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Processo n.º 502/2010
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, com data de 11 de Fevereiro de 2010. Pretendia, conforme esclareceu a convite do Tribunal, ver apreciada a inconstitucionalidade do seguinte:
«Despacho – ED 104/93 do CACGD, de 11.08, cuja intermediação levou à aplicação de direito laboral ao recorrente com contrato de provimento, em pena expulsiva, mais especificamente os nºs 1 a 3 desse ED, e ao demiti-lo lesou-o em direitos fundamentais, nomeadamente no da segurança no emprego e no Direito ao Trabalho – artigos 53° e 58° da CRP, e ainda o principio da igualdade, aplicando penas diferentes a trabalhadores com o mesmo estatuto disciplinar publico – artigo 13° da CRP, configurando um acto administrativo que ofendeu o conteúdo de um direito fundamental e gerando a respectiva inconstitucionalidade e consequente nulidade do acto administrativo em causa – artigo 133º do CPA, uma vez que é inconstitucional a interpretação da B. no sentido de aplicar este ED aos trabalhadores dessa instituição com contrato de provimento».
2. Todavia, o Tribunal decidiu não conhecer do objecto do recurso. Com efeito, por decisão sumária, ponderou-se:
[...] O recurso previsto na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º n.º 2 LTC). O Tribunal tem pacificamente entendido, em aplicação destes preceitos, que o recurso reveste natureza normativa, isto é, que deve objectivar-se na norma ou normas que o tribunal comum aplicou, como razão de decidir, apesar da acusação de inconstitucionalidade previamente formulada pelo recorrente.
3. Ora, conforme o próprio recorrente reconhece, o acórdão recorrido não aplicou, como sua ratio decidendi, o «Despacho – ED 104/93 do CACGD, de 11.08», designadamente os nº.s 1 a 3. De resto, o aresto enuncia claramente a quaestio juris que lhe cumpria tratar e que era «a de saber se o direito de acção do autor caducou em virtude dos anos já decorridos desde que ele soube do acto que lhe aplicara a pena de despedimento». Nessa linha, e aceitando a qualificação do acto de despedimento (proposta, aliás, pelo próprio autor) como um acto administrativo, em relação ao qual o acórdão ponderou que «nada apontava» que enfermasse de «vício produtor da sua nulidade», a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo limitou-se a concluir – avaliando unicamente a repercussão que o período de tempo que mediou entre a notificação ao interessado do acto e o dia da interposição da acção administrativa especial tem quanto ao concreto direito de accionar – que tal direito caducara. E, isto, «independentemente de se saber por que exacto estatuto disciplinar deveria a B. proceder contra o aqui recorrido», conforme o acórdão recorrido não deixou, também expressamente, de alertar.
4. Impõe-se, assim, concluir que a decisão recorrida não aplicou as normas cuja fiscalização o recorrente pede ao Tribunal. Em consequência, decide-se não conhecer do objecto do recurso, nos termos do já aludido do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício de que goza, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC.[...]
3. Inconformado, o recorrente reclama para a conferência nos seguintes termos:
[...] O recorrente foi funcionário da B. com contrato de provimento.
Foi-lhe aplicada a pena expulsiva no termo de processo disciplinar instaurado pela recorrida.
Todo ele processado ao abrigo do ED 104/93 do CACGD, de 11/08, o qual se aplicava exclusivamente aos trabalhadores da B. com contrato de trabalho e inaplicável aos funcionário com contrato de provimento.
Como aliás é já jurisprudência pacífica.
Não o sendo no que se refere aos efeitos, como aliás os próprios autos o demonstram.
Tendo deste modo feito esta cessar o contrato de provimento que mantinha com o recorrente.
E consequentemente procedido ao seu despedimento.
Deixou pois, por acto discricionário e ilegal da Administração Publica de ser garantida ao trabalhador a segurança no emprego (art. 53 da C.R.P.).
Por outro lado, foi também discricionária e ilegalmente retirado o direito ao trabalho do recorrente (art. 58 da C.R.P.).
Inequívoco pois que o acto administrativo em causa e consubstanciado no despedimento do recorrente, ofendeu o conteúdo de um direito fundamental.
Gerando a consequente nulidade do acto administrativo em causa, art. 133 do C.P.A.
Mostra-se indiferente para a apreciação desta ofensa e por se tratar de Estado de Direito Democrático, a ocorrência ou não dos factos porventura apurados (bem ou mal) em sede de P.D.
Aliás, se este é nulo, nula será a averiguação desses factos.
Nem, a nulidade poderá estar dependente da veracidade ou não dos eventuais factos imputados, ou seja: Se os factos forem graves e verdadeiros ocorre anulabilidade. Se os factos não forem graves ou forem falsos, ocorre nulidade.
Acresce que o art. 13 da CRP impõe que todos os cidadãos são iguais perante a Lei.
Por sua vez o art. 266 da mesma CRP nº 2, impõe que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à Lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelo Principio da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça, da Imparcialidade e da Boa Fé.
Ora, tratando os funcionários públicos, como são inequivocamente os trabalhadores da B. com contrato de provimento, com dois estatutos disciplinares distintos e destinados a ordens normativas diferentes, num caso direito Público, noutro caso Direito Privado, gera-se um “mix” que além de incompreensível põe em causa seriamente o Estado de Direito Democrático.
Tanto mais que tudo é diferente em cada um dos ordenamentos, nomeadamente no que se refere as sanções a ponderar, aos critérios das mesmas e ao pós-sanções.
O estado de Direito Democrático, não se compadece com este tipo de raciocínios, sob pena de ficar sujeito ao arbítrio e discricionariedade do julgador.
Interpôs o recorrente, recurso para o Tribunal Constitucional por julgar que a aplicação pela recorrida do ED 104/93 de 11.08, ofendia e ofende o conteúdo de um Direito Fundamental, na circunstância o Direito à Segurança no Emprego e o Direito ao Emprego, bem como viola o Principio da Igualdade aplicável a todos os cidadãos e na circunstância, a todos os funcionários públicos.
Ao longo de todo o processo, vem o recorrente batalhando no sentido de que a interpretação dada ao despacho ED 104/93 do CACGD de 11/08, aplicado ao recorrente gera nulidade e não Anulabilidade e por isso, é invocável a todo o tempo e insanável.
E tal nulidade resulta da violação conjugada dos art. 53, 58, 13 e 266 todos da CRP que naturalmente sustenta toda a ordem normativa ordinária do Estado Português.
Aliás, o TCA Norte, perfilhou tal orientação e desse modo decidiu, tendo o STA retornado à orientação da 1ª Instância e entendido que a aplicação do ED 104/93 nomeadamente nos seus números 1 a 3 não ofende o conteúdo de um direito fundamental nem viola o Princípio da Igualdade e por isso, não gera nulidade do A.A em causa.
Deste modo, com o devido respeito por opinião contrária o que está em causa neste recurso é saber se as normas aplicadas pela recorrida constante do ED 104/93 do CACGD de 11/08, nomeadamente os nº 1 a 3 ofendem o conteúdo de um Direito Fundamental (Direito á Segurança no Emprego e Direito ao Trabalho), bem como o Princípio da Igualdade, gerando inconstitucionalidade em tal interpretação.
E, não se diga que a decisão recorrida não aplicou as normas neste entendimento.
De facto, tenhamos em atenção que o STA revogou a decisão do TCA Norte exactamente por interpretar que a aplicação do ED 104/93 da CACGD de 11/08, nomeadamente nos números 1 a 3 não ofende o conteúdo de um Direito Fundamental e consequentemente o Direito à Segurança no Emprego e Direito ao Trabalho, assim como não ofende o Princípio da Igualdade e por isso não viola os artigos 53, 56, 13 e 266 da CRP, gerando tão só Anulabilidade.
Assim, o recorrente pede tão só que o deixem discutir as consequências que a aplicação do ED 104/93 do CACGD de 11/08 teve na sua esfera jurídica, na sua relação de trabalho com a CGD e na sua relação de Trabalho com os seus pares.
Não podendo aceitar que seja indiferente que a aplicação desse ED gere Anulabilidade ou Nulidade do A.A em causa.
A repercussão que o período de tempo que mediou entre a notificação ao interessado do acto e o dia da interposição da Acção Administrativa Especial tem quanto ao concreto direito de accionar, consiste numa interpretação da aplicação da norma.
Não pode o Tribunal Constitucional referir que o Acórdão recorrido não aplicou a norma, quando ele interpretou os efeitos que a aplicação da norma ilegal, e reconhecida como não a aplicar no caso concreto, e lesou desse modo, e com tal interpretação, direitos fundamentais do recorrente.
O que está em causa neste recurso é a interpretação dada aos efeitos que a aplicação da norma pela recorrida teve na esfera jurídica do recorrente, nunca perdendo de vista os efeitos distintos, e com repercussão manifesta na caducidade discutida, que o instituto da nulidade ou da anulabilidade tem na esfera jurídica do recorrente.
Nenhuma das instâncias ignora a norma. Pelo contrário, identifica-a, estuda-a e pronuncia-se sobre os seus efeitos.
Aliás, a principal questão suscitada ao STA pela, ora, recorrida, era exactamente apurar os efeitos que a aplicação do ED 104/93 do CACGD, de 11/08, faziam repercutir na esfera jurídica do recorrente. E como se diz na douta decisão sumária de que se reclama, a propósito dessa matéria e sobre o Acórdão do STA ”(...) em relação ao qual o Acórdão ponderou que «nada apontava» que enfermasse de «vício produtor da sua nulidade» (...)“.
Inequívoco pois que o Acórdão do STA apreciou os efeitos que aquele ED ilegal tiveram na esfera jurídica do recorrente.
Aliás o prazo de caducidade reconhecido tem subjacente tal interpretação.
Em suma:
A aplicação do ED 104/93 do CA B. de 11/08, feita pelo recorrido, ainda que reconhecida por todas as instâncias como ilegal, gerou, na interpretação dos seus efeitos, inconstitucionalidade que foi suscitada durante todo o processo e que balançou para o seu não reconhecimento (1ª Instância), reconhecimento (2ª Instância), não reconhecimento (3ª Instância).
A não apreciação por esse Tribunal da questão suscitada valida o argumento de autoridade que resulta quer da decisão da recorrida quer da decisão do STA.
O presente recurso deve, pois, ser recebido, permitindo-se ao recorrente que fundamente as razões que pretende aduzir no sentido de que a interpretação de que a aplicação do ED 104/93 do CACGD de 11/08, designadamente dos nº 1 a 3, entendida como geradora de anulabilidade viola o disposto nos art. 53º, 58°, 13° e 266°, todos da CRP.
Termos em que, deve a presente reclamação ser deferida e ordenar-se a demais tramitação legal, fixando-se prazo para o recorrente apresentar as suas alegações.[...]
3. A recorrida B., SA respondeu à reclamação pedindo o seu improvimento.
4. A decisão reclamada decidiu liminarmente não conhecer do objecto recurso interposto por A. por haver concluído que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em causa não aplicara, como ratio decidendi, as normas cuja fiscalização o recorrente pedia. Ponderou-se, na verdade, que o aresto se limitara a qualificar o vício de que enfermaria o acto de despedimento e que, face ao entendimento a que chegara quanto à natureza desse vício, o direito de accionar do recorrente, «independentemente de se saber por que exacto estatuto disciplinar deveria a B. proceder», já caducara.
Ora, é manifesto que tal decisão é de manter.
Com efeito, o reclamante insiste no pedido de avaliação da conformidade constitucional do regime disciplinar que lhe foi aplicado e que determinou o seu despedimento, apesar de o tribunal recorrido haver expressamente afirmado não poder conhecer de tal matéria por haver um obstáculo inultrapassável ao conhecimento do mérito da pretensão: a caducidade do direito de accionar. Parece, por isso, evidente que, mesmo que fosse possível ao Tribunal emitir o juízo de desconformidade constitucional que lhe é pedido, sempre se manteria o julgamento do Supremo Tribunal Administrativo, firmado numa fase logicamente anterior à de saber se tal regime foi ou não correctamente aplicado. E a verdade é que as considerações que o reclamante tece nesta sua reclamação radicam no – indemonstrado – pressuposto do desacerto da decisão do tribunal recorrido, que teria errado ao não qualificar o vício apontado ao despedimento como uma nulidade capaz de permitir a todo o tempo a invocação dos direitos laborais em causa. Ora, tal alegação revela, afinal, que o próprio recorrente tem como certo que o real fundamento da decisão recorrida não consistiu na aplicação do regime disciplinar a que o recorrente foi submetido, mas na norma que determina a caducidade da acção que intentara.
Não cabendo ao Tribunal Constitucional, em casos como o presente, sindicar as decisões dos tribunais e avaliar do seu acerto, mas tão-somente apurar da conformidade constitucional de normas por eles aplicadas como ratio decidendi das suas decisões, certo é também que não pode conhecer do objecto do recurso que manifestamente não coincide com a norma aplicada como razão de decidir do aresto recorrido.
5. Decide-se, em suma, indeferir a reclamação, mantendo a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC, sem prejuízo do benefício com que litiga.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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