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Processo n.º 471/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., representado pelo Ministério Público, intentou contra B., S.A., acção declarativa especial emergente de acidente de trabalho, no Tribunal de Trabalho de Lisboa (processo n.º 1410/05.2TTLSB, do 4.º juízo – 1ª secção), pedindo a condenação da Ré no pagamento das prestações correspondentes à reparação dos danos resultantes de acidente de trabalho sofrido pelo Autor.
Por sentença proferida em 3 de Agosto de 2007 foi reconhecida ao sinistrado uma IPA, ao abrigo do disposto no artigo 42.º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, tendo a Ré sido condenada a pagar àquele uma pensão anual vitalícia de € 9.520,00, com início em 26-09-2006, uma pensão de € 952,00, correspondente a 10%, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, a quantia de € 4.387,20, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, nos termos do disposto nos artigos 17.º, n.º 1, alínea a), e 23.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, a quantia de € 8,00 a título de transportes em deslocações ao Tribunal, e juros de mora à taxa de 4% desde 25-09-2006, até integral pagamento.
Anteriormente à prolação da referida sentença, a Ré, por requerimento apresentado em 05-06-2007, já havia deduzido incidente de revisão da incapacidade do sinistrado, requerendo a realização de exame médico de revisão, mediante a alegação de que o sinistrado estava então afectado de uma IPP de 20%.
Após o trânsito em julgado da sentença acima referida foi realizado exame médico de revisão, no qual foi fixada ao sinistrado uma IPP de 33,6%.
Em 17 de Fevereiro de 2009 foi proferia decisão do incidente de revisão da pensão, nos termos da qual foi fixada ao sinistrado uma IPP de 33,6%, com IPATH, condenando-se a Ré seguradora a pagar àquele uma pensão anual e vitalícia no montante de € 6.749,68 (seis mil setecentos e quarenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), desde a data do pedido de revisão, e ainda a prestar ao sinistrado todos os tratamentos de que este necessitar.
Desta decisão recorreu o sinistrado para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 21 de Outubro de 2009, negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (na parte que ora releva):
“A revisão das pensões, prevista no art. 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é processada nos termos dos arts. 145.º e segs. do Cód. Proc. Trab., ou seja, em incidente processual próprio, iniciado através de requerimento a pedir a revisão da incapacidade com fundamento na modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação.
E se do(s) exame(s) médico(s) resultar alteração na capacidade de ganho do sinistrado, o juiz decide por despacho, aumentando ou reduzindo a pensão, conforme o caso.
Ora, atento o disposto no art. 267.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – “A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial ...” – logo o deferimento do pedido de revisão deve produzir efeitos a partir da data da entrada em juízo do respectivo requerimento, já que o exame médico de revisão é apenas um elemento de prova, uma mera peritagem, de livre apreciação pelo juiz, exame esse que apenas avalia a situação clínica do sinistrado em dado momento processual, mais ou menos dilatado no tempo, não lhe determinando qualquer direito.
Por aqui se vê, pois, que não é exacta a afirmação do agravante quando diz que a lei não define a partir de que momento deve ser considerado o agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação e que conduz á alteração do montante da pensão.
Mas mesmo que assim fosse e se recorrermos a um caso análogo – a acção de alimentos – verificamos que nos termos do art. 2006.º do Cód. Civil eles são devidos desde a propositura da acção, e no caso de alteração, desde a data do pedido de alteração. E tal critério não choca ser aplicado ao caso dos autos e muito menos quando entre o pedido de revisão e a decisão decorreu mais de um ano e meio. Assim não seria se os Srs. Peritos Médicos tivessem se pronunciado sobre tal questão, o que não fizeram.
No sentido de que não tendo os exames fixado a data em que ocorreu a alteração da capacidade de ganho a nova pensão será devida a partir da data do requerimento em que é pedida a revisão podem ver-se os Acs. da RC de 8.05.90, BTE, 2.ª série, nºs 10-11-12/91, pág. 1123 e da RP de 7.03.2005 e 12.12.2005, ambos em www.dgsi.pt).
Tudo o que se deixou aqui referido leva-nos a concluir que na falta de outros elementos a data a considerar para efeitos de fixação de novo grau de incapacidade e da correspondente pensão é a data da entrada em juízo do requerimento de revisão da incapacidade, ou seja, 5 de Junho de 2007, em consonância com o decidido na decisão sindicada.
A tal conclusão não obsta o direito consagrado no art. 59.º, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa que o agravante invoca para com ele justificar a não aplicação ao caso do princípio da igualdade entre seguradora e sinistrado.
Assim equacionada a questão, importa, pois, apreciá-la, no quadro do instituto da “revisão das pensões”, perante o direito consagrado no citado art. 59º, nº 1, alínea f).
O legislador erigiu à categoria de direito – constitucional – dos trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, acrescentado a alínea f) ao nº 1 do art. 59.º da Constituição da República, o que apenas ocorreu na sua quarta revisão, implementada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro (cfr. o art. 33.º, nº 3).
O instituto da revisão das pensões é o resultado da verificação prática de muitas situações em que o estado de saúde do sinistrado, como consequência directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, modificando-se, por isso, a sua capacidade de ganho e justifica-se pela necessidade de adaptar as pensões à evolução do estado de saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade de ganho.
Assegura-se assim o direito constitucional do trabalhador à justa reparação – direito previsto no art. 59.º, nº 1, alínea f), da Constituição –, pois que a revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam, reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram.
A interpretação defendida pelo agravante não tem subjacente qualquer fundamento racional nem é constitucionalmente aceitável pois acaba por contrariar o disposto no art. 59º, nº 1, alínea f), da Constituição, ou seja o direito dos trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, fragilizando a posição jurídica da seguradora.
De referir por último que a suposta compensação que o agravante diz que a seguradora irá fazer entre o montante das prestações pensões vincendas e aquilo que já pagou mais não é do que uma emanação da referida justa reparação expressamente prevista no art. 853.º, nº 1, alínea b) do Cód. Civil – ambos os créditos a compensar, se referem a prestações estabelecidas na lei de acidentes de trabalho e são da mesma natureza.
A este respeito escreveu-se no Ac. do STJ de 03.10.2007 (www.dgsi.pt) a acção emergente de acidente de trabalho, além de definir os direitos do sinistrado e de condenar as entidades responsáveis no pagamento respectivo, tem por objectivo deixar definitivamente fixados os encargos patrimoniais daqueles que nela são partes, reintegrando o património de quem procedeu a pagamentos com o objectivo de reparar o acidente e que, depois, se vêm a revelar indevidos ou excessivos (sublinhado nosso).
Improcedem, pois, quanto a esta questão as conclusões do recurso.”
O sinistrado interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, para a hipótese do recurso que também interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça não ser conhecido, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“Arguido que foi o risco da própria subsistência no decurso do processo ao peticionar-se (Reqtº de fls. 323) a conversão a partir da Decisão que, POR ISSO e no seu indeferimento, foi impugnada por violação designadamente do artº 59º - 1, f) da C.R.P.(alegações de fls. 357 e ss.),
Na medida em que, titulado, “em termos imperativos e no âmbito dos DIREITOS INDISPONÍVEIS, do subsídio por elevada incapacidade permanente e absoluta (entenda-se 100% para todo e qualquer trabalho)” pela douta sentença (cfr. o texto respectivo), NÃO PODIA, ATÉ LÁ, PRESTAR QUALQUER TIPO DE TRABALHO,
Vendo-se, assim, sujeito à operação subtractiva “formalmente” compensatória sem que lhe tivesse sido possível precaver-se materialmente dessa compensação, numa concepção formal de justiça material,
Sendo manifestamente incompreensível que, “in casu sub judicibus”, se diga que se o exame médico é apenas um elemento de prova, a alteração da incapacidade se conte do pedido (quase como se de juros fora na interpelação) e não da “jurisdictio”,
Para mais com a invocação de uma “analogia” que se traduz na lógica inversa de desprotecção ao sinistrado/alimentando por apelo ao (des)paralelismo do artº 2006º C.C. em que, precisa e substantivamente, se buscou a protecção do carente de alimentos [e (note-se aqui) num quadro de filosofia legislativa que não sujeita a reposição os alimentos provisórios pagos no decurso do processo],
Traduzindo-se, assim, numa ausência absoluta de protecção intercalar”
O Supremo Tribunal de Justiça, por despacho proferido em 10 de Março de 2010, decidiu não tomar conhecimento do recurso e, tendo os autos baixado ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Notificado para esclarecer qual a interpretação normativa sustentada pelo tribunal recorrido cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada, o Recorrente apresentou requerimento com o seguinte conteúdo:
“1º Em processo por acidente de trabalho, a seguradora B. S.A. veio requerer, em 5 de Junho de 2007, exame médico de revisão por entender que o sinistrado estava afectado por uma IPP de 20% e já não em incapacidade permanente absoluta, como tinha sido decidido anteriormente.
2º Realizado o exame médico de revisão e subsequente exame por junta médica, foi fixada uma IPP de 33,6%.
3º Em 17 de Fevereiro foi proferida decisão que fixou aquela IPP em 33,6% e condenou a seguradora a pagar ao sinistrado uma pensão anual, obviamente inferior (6.349,68€), desde a data da revisão.
4º O sinistrado, representado pelo Ministério Público, entende que a “nova” pensão devia ser atribuída apenas a partir da data da decisão que a fixou, sendo inconstitucional o entendimento perfilhado pela decisão da 1ª instância, segundo o qual a atribuição deve ter efeito desde a data da revisão.
5º No Acórdão da Relação de Lisboa, a decisão recorrida, entendeu-se que a data relevante era a do pedido de revisão, confirmando, portanto, a decisão do Tribunal de Trabalho.
6º Segundo a Relação, este entendimento radicaria na aplicação, ao caso, do artigo 267º, nº 1, do Código de Processo Civil, equiparando-se o pedido de revisão à propositura da acção.
7º Assim, está em causa a inconstitucionalidade, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição, da norma do nº 1 do artigo 267º do CPC - enquanto aplicável aos pedidos de revisão de pensão por acidente de trabalho formulados pelas companhias de seguro e que levem a uma diminuição do montante da pensão -, na interpretação segundo a qual a data a considerar para efeitos do novo grau de incapacidade e da correspondente pensão, é a do pedido de revisão.”
O Recorrente apresentou posteriormente alegações em que concluiu do seguinte modo:
“1º No caso concreto dos autos, a aplicação da norma do artigo 267º, nº 1, do Código de Processo Civil, equiparando-se o pedido de revisão à propositura de uma acção e, assim, se fixando a data de entrada desse pedido como momento a partir do qual é devida a pensão alterada, põe em causa a protecção do sinistrado, afectado por uma IPA, no período de tempo que medeia entre esse momento e a data da decisão que altera a pensão, quando no âmbito do procedimento de revisão lhe é atribuída uma IPP de 33 %, em vez da IPA inicialmente atribuída.
2º Isto porque, para além da redução substancial da pensão atribuída, nesse período de tempo, em que a nova pensão – a pensão alterada – vigorará retroactivamente, o sinistrado estava impedido de trabalhar, em função da IPA fixada pelo tribunal e, em consequência disso, impossibilitado de auferir outros rendimentos pelo seu trabalho.
3º Situação que, no caso em apreço, é agravada pela demora nos exames médicos e, consequentemente, na decisão, bem como na circunstância de o sinistrado continuar a manter incapacidade para o trabalho habitual.
4º Assim sendo, podendo estar em causa a própria subsistência do sinistrado, a aplicação da norma do nº 1 do artigo 267º do CPC nas circunstâncias referidas, afronta o direito a assistência e justa reparação do trabalhador, vítima de acidente de trabalho, consagrado no artigo 59º, nº 1, alínea f) da CRP.
5º Deve, pois, ser dado provimento ao recurso.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 267.º do Código de Processo Civil, – enquanto aplicável aos pedidos de revisão de pensão por acidente de trabalho formulados pelas companhias de seguro e que levem a uma diminuição do montante da pensão –, na interpretação segundo a qual a data a considerar para efeitos do novo grau de incapacidade e da correspondente pensão, é a do pedido de revisão, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Da leitura da decisão recorrida constata-se que efectivamente foi este o critério normativo que fundamentou a sua pronúncia, tendo o recurso a esse critério resultado da circunstância do exame médico não ter fixado a data em que ocorreu a alteração da capacidade de ganho do sinistrado, não existindo também quaisquer elementos nos autos que permitissem essa fixação.
Esta circunstância foi decisiva para a utilização do critério impugnado, pelo que, num esforço de precisão e delimitação do conteúdo normativo sob fiscalização, deve o mesmo referir esse pressuposto de aplicabilidade.
Nestes termos, o objecto deste recurso é a norma constante do artigo 267.º do Código de Processo Civil, – enquanto aplicável aos pedidos de revisão de pensão por acidente de trabalho formulados pelas companhias de seguro e que levem a uma diminuição do montante da pensão –, na interpretação segundo a qual, não tendo os exames médicos fixado a data em que ocorreu a alteração da capacidade de ganho do sinistrado, e na falta de outros elementos, a data a considerar para efeitos do novo grau de incapacidade e da correspondente pensão, é a do pedido de revisão.
2. Do mérito do recurso
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão implementada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, consagrou no seu artigo 59.º, n.º 1, alínea f), o direito de todos os trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Deste modo, o texto constitucional não só habilitou o legislador a adoptar políticas legislativas orientadas no sentido de proteger os direitos dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, como impôs ao Estado a criação de instrumentos que assegurassem uma adequada assistência e uma justa reparação dos prejuízos causados aos trabalhadores sinistrados.
Na concretização deste imperativo a legislação ordinária, principalmente a Lei n.º 100/97, de 13-09 (Lei dos Acidentes de Trabalho – LAT), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04 (Regulamento dos Acidentes de Trabalho – RLAT), estabeleceu um sistema reparatório em matéria de acidentes de trabalho, revogando o regime anteriormente constante da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto (sendo que aqueles diplomas foram, entretanto, revogados pela Lei n.º 98/2009, de 04-09, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010, aplicando-se apenas aos acidentes de trabalho ocorridos após esta data e às doenças profissionais cujo diagnóstico final seja posterior a essa mesma data, bem como à alteração da graduação de incapacidade relativamente a doença profissional já diagnosticada).
Quanto à matéria do instituto da “revisão das pensões”, em cujo âmbito se situa a questão decidenda, sob a epígrafe “revisão das prestações”, dispunha o artigo 25.º, n.º 1, da LAT, aplicável à situação sub iudice:
“Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.”
A possibilidade de revisão das pensões por acidente de trabalho revela que esta prestação é modificável em função da evolução das sequelas resultantes das lesões sofridas pelo sinistrado. Sendo alterável este factor determinante do montante da pensão estabelecida, a lei permite que o quantitativo da prestação se adapte à evolução desse factor, sem que lhe seja oponível a autoridade do caso julgado.
Este mecanismo permite uma afinação das prestações indemnizatórias, possibilitando que estas acompanhem a evolução das consequências das lesões, de modo a que haja uma correspondência actualizada entre a pensão auferida pelo sinistrado e os reais prejuízos por ele suportados.
Conforme se refere no Acórdão n.º 147/06, do Tribunal Constitucional (em ATC, 64.º vol., pág. 669), “o instituto da revisão das pensões justifica-se, quer nos casos de pensões por acidentes de trabalho, quer nos casos de pensões por doenças profissionais, pela necessidade de adaptar tais pensões à evolução do estado de saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade de ganho”, acrescentando-se ainda neste aresto que desta forma se assegura “o direito constitucional do trabalhador à justa reparação – direito previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição –, pois que a revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam, reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram”.
O aspecto adjectivo da “revisão de pensões” é regulado no Código de Processo de Trabalho, nos artigos 145.º a 147.º, sob a epígrafe “Revisão da incapacidade ou da pensão”, estabelecendo-se no artigo 145.º (na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, aqui aplicável), no que respeita ao processamento deste incidente, o seguinte:
“1 - Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a exame médico.
2 - O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - Findo o exame, o seu resultado é notificado ao sinistrado e à entidade responsável pela reparação dos danos resultantes do acidente.
4 - Se alguma das partes não se conformar com o resultado do exame, pode requerer, no prazo de 10 dias, exame por junta médica nos termos previstos no n.º 2; se nenhuma das partes o requerer, pode o exame ser ordenado pelo juiz, se o considerar indispensável para a boa decisão do incidente.
5 - Se não for realizado exame por junta médica, ou feito este, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.
6 - O incidente corre no apenso previsto na alínea b) do artigo 118.º, quando o houver.
7 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade.”
Conforme se pode constatar da leitura desta disposição legal, a mesma é omissa no que respeita à data a partir da qual é devida a pensão alterada em função da modificação da incapacidade.
Na decisão recorrida entendeu-se que o momento relevante a partir do qual deverá ser fixada a pensão revista, calculada em função da alteração da capacidade de ganho do sinistrado, é o momento em que se verifique tal alteração. Contudo, entendeu-se ainda que, não tendo os exames fixado a data em que ocorreu a alteração da capacidade de ganho, e na falta de outros elementos, a data a considerar para efeitos de fixação de novo grau de incapacidade e da correspondente pensão é a data da entrada em juízo do requerimento de revisão da incapacidade, apoiando-se tal decisão no disposto no artigo 267.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que fixa como momento do início da instância o da proposição da acção, ou seja, do recebimento na secretaria da respectiva petição inicial.
Este entendimento tem sido sustentado pela jurisprudência infra-constitucional, designadamente, nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 07-03-2005 (proc. n.º 0416936) e de 12-12-2005 (proc. n.º 0513681) (acessíveis na Internet em www.dgsi.pt), bem como no Acórdão da Relação de Évora de 29-05-2007 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXII – Tomo III, 2007, pág. 271).
Também neste sentido, escreve Carlos Alegre (em Processo Especial de Acidentes de Trabalho, pág. 199, da ed. de 1986, da Almedina), sobre o incidente de revisão de pensões regulado no Código de Processo de Trabalho anterior (e que, nesta parte, não sofreu alterações de relevo): “Um elemento é (…) de primordial importância que conste do exame médico: o momento em que ocorreu a alteração requerida. Se nada se fizer constar, pode presumir-se que esse momento se reporta à data do requerimento para revisão da incapacidade. Tratando-se, porém, de um dado técnico (do foro da Medicina), ele deve ser, preferencialmente, indicado pelo competente perito médico.”
Ainda sobre esta questão, refere Manuela Bento Fialho (Processo de Acidentes de Trabalho – Os Incidentes – Ideias para Debate, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 69, Setembro – Dezembro de 2004, pág. 92), “que “(…) a decisão há-de fixar a data a partir da qual é devida a pensão que se altera em função da modificação da incapacidade”, acrescentado que, sendo a lei omissa, “(…) a prática judiciária vai no sentido de considerar, para este efeito, a data de entrada do requerimento de revisão, nada impedindo, porém, que se prove outra data de referência.”
Não compete ao Tribunal Constitucional apreciar da correcção infra-constitucional deste raciocínio; a questão que se coloca neste recurso é apenas a de saber se o mesmo é constitucionalmente aceitável, ou se, pelo contrário, a interpretação normativa seguida pela decisão recorrida vem fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a obtenção de um ressarcimento que possa ser considerado justo, violando o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Em primeiro lugar, convém notar que este critério é susceptível de aplicação coerente e uniforme, adoptando-se quer para as situações em que, como no caso dos autos, se esteja perante uma alteração da capacidade de ganho do sinistrado que resulte de melhoria da lesão, quer nos casos em que se esteja perante uma alteração que resulte de agravamento, recidiva ou recaída.
Em segundo lugar, constata-se que esta opção se reconduz, nos casos em que não se apurou o momento em que na realidade ocorreu uma alteração da situação de incapacidade do trabalhador, à determinação judicial desse momento, tendo por base um juízo presuntivo, segundo o qual, se foi denunciada a verificação duma alteração que vem a ser confirmada pela prova produzida no processo, é normal que ela já se verificasse no momento da denúncia. E essa presunção não funcionará ou resultará ilidida sempre que os autos revelem que a alteração ocorreu em momento diferente.
A utilização de raciocínios presuntivos surge muitas vezes precisamente para responder a situações em que falha a prova de um determinado facto necessário à decisão, exigindo-se que exista um nexo lógico entre o facto indiciário e o facto presumido, o qual deve assentar em regras de experiência e num juízo de probabilidade qualificada, requisitos que se mostram preenchidos pelo raciocínio que conduz ao critério sob análise.
Ora, determinando-se o momento em que já teria ocorrido a alteração do grau de incapacidade do sinistrado, através da utilização de raciocínio legítimo, de modo a que o valor da pensão que este recebe acompanhe essa alteração, tal critério é um instrumento de manutenção da justiça da reparação arbitrada, não sendo possível dizer que o mesmo contrarie o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Invoca o Recorrente que ele põe em causa a protecção do sinistrado, afectado por uma IPA, no período de tempo que medeia entre a data em que foi pedida a diminuição da pensão e a data da decisão que deferiu esse pedido. Isto porque, nesse período de tempo em que a nova pensão – a pensão diminuída – vigorará retroactivamente, o sinistrado estava impedido de trabalhar, em função da IPA fixada pelo tribunal, e, em consequência disso, impossibilitado de auferir outros rendimentos pelo seu trabalho.
Desde logo, ressalta que este argumento atinge não só o critério aqui sob fiscalização, mas também as situações em que o tribunal apura o momento em que se verificou a alteração da situação do sinistrado, determinando que a nova pensão seja devida a partir desse momento.
A sentença que apura a existência de uma incapacidade laboral e fixa a correspondente pensão, limita-se a apurar o grau de incapacidade do sinistrado naquele momento, sem produzir efeitos consolidados, podendo ser modificada posteriormente face a uma alteração que ocorra nesse grau de incapacidade. Como já se disse, pretendeu-se com este mecanismo garantir uma correspondência actualizada entre a pensão auferida pelo sinistrado e os reais prejuízos por ele sofridos, pelo que se procurou que o montante da pensão devida fosse o adequado ao grau de incapacidade realmente existente no momento do seu pagamento.
A sentença referida não impede o sinistrado de trabalhar na medida das suas capacidades físicas, mas ocorre necessariamente um período de tempo, de duração variável, entre a altura em que se verifica uma alteração na situação de incapacidade para o trabalho do sinistrado e o momento em que essa alteração é reconhecida por nova decisão judicial que altera o valor da pensão. A existência desse espaço temporal é ditada pela necessidade de detecção pelo interessado dessa alteração, da sua denúncia ao tribunal e da sua verificação por este, em incidente com tramitação que respeite o princípio do contraditório e do direito à prova.
Nesse período de tempo, em que a realidade já não corresponde à pronúncia judicial vigente, existe o risco do sinistrado não adequar o seu desempenho laboral à evolução ocorrida no seu grau de incapacidade, o que provoca um desfasamento entre a perda de rendimentos real e o valor da pensão.
Mas esse risco inevitável, tanto opera em desfavor do sinistrado nos casos em que se verifica uma melhoria da situação deste, como favoravelmente ao sinistrado, nos casos, aliás, infelizmente bem mais frequentes, em que a sua situação piora.
É um custo inerente ao funcionamento de um regime que busca uma actualização permanente da indemnização do dano sofrido, como forma de garantir a existência de uma justa indemnização, que tem que lidar com a necessária existência de uma dilação temporal entre o momento em que se verifica uma alteração na dimensão desse dano e o momento em que essa alteração é verificada pelo tribunal.
Deste modo, o pagamento de uma pensão de acordo com o novo grau de incapacidade durante esse período em que ela já se verificava não afronta a justiça da reparação exigida pelo artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, uma vez que procura precisamente adequar a reparação arbitrada à evolução do dano sofrido.
Poder-se-á dizer que a aplicação retroactiva da nova pensão, implicando para o sinistrado uma devolução de montantes já recebidos, principalmente nos casos em que se verificou uma significativa demora entre a dedução do pedido de revisão e a respectiva decisão, poderá pôr em causa a sua subsistência. Mas essa questão já não respeita ao critério aqui sindicado, mas sim às normas que regulem a forma como se vai operar a devolução das quantias recebidas em excesso, face ao novo valor da pensão revista, a qual é estranha a este recurso.
Por estas razões não se revela que a norma objecto de fiscalização viole o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, pelo que o presente recurso não merece provimento.
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2010.- João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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