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Processo n.º 64/2010
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. propôs contra o Estado Português uma acção de responsabilidade civil com base em erros grosseiros no exercício da função jurisdicional.
Por sentença da 15.ª Vara Liquidatária de Lisboa, de 2 de Setembro de 2008, foi o Estado Português absolvido do pedido.
Em 7 de Outubro de 2008, foi enviada carta ao autor para notificação da sentença.
Em 13 de Novembro de 2008, o autor interpôs recurso dessa decisão requerendo a sua subida imediata para o Supremo Tribunal de Justiça.
O juiz de primeira instância, com fundamento na sua intempestividade (artigo 685.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), não admitiu o recurso.
O autor, ora recorrente, veio reclamar desse despacho para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
Por despacho do Exmo. Desembargador Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, foi a reclamação julgada procedente e ordenada a admissão do recurso.
Em cumprimento desse despacho, o juiz de primeira instância proferiu despacho de admissão do recurso.
Já no Supremo Tribunal de Justiça foi proferido o seguinte despacho pelo Exmo. Conselheiro Relator:
Em 2 de Setembro de 2008 e na 1ª Vara Liquidatária de Lisboa, foi proferida decisão nesta acção.
Em 06.12.21, A. intentou a presente acção contra o Estado Português.
Em 2 de Setembro de 2008 e na 1ª Vara Liquidatária de Lisboa, foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção da prescrição, absolveu o réu.
Em 7 de Outubro de 2008, foi enviada carta ao autor para notificação da sentença. Em 13 de Novembro de 2008, o autor interpôs recurso da mesma.
Face ao disposto nas disposições conjugadas dos artigos 11°e 12° do Decreto Lei 303/2007, de 24.08 e tendo em conta que a presente acção se encontrava pendente à data da instauração do presente processo, as disposições introduzidas por aquele Decreto Lei não são de aplicar ao mesmo.
Assim, não são de aplicar as alterações ao artigo 685° do Código de Processo Civil aí estabelecidas, nomeadamente na parte em que se alargou o prazo para interposição de um recurso para 30 dias.
De tudo isto resulta que, no presente processo, o prazo para a interposição do recurso por parte do autor era de 10 dias, contados da notificação da decisão, como decorre do disposto no n° 1 do citado artigo 685°, na redacção anterior à introduzida por aquele Decreto Lei.
Ora sendo assim, tendo em conta a data em que no caso concreto em apreço foi proferida a decisão e a data em que o autor foi notificado da mesma, é manifestamente intempestiva a interposição do recurso por parte do autor.
Assim, entendemos que este não pode ser recebido.
Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 704° do Código de Processo Civil.
Em resposta a esse despacho, na parte que releva para efeitos do presente recurso de constitucionalidade, veio o ora recorrente suscitar a questão de constitucionalidade das disposições conjugadas dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com o sentido de que não é aplicável aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2008 o disposto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção naquele diploma vertida, segundo a qual o prazo para interpor recurso e apresentar alegações é unificado e passa a ser de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrenda.
O Exmo. Conselheiro Relator proferiu então o seguinte despacho.
Em 06.12.2 1, A. intentou a presente acção contra o Estado Português.
Em 2 de Setembro de 2008 e na 15ª Vara Liquidatária de Lisboa, foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção da prescrição, absolveu o réu.
Em 7 de Outubro de 2008, foi enviada carta ao autor para notificação da sentença.
Em 13 de Novembro de 2008, o autor interpôs recurso “per saltum” para este Supremo.
O recurso foi recebido, após reclamação para o senhor Presidente da Relação de Lisboa.
Face ao disposto nas disposições conjugadas dos artigo 11° e 12° do Decreto Lei 303/2007, de 24.08 e tendo em conta que a presente acção se encontrava pendente à data da instauração do presente processo, as disposições introduzidas por aquele Decreto Lei não são de aplicar ao mesmo.
Assim, não são de aplicar as alterações ao artigo 685° do Código de Processo Civil aí estabelecidas, nomeadamente na parte em que se alargou o prazo para interposição de um recurso para 30 dias.
De tudo isto resulta que, no presente processo, o prazo para a interposição do recurso por parte do autor era de 10 dias, contados da notificação da decisão, como decorre do disposto no n° 1 do citado artigo 685°, na redacção anterior à introduzida por aquele Decreto Lei.
Ora sendo assim, tendo em conta a data em que no caso concreto em apreço foi proferida a decisão e a data em que o autor foi notificado da mesma, é manifestamente intempestiva a interposição do recurso por parte do autor.
Termos em que e considerando também o disposto no n° 2 do artigo 689° do Código de Processo Civil, não se recebe o recurso interposto.
Vem o recorrente invocar algumas questões a favor da não aplicação das disposições dos citados artigos 11° e 12° na vertente em que é estatuído o início da vigência e a não aplicabilidade aos processos pendentes
1. Quanto à autorização legislativa
Os referidos preceitos não operam “um significativo desvio do sentido da autorização legislativa conferida ao Governo pela Lei 6/2007, de 02.02”, uma vez que da alínea m) do n° 1 do artigo 2° da cita Lei não se retira que o legislador tenha ficado obrigado a consagrar na lei processual a unificação dos momentos processuais relativos à matéria sobre o prazo de interposição dos recursos.
O que ressalta daquela alínea é que a unificação que aí se fala se refere apenas “ao momento processual da interposição do recurso e para a apresentação de alegações, bem como para a prolação do despacho de admissão do recurso e do despacho que ordena a remessa do recurso para o tribunal superior” – do texto da mesma alínea.
Não se refere ao regime da aplicação da lei no tempo.
Acresce que, em rigor, tal regime nada tem a ver com a matéria sujeita à autorização legislativa, cujo objecto, na parte que interessa para aqui, era a alteração do regime de recursos em processos.
A definição do campo temporal de aplicação do Decreto-lei decretado ao abrigo de uma autorização legislativa não pode ser considerada, em rigor, como fazendo parte da matéria sujeita a essa autorização e, portanto, essa definição pode ser feita livremente pelo Governo.
Ou seja, ao definir o campo de aplicação do Decreto-lei 303/2007, o Governo não estava a “alterar o regime de recursos em processo civil”.
Concluindo: não houve qualquer desvio da autorização legislativa.
2. Quanto à tutela jurisdicional efectiva
O preceituado nas disposições conjugadas contidas nos citados artigos 11° e 12° do Decreto-lei 303/2007 não violam o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no n° 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
“O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva” – Gomes Canotilho e Vital Moreira “in” Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, volume 1, página 415.
Não se vê em como a aplicação dos prazos estabelecida nos artigos 685° e 698° do Código de Processo Civil, com a redacção anterior à entrada em vigor do citado Decreto-lei 303/2007, pode não se conformar com uma tutela judicial efectiva. Na verdade, da conjugação dos dois prazos resulta até que o recorrente tem um prazo maior para interpor o recurso e alegar do que o estabelecido no artigo 685° com a redacção introduzida por aquele Decreto-lei.
A tutela judicial é efectiva e até mais ampla.
Também não se vê que a solução seja arbitrária, violando assim o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
Seria assim se as situações de facto fossem iguais.
Mas não são.
Trata-se de diferenciar processos pendentes à entrada em vigor do referido Decreto-lei 303/2007 dos processos iniciados a partir dessa entrada.
Trata-se de situações diferentes que podem ter um tratamento diferente.
Pois e como referem os autores acima citados e na mesma obra, a página 339, “a vinculação jurídica material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro do limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto a tratar igual ou desigualmente”.
Finalmente, também não se vê que tal solução seja violadora do princípio da proporcionalidade aflorado no artigo 18° da Constituição da República Portuguesa, por excesso, na medida em que aquela diferenciação não pode ser considerada como um meio não adequado para a prossecução dos fins visados pela lei e isto tendo em conta a liberdade de conformação legislativa do Governo, acima referida.
3. Outra dimensão da tutela jurisdicional efectiva
Não se vê em como a norma do n° 3 do artigo 687° do Código de Processo Civil, com a redacção anterior à introduzida pelo Decreto Lei 303/2007, “é feridente da garantia de tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20° n° 1 e 4 da Lei Fundamental” tomada no sentido que é aplicável ao requerimento de subida imediata do recurso a este Supremo.
Valem aqui as mesmas considerações aduzidas em questão anterior.
Na verdade, a aplicação da norma em causa não retira ao recorrente num recurso “per saltum” a tutela jurisdicional efectiva, sendo que o estabelecimento de um prazo para interposição desse recurso de modo nenhum pode excluir essa tutela, desde que – como é o caso – não seja arbitrariamente curto ou reduzido, dificultando irrazoavelmente a acção judicial”.
Quanto à baixa do processo à Relação, de forma nenhuma se aplica ao caso concreto em apreço o disposto no n° 4 do artigo 725° do Código de Processo Civil, que apenas se pode verificar quando “o relator entender que as questões suscitadas ultrapassam o âmbito da revista” – do mesmo número e artigo.
Não tem, assim, o processo de ser remetido à Relação.
2. É desse último despacho que é interposto o presente recurso de constitucionalidade.
No requerimento de interposição do recurso, o requerente indica três normas cuja conformidade com a Constituição pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional [embora o recorrente enumere quatro questões de constitucionalidade distintas, em substância, a primeira e terceira questão são uma só, tendo a sua apresentação em separado que ver com os vícios de inconstitucionalidade que lhe são imputados], a saber:
em primeiro lugar, a norma extraída dos preceitos conjugados dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com o sentido de que não é aplicável aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2008 o disposto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção naquele diploma vertida, segundo a qual o prazo para interpor recurso e apresentar alegações é unificado e passa a ser de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrenda. Entende o recorrente que essa dimensão normativa padece de um duplo vício. Desde logo é organicamente inconstitucional, violando o princípio da subordinação ínsito no artigo 112.º, n.º 2 da Constituição, porquanto é desconforme com a autorização contida na Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, ao não respeitar o objecto, o sentido e a extensão aí estabelecidos. Além disso, padece de inconstitucionalidade material por contrariar o disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1 da Constituição, bem como o princípio da proporcionalidade aí consagrado.
em segundo lugar, a norma do n.º 3 do artigo 687.º do Código de Processo Civil, no segmento em que determina o indeferimento do requerimento de recurso se apresentado fora de tempo, com o sentido de que é aplicável ao requerimento de subida imediata ao Supremo Tribunal de Justiça do recurso de apelação. Entende o recorrente que esse preceito, assim interpretado, é inconstitucional por ofender a garantia de tutela jurisdicional efectiva consagrado nos preceitos constitucionais dos n.º 1 e 4 do artigo 20.º.
por último, a norma do n.º 3 do artigo 687.º do Código de Processo Civil, no segmento em que prescreve o indeferimento do requerimento de recurso se extemporâneo quando coexistem no mesmo lapso temporal dois regimes de interposição de recurso e um dos regimes é observado pelo recorrente. Entende o recorrente que essa norma lesa o princípio da interpretação e aplicação das regras processuais por forma a assegurar a pronúncia sobre as questões submetidas a juízo, ínsito na garantia de tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.
A relatora no Tribunal Constitucional, no despacho que notificou o recorrente para alegar, circunscreveu o objecto do recurso à norma extraída dos preceitos conjugados dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com o sentido de que não é aplicável aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2008 o disposto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção naquele diploma vertida, segundo a qual o prazo para interpor recurso e apresentar alegações é unificado e passa a ser de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrenda.
O recorrente veio então apresentar as suas alegações, tendo concluído do seguinte modo:
1. É inconstitucional a norma que se extrai da conjugação dos artigos 11º e 12º do Decreto-lei n° 303/2007, de 24 de Agosto, com o sentido de que não é aplicável aos processos encetados anteriormente a 1 de Janeiro de 2008 o disposto no artigo 685° daquele diploma com vista a aperfeiçoar o acesso aos tribunais superiores e minorar a duração dos processos cíveis. Tal norma viola o princípio da separação de poderes, invade a área de competência legislativa do Parlamento, altera a autorização outorgada pela Lei n° 6/2006 (artigos 112° n° 2, e 165° n° 1 e 2 da Constituição), porquanto, ao restringir as novas disposições legais a uma categoria de recorrentes, reduz o âmbito de aplicação e a extensão prescritos na lei delegante.
2. É manifesta a dedicação constitucional aos direitos liberdades e garantias tal como delineados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e reiterados em numerosos instrumentos internacionais que obrigam o Estado.
3. Os artigos 2° e 9° da Lei Fundamental consagram a garantia de efectivação daqueles direitos e postulam o assegurar dos mesmos como tarefa fundamental do Estado. E o artigo 3° subordina o Estado à Constituição e à legalidade democrática, impondo ainda que a validade das leis depende da sua conformidade com a moldura constitucional, a qual inclui a esfera dos direitos fundamentais, onde se inscrevem o direito de acesso aos tribunais superiores e o direito a justiça em prazo razoável, ambos em condições de igualdade.
4. Corolário do que antecede é a conclusão de que a lei delegante não pode ter querido a violação daqueles direitos por via da institucionalização de duas categorias de recorrentes com diferentes extensões daqueles. Aliás, nada nos procedimentos que antecederam o pedido de autorização nem no teor deste, com o qual se formou a vontade de delegar, autoriza a atribuir ao órgão delegante a discriminação em causa.
5. A lei delegante foi editada com o âmbito e extensão de que todos os recorrentes usufruiriam da melhoria no acesso aos tribunais superiores e na aceleração processual prosseguida com a reforma.
6. Sentido e extensão alterados pelo legislador ordinário ao restringir os benefícios da reforma e ao aumentar, consequentemente, o tempo de espera nos referidos tribunais, dos recursos interpostos em processos anteriores a 2008.
7. A norma referida em 1. supra viola também o artigo 13º da Constituição ao erguer a apontada diferença de tratamento entre as duas categorias de recorrentes tal como identificadas no corpo desta peça sem que se descortine fundamento material razoável para tanto. Efectivamente, não só ela origina tratamento diferentes aí onde a igual aplicação da lei nova assegurava a constitucional igualdade como ainda acarreta desigualdade no acesso ao efectivo julgamento dos recursos, na medida em que recursos interpostos em processos findos no mesmo dia vão posicionar-se na tabela de julgamentos de cada tribunal superior em função da data de subida e, por conseguinte, o avanço de meses proporcionado pela reforma redunda em desfavor acrescido dos recursos já penalizados na 1a instância pelo mero facto de respeitarem a processos anteriores a 2008.
8. A norma em questão contraria também o princípio da proporcionalidade por desadequada e desnecessária; é claramente excessiva. E também não dá a devida consideração ao princípio da proibição por defeito.
O Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, em representação do Estado Português, contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Decorre do despacho proferido pelo relator, não impugnado, que notificou o recorrente para alegar bem como das alegações apresentadas pelo recorrente neste Tribunal, que o objecto do recurso ficou circunscrito apenas à questão de constitucionalidade da norma extraída dos preceitos conjugados dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com o sentido de que não é aplicável aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2008 o disposto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção naquele diploma vertida, segundo a qual o prazo para interpor recurso e apresentar alegações é unificado e passa a ser de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrenda.
4. Entende o recorrente que esta “norma” ou dimensão normativa padece de um duplo vício. Desde logo, seria organicamente inconstitucional, violando o princípio da subordinação ínsito no artigo 112.º, n.º 2, da Constituição, porquanto é desconforme com a autorização contida na Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, ao não respeitar o objecto, o sentido e a extensão aí estabelecidos. Além disso, padeceria de inconstitucionalidade material por contrariar o disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1 da Constituição, bem como o princípio da proporcionalidade aí consagrado.
5. No que respeita à alegada inconstitucionalidade orgânica, deve entender-se que o facto de a norma sub judicio delimitar o âmbito de aplicação temporal do diploma em que se encontra inserida, excluindo a sua aplicação a processos pendentes, é de todo insusceptível de se traduzir em um desvio do objecto, sentido e extensão da autorização legislativa.
É que a norma sub judicio é uma norma de direito transitório que se limita a determinar que se deve continuar a aplicar o regime então vigente aos processos pendentes.
Note-se que o regime material aplicável, contido no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, deve considerar-se, em rigor, mais favorável ao recorrente, pois, apesar de o prazo aí previsto ser apenas de 10 dias e, portanto, mais curto, comparativamente com o prazo de 30 dias previsto na lei nova, a verdade é que aí não se exige – como se faz na lei nova (cfr. artigo 684.º-B do CPC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) – que o requerimento de interposição do recurso contenha já as alegações, impondo-se apenas ao recorrente o ónus de manifestar a sua vontade de recorrer através da apresentação de um requerimento que exprima essa vontade, devendo as alegações ser apresentadas, posteriormente, contando-se o prazo a partir da notificação ao recorrente do despacho que tenha admitido o recurso.
A ratio da norma de direito transitório sub judicio consiste, portanto, em permitir o aproveitamento desse regime – mais favorável ao recorrente – aos processos ainda pendentes. A mesma não contém qualquer disciplina material inovatória, não consubstanciando, portanto, modificação de direito.
Ora, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, firme e reiteradamente, no sentido de que, ainda que se comprove a ausência de autorização legislativa parlamentar, não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica sempre que o Governo se limite a, no exercício da função legislativa que lhe compete, proceder à reprodução de normatividade já existente. Tal entendimento remonta à Comissão Constitucional que em vários pareceres se pronunciou no sentido da não verificação de inconstitucionalidade orgânica sempre que as normas em análise não ostentavam carácter inovatório (cfr. Pareceres n.ºs 2/79 e 17/82, publicados, respectivamente, nos Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º volume e 10.º volume) e foi confirmado, i. a., pelos Acórdãos n.ºs 1/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º volume, pp. 173 e seguintes, 423/87, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Novembro de 1987, e 137/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Maio de 2003, e 483/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Assim sendo, a não ser na hipótese de a própria lei de autorização legislativa conter norma específica que disponha sobre a aplicação no tempo do decreto-lei autorizado, caso em que, em abstracto, é possível este último violar uma norma preestabelecida – o que, in casu, de todo em todo se verifica –, a delimitação do âmbito de aplicação temporal de um diploma, só por si, é insusceptível de configurar um vício de inconstitucionalidade orgânica, apenas podendo, eventualmente, configurar um vício de inconstitucionalidade material.
6. É esse o segundo fundamento de inconstitucionalidade invocado pelo recorrente. Afirma ele que a não-aplicação do novo regime aos processos pendentes contraria o princípio da tutela jurisdicional efectiva (CRP, artigo 20.º, n.º 1), o princípio da igualdade (CRP, artigo 13.º, n.º 1) bem como o princípio da proporcionalidade.
Não tem razão o recorrente.
Antes do mais, não se vê como pode o princípio da proporcionalidade servir como parâmetro idóneo para a apreciação da constitucionalidade da dimensão normativa sub judicio.
O mesmo se diga sobre a alegada violação do princípio da igualdade.
A exclusão da aplicação do novo regime aos processos pendentes à data da entrada em vigor da nova lei não assenta em qualquer factor arbitrário ou aleatório, mas decorre de um facto processualmente relevante que é o começo de vigência de uma nova lei. O que basicamente está em causa é uma diferença de regimes decorrente da normal sucessão de leis no tempo, havendo que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para a aplicação do novo e do velho regime. E nem é sequer possível estabelecer um termo de comparação entre a situação dos sujeitos processuais cujas acções entraram em juízo no domínio da lei precedente e a daqueles outros cujos processos já se iniciaram na vigência da nova lei, e que, por isso, ficam já subordinados ao novo regime legal. A diferenciação de tratamento baseia-se, neste caso, numa distinção objectiva de situações e essa distinção, por sua vez, encontra justificação num fundamento material bastante, qual seja a entrada em vigor de um novo regime processual em matéria de recursos cíveis. De resto, como o Tribunal tem sistematicamente afirmado, o «princípio de igualdade não opera diacronicamente» (acórdão n.º 43/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol. pág. 565 e Acórdão n.º 309/93, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) ou, pelo menos, não opera diacronicamente de forma a impedir a sucessão de leis no tempo (acórdãos n.ºs 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08, qualquer deles disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Sobre questão idêntica à dos autos decidiu já o Tribunal Constituicional, no seu acórdão n.º 429/2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no sentido da inexistência de qualquer violação do princípio da igualdade.
Finalmente, não se vê como pode uma norma que determina a aplicação da lei antiga aos processos pendentes, sequer em abstracto, violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
É que, de duas uma, ou a questão de constitucionalidade tem que ver com o regime de aplicação da lei no tempo, em si mesmo considerado, e aí o parâmetro de constitucionalidade invocado – princípio da tutela jurisdicional efectiva – não é de todo em todo idóneo para a apreciar, ou então a questão de constitucionalidade tem justamente que ver com o regime material constante do n.º 1 do artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Simplesmente, não pode o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre tal questão de constitucionalidade normativa, por a mesma não integrar o objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Perante a improcedência de qualquer dos fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo recorrente para a apreciação da questão de constitucionalidade normativa pelo mesmo enunciada, o Tribunal Constitucional decide não julgar a mesma inconstitucional.
III – Decisão
Nestes termos, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos preceitos conjugados dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com o sentido de que não é aplicável aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2008 o disposto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redacção naquele diploma vertida, segundo a qual o prazo para interpor recurso e apresentar alegações é unificado e passa a ser de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrenda;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
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