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Processo n.º 641/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, Victor Manuel Bento Baptista, na qualidade de candidato à eleição para Presidente da Federação Distrital de Coimbra, instaurou, contra o Partido Socialista, acção de impugnação de caderno eleitoral e de impugnação de deliberação de órgão de partido político, ao abrigo dos artigos 103º-C e 103º-D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Nesta sede, foi expressamente peticionado o seguinte:
“1 — Por violar directa e injustificadamente o princípio da liberdade de participação em partido político (artigo 51° da C.R.P.) e de igualdade, constitucionalmente tutelados, as decisões do Secretariado Nacional sobre a reclamação do autor sobre os cadernos eleitorais e da Comissão Nacional da Jurisdição de 14 de Setembro de 2010, são nulas;
2 — Para além de que são também ilegais, ofendendo os artigos 1° nº 1, 7° nº 1 e 8°, 9, l1º e 18° dos Estatutos, entre outros e artigos 4°, 5°, 8 n°1 e n° 2, entre outros, do Regulamento Eleitoral do Presidente da Federação, aprovado pela Comissão Nacional do PS, por sua deliberação de 30 de Maio de 2010;
3 — Que na elaboração dos cadernos eleitorais fez-se uma ilegal aplicação dos artigos 7º, 8°, 9°,11° e 18° dos Estatutos, dos quais resulta, que para se poder votar nas eleições para Presidente da Federação, terá não só o militante de constar do “recenseamento actualizado dos membros do partido”, “obrigatoriamente” elaborado “Até final de Março, como ainda, o militante deve ter ainda “mais de 6 meses de inscrição, no momento do acto eleitoral”;
4 — Que deverão ser incluídos nos cadernos eleitorais, os militantes referidos nos nº 49.1 e 49.3 (e 66) desta petição, porque legalmente inscritos nos cadernos eleitorais até 31 de Março de 2010 e portanto com direito a voto e não com data de 29 de Abril de 2010, como deles erradamente consta;
5 — Que deverão ser excluídos dos cadernos eleitorais, todos os militantes inscritos com data de 1 de Abril de 2010, ou posterior, porque não podem constar do “recenseamento actualizado dos membros do partido”, “obrigatoriamente”, realizado final de Março de cada ano, nos termos do nº 7 do artigo 7° dos Estatutos do PS e identificados no nº 49.2 desta petição;
6 — E porque a execução das aludidas decisões causam igualmente, nos termos em que ficou exposto, um dano considerável e imediato ao aqui autor e militantes do Partido Socialista, não causando ao mesmo tempo dano nenhum ao requerido, devem ser suspensas, até decisão final da presente acção.” (fls. 128 e 129)
2. Devidamente notificado para o efeito, o impugnado Partido Socialista, veio responder o seguinte:
“Subscreve na íntegra a resposta apresentada pela Comissão Nacional de Jurisdição, datada de 14 de Setembro, a qual se encontra junta aos autos, como documento n.º 7.” (fls. 249)
3. Por despacho da Relatora, proferido em 30 de Setembro de 2010, ordenaram-se diversas diligências probatórias tendentes à preparação da decisão a proferir, que de seguida se elencam:
“Quanto à acção principal de impugnação da omissão nos cadernos eleitorais, determina-se, ao abrigo do n.º 5 do artigo 103º-C e do n.º 3 do artigo 103º-D da LTC, que seja citado o requerido para responder, no prazo de cinco dias, com a expressa advertência de que a resposta deve ser acompanhada de:
Todos os requerimentos apresentados pelo requerente Victor Baptista perante as instâncias internas do partido político em causa;
Acta da deliberação proferida pelo Conselho Nacional de Jurisdição do requerido;
Informação sobre “se as fichas dos militantes referidos no nº 49.1 desta acção, têm decisão do Secretariado da Federação Distrital, no campo sito no modelo respectivo e no canto inferior direito, destinado para o efeito e em caso afirmativo, qual a data que dele consta”;
Recenseamento dos militantes identificados no n.º 49.2 da petição inicial, do qual conste a data de inscrição ou de adesão;
Informação sobre “se os militantes identificados no nº 49.3 desta acção, manifestaram a vontade, por documento, de serem militantes do PS, juntando cópia do mesmo, donde isso resulte por qualquer modo”;
Cópia da “ficha de inscrição do militante Carlos José Cabral Fernandes, nº 123 715 [com vista a] verificar a data da aprovação ou parecer efectuado pela Concelhia do PS de Miranda do Corvo”;
Documento comprovativo da data de notificação ao requerente Victor Baptista (ou ao respectivo Advogado) da deliberação proferida pelo Conselho Nacional de Jurisdição do requerido, em 14 de Setembro de 2010;
Documento comprovativo da data de apresentação de candidatura a Presidente da Federação Distrital de Coimbra pelo requerente Victor Baptista.
3. Por fim, mais se determina que seja notificado o requerente Victor Baptista para que, querendo, venha aos autos juntar:
Documento comprovativo da data de notificação ao requerente Victor Baptista (ou ao respectivo Advogado) da deliberação proferida pelo Conselho Nacional de Jurisdição do requerido, em 14 de Setembro de 2010;
Documento comprovativo da data de apresentação de candidatura a Presidente da Federação Distrital de Coimbra pelo requerente Victor Baptista.” (fls. 192 e 193).
Em cumprimento deste despacho, foram juntos aos autos os seguintes documentos:
i) Registo postal n.º RM 5812 7299 4 PT, comprovativo da notificação, em 16 de Setembro de 2010, da deliberação do Conselho Nacional de Jurisdição (CNJ) do PS, tomada em 14 de Setembro de 2010 (fls. 227);
ii) Cópia de envelope enviado por “PS – Sede Nacional”, identificado pelo registo n.º RM 5812 7299 4 PT, e endereçado ao mandatário do impugnante, Dr. Ricardo Ferreira da Silva (fls. 228);
iii) Certidão/declaração da Comissão Organizadora do Congresso (COC), datada de 06 de Outubro de 2010, de que a candidatura de Victor Manuel Bento Baptista a Presidente da Federação de Coimbra foi apresentada, sem qualquer irregularidade, em 26 de Agosto de 2010 (fls. 247);
iv) Todos os requerimentos apresentados pelo impugnante Victor Baptista perante as instâncias internas do partido político em causa (fls. 254 a 292);
v) Acta da deliberação proferida pelo Conselho Nacional de Jurisdição do impugnado, em 14 de Setembro de 2010 (fls. 293);
i) Cópias das fichas de inscrição dos militantes mencionados no § 49.1. da petição inicial (fls. 294 a 473);
ii) Cópias das fichas de inscrição dos militantes mencionados no § 49.2 da petição inicial (fls. 474 a 522);
iii) Correio electrónico enviado pela Juventude Socialista confirmando quais os novos militantes do PS que são simultaneamente militantes daquela organização de juventude, relativamente aos militantes mencionados no § 49.3 da petição inicial (fls. 523 e 524);
iv) Cópia da ficha de inscrição do militante Carlos José Cabral Fernandes (fls. 525);
v) Cópia de ofício enviado pelo Presidente da CNJ do PS, datado de 15 de Setembro de 2010 e endereçado ao impugnante Victor Baptista (fls. 526);
vi) Cópia do registo postal n.º RM 5812 7298 5 PT, endereçado ao impugnante Victor Baptista, comprovativo da notificação, em 16 de Setembro de 2010, da deliberação do Conselho Nacional de Jurisdição (CNJ) do PS, tomada em 14 de Setembro de 2010 (fls. 527 e 528);
vii) Cópia de ofício enviado pelo Presidente da CNJ do PS, datado de 15 de Setembro de 2010 e endereçado ao advogado do impugnante, Dr. Ricardo Ferreira da Silva (fls. 529);
viii) Cópia do registo postal n.º RM 5812 7298 5 PT, endereçado ao Advogado do impugnante, Dr. Ricardo Ferreira da Silva, comprovativo da notificação, em 16 de Setembro de 2010, da deliberação do Conselho Nacional de Jurisdição (CNJ) do PS, tomada em 14 de Setembro de 2010 (fls. 530 e 531).
Mais tarde, após a realização do acto eleitoral, por requerimento recebido neste Tribunal, em 18 de Outubro de 2010, o impugnante veio juntar aos autos os seguintes documentos:
i) Reclamação/recurso apresentado pelo impugnante à COC da Federação Distrital de Coimbra do PS, no qual se invoca a omissão nos cadernos eleitorais dos militantes referidos no § 49.1. da petição inicial, enquanto fundamento da nulidade do respectivo acto eleitoral, bem como a respectiva deliberação, em manuscrito, daquela COC que ora se transcreve: “Face ao exposto e considerando que a COC tomou como referência os cadernos eleitorais definitivos que foram recepcionados por esta e serviram de base aos actos eleitorais, delibera não tomar qualquer apreciação sobre o exposto, por entender que tais factos não se enquadram no âmbito das suas competências” (fls. 534 a 537);
ii) Reclamação/recurso apresentado pelo impugnante à COC da Federação Distrital de Coimbra do PS, no qual se invoca a inclusão indevida nos cadernos eleitorais dos militantes referidos no § 49.2. da petição inicial, enquanto fundamento da nulidade do respectivo acto eleitoral, bem como a respectiva deliberação, em manuscrito, daquela COC que ora se transcreve: “Face ao exposto e considerando que a COC tomou como referência os cadernos eleitorais definitivos que foram recepcionados por esta e serviram de base aos actos eleitorais, delibera não tomar qualquer apreciação sobre o exposto, por entender que tais factos não se enquadram no âmbito das suas competências” (fls. 538 a 539);
iii) Deliberação da referida COC, proferida em 12 de Outubro de 2010, que ora se transcreve: “Relativamente à presente exposição informamos que face à análise dos processos eleitorais e reclamações apresentadas, a COC já deliberou por maioria, com 5 votos a favor e 4 contra, a repetição do acto eleitoral das secções de Borda do Campo, Buarcos, Figueira da Foz e Miranda do Corvo por se entender que o pagamento de quotas através dos hipotéticos recibos apresentados não provam inequivocamente o seu pagamento. No que concerne às secções de Penacova, Maiorca, Condeixa-a-Nova, Oliveira do Hospital, Lagares da Beira, Ereira, Formoselha e Liceia não se deu provimento às reclamações/protestos por não se fazer prova do alegado, dando-se como válidos os resultados apurados.” (fls. 540)
4. Em 18 de Outubro de 2010, a Relatora proferiu o seguinte despacho:
“Tendo em conta que, nos termos do n.º 3 do artigo 8º, do Regulamento Eleitoral do Presidente da Federação (cfr. Doc. n.º 2, junto com o requerimento inicial), o acto eleitoral terá ocorrido no passado dia 9 de Outubro de 2010;
Tendo em conta que, nos termos dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 9º do referido Regulamento, cabe à Comissão Organizadora do Congresso receber os resultados eleitorais e proferir, caso necessário, decisão sobre eventuais impugnações das actas de apuramento eleitoral;
Determina-se que:
Sejam notificados o requerido, Partido Socialista, e a Comissão Organizadora do Congresso da Distrital de Coimbra, com sede na Rua Oliveira Matos, n.º 21, 3000-305 Coimbra (Fax n.º 239 826 329), para que, no prazo de 2 (dois) dias, a contar desta notificação, venham aos presentes autos:
i) Prestar informações sobre os resultados eleitorais, designadamente, sobre o número total de votantes, o número de votos expressos obtidos por cada candidatura e a percentagem de votos de cada uma delas;
ii) Juntar cópias das actas das assembleias eleitorais realizadas em 9 de Outubro de 2010;
iii) Juntar cópias de decisões da Comissão Organizadora do Congresso sobre eventuais impugnações dos actos eleitorais ocorridos em 9 de Outubro de 2010.
Notifique-se o presente despacho, por telefax e correio registado.” (fls. 542 e 543)
Por requerimento enviado, em 20 de Outubro de 2010, o impugnado veio juntar diversos documentos (fls. 553 a 1023) e prestar as seguintes informações:
“i) Em 30 de Maio de 2010, em Comissão Nacional do Partido Socialista, foram aprovados os Regulamentos Eleitorais para a Eleição de Presidente da Federação e Eleição dos Delegados ao Congresso, bem como, o mapa cronológico dos prazos e procedimentos eleitorais, tendo sido fixado o dia 8 e 9 de Outubro para a realização dos actos eleitorais em todas as Estruturas Federativas, conforme doc.1, 2 e 3 que se juntam.
A Federação Distrital do PS de Coimbra, designou o dia 9 de Outubro, para a realização dos actos eleitorais (Eleição do Presidente da Federação e Eleição dos Delegados ao Congresso), decorrendo as Assembleias Eleitorais, entre as 18.00h e as 22.00h.
Nos termos do art. 9º dos Regulamentos Eleitorais, concluídas e encerradas as operações eleitorais, os membros das Assembleias Eleitorais e Delegados das candidaturas presentes, caso existam, procedem ao apuramento dos resultados, nomeadamente, contagem do número de votantes pelas descargas nos cadernos eleitorais; abertura da urna, a fim de conferir o número de boletins de voto entrados e contagem dos votos, nos termos do n.º 2 do citado artigo.
Nos termos do n.º 3 do art. 9º do Regulamento Eleitoral para a Eleição de Presidente da Federação e Regulamento Eleitoral para a Eleição dos Delegados ao Congresso, realizado o apuramento, deve ser lavrada acta, na qual devem constar os seguintes elementos:
1. Na acta de apuramento da Eleição do Presidente da Federação:
Identificação das candidaturas e respectivas listas a sufrágio; nomes e números dos militantes, membros de mesa e dos das candidaturas que participaram na operação eleitoral; deliberações relativas a protestos, reclamações e requerimentos apresentados durante a operação de votação e resultados finais de votação (número de votos atribuídos a cada candidatura, número de votos em branco e número de votos nulos);
2. Na acta de apuramento da Eleição dos Delegados ao Congresso:
Identificação nominal das listas de candidatos a delegados ao Congresso e respectivos programas ou moções de orientação politica; nomes e números dos militantes, membros de mesa e dos das candidaturas que participaram na operação eleitoral; deliberações relativas a protestos, reclamações e requerimentos apresentados durante a operação de votação e resultados finais da votação (número de votos atribuídos a cada lista de candidatos a delegados ao Congresso da Federação, número de votos em branco e número de votos nulos).
De acordo com o disposto no n.º 4 do art. 9º dos Regulamentos Eleitorais, o Presidente da Mesa Eleitoral deve afixar de imediato uma cópia da acta da assembleia eleitoral, devendo remeter o original para a Comissão Organizadora do Congresso (COC).
Acontece porém, que a Comissão Organizadora do Congresso de Coimbra, após o encerramento das operações eleitorais, não comunicou aos Serviços Administrativos da Sede Nacional, nomeadamente, ao Departamento Nacional de Dados, os resultados eleitorais provisórios ou definitivos, apesar das diversas solicitações dos Coordenadores dos Departamentos da Sede Nacional responsáveis no âmbito dos actos eleitorais.
Os Serviços da Sede Nacional do PS, só tiveram conhecimento dos resultados eleitorais provisórios, através de informação prestada pelos delegados de uma das candidaturas, Presidentes de Mesa de Assembleia de Voto e Coordenadores de Secção, após afixação da respectiva acta, nos termos do n.º 4 do art. 9° dos Regulamentos Eleitorais.
Daqui decorre o facto, de o site do PS, apenas referir como provisórios, os resultados eleitorais relativos à Federação de Coimbra. A Comissão Organizadora do Congresso de Coimbra, só notificou o Secretário Nacional Adjunto e da Organização, órgão que tutela os actos eleitorais em causa, no dia 14 de Outubro, pelas 00h4lm, através do envio de e-mail, e posteriormente em 16 de Outubro, conforme doc.4 e 5.
No entanto, importa referir, que o 1º quadro com os resultados eleitorais remetidos pela Comissão Organizadora do Congresso encontram-se rasurados, ou seja, foram apagadas com corrector as Secções, nas quais a COC, decidiu proceder á repetição do acto eleitoral, pese embora, não tenha competência para tal, conforme Estatutos do Partido Socialista, Regulamentos Eleitorais e Parecer da Comissão Nacional de Jurisdição do PS, que se junta sob doc.6.
A Direcção Nacional do PS, exaustivamente, solicitou diversas vezes via telefone, ao Presidente da COC, o envio dos resultados eleitorais, fossem eles provisórios ou definitivos para que os mesmos fossem publicados, bem como, o envio de todas as actas eleitorais das assembleias de voto, explicando que esse procedimento nunca colocaria em causa a análise de reclamações, protestos, impugnações, que houvessem sobre elas.
Nunca foi atendido o pedido da Direcção Nacional por razões que se desconhece.
ii) No que concerne ao solicitado no presente ponto, cumpre-nos informar que os Serviços Administrativos da Sede Nacional do Partido Socialista, bem como, a Direcção Nacional do Partido Socialista, não tiveram conhecimento das actas das Assembleias Eleitorais, relativamente aos actos eleitorais de 9 de Outubro de 2010 da Federação Distrital de Coimbra.
Os referidos documentos estão na posse da Comissão Organizadora do Congresso de Coimbra.
iii) No que concerne ao solicitado no presente ponto do douto despacho de fls., importa referir:
1. Em 15 de Outubro de 2010, foi entregue pessoalmente e em mão, na Sede Nacional do PS, ao cuidado do Director Geral do PS, Eng. Amadeu Pires, um conjunto de documentos, relativos às deliberações da COC, nomeadamente a acta final dos trabalhos da COC, bem como todas as contestações e deliberações da mesma, conforme doc.7, que se junta.
2. O que não se entende, uma vez que o órgão competente e que tutela os actos eleitorais das estruturas federativas do Partido, é o Secretariado Nacional e/ou Departamento Nacional de Dados.” (fls. 548 a 552)
Por sua vez, a Comissão Organizadora do Congresso, em 21 de Outubro de 2010, juntou aos autos os diversos documentos (fls. 1039 a 1992), sendo que, para efeitos dos presentes autos, relevam os seguintes factos: i) os resultados eleitorais apurados foram considerados provisórios por deliberação da COC, tomada com cinco votos a favor e quatro votos contra (fls. 1048 e 1049); ii) os resultados eleitorais apuraram 2264 votos a favor do candidato da Lista A e 2262 votos a favor do impugnante, candidato da Lista B (cfr. fls. 1045).
Posto isto, em 22 de Outubro de 2010, o impugnante viria a apresentar novo requerimento através do qual juntou cópia de deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra do PS, proferida em 16 de Outubro de 2010 (fls. 1995 a 2003-verso), através da qual se decidiu: i) revogar a decisão da COC relativa à repetição de acto eleitoral na secção de Figueira de Lorvão, ii) confirmar as decisões da COC relativas à repetição de acto eleitoral nas secções de Ameal, Cumieira, Taveiro, Figueira da Foz, Miranda do Corvo, Quiaios, Penacova, Praia de Mira, Mira e Torres do Mondego; iii) revogar as decisões da COC sobre as irregularidades alegadas no exercício do direito de voto nas secções de Maiorca, Condeixa-a-Nova, Oliveira do Hospital, Lagares da Beira, Ereira, Formoselha, Liceia e CTT-Coimbra.
Após consulta presencial dos autos, o requerente apresentou requerimento (fls. 2019 a 2028), em 02 de Novembro de 2010, através do qual se pronunciou sobre a resposta do requerido e solicitou que este último fosse notificado para juntar vários documentos (alegadamente) em falta. Finalmente, em 03 de Novembro de 2010 (fls. 2065 a 2068), o requerente apresentou novo pedido de junção aos autos de outros documentos com vista a fazer prova do seu direito.
5. Em simultâneo à instauração daquela acção, veio ainda o candidato, ao abrigo do artigo 103º-E da LTC, requerer o seguinte:
“73 — O acto eleitoral constitui um processo composto por um conjunto de actos autónomos e destacáveis, que vão desde a elaboração e fixação dos cadernos eleitorais até ao Apuramento Geral e proclamação dos resultados da eleição, passando pelo acto de votação nas respectivas assembleias de voto.
74 — Não estão em causa na presente acção os cadernos eleitorais no seu conjunto e em toda a sua vasta dimensão de milhares de militantes neles inscritos com direito a voto, mas tão só a inscrição ou omissão referida nos nºs 49.1, 49.2 e 49.3 desta acção de impugnação.
75 — Não pretendendo o Autor a suspensão da votação do acto eleitoral, designado para o dia 9 de Outubro de 2010, que o Autor pretende e quer que se realize nesse referido dia, mas tão só que seja suspenso o exercício do direito de voto dos militantes referidos no artigo 49.2 desta petição e aí também identificados.
76 — Pois que o exercício do direito de voto dos militantes aí referidos nesse numero 49.2, caso a presente acção mereça provimento, como se espera, inquina toda a votação e acto eleitoral, pois não é possível conhecer o sentido do voto já exercido e retirá-lo, dado o seu carácter secreto.
77 — O que só por si comprometeria, definitivamente, todo o Apuramento Geral dos resultados eleitorais.
78 — Por outro lado, caso a presente acção mereça provimento, como se espera, terá de ser designada data para os militantes referidos nos artºs 49.1 e 49.3 desta petição, exercerem o seu direito de voto.
79 — Tendo então de ser aditados, posteriormente, os resultados desta votação, somando-os, aos resultados obtidos da votação ocorrida em 9 de Outubro de 2010.
80 — O que tem necessariamente efeitos no Apuramento Geral, o qual, Apuramento Geral deve pois, ser igualmente suspenso e não ser realizado no dia 9 de Outubro de 2010, sem aquela contagem adicional, pela mesma razão e caso a presente acção, como se disse, mereça provimento como se espera.
81 — Razão pela qual, deve ser suspenso o acto eleitoral, relativamente tão só, ao acto de votação dos militantes referidos no número 75 e ao acto referido no nº 80 (Apuramento Geral) desta petição de justiça.
82 — Efectivamente a ocorrer a votação, ou seja tão só, o exercício de voto dos militantes referidos nos nº 49.2 desta petição e o Apuramento Geral, sem que as questões objecto da presente acção sejam definitivamente decididas, criar-se-á um dano irreparável, nomeadamente, a anulação de todo o acto eleitoral e os prejuízos evidentes e notórios daí decorrentes, o que não se pretende.
83 — Importando para o autor, candidato ao dito acto eleitoral, a decisão de indeferimento da reclamação do caderno eleitoral pelo Secretariado Nacional do requerido, na paute e só nesta de que é objecto a presente impugnação e bem assim, do recurso da decisão proferida pela Comissão Nacional de Jurisdição de 14 de Setembro de 2010, danos apreciáveis.
84 – Pois que isso viola fragorosamente o princípio constitucional dos cidadãos participarem nos partidos políticos, no caso o Partido Socialista e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e organização do poder político, princípio este ínsito no artigo 51°, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa, estruturante do nosso Estado de Direito Democrático, o que não pode deixar, só por si, de causar um dano mais do que apreciável, mesmo irreparável, não só para o Autor, mas também para todos os militantes do PS.
85 — Actos ou decisões violadores de princípios constitucionais e além disso tomados com base em fundamentos abusivos e ilegais, que assim causam necessariamente um dano apreciável, assinalável, àqueles que têm de cumpri-las. Trata-se de valores mais altos e mais caros ao ordenamento jurídico português.
86 — Além de que, o exercício do direito de voto por quem não tem o direito de o exercer por um lado e por outro, o não exercício desse mesmo direito por quem tem o direito de o fazer, corno decorre das decisões em causa do Secretariado Nacional e da Comissão Nacional da Jurisdição do PS, deturpam irremediavelmente os resultados finais do acto eleitoral.
87 — É manifesta pois que a decisão de poderem votar no acto eleitoral de 9 de Outubro de 2010, os militantes do P5 referidos no número 49.2 e 66 desta petição de justiça e de não votarem os militantes do PS identificados nos números 49.1 e 49.3, validando a inscrição ou omissão, respectivamente, dos cadernos eleitorais, causa um dano apreciável ao autor e ao acto eleitoral, pelo que, tão somente na parte afectada pelo objecto da presente acção, deve ser suspensa a eficácia de decisão do Secretariado Nacional e da Comissão Nacional de Jurisdição aqui em causa. ”
Por despacho proferido pela Relatora, em 27 de Setembro de 2010 (fls. 180 a 187), os referidos pedidos cautelares foram liminarmente indeferidos, por legalmente inadmissíveis, à luz do n.º 1 do artigo 103º-E da LTC. Este despacho foi alvo de reclamação/recurso para o plenário (sic, fls. 205 a 220), em 30 de Setembro de 2010, tendo sido a sua admissão rejeitada, por despacho proferido pela Relatora, em 06 de Outubro de 2010, com fundamento em que o supra referido despacho de indeferimento não poderia ser impugnado para o plenário, nos termos da conjugação entre o artigo 700º, n.º 3, do CPC, e do artigo 103º-C, n.º 8, da LTC.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Em primeiro lugar, importa começar por delimitar o objecto da presente acção. Conforme decorre dos vários pedidos formulados pelo impugnante – já supra transcritos –, neste processo apenas está em causa decisão sobre a omissão de diversos militantes dos cadernos eleitorais relativos à eleição ocorrida, em 09 de Outubro de 2010, para o cargo de Presidente da Federação de Coimbra do Partido Socialista. Não se discute, portanto, a validade do acto eleitoral, entretanto, ocorrido em 09 de Outubro de 2010, mas tão só a validade dos cadernos eleitorais que lhe serviram de base.
7. Vejamos se, de acordo com o sistema de contencioso relativo a partidos políticos, coligações e frentes previsto na Constituição e na Lei do Tribunal Constitucional é processualmente admissível a impugnação das decisões dos órgãos dos partidos relativas aos cadernos eleitorais no momento em que o impugnante o fez, ou seja, antes da realização do acto eleitoral.
Nos termos do n.º 1 do artigo 103º-C da LTC “as acções de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos podem ser instauradas por qualquer militante, que, na eleição em causa, seja eleitor ou candidato ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelos militantes cuja inscrição seja omitida”, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito legal que “a impugnação só é admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral”.
Da conjugação destes dois números do referido preceito resulta que:
a) O objecto desta acção de impugnação é a eleição de titulares de órgãos de partidos políticos, tal como resulta definitivamente da deliberação do órgão jurisdicional do partido político relativa ao apuramento dos resultados do acto eleitoral em si;
b) As deliberações preparatórias ou intermédias do órgão jurisdicional do partido relativas, por exemplo, a mesas de voto ou a cadernos eleitorais, não são impugnáveis até ao momento referido na alínea anterior, sob pena de este Tribunal vir a proferir decisões que, uma vez realizadas as eleições, se viriam a revelar inúteis.
c) No final do processo eleitoral, ou seja, realizadas as eleições, apurados os votos e definido o resultado pelo órgão jurisdicional do partido, é possível impugnar tanto a decisão definitiva do órgão do partido relativa às eleições como as deliberações preparatórias ou conexas que, entretanto, tiverem tido lugar.
Tendo em conta que os partidos políticos desempenham um papel decisivo (ainda que não monopolista) no contexto da democracia representativa (vide, Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2010, Coimbra, p. 198; Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2007, p. 288) e da organização do poder político (artigos 10º, n.º 2 e 51º, nº 1, da CRP), qualquer intervenção na vida dos partidos que provenha do exterior deve obedecer a um princípio de minimis, na medida em que os mesmos, enquanto agremiação de indivíduos, gozam igualmente do próprio direito fundamental à liberdade de associação, na sua vertente de auto-organização (neste sentido, ver Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2010, Coimbra, pp. 954 e 958; Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2007, pp. 644, 646 e 647). Como tal, os partidos políticos são livres de se auto-organizarem, desde que respeitados os princípios democráticos básicos, ficando o controlo da sua actividade limitada, nos termos da Constituição e da lei, limitado a um nível mínimo, só exigido pela garantia do próprio Estado de Direito Democrático neste sentido. A doutrina considera que a inclusão do n.º 5 do artigo 51º, pela revisão constitucional de 1997, e dos artigos 103º-C, 103-D e 103º-E, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, consagrou um sistema de protecção jurisdicional explícita daqueles valores democráticos (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa / José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada, 2000, Lisboa, p. 153; Alexandre de Sousa Pinheiro / Mário Brito Fernandes, “Comentário à IV Revisão Constitucional”, 1999, Lisboa, pp. 160 e 161).
O “princípio da intervenção mínima” pressupõe, assim, a preservação de um amplo espaço de autonomia na organização interna dos partidos políticos, com vista a preservar o pluralismo político e a evitar a interferência de órgãos do Estado na sua gestão quotidiana. Tal decorre, aliás, da necessidade de resolução do conflito entre o direito fundamental à participação e associação política (artigos 51º e 46º, da CRP) e o princípio democrático (artigo 2º da CRP), através da aplicação do método da concordância prática. Apenas em caso de flagrante e evidente violação dos princípios democráticos básicos deverão ser adoptadas as medidas necessárias à defesa do próprio Estado de Direito.
Ora, este “princípio da intervenção mínima” aplica-se também ao poder judicial e, como tal, não são os tribunais comuns, mas sim o Tribunal Constitucional que tem competência para apreciar este tipo de acções de impugnação (analisando os vários sistemas de atribuição de jurisdição em matéria de contencioso eleitoral político, Jorge Miranda afirma que a opção do sistema português pela jurisdição exclusiva do Tribunal Constitucional, em matéria de contencioso eleitoral dos partidos políticos, radica na qualificação das deliberações tomadas durante os procedimentos internos de eleição como “actos materialmente jurídico-constitucionais” (in Manual de Direito Constitucional, Tomo VII (Estrutura Constitucional da Democracia), 2007, Coimbra, p. 298 e 299).
Concretizando, o “princípio da intervenção mínima” não pode deixar de impor um sistema de impugnação unitária das deliberações dos órgãos dos partidos relativas a eleições dos seus titulares, pois, caso contrário, o Tribunal seria chamado a intervenções sucessivas e múltiplas, quando, na realidade, apenas o acto definitivo poderá ter as consequências jurídicas legalmente previstas, isto é, a designação dos titulares dos órgãos do partido.
Quer dizer, do artigo 103º-C, nº 3, LTC resulta um princípio da subsidiariedade de intervenção do Tribunal Constitucional, que implica que somente após a exaustão dos meios internos previstos pelos Estatutos do partido político em que se discuta o resultado final do processo eleitoral se poderá recorrer da decisão definitiva para o Tribunal Constitucional.
Assim, estando em causa, nos presentes autos, uma decisão sobre a omissão de diversos militantes e a inclusão (segundo o requerente, indevida) de outros militantes nos cadernos eleitorais relativos à eleição ocorrida, em 09 de Outubro de 2010, para o cargo de Presidente da Federação de Coimbra do Partido Socialista, e não a validade do acto eleitoral, entretanto, ocorrido em 09 de Outubro de 2010, não se está perante uma decisão definitiva, mas sim em face de uma decisão intermédia, que só poderia ser impugnada no momento acima referido.
8. Seguindo-se o entendimento supra desenvolvido, fica, inevitavelmente prejudicado o conhecimento dos requerimentos apresentados, pelo requerente, em 02 e 03 de Novembro de 2010 (fls. 2019 a 2028 e 2065 a 2068).
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto da presente acção.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Ana Maria Guerra Martins – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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