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Processo n.º 713/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e recorrido A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 4ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 02 de Junho de 2010 (fls. 1196 a 1221), posteriormente complementado por acórdão proferido, pelo mesmo Tribunal e Secção, em 13 de Julho de 2010 (fls. 1288 a 1289-verso), que julgou improcedente pedido de aclaração formulado pelo recorrente.
Através de extenso requerimento (fls. 1313 a 1336) – que corresponde a transcrição de alegações já vertidas no requerimento de aclaração da decisão recorrida (fls. 1241 a 1254) –, o recorrente limitou-se a manifestar a sua discordância face à decisão recorrida, sem que viesse indicar os elementos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC e, em especial, a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada. Consequentemente, foi proferido despacho pelo Juiz-Relator junto do tribunal recorrido para que aquele viesse aos autos indicar qual a norma que constituía, então, objecto do recurso interposto (fls. 1329).
Em 06 de Outubro de 2010 (fls. 1361 e 1362), veio o recorrente esclarecer que pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma extraída da conjugação entre os artigos 170º, n.º 1, do CPT, e 288º, n.º 3, do CPC, “quando interpretado no sentido de que a decisão disciplinar tem de ser impugnada no prazo de 15 dias, independentemente de, no mesmo prazo ou posteriormente, usar do direito de interpor recurso da referida decisão para o Conselho Geral do ora Recorrente” (fls. 1361).
2. Notificado do primeiro requerimento de interposição de recurso, o recorrido veio aos autos alegar que o recurso interposto é inadmissível, quer por o pedido de aclaração não constituir meio processual idóneo para suscitar uma questão de inconstitucionalidade, quer por o recorrente não pretender a fiscalização da constitucionalidade de uma precisa norma jurídica, mas antes almejar a revisão da decisão de fundo, por manifesta discordância da mesma, tendo vindo ainda peticionar, perante o tribunal recorrido, a condenação do recorrente por litigância de má fé (fls. 1331 a 1336).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 1365), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que não foram preenchidos alguns deles, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
4. Em primeiro lugar, cumpre registar que o recorrente não indicou expressamente qual a peça processual através da qual teria suscitado a questão de inconstitucionalidade. Porém, da leitura das várias peças processuais constantes dos autos, extrai-se a conclusão de que, segundo o seu entendimento, tal suscitação havia ocorrido no momento da apresentação do requerimento de aclaração.
Assim sendo, não se procedeu a qualquer convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, na medida em que o mesmo não revestiria qualquer interesse útil.
5. Em segundo lugar, deve notar-se que o presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pelo que o recorrente se encontrava sujeito ao ónus de prévia e adequada suscitação, perante o tribunal recorrido, da referida questão de inconstitucionalidade normativa.
Independentemente da discussão sobre se um pedido de aclaração infundado constitui “meio processual adequado” à suscitação de uma inconstitucionalidade normativa, certo é que nem sequer nessa sede, o recorrente logrou cumprir tal ónus processual. Com efeito, através do requerimento de aclaração (fls. 1241 a 1254), o recorrente limitou-se a tecer considerações genéricas sobre a liberdade sindical e a sua consagração no texto constitucional, sem apontar qualquer inconstitucionalidade a uma precisa e determinada norma jurídica. Aliás, em nenhum momento daquele pedido de aclaração é invocada a violação de qualquer norma constitucional por parte da interpretação normativa extraída dos artigos 170º, n.º 1, do CPT, e 288º, n.º 3, do CPC.
Bem pelo contrário, em sede de pedido de aclaração, o recorrente limitou-se a concluir expressamente o seguinte:
“Assim sendo, a fundamentação constante do Acórdão do Tribunal é obscura, bem como contraditória com as disposições aplicáveis, violando, assim, consequentemente os princípios da autonomia, organização e liberdade sindical, previsto no 55º da CRP.” (fls. 1254).
Este ataque à própria decisão jurisdicional, enquanto tal – e não a uma precisa norma ou interpretação normativa – é, aliás, corroborado pelo próprio requerimento originário de interposição de recurso, através do qual o recorrente afirma textualmente que:
“(…) o Acórdão, ora em crise, é inconstitucional, porquanto viola os princípios da autonomia, organização e liberdade sindical, previsto no 55º da CRP.” (fls. 1325)
Ora, só após convite a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, pelo Juiz-Relator junto do tribunal recorrido é que o recorrente identificou uma determinada interpretação normativa que reputou de inconstitucional. Contudo, o requerimento de aperfeiçoamento não é apto a colmatar a manifesta omissão de prévia e adequada suscitação daquela questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido.
Conclui-se, assim, que o recorrente nunca suscitou, de modo processualmente adequado, a inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 170º, n.º 1, do CPT, e 288º, n.º 3, do CPC, nos termos em que são colocados no requerimento de aperfeiçoamento, pelo que, por força do artigo 72º, n.º 2, da LTC, não pode este Tribunal conhecer de tal questão.
III – Decisão
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio apresentar a reclamação, cujos termos ora se sintetizam:
«Entende o Tribunal Constitucional que não pode conhecer do recurso porque o Recorrente não suscitou, de modo processualmente adequado, a inconstitucionalidade da norma extraída dos arts. 170º do CPT e 288º, nº 3 do CPC.
Ora, e salvo o devido respeito, não se pode aceitar este entendimento.
Porquanto, e em primeiro lugar, e contrariamente ao decidido no Acórdão ora em crise, a questão da inconstitucional não foi, apenas, suscitada no requerimento de aclaração.
Dado que, foi igualmente levantada nas alegações de recurso de apelação da sentença proferida em 1ª Instância.
Além disso, no seu requerimento de interposição de recurso, o Recorrente transcreveu parte do Acórdão nº 250/2008, de 30 de Abril de 2008, proferido por este douto Tribunal, que decidiu “(… )não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 170º, n.º 1, do CPT, conjugado com o artigo 288º, n.º 3, do CPC, quando interpretada no sentido de que a decisão disciplinar só é impugnável judicialmente se, e após, o Autor ter esgotado o recurso interno previsto nos Estatutos do Sindicato;(…)”.
Ora, e numa primeira análise, é de fácil constatação que o Recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma extraída dos arts. 170º do CPT e 288º, nº 3 do CPC, na interpretação dada pelo Acórdão do Tribunal da Relação.» (fls. 1408 e 1409)
3. Devidamente notificado para o efeito, o recorrido apresentou a seguinte resposta:
«Alega o Reclamante que a questão da inconstitucionalidade suscitada não teve apenas lugar no requerimento de aclaração, mas que “foi igualmente levantada nas alegações de recurso de apelação da sentença proferida em 1ª instância”
Nada de menos exacto.
Se percorrermos cuidadosamente essas alegações, o Reclamante apenas se refere, incidentalmente, ao art. 170° do C.P.T., quando afirma que o “recurso para o Conselho Geral só se consubstancia como substituto obrigatório da acção de impugnação prevista no art. 170° do C.P.T.”
Nas suas Conclusões (em número de 74), o Reclamante apenas alega a “violação do princípio da proporcionalidade, nos termos do disposto no art. 266° do CRP., o art. 55°, n.º 2, al. e) da CRP, por violação do princípio da liberdade sindical, o art. 9º n.° 1, al. g) e j), art. 10º, al. a), art. 47° e art. 51° dos Estatutos do SNQTB e art. 6º, n.º 2 e 13, do Dec-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, art. 480º CT”.
Em relação ao referido art. 170º do C.P.T., nada.
Relativamente à pretensa transcrição — no requerimento de interposição da já referida Apelação da sentença proferida em 1ª instância — do Acórdão n.º 250/2008, de 30 de Abril de 2008, do Tribunal Constitucional, a confusão trazida a estes autos pelo Reclamante leva-o a, uma vez mais, a errar.
Com efeito, nesse requerimento, apresentado em 10 de Junho de 2007, não há qualquer referência a este Acórdão, o qual, apenas foi junto aos autos em 06 de Maio de 2008.
De todo o modo, tratar-se-ia sempre de uma decisão estranha a este processo.» (fls. 1425 e 1426)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na medida em que o único fundamento invocado para recusa de conhecimento do objecto do presente recurso consistiu na falta de suscitação processualmente adequada da questão de inconstitucionalidade normativa em causa, cabia ao reclamante demonstrar que teria cumprido tal ónus processual (artigo 72º, n.º 2, da LTC). Ora, através de extensa reclamação, aquele limita-se a reiterar a sua discordância face à decisão do tribunal “a quo” e a alegar, quanto ao fundo da questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada, sem ter logrado demonstrar que cumpriu tal ónus processual.
Com efeito, o reclamante até expressa a sua concordância com a decisão reclamada, admitindo que não teria suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação entre os artigos 170º, n.º 1, do CPT, e 288º, n.º 3, do CPC, “quando interpretad[a] no sentido de que a decisão disciplinar tem de ser impugnada no prazo de 15 dias, independentemente de, no mesmo prazo ou posteriormente, usar do direito de interpor recurso da referida decisão para o Conselho Geral do ora Recorrente”. Alega, porém, o reclamante – ainda que de modo sintético e sem identificar o concreto trecho – que tal suscitação teria ocorrido nas próprias alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa.
Sucede, contudo, que tal não corresponde à factualidade expressa nos autos. Pelo contrário, ao proceder-se à análise das referidas alegações, não se descortina, em momento algum, qualquer referência à pretendida inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa do artigo 170º do CPT. Tal como viria a fazê-lo, em sede de requerimento de aclaração – já apontado pela decisão ora reclamada –, o recorrente limitou-se a alegar que a decisão do tribunal recorrido teria violado os artigos 55º, n.º 2, alínea e) e 266º, ambos da CRP (cfr. § 74. das conclusões do recurso), mas nunca imputou qualquer inconstitucionalidade especificamente dirigida à norma extraída do artigo 170º, n.º 1, do CPT, e do artigo 288º, n.º 3, do CPC.
Assim sendo, por manifesta falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, mais não resta do que confirmar a decisão reclamada e indeferir presente a reclamação.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2010.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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