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Processo n.º 539/2010
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), de «Decisão do Tribunal da Relação de Évora, que indefere a nulidade de Acórdão» visando esclarecer a questão de inconstitucionalidade «suscitada quer nas alegações de recurso para o STJ, quer na reclamação da não admissão do mesmo recurso».
Todavia, uma vez que a questão de inconstitucionalidade fora enunciada com referência a peças processuais que a consulta do processo revelava serem inexistentes, o relator decidiu, por decisão sumária, não conhecer do objecto do recurso.
Diz a decisão:
[...] nada permite concluir que a própria recorrente haja interposto, conforme diz, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ou que tenha reclamado da sua não admissão. Assim como não há registo de que tenha sido arguida a nulidade de algum acórdão, e de que haja sido proferida uma decisão a indeferir tal pedido.
Ora, a identificação da questão de inconstitucionalidade com referência a uma peça processual inexistente, determina, só por isso, a impossibilidade de o Tribunal conhecer do presente recurso, por ser manifesto que não tem objecto.
2. Decide-se, por isso, não conhecer do presente recurso.[...]
2. Inconformada, a recorrente reclama nos seguintes termos:
[...] Efectivamente no seu requerimento de interposição de recurso para o Venerando Tribunal Constitucional a recorrente refere “suscitada quer nas alegações de recurso para o STJ, quer na reclamação da não admissão do mesmo recurso”.
Porém tal deveu-se a lapso, pelo facto de ter sido feito aproveitamento de minuta previamente produzida, e que por manifesta desatenção não logrou detectar. Na realidade, nos presentes autos nunca houve recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nem qualquer reclamação por retenção do mesmo.
Efectivamente foi suscitada a questão da inconstitucionalidade, em sede de recurso da decisão que rejeita a Abertura de Instrução por parte da recorrente. Seguindo posteriormente a sua tramitação para o Tribunal da Relação de Évora.
Em face da prolação da Decisão deste Tribunal da Relação, foi então interposto o atinente recurso junto do Tribunal Constitucional, da questão que já havia sido previamente suscitada.
Nesta medida, no aludido recurso é feita menção das peças que pretende ver o mesmo Instruído.
[...]
Por outro lado como resulta de requerimento encontra-se devidamente sinalizada a norma cuja interpretação se pretende ver analisada.
Que está em perfeita conexão, com a questão suscitada, em sede de recurso da decisão de rejeição da Abertura de Instrução, razão pela qual são estas as peças que são requeridas a instruir no Recurso para o Tribunal Constitucional.
Logo por interpretação cognitiva, resulta a efectiva pretensão da recorrente.
Ora estando perante a alusão de uma peça processual inexistente, afigura-se estarmos perante um lapso manifesto.
Pelo que requer se considere verificado o lapso manifesto, não se considerando a expressão “suscitada quer nas alegações de recurso para o STJ, quer na reclamação da não admissão do mesmo recurso”, e seja em consequência admitida a rectificação do mesmo, nos termos e para os efeitos do art. 667° do CPC, devendo considerar-se a expressão “suscitada nas alegações e motivações de recurso para o Tribunal da relação de Évora”.
Pelo que tendo atendimento o ora exposto deverão os autos prosseguir, para a competente apreciação da questão da inconstitucionalidade.
“ I- Da interpretação conferida por despacho quer indefere Requerimento de Abertura de Instrução por inadmissibilidade legal
Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 283° nº 3, alíneas b) e c), e 287°, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução com base na sua inadmissibilidade legal, em virtude de nulidade insanável do mesmo, pela preterição dos requisitos formais constantes destas normas;
Razão pela qual deve ser apreciada a constitucionalidade do artigo 287° nº 3 do CPP quando colhe a interpretação de se rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por parte da arguida, por a mesma ser legalmente inadmissível, uma vez que alegadamente não cumpre os pressupostos, para a sua apreciação, sem pelo menos convidar a arguida a suprir a propaladas insuficiências, por nítida violação ao art. 32° nº 5 da CRP.”
3. O representante do Ministério Público neste Tribunal respondeu à reclamação nos seguintes termos:
1º Mesmo que aceitasse que a apresentação do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional se deveu a um lapso - como agora, na reclamação da Decisão Sumária, o recorrente vem dizer - nunca o Tribunal poderia conhecer do seu objecto porque falta um requisito de admissibilidade: a decisão recorrida ter aplicado a norma, na interpretação cuja questão de inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
2º Na verdade, a decisão recorrida, após referir que bem andou o Senhor Juiz da primeira instância ao não proferir despacho de aperfeiçoamento uma vez que, no caso concreto, a inadmissibilidade de instrução adivinha da falta de ataque directo e substancial aos factos constantes da acusação, diz-se:
“Não se trata de “nulidade” (ou sequer de “irregularidade”) do requerimento como invoca agora a recorrente nas suas conclusões, pelo que não cumpre sequer apurar se era ou não sanável ou de conhecimento oficioso, uma vez que as disposições que invoca (artigo 118º e seguintes do Código de Processo Penal), se reportam apenas, aliás como das mesmas consta aos actos processuais (praticados pelos serviços de justiça) e já não designadamente aos requerimentos dos ilustres mandatários”
3.º Ora, não é exactamente esta a dimensão normativa que o recorrente identifica.
4.º De qualquer forma, mesmo que se conhecesse da questão colocada pelo recorrente, sempre seria de proferir decisão sumária a negar provimento ao recurso, uma vez tal questão deve ser considerada como simples, tendo em atenção a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente a que incidiu sobre o artigo 412º do CPP.
5.º Na verdade, sempre o que a motivação do recurso não obedecesse aos requisitos legais – não se tratando das meras deficiências formais – sempre o Tribunal proferiu juízos de não inconstitucionalidade, porque entendeu que a ausência de convite ao arguido para poder colmatar as deficiências, não era violador da Constituição (v.g. Acórdãos nºs 38/97, 120/2002, 259/2002, 140/2004, 488/2004 e 342/2006).
6.º Sendo esta a jurisprudência do Tribunal e tendo em atenção o que na decisão recorrida se diz sobre o requerimento de abertura da instrução, é evidente que a questão é simples não sendo a norma inconstitucional.
7.º Assim, ainda que, eventualmente, com fundamentos diferentes, deve manter-se a Decisão Sumária.
4. Decidiu a decisão sumária não tomar conhecimento do recurso em virtude de o seu objecto ser totalmente ininteligível, face à forma pela qual a recorrente o identificara. E a verdade é que os pressupostos de tal decisão estão absolutamente certos, pelo que nada há a alterar quanto ao então decidido.
Na sua reclamação, a reclamante vem explicar que a irregular identificação dessa questão, se deveu a lapso manifesto, pelo que requer a sua rectificação «nos termos e para os efeitos do artigo 667° do Código de Processo Civil». Mas só por renovado lapso pode invocar-se o disposto em tal preceito; é que o já referido lapso é da autoria da recorrente ora reclamante, pelo que, não afectando manifestamente a decisão do Tribunal, se repercute unicamente na pretensão do seu autor. Não há, portanto, que aplicar a doutrina do referido artigo 667° do Código de Processo Civil.
5. Todavia, mesmo que fosse possível ultrapassar este escolho, sempre a pretensão haveria de soçobrar.
Com efeito, o reclamante identifica agora a questão de inconstitucionalidade da seguinte forma: «Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 283° nº 3, alíneas b) e c), e 287°, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução com base na sua inadmissibilidade legal, em virtude de nulidade insanável do mesmo, pela preterição dos requisitos formais constantes destas normas».
Acontece que a Relação decidiu a matéria relacionada com a questão da seguinte forma:
[...] Para finalizar importa referir que o Mm.° Juiz “a quo” bem andou em não proferir despacho de aperfeiçoamento, uma vez que não se entende que exista no requerimento de abertura da instrução algo a aperfeiçoar, ou qualquer irregularidade nos termos do disposto no artigo 123° n.º 2 do C.P.P., é que a inadmissibilidade da abertura da instrução no caso concreto advém desde logo da falta de ataque directo e substancial aos factos constantes da acusação.
Não se trata de “nulidade” (ou sequer de “irregularidade”) do requerimento como invoca agora a recorrente nas suas conclusões, pelo que não cumpre sequer apurar se era ou não sanável ou de conhecimento oficioso, uma vez que as disposições que invoca (artigo 118° e seguintes do Código de Processo Penal), se reportam apenas, aliás como das mesmas consta aos actos processuais (praticados pelos serviços de justiça) e já não designadamente aos requerimentos dos ilustres mandatários.
Ora o despacho recorrido como do mesmo consta reporta-se à falta dos requisitos legais para a abertura da fase da instrução e não a meras deficiências do citado requerimento susceptíveis de aperfeiçoamento.
Aliás conforme acórdão para fixação de Jurisprudência do STJ n.º 7/05 (DR Iª Série de 4/11) “Não há convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287°, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”. Embora a situação dos presentes autos não esteja aqui abrangida, também não se vislumbra a violação de qualquer norma constitucional, ao interpretar o preceituado nos artigos 286° e 287° no sentido da não obrigatoriedade da formulação de um convite ao aperfeiçoamento ao arguido quando for omisso relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público deduziu acusação, abstendo-se de respeitar o âmbito da instrução.
Pelo que não tem razão a recorrente. Donde se conclui que é de manter a decisão da 1ª instância.[...]
Do que resulta deste trecho da decisão da Relação é que o tribunal recorrido manifestamente não aplicou a regra que a reclamante pretende ver apreciada, pois não entendeu que o indeferimento da abertura de instrução tivesse resultado de nulidade insanável do requerimento, pela preterição dos requisitos formais.
Tal seria o bastante para não conhecer do recurso.
6. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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