto e a página 18 do mesmo requerimento, com expressa menção dos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como fundamento da inconstitucionalidade),
28. Na sequência da interpretação do conjunto normativo resultante dos artigos 129.º, 356.º e 357.º do CPP, tal como ele foi interpretado e aplicado pelo tribunal de primeira instância.
29. Posteriormente, e perante a decisão do Tribunal da Relação do Porto, invocou a inconstitucionalidade da aplicação por este e pelo tribunal a quo de conjuntos normativos interpretados de forma inconstitucional. Cfr., para o efeito, conclusões LIII, LIV e LVI que, de seguida, e novamente por questões de facilitação, se transcrevem:
LIII – Nos termos e com os fundamentos expostos, é inconstitucional o conjunto normativo dos artigos 5.º n.º 1 e 2, alª a) e 400.º,n.º 1, alª b), e 432.º, n.º 1, b) do CPP, quer na redacção anterior quer na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29.8, quando seja interpretado no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão condenatório em 6 anos de prisão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação em processo aberto em 14 de Maio de 2007 por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância posterior à data da entrada em vigor da referida lei n. 48/2007.
LIV – Caso se considere aplicável no caso sub judice a jurisprudência do acórdão n.º 4/2009, deve julgar-se que, nos termos e com os fundamentos expostos, é inconstitucional o conjunto normativo dos artigos 432.º, n.º 1, alª b), e 400º., n.º 1, alª f) do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29.8, interpretado no sentido fixado no acórdão n.º 4/2009, na parte que se reporta à exigência da prolação da decisão pelo tribunal de primeira instância antes da data da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007.
(…)
LVI – Esse entendimento, que o Tribunal da Relação também acolheu, resultando do conjunto normativo dos artigos 55.º, n.º 2, 249.º, n.º 1 e 2, alínea b), 357º, n. 2, e 356., n. 7, todos, do CPP, interpretado no sentido de que os OPC podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito, é inconstitucional.
30. A decisão do Tribunal da Relação do Porto aplicou os conjuntos normativos identificados nos números anteriores e pronunciou-se sobre a inconstitucionalidade arguida pelo recorrente no recurso da decisão de primeira instância.
31. É pois desta aplicação, interpretação e decisão do Tribunal da Relação do Porto que versa o recurso para o Tribunal Constitucional.
32. Recurso esse que, reitere-se, só agora se podia efectuar.
33. E o argumento de que a última decisão que foi notificada ao recorrente (leia-se, a decisão sobre a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de justiça) é a única decisão recorrida, enferma de um duplo equívoco.
34. Em primeiro lugar, porque o Supremo Tribunal de justiça só se pronunciou quanto à questão da recorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto;
35. E, em segundo lugar, porque a sua decisão foi no sentido da irrecorribilidade, o Presidente do Supremo Tribunal de justiça apenas apreciou a inconstitucionalidade alegada neste plano,
36. Aplicando as normas do artigo 400º, n.º 1, alínea f), e 432º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal na versão após o início de vigência da Lei n.º 48/2007,
37. Quando o recorrente impugnou, expressamente, o artigo 400º, n. 1, al. f) e 432º, n.º 1, al.ª b), na redacção antes e depois da Lei n.º 48/2007, matéria essa que o Tribunal Constitucional também deve conhecer na sequência da apreciação efectuada pelo Supremo Tribunal de justiça.
38. Ora, ao recorrente não pode ser sonegado o direito de ver apreciadas todas as questões de constitucionalidade suscitadas, correcta e tempestivamente, num processo onde, ainda por cima, estamos na iminência de coarctar a um ser humano o seu bem mais supremo, para além do da vida, ou seja o da sua própria liberdade.
39. O recorrente, aliás, actuou dentro da mais escrupulosa boa fé processual, evitando quaisquer incidentes ou expedientes dilatórios.
40. Veja-se a esse propósito os itens 31 a 34 da reclamação interposta pelo recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal de justiça:
31. A presente reclamação tem como objecto a questão da admissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
32. Sem prejuízo da douta decisão que vier a recair sobre a mesma, o ora reclamante, e recorrente, manifesta, desde já, e de forma expressa, que mantém intactas as alegações de inconstitucionalidade quer dos meios probatórios, quer da medida da pena, oportunamente invocadas, nos termos e para os efeitos legais, no processo em apreço
33. Questões de inconstitucionalidade essas que serão objecto de apreciação pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, caso, como cremos ser inteiramente justo, V. Exa. admita o presente recurso,
34. Ou, após o esgotamento do recurso ordinário ou decisão equiparada, através de pronúncia pelo Tribunal Constitucional (ex vi artigo 70º, n.º 1, alínea b), e nºs 2 e 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).
41. Motivo pelo qual só após o esgotamento de todas as vias judiciais ordinárias é que recorreu ao Tribunal Constitucional.
42. Esta peculiaridade processual que advém do facto de o Supremo Tribunal de justiça não ter conhecido qualquer questão, além da admissibilidade do recurso (questão esta que também tem de passar no crivo do Tribunal Constitucional), não pode criar na Justiça e nos seus operadores uma espécie de lavar de mãos quanto a questões cruciais no domínio dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Em súmula, e numa única frase,
43. O direito ao recurso de constitucionalidade foi, manifesta e indevidamente, preterido no caso sub judice .
II. Dos princípios constitucionais sacramentais do estado de direito democrático e do acesso aos tribunais
44. O recorrente apresentou tempestivamente o seu recurso para o Tribunal Constitucional, cumprindo os requisitos legalmente exigidos.
45. Porventura não logrando fazer o enquadramento perfeito do percurso processual da questão, de molde a ser inequivocamente perceptível o alcance e o objecto integral do seu legítimo pedido.
46. Razão pela qual pretende agora mais do que atacar a douta decisão sumária (nº 474/2010), aclarar junto do Tribunal Constitucional o verdadeiro enquadramento processual do seu recurso de constitucionalidade,
47. E por conseguinte, demonstrar que aquela decisão sumária deve ser alterada,
48. Em respeito pelo disposto na Constituição da República Portuguesa e na Lei.
49. Negar o conhecimento e o pronunciamento do Tribunal Constitucional no caso sub judice equivaleria, salvo melhor opinião,
50. A uma restrição inadmissível do direito de acesso aos tribunais previsto no artigo 20ª, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6°, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
51. Bem como das garantias de defesas e do direito ao recurso previstos no artigo 32°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6°, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
52. E do próprio princípio da confiança e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, como vertentes do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2° da Lei Fundamental.
Venerandos Conselheiros do Tribunal Constitucional,
53. O recorrente foi alvo de uma decisão injusta,
54. Ilegal,
55. E sustentada na aplicação de normas interpretadas com evidente desrespeito pela Constituição da República Portuguesa,
56. O que tem motivado uma deterioração completa da sua vida,
57. A ponto de esta se circunscrever, nos dias de hoje, ao presente combate em busca da Justiça,
58. Só possível, de resto, porque os seus mandatários prescindiram, voluntariamente, do pagamento dos seus honorários e das despesas arcadas com este mandato judicial.
59. Pior do que ter uma decisão adversa aos seus interesses,
60. É sentir a impotência de obter, pelo menos, um julgamento sobre as suas razões.
61. Sendo o Tribunal Constitucional o último reduto da defesa e protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos,
62. Tendo o recorrente procedido com toda a lealdade para com a tutela jurisdicional,
63. Cumprindo sempre, como agora, todas as disposições legais aplicáveis aos seus recursos,
64. Não pode o ora recorrente deixar de lançar um derradeiro apelo,
65. Sustentado na Lei e na Constituição,
66. Para que lhe não seja denegado o acesso à justiça e aos tribunais,
67. Garantindo-se-lhe o mínimo, isto é, o conhecimento e a apreciação das questões de constitucionalidade correcta e tempestivamente suscitadas.
68. Garantindo-se-lhe o direito ao recurso de constitucionalidade,
69. E evitando-se uma manifesta e indevida preterição desse seu direito supremo.
4. O representante do Ministério Público neste Tribunal respondeu assim à reclamação:
1º Pela Decisão Sumária n.º 474/2010 não se conheceu do recurso em relação às quatro questões de constitucionalidade que o recorrente pretendia ver apreciadas e que identificou no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, onde se fixa o seu objecto.
2º Em relação às duas últimas questões constantes daquele requerimento – uma relacionada com determinada interpretação dos artigos 55.º, n.º 2, 249.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 357.º, n.º 2 e 356.º, n.º 7, todos do CPP e a outra com o artigo 31.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – não se conheceu do recurso porque a decisão recorrida não tinha aplicado tais normas.
3.º Ora, sendo a decisão recorrida a proferida pelo Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que apreciou a reclamação do despacho de não admissão do recurso, naturalmente essa foi a única questão aí tratada.
4.º Parece-nos, pois, claro, que a decisão não aplicou, nem podia aplicar as normas em causa.
5.º Aliás, na reclamação agora apresentada, expressamente sobre o não conhecimento do objecto do recurso, quanto àquelas duas questões, o recorrente nada diz para além de considerações genéricas sobre a “condenação injusta e ilegal” de que, segundo ele, foi vítima.
6.º Em relação á segunda questão colocada pelo recorrente – eventual constitucionalidade das normas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea l) do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 – tal norma também não foi aplicada, dizendo-se expressamente na decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte: “Deste modo, no caso é aplicável o regime vigente após a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto” (fls. 258)
7.º Quanto à primeira das questões referidas, desde logo parece-nos que não constitui uma forma idónea de enunciar uma questão de constitucionalidade dizer que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 5.º, n.º 1 e 2, alínea a) e 400.º, n.º 1, alínea l) e 432.º, alínea b) do CPP “quer na redacção anterior, quer na posterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007”, porque só uma versão, no caso a posterior, foi aplicada.
8.º A referência ao regime anterior à Lei n.º 48/2007, introduz um elemento novo na dimensão normativa, efectivamente aplicada, o que, por si só, leva à inverificação de um requisito de admissibilidade do recurso.
9.º Quanto ao artigo 5.º, n.º 1 do CPP, a decisão é clara ao afirmar que esse preceito não tinha aqui “campo de intervenção”, “por se não contemplar um caso de confluência de regimes” (fls. 257).
10.º É evidente que, quer no que toca ao momento processual considerado relevante para a aplicabilidade do novo regime (saído das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007), quer quanto o novo regime em si mesmo, podem colocar-se dúvidas de constitucionalidade, que o Tribunal, aliás, já apreciou (v.g. Acórdão n.º 263/2009).
11.º Só que o recorrente nunca suscita nem enuncia de forma inequívoca e suficientemente clara, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relacionada com aquelas matérias.
12.º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
5. Cumpre decidir.
No recurso que o reclamante interpôs para o Tribunal Constitucional foram colocadas quatro questões de inconstitucionalidade, devidamente identificadas na transcrita decisão sumária em reclamação; duas delas dizem respeito à irrecorribilidade do acórdão proferido na Relação do Porto, e as restantes reportam-se ao mérito desse acórdão.
Dita o simples bom senso que não possam colocar-se – num recurso que apenas cabe de decisões «que não admitam recurso ordinário» (n.º 2 do artigo 70º da LTC) –, simultaneamente questões que directamente se reportam quer à recorribilidade, quer ao mérito da decisão do tribunal recorrido. Com efeito, é bem certo que qualquer questão levantada sobre a irrecorribilidade da decisão retira, automaticamente, a certeza quanto a «não admitir recurso ordinário», requisito que é essencial à admissibilidade do recurso. E a verdade é que, materializando-se tais questões em distintos arestos, só é lícito ao Tribunal conhecer da matéria tratada no despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que é a decisão efectivamente recorrida, e não ser, sequer, possível – nesta fase – interpor recurso de inconstitucionalidade de outra decisão antes de se mostrar definitivamente decidida a questão de saber se dela ainda caberia recurso ordinário.
É, por isso, absolutamente certo que, colocadas simultaneamente tais questões no âmbito de um recurso disciplinado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o Tribunal não possa conhecer da matéria decorrente de questões exteriores à decisão sob recurso, que, obviamente, se não concretiza em normas aplicadas na decisão recorrida.
Está, assim, afastada a crítica que a reclamação tece à decisão sumária, na parte em que não conhece das normas que o acórdão da Relação teria aplicado para decidir de mérito.
6. Resta, portanto, apurar se as duas 'questões' colocadas pelo recorrente ora reclamante quanto à irrecorribilidade do aludido acórdão, e tratadas no despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não podem ser conhecidas, como se decidiu na decisão sumária em reclamação.
Mas também nesta parte não tem razão o recorrente.
Tal como se faz notar na decisão sumária, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça fundou-se nas normas dos artigos 432º n.º 1 alínea b), e 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, na redacção resultante da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto (aplicáveis ao caso por serem as normas vigentes «no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso», mas «sem campo de intervenção do artigo 5º n.º 1 do Código de Processo Penal, por se não contemplar um caso de confluência de regimes»).
Daqui resulta que quando o recorrente pede a fiscalização de normas do Código de Processo Penal «na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto» está a pretender incluir no objecto do recurso normas que a decisão recorrida efectivamente não aplicou. E também é certo que esta decisão não aplicou normas do artigo 5º n.º 1 e n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal, pois entendeu que o preceito não tinha, no caso, aplicação. Assim como nada disse sobre a data da 'abertura' do processo e sobre a moldura penal abstracta aplicável ao caso. Não é, por isso, também possível conhecer de uma norma retirada de um conjunto normativo (como lhe chama o recorrente) que inclui normas dos artigos 5º n.º 1 e n.º 2 alínea a) e 400º n.º 1 alínea f) e 432º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n. 48/2007, no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão condenatório em 6 anos de prisão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação em processo aberto em 14 de Maio de 2007 por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão do tribunal de primeira instância posterior à data da entrada em vigor da referida lei n.º 48/2007, conforme pretende o reclamante.
O Tribunal não pode, em suma, conhecer desta matéria.
7. Decide-se, em conclusão, indeferir a reclamação, confirmando o decisão sumária que decidiu não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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