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Processo n.º 37/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.,
reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
despacho do relator no Tribunal da Relação do Porto que não admitiu o recurso,
por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração de as normas
constantes dos artigos 126.°, n.°s 1 e 2 e 381.º, n.° 1 do CPP, não terem sido
aplicadas na decisão recorrida e não constituírem a sua ratio decidendi e no que
respeita à interpretação dada ao art.° 412.º do CPP, o facto de o Recorrente não
ter “em nenhuma peça processual” suscitado “em momento algum” a questão da
inconstitucionalidade da dimensão interpretativa conferida a tal norma, apenas o
tendo feito pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso.
Ora, afigura-se ao Recorrente que não assiste razão à decisão tomada.
Na verdade, no que respeita à interpretação daquelas normas constantes dos
artigos 126.°, n.°s 1 e 2 e 381.º, n.° 1 do CPP, a questão da interpretação
inconstitucional dada às mesmas havia já sido suscitada na motivação do recurso
interposto para o Venerando Tribunal da Relação do Porto.
Enquanto que a interpretação dada à norma do artigo 412.° n.° 3 do CPP no
acórdão de fls. 107 e segs. foi de todo imprevisível para o Recorrente, o qual
não podia razoavelmente contar com a sua aplicação.
Na verdade, tendo a decisão interpretado de um modo que se afigura tão
particular tal norma, não era exigível ao ora reclamante prever que essa
interpretação viria a ser possível e viesse a ser adoptada na decisão.
O uso inesperado e insólito de tal interpretação levou a que o reclamante não
tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a possibilidade
de aplicação da norma com tal interpretação.
Motivo pelo qual não se mostrava adequado exigir-lhe, no caso concreto, um
qualquer juízo de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar
ao proferimento da decisão, suscitando desde logo a questão da
inconstitucionalidade.
Só perante a decisão proferida se viu o reclamante na possibilidade de arguir a
inconstitucionalidade em causa, tendo-o feito logo no primeiro momento em que se
impunha fazê-lo, ou seja, no requerimento de interposição do recurso.
De resto, esta tem sido a jurisprudência defendida em vários acórdãos pelo
Tribunal Constitucional.
Nestes termos,
Requer a V. Exas. que se dignem admitir a presente reclamação e, em
consequência, ser admitido o presente recurso.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos
termos que se seguem:
«1. Apesar de não constar da certidão, cópia da motivação do recurso para a
Relação, parece-nos que os elementos enviados nos permitem tomar posição.
2. Desconhecendo-se o conteúdo dessa motivação, não se põe em dúvida que o
recorrente, aí, tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade das normas
dos artigos 126.º, n.º 1 e 2 e 381.º, n.º 1, ambos do CPP.
3. No entanto, como recurso da decisão condenatória proferida na 1ª instância
foi rejeitado por extemporaneidade, parece-nos claro que o Tribunal da Relação,
não tendo conhecido do recurso, não aplicou aquelas normas.
4. Efectivamente, as únicas normas aplicadas foram aquelas que determinaram o
não conhecimento do recurso, entre essas se contando o artigo 412.º, n.º 3, do
CPP, cuja questão de inconstitucionalidade o recorrente pretende, agora, ver
apreciada.
5. Porém, quanto a esta norma, o recorrente não suscitou, previamente, a
questão, sendo certo que teve plena oportunidade de o fazer.
6. Na verdade, tendo sido proferida Decisão Sumária a rejeitar o recurso por ter
sido considerado extemporâneo, nessa decisão fez-se a aplicação expressa do n.º
3 do artigo 412.º do CPP.
7. Na reclamação dessa Decisão Sumária, o recorrente podia e devia ter suscitado
a questão de inconstitucionalidade daquela norma, que o acórdão recorrido
posteriormente aplicou, exactamente no mesmo sentido daquele que constava da
Decisão Sumária.
8. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
3. Dos autos emergem os seguintes elementos relevantes para a presente decisão:
? O arguido A. foi condenado, por sentença proferida em primeira instância, pela
prática de um crime de especulação, p. e p. pelo artigo 35.º, n.º 1, alínea c),
do Decreto-Lei n.º 28/84, na pena de sete meses de prisão, substituída por cento
e cinquenta dias de multa, à taxa diária de dez euros e ainda em cento e vinte
dias de multa, ficando, após soma, condenado na pena de multa de duzentos e
setenta dias de multa.
? Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto,
tendo o relator neste Tribunal proferido decisão sumária que rejeitou, por
extemporâneo, o recurso interposto.
? O arguido reclamou para a conferência desta decisão sumária, tendo a
reclamação sido julgada improcedente por acórdão, de 1.7.2009, do Tribunal da
Relação do Porto.
? Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista
à apreciação da “inconstitucionalidade das normas dos artigos 412.º, n.º 3,
126.º, n.ºs 1 e 2, e 381.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, com a
interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida”.
? Este recurso não foi admitido por despacho do relator no Tribunal da Relação
do Porto, ora reclamado.
? Na sequência de despacho que admitiu esta reclamação (fls. 9), os autos foram,
por lapso, remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça e, posteriormente, a este
Tribunal Constitucional.
? O despacho reclamado tem o seguinte teor:
«O recurso mostra-se manifestamente infundado, pelas seguintes razões:
- O recorrente indica os artigos 126.°, n.°s 1 e 2, e 381.°, n.° 1 do CPP como
normas, a cuja dimensão interpretativa aplicada, atribui o vício de
inconstitucionalidade.
Essas normas não foram aplicadas na decisão recorrida, nem constituem,
consequentemente, a sua ratio decidendi. Ora o Tribunal Constitucional
pronuncia-se apenas sobre a conformidade com a Constituição das normas aplicadas
na decisão recorrida, e da dimensão interpretativa às mesmas conferida.
O recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe, obviamente, uma anterior
decisão do Tribunal a quo sobre a questão de constitucionalidade que é objecto
do mesmo recurso.
- na decisão recorrida, são apenas objecto de aplicação e interpretação os
art.°s 412.°, n.ºs 3 e 4 e 411.º, n.°s 1 e 4, do CPP, conjugados, decidindo-se
que o recurso foi apresentado fora de prazo, pois nele não era impugnada a
matéria de facto nos termos estabelecidos no mencionado art.° 412.°, n.°s 3 e 4
do CPP, nem tinha por objecto “a reapreciação da prova gravada”.
Em nenhuma peça processual (designadamente na motivação do recurso para este
Tribunal da Relação, peça processual que é indicada como sendo aquela em que foi
suscitada a questão), em momento algum, surge enunciada, perante o Tribunal
recorrido, a inconstitucionalidade da dimensão interpretativa conferida ao art.°
412.° do CPP, sendo que o recorrente dispôs de oportunidade processual para
isso, pois reclamou para a Conferência da decisão sumária que lhe rejeitou o
recurso, procedendo à aplicação da referenciada norma processual.
*
A propósito do conceito de “recurso manifestamente infundado”, escreveu-se no
Ac. 304/00, do TC, na esteira das palavras de Carlos Lopes do Rego (Comentários
ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pag 479), “que um recurso é assim
qualificável quando a análise meramente literal permite concluir, com segurança,
que as questões suscitadas são manifestamente improcedentes” ou quando “a sua
improcedência é a um primeiro exame, evidente, ostensiva” (cfr., também, Ac.
132/98 do TC).
E no Acórdão n.° 269/94 do TC, escreve-se: “o legislador, empenhado, como está,
em impedir que o recurso de constitucionalidade sirva fins dilatórios, pretende
que a questão de constitucionalidade só suba ao Tribunal Constitucional, quando
(...) apareça, prima facie, dotada de uma certa atendibilidade”». (Acórdãos
citados no Breviário de Direito Processual Constitucional, 2.ª Ed. Coimbra
Editora)
*
Pelo exposto, e nos termos do art.º 76.°, n.° 2 da Lei do Tribunal
Constitucional, não se admite o recurso, uma vez que, tendo sido interposto nos
termos previstos na al. b) do n.° 1, do art.º 70.°, da Lei do Tribunal
Constitucional, se mostra manifestamente infundado.»
5. O reclamante pretende recorrer para este Tribunal Constitucional, do acórdão
do Tribunal da Relação do Porto de 1.7.2009, acima identificado, com vista à
apreciação da inconstitucionalidade das normas dos artigos 412.º, n.º 3, 126.º,
n.ºs 1 e 2, e 381.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, “com a
interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida”.
Pelas razões já avançadas pelo Ministério Público, a presente reclamação é de
indeferir.
Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que o
reclamante pretende recorrer não aplicou as normas dos artigos 126º, n.º 1 e 2
(relativas a “métodos proibidos de prova”), e 381.º, n.º 1 (referente aos casos
que são julgados em processo sumário), ambos do CPP. Nem o poderia ter feito,
uma vez que o citado acórdão se limitou a apreciar a questão da admissibilidade
do recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória, proferida em
primeira instância, com vista a decidir a reclamação deduzida pelo arguido
contra a decisão sumária que não havia admitido tal recurso, por
extemporaneidade (cfr. fls. 17/21 dos presentes autos).
Pelo que na parte respeitante aos citados artigos 126.º, n.ºs 1 e 2,
e 381.º, n.º 1, do CPP, não pode o recurso ser admitido.
E no que respeita à norma do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, é o
próprio reclamante que admite não ter suscitado qualquer questão de
constitucionalidade a ela respeitante. Ora, a referida norma tinha já sido
aplicada na decisão sumária que rejeitou o recurso, por extemporaneidade (como
resulta da parte da decisão transcrita no acórdão, a fls. 18/19). Pelo que o
reclamante podia, e devia, ter suscitado a questão de constitucionalidade
respeitante a tal norma na reclamação que apresentou contra a decisão sumária,
sendo certo que não o fez, apesar de aí mencionar o dito preceito legal (cfr. a
reclamação transcrita no acórdão, a fls. 17/18).
Conclui-se, assim, que o recurso não pode ser admitido, no seu todo.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
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