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Processo n.º 648/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. vem arguir a nulidade do acórdão (acórdão n.º 590/2009) que
julgou improcedente reclamação para a conferência da decisão sumária de não
conhecimento do recurso, por não ter sido notificado da resposta do Ministério
Público à reclamação.
Sustenta que tem direito a conhecer e contestar tal resposta,
constituindo a omissão de notificação nulidade por violar a alínea b) do n.º 1
do artigo 61.º do Código de Processo Penal bem como as garantias de defesa e o
princípio do contraditório, constitucionalmente consagrados e por se tratar de
processo crime o disposto nos artigos 413.º e 417.º do Código de Processo Penal.
Alega que o princípio do contraditório, traduz-se no dever de o juiz
ouvir as razões das partes, em relação a assuntos sobre os quais tenha de
proferir uma decisão. No caso do arguido, de o ouvir por último e depois de
todos os intervenientes.
Tal omissão de notificação da resposta do Ministério Público ao
reclamante, bem como a falta de concessão de um prazo para sobre ela se
pronunciar, constituem preterição de formalidades legais essenciais e violação
do direito do contraditório e violação das garantias de defesa e do processo
criminal reconhecido ao arguido, impedindo-o de cabalmente se defender. Com tal
falta de notificação negou-se ao reclamante o direito, assegurado pelo artigo
20.º.n.º 4 da nossa Constituição, a um processo equitativo e leal,
designadamente por violação do princípio do contraditório, princípio este que
vem sendo considerado pela jurisprudência ínsito no direito fundamental de
acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 desse mesmo artigo 20.º da Lei
Fundamental.
Acrescenta que as normas do artigo 69.º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a norma da alínea b) do n.º
1 do artigo 61.º e do artigo 413.º n.º 3 do Código de Processo Penal são
inconstitucionais – por violação das garantias constitucionais de defesa em
processo criminal, violação do princípio do contraditório, violação do direito
de acesso aos Tribunais (consagrados no artigo 32.º e 20.º da Constituição) – se
interpretadas no sentido que permitisse considerar que em matéria de recurso,
requerimento de arguição de nulidade, reclamação ou pedido de aclaração não deva
ter lugar a audição do arguido, por último, para exercício do contraditório,
sempre que sobre ele, o Tribunal tenha de tomar uma decisão que pessoalmente o
afecte.
O Ministério Público responde que, para o que interessa, à
tramitação dos recursos de constitucionalidade são subsidiariamente aplicáveis
as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de
apelação e não as normas do processo penal. E que não assiste razão ao
reclamante porque o Ministério Público se limitou a responder à reclamação, não
suscitando quaisquer questões a que tivesse direito de responder.
2. O reclamante configura como nulidade do acórdão a falta de
notificação da resposta deduzida pelo Ministério Público à sua reclamação contra
a decisão sumária.
Sendo as causas de nulidade dos acórdãos as que estão previstas no
artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi dos artigos 716.º da mesma
lei adjectiva e 69.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), em nenhuma das
quais se compreende a preterição de actos processuais prévios à sentença,
poder-se-ia discutir a idoneidade do meio escolhido para reagir contra a tal
pretensa omissão.
Efectivamente, a alegada violação do contraditório, traduzida na
falta ou omissão de notificação das respostas dos reclamados à sua reclamação
contra a decisão sumária, a verificar-se, apenas consubstanciaria uma nulidade
processual, com enquadramento no artigo 201.º do CPC, pelo que é
maioritariamente entendido que o interessado apenas pode arguir a nulidade
processual (de tramitação), podendo a sentença vir a ser anulada mas somente
enquanto acto subsequente que dependesse absolutamente da formalidade omitida
(n.º 2 do mesmo artigo).
Tem sido, porém, controvertido o regime de arguição de nulidades
processuais, geralmente decorrentes de preterições do contraditório, quando elas
emergem ou se materializam na própria prolação da decisão. A resposta à questão
é decisiva quando se esteja perante meios (escolher entre o recurso ou
reclamação para o próprio tribunal) ou prazos distintos. No caso, é irrelevante,
uma vez que o meio e prazo de arguição da nulidade processual e o meio e o prazo
de arguição da nulidade do acórdão podem dizer-se coincidentes. De facto, só com
a notificação do acórdão toma o recorrente conhecimento de que a decisão foi
proferida sem que tivesse sido notificado, pelo que a partir daí se começa a
contar o prazo de reclamação, que é o prazo geral, seja o vício qualificado como
nulidade processual, seja qualificado como nulidade da decisão.
3. A tramitação dos recursos de fiscalização concreta de
constitucionalidade, seja qual for a natureza do processo de que o recurso
emerge, rege-se pelas normas estabelecidas na respectiva Lei de organização,
funcionamento e processo (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada por último
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC) e subsidiariamente pelas normas
do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação
(artigo 69.º da LTC).
Assim e desde logo por não serem aqui aplicáveis, as disposições do Código de
Processo Penal que o recorrente refere não podem considerar-se violadas pelo
facto de o recorrente não ter sido notificado da apresentação de resposta pelo
Ministério Público à reclamação que deduzira. Poderia tal omissão violar outras
disposições legais, mas não seguramente estas que o reclamante indica.
Mas, mesmo em substância, o reclamante não tem razão, assentando a
argumentação que desenvolve quanto à violação do contraditório num equívoco
evidente.
Efectivamente, o recorrente deduziu reclamação ao abrigo do n.º 3 do
artigo 78.º-A da LTC. Desencadeou uma fase de tramitação, mediante a formulação
de uma pretensão dirigida ao Tribunal, a que a “parte contrária”, no caso o
Ministério Público, tem o direito de opor as suas razões. A resposta é que
materializa o exercício do contraditório neste “incidente”. Só quando nela forem
suscitadas questões novas assiste ao reclamante direito de contra-resposta.
Como o Ministério Público se limitou a contrariar as razões do
reclamante, sem introduzir quaisquer outras questões na discussão, não tinha o
recorrente direito de apresentar resposta à resposta. O contraditório exige que
não sejam tomadas decisões que afectem a posição jurídica de uma das partes a
pedido de outra sem que aquela seja ouvida, com efectiva oportunidade de
apresentar as suas razões e discorrer sobre as do adversário, oferecer prova e
contra-prova e discretear sobre o valor de umas e outras. Mas não impõe que quem
suscita determinada questão, ainda que seja o arguido, tenha a palavra final,
pronunciando-se sobre a resposta da outra parte, seja qual for o conteúdo desta.
4. E é manifesta a falta de razão do reclamante quando alega a
inconstitucionalidade das normas do artigo 69.º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a norma da alínea b) do n.º
1 do artigo 61.º e do artigo 413.º n.º 3 do Código de Processo Penal – por
violação das garantias constitucionais de defesa em processo criminal, violação
do princípio do contraditório, violação do direito de acesso aos Tribunais
(consagrados no artigo 32.º e 20.º da Constituição) – se interpretadas no
sentido que permitisse considerar que em matéria de recurso, requerimento de
arguição de nulidade, reclamação ou pedido de aclaração não deva ter lugar a
audição do arguido, por último, para exercício do contraditório, sempre que
sobre ele, o Tribunal tenha de tomar uma decisão que pessoalmente o afecte.
No recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade não está
em apreciação a responsabilidade penal do arguido, mas a constitucionalidade de
normas jurídicas. O acesso ao Tribunal Constitucional em fiscalização concreta
integra a garantia de constitucionalidade das leis, seja qual for a natureza do
processo de que a questão emerge, não as garantias específicas do processo
criminal.
Deste modo, ainda que se concebesse que da exigência de que o processo criminal
assegure todas as garantias de defesa decorre que o arguido deva ter sempre a
última palavra em quaisquer debates, mesmo quando seja ele que desencadeia o
incidente, reclamação, ou recurso e os seus opositores processuais se tenham
movido no estrito âmbito problemático por ele traçado – e não se vê que as
garantias de defesa exijam uma tal estruturação de todas as fases, incidentes e
actos processuais – nunca uma tal concepção se aplicaria ao recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade, que não integra o “processo
criminal”.
De todo o modo, as garantias de defesa não sofrem qualquer limitação
pelo facto de o arguido que formulou desencadeou um (sub)procedimento com
determinado requerimento ou reclamação não ter a faculdade de responder à
resposta em que o Ministério Público se limite a rebater as razões apresentadas
pelo reclamante. O seu acesso aos tribunais e a sua defesa realizam-se,
precisamente, através do requerimento em que desencadeia a reclamação. Nenhuma
norma ou princípio constitucional, seja relativo às garantias do arguido em
processo criminal, seja às exigências do processo equitativo, impõe que o
arguido seja ouvido sempre em último lugar qualquer que seja a estrutura do
procedimento e a natureza da decisão, designadamente nos incidentes e
reclamações que ele próprio suscita.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lx., 16/XII/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
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