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Processo n.º 1032/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I ? Relatório
1. A., inconformado com a decisão do 10.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa que
confirmando o despacho da Conservatória, declarou a nulidade e determinou o
cancelamento do averbamento n.º1, da naturalidade do bisavô paterno, interpôs
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Tendo visto a sua pretensão negada, e posterior rejeição do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
com os seguintes fundamentos:
? (?) nos termos dos Arts.° 75º, n. ° 2, 75° A, ns.° 1 e 2, 70°, n. ° 1, alínea
a), alínea b) e alínea 1) primeira parte, 76.º e 79.º alínea c), da Lei 28/82,
de 15 de Novembro de 1982, com os fundamentos seguintes:
1) Nos termos do art.° 75°, n.° 2, da Lei do Tribunal Constitucional, o prazo de
dez dias para a interposição deste recurso, corre entre 18 e 28 de Setembro, uma
vez que em 17 de Setembro, tornou-se definitiva a decisão que não admitiu o
recurso;
2) Nos termos do art.° 70°, n.° 1, alínea b), o recorrente suscitou ao longo de
todo o processo, desde início, em todas as peças processuais, que a sua
nacionalidade originária portuguesa, a ser-lhe retirada por via de um acto
registral da Conservatória, ainda que, com base num registo nulo, salvo melhor
opinião, esse acto, assente em normas, arts.° 87° e 88° do Código do Registo
Civil, só poderia ser considerado inconstitucional no caso concreto, porque
viola, uma interpretação material conforme à Constituição, designadamente
contrária, entre outros, aos artigos 1.º ?Portugal é uma República soberana
baseada na dignidade da pessoa humana...? 70, n.° 1 ?Portugal rege-se nas
relações internacionais pelos ... direitos dos povos... ?, 4.º, 8°,9° b) e d),
12° n.° 1, 13°, 16°,18°, 26°, ns.° 1 e 4 e 33°, ns.° 1 e 3, da Constituição da
República Portuguesa;
3) É DE DIREITO INALIENÁVEL A NACIONALIDADE ADQUIRIDA POR NASCIMENTO EM
TERRITÓRIO PORTUGUÊS!
4) Estão no caso sub judice preenchidos os requisitos da nacionalidade
originária portuguesa e respectiva presunção (Cfr. Lei da Nacionalidade, Lei N.°
37/81 de 3 de Outubro, Art.° 1°, n.° 1, alíneas a) e d) e Art.° 1° alíneas a) e
c) e Art.° 41° do Dec. Lei N.° 322/82 de 12 de Agosto) que não foram devidamente
considerados.
5) Qualquer distinção, feita ou que se venha a fazer, por qualquer intérprete
jurídico, qualquer que seja a sede, legislativa, governativa ou jurisdicional,
de quaisquer diplomas legais, em vigor ou já revogados, entre portugueses de
primeira e portugueses de segunda (os nascidos nas ex-colónias portuguesas ou
como se dizia também, no Portugal Ultramarino), é inconstitucional à luz da C.R.P.,
desde 1976.
6) Razões políticas, sociais, económicas, culturais ou quaisquer outras, por
muito honestas e sensatas que sejam, não podem afastar O DIREITO NATURAL DE
POVOS QUE TODA A VIDA FORAM PORTUGUESES, consignado no Art.° 8°, n.° 1, da
actual Constituição da República Portuguesa (versão de 1976 inclusive) e no
Preâmbulo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Art.° 16°. n.° 2 da C.R.P.),
em vigor desde 3 de Setembro de 1953.
7) A conservação da nacionalidade portuguesa do ora Recorrente, via Decreto-Lei
n.° 308-A/75, poderia e deveria ter sido resolvida através do n.° 1, alínea b),
do art.° 1° o qual não foi aplicado conforme uma boa interpretação conforme à
constituição;
8) O que está em causa em todo este processo, não ?... é apenas o cancelamento
de um averbamento, aceito por todos como nulo, por falsidade, o qual não implica,
por si a perda da nacionalidade portuguesa pelo recorrente nem o Sr. Conservador,
nem o Tribunal recorrido resolveram qualquer acto relativo à nacionalidade do
recorrente carece de sentido a argumentação daquele no que toca à da protecção
do direito a essa nacionalidade, quando este direito não fica, nem podia ficar,
decidido nesta acção.? (Final do Acórdão da Relação).
9) Ora, face à Constituição e nomeadamente quanto aos seus artigos sempre
invocados pelo recorrente, o que está em causa, por trás do cancelamento do
registo, é mesmo a perda da nacionalidade que deveria ter sido apreciada com
desfecho positivo.?
2. Na sequência desse recurso, foi proferida a seguinte decisão sumária:
?2. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da
Lei do Tribunal Constitucional, por não se encontrarem preenchidos os
pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, na medida em que o despacho
de admissão do mesmo, proferido pelo tribunal a quo, não vincula o Tribunal
Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3, daquele diploma).
2.1. O recurso que o Recorrente pretendeu interpor pressupõe a utilidade da
pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade concretamente suscitada nos
autos. Significa isto que a apreciação que o Tribunal Constitucional viesse a
fazer sobre a mesma deveria, ainda que em termos meramente abstractos, ter a
capacidade de produzir um efeito útil na resolução da questão ou questões que se
suscitam na causa. Daqui decorre, nomeadamente, que o objecto do recurso de
constitucionalidade apenas pode integrar a norma ou normas legais (ou
respectivas interpretações) que constituam a ratio decidendi da decisão
recorrida. Assim não ocorrendo, qualquer decisão sobre a questão de
inconstitucionalidade não alteraria a pronúncia recorrida sendo, portanto, para
os presentes efeitos, inútil.
2.2. Este juízo de inutilidade subsiste no recurso ora em apreço e impede que
possa existir conhecimento do respectivo mérito. Com efeito, o que o Recorrente
pretende ver apreciado ? eventual acto registral pelo qual lhe seja retirada a
nacionalidade portuguesa ? não só não integra a decisão recorrida (como o
próprio, aliás, reconhece) como se trata de questão que nem sequer foi abordada
na mesma. Como se referiu no acórdão da Relação de Lisboa, ?(?) assente que o
que está, por ora em causa, é apenas o cancelamento de um averbamento, aceite
por todos como nulo, por falsidade, o qual não implica, por si, a perda da
nacionalidade portuguesa pelo recorrente ? nem o Sr. Conservador, nem o Tribunal
recorrido resolveram qualquer acto relativo à nacionalidade do recorrente ?
carece de sentido a argumentação daquele no que toca à protecção do direito a
essa nacionalidade, quando este direito não fica, nem podia ficar, decidido
nesta acção.?
Deste modo, subsiste impedimento que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.?
3. Mais uma vez inconformado, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
?1.º O Reclamante, nasceu em Cabo Verde, na altura território português,
conforme está comprovado nos autos.
2.º Seus pais, originários também de Cabo Verde, eram na altura considerados
portugueses.
3.º Estão assim preenchidos os requisitos da nacionalidade originária portuguesa
e respectiva presunção (Cfr. Lei da Nacionalidade, Lei N.° 37/81 de 3 de Outubro,
Art.° 1, n.° 1, alíneas a) e d) e Art.° 1° alíneas a) e c) e Art.° 41° do Dec.
Lei N.° 322/82 de 12 de Agosto).
4.º Nestes termos e nos demais de direito, não deve, nem pode o ora Reclamante,
deixar de ser português, qualquer que seja o meio utilizado para tanto.
5.º No caso concreto sub judice, se o registo controvertido for anulado, o
Bilhete de Identidade Português, sê-lo-á também, e a sua nacionalidade
portuguesa deixará de existir.
6.º Neste caso, o que se tem pedido nas várias instâncias que este processo tem
percorrido, é que os efeitos da anulação daquele registo, sejam paralisados,
tendo em consideração a própria nacionalidade portuguesa,
7.º Isto é, ainda que seja declarado nulo o registo avoengo, nem por isso,
poderá ser retirada a nacionalidade portuguesa ao ora Reclamante, uma vez que,
nasceu português, em território, na altura, português,
8.º O que significa, que, embora a norma registral, que permite a anulação do
registo do ora Reclamante, em princípio, não seja inconstitucional, em abstracto,
é-o, em concreto, porque caso esse Tribunal, não paralise os respectivos efeitos,
certo será, que a nacionalidade portuguesa, in casu, será absurdamente retirada,
ao ora Reclamante,
9.º E, nem se diga, com todo o respeito, que o processo não é o adequado, que a
questão da nacionalidade não deve ser aferida, ou que, a naturalização é
possível...
10.º O que está verdadeiramente em causa, é a interpretação constitucional da
norma que permite a anulação do registo em concreto, que a sê-lo, tout court, é
inconstitucional, porque acabará por retirar a nacionalidade ao ora Reclamante,
que jus soli e jus sanguini, sempre foi, é e será português...
11.º Assim sendo, a decisão sumária proferida por Relator desse Tribunal, não é
adequada ao caso concreto, até porque, ?... qualquer decisão sobre a questão da
inconstitucionalidade, altera a pronúncia recorrida, não sendo, portanto, para
os presentes efeitos, inútil.?
12.º A respectiva interpretação, da norma controvertida, que permite, no caso
concreto, a anulação do registo avoengo, do ora Reclamante, só poderá ser
declarada inconstitucional, face aos pressupostos de nacionalidade originária do
Reclamante A..
13.º Não existe assim, nenhum juízo de inutilidade no recurso ora em apreço!
14.º ?O que está em causa, não é apenas o cancelamento de uma averbamento,
aceite por todos como nulo, por falsidade, o qual não implica por si, a perda da
nacionalidade portuguesa pelo recorrente...?
15.º Uma vez que, se esse cancelamento for por diante, o ora Reclamante, perde
mesmo a sua nacionalidade portuguesa originária, o que é absurdo, com todo o
respeito, para quem nasceu português.
16.º Se esse Tribunal, o mais Supremo da Nação, denega Justiça neste caso, não
avaliando esta situação, por via de uma Decisão Sumária que afasta a
possibilidade, de em concreto, consolidar Direitos Fundamentais, quid juris para
a Justiça Portuguesa?
17.º Quid Juris para este cidadão português?
18° A decisão poderá ser difícil, mas as coisas justas, não são, com todo o
respeito, fáceis, e dão muito trabalho.
19.º Esse Tribunal, tem neste caso, uma oportunidade de ouro, de fazer Justiça
Histórica, a todos os portugueses em situação semelhante ao do ora Reclamante.
20.º Continua-se a acreditar, não por ingenuidade, mas por esperança de Justiça,
que a mesma poderá ser feita, por Homens e Mulheres de Boa Vontade.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, REQUER-SE A VOSSAS EXCELÊNCIAS A
OPORTUNIDADE DESTE RECURSO SER SUBMETIDO A JULGAMENTO E DE SER FEITA A DEVIDA
JUSTIÇA, REVOGANDO-SE PORTANTO A DECISÃO SUMÁRIA ORA RECLAMADA, IMPEDINDO-SE QUE
A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO REGISTO PRODUZA EFEITOS QUANTO À NACIONALIDADE DO
ORA RECLAMANTE, PORQUE SÓ ASSIM, AS NORMAS DA ALÍNEA A), DO ART.° 87°, DAS
ALÍNEAS 8), DOS ARTS.° 88° E 89°, E A ALÍNEA A), DO N.° 1, DO ART.° 90° E DO N.°
1, DO ART.° 91°, DO CÓDIGO DO REGISTO CIVIL, COM AS ALTERAÇÕES DO DECRETO-LEI N.°
27312001, DE 13 DE OUTUBRO, SERÃO INTERPRETADAS EM CONFORMIDADE COM A
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, EX W DECRETO-LEI N.° 308-A175, ART.° 1°, N.°
1, ALÍNEA B), PREÂMBULO DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM E ARTS.° 1°,
4°, 7°, N.° 1, 8°, 9°, B) E D), 12°, N.° 1, 13°, 16°, N.° 2, 18°, 26°, NS.° 1 E
4 E 33°, NS.° 1 E 3, TODOS DA C.R.P.?
3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal, pronunciou-se no
sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II ? Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. No caso dos autos,
o objecto do recurso, tal como conformado pelo recorrente, abrange questão que é
absolutamente estranha à que foi decidida pelo acórdão recorrido. Com efeito, o
mesmo limitou-se a concluir pela existência de fundamento legal para o
cancelamento de averbamento relacionado com a naturalidade do avô paterno
daquele. Já a questão de constitucionalidade suscitada relaciona-se com a
manutenção ou não da nacionalidade do ora Reclamante, por referência a um ?eventual?
acto registral com base nos artigos 87.º e 88.º do Código de Registo Civil. Tais
normas, no entanto, não foram sequer aplicadas pela decisão recorrida pelo que é
manifesta a impossibilidade de conhecimento de qualquer questão de
constitucionalidade que se lhes refira. Nem competiria, de qualquer outro modo,
no âmbito da função judicial de fiscalização da constitucionalidade,
desenvolvida por este Tribunal ou pelos restantes, a apreciação de questões
hipotéticas como a que se apresenta nos autos.
III ? Decisão
5. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em
consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento
do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos
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