|
Processo n.º 695/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), do despacho de 17 de Setembro de 2010 do Vice-Presidente daquele Tribunal que, por inobservância do ónus de suscitação imposto pelas disposições conjugadas dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), não admitiu o recurso de constitucionalidade por si interposto.
Alega o reclamante, em síntese, que, contrariamente ao sustentado no despacho reclamado, a questão de inconstitucionalidade que pretende sujeitar à apreciação deste Tribunal Constitucional – a da norma do artigo 400º, n.º 1, alíneas c) e f), do CPP, quando interpretada no sentido de que «não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão condenatório, in casu, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.05.2010 que manteve a decisão, então condenatória de 11.10.2010 do Tribunal da Vara Mista do Funchal – foi suscitada de forma adequada e tempestiva, «(…) atento o plasmado (…) noutras peças processuais dos presentes autos e, bem assim, o (…) exarado nos artigos 2º a 4º deste articulado, já outrora carreado para os presentes autos (…)», sendo que, se não a suscitou antes, foi porque não teve para tanto oportunidade processual.
O Ministério Público contrapõe, em resposta, que o objecto do recurso de constitucionalidade rejeitado carece de conteúdo normativo, não tendo o reclamante, do mesmo modo, suscitado no momento processual próprio qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que é de parecer de que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre apreciar e decidir.
2. O sistema de fiscalização da constitucionalidade instituído no nosso ordenamento jurídico tem por objecto normas jurídicas (ou interpretações normativas) e não decisões jurisdicionais (artigo 70º da LTC).
Por isso, deve o recorrente delimitar o objecto normativo do recurso, indicando, desde logo, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, qual a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75º-A, n.º 1, da LTC).
Do mesmo modo, recai sobre o recorrente o ónus de suscitar perante o Tribunal recorrido, no momento processual próprio, questão de inconstitucionalidade que revista os mesmos contornos normativos, não bastando, pois, para tal, sindicar perante a instância de cuja decisão pretende recorrer inconstitucionalidades genericamente reportadas a vícios de fundamentação ou de redacção de decisões judiciais anteriormente proferidas nos próprios autos e que, com tal fundamento, pretende ver revogadas (artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC).
Ora, ainda que, com algum esforço interpretativo se possa vislumbrar no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional questão de inconstitucionalidade normativa (ignorando-se as referências que nele são feitas às concretas decisões condenatórias proferidas nos autos), a verdade é que, como se sustentou no despacho reclamado, o reclamante não suscitou perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que este, na decisão da reclamação perante si deduzida, estivesse obrigado a conhecer, legitimando, por isso, o recurso de constitucionalidade que dele viesse a ser interposto.
Com efeito, e salvo hipótese excepcional e, no caso, não verificada de decisão de conteúdo insólito ou imprevisível, estando em causa decisão proferida em sede de reclamação contra a rejeição de um recurso é na própria reclamação que deveria ter sido suscitada a questão de inconstitucionalidade normativa que se pretende ver (re)apreciada, sendo, pois, irrelevante que, durante os autos, tenha o recorrente, antes ou depois, suscitado tal questão perante outras instâncias jurisdicionais chamadas a intervir.
Ora, analisado o teor da reclamação apresentada perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que, podendo sê-lo, não foi em nenhum momento aí invocada a inconstitucionalidade de qualquer preceito legal ou interpretação, de alcance genérico e abstracto, que dele tenha sido extraída, mormente daquela que integra o objecto do recurso de constitucionalidade rejeitado.
Com efeito, e como sublinhado na decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a sua reclamação, o que o reclamante nela invoca, como seu fundamento, para além da omissão de pronúncia do acórdão recorrido, são simples «imprecisões (…) [e] reparos».
E na exposição de argumentos que, a propósito de tais imprecisões e reparos, enuncia apenas refere que tal questão, «à luz daquilo que dispõem os artigos 20º (tutela jurisdicional efectiva) e 32º (garantia de processo criminal), todos da C. R. Portuguesa, (…) merece reparo [e] (…) ser apreciada (…), pois a verdade da Justiça; a Efectividade; a Eficácia e Verdade materiais do processo penal, quer em matéria adjectiva, quer substantiva, tem de retratar e reproduzir tudo o que, efectivamente, ocorreu e se verificou em todo o processo».
Sendo manifesto que com tais referências, ainda que de ordem constitucional, não foi suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, não pode a presente reclamação ser deferida, sendo certo que, como acima sublinhado, é irrelevante que a questão de inconstitucionalidade objecto do recurso de constitucionalidade rejeitado tenha sido suscitada «(…) noutras peças processuais dos presentes autos e, bem assim, (…) nos artigos 2º a 4º deste articulado, já outrora carreado para os presentes autos (…)», como argumenta o reclamante.
Por estas razões não está o recurso interposto junto deste Tribunal Constitucional em condições processuais de prosseguir para uma apreciação de mérito, como decidido pelo tribunal recorrido.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades conta.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.
|