|
Proc. n.º 818/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Tendo sido negado provimento ao recurso interposto de uma anterior decisão da
Relação de Lisboa, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Julho de
2009, A. e outros vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas dos
artigos 683º do Código de Processo Civil, 496º a 498º, 500º e 673º do mesmo
diploma, e 570º, n.º s 1 e 2, do Código Civil.
Por decisão sumária proferida nos termos do disposto no artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, entendeu-se ser de não conhecer do objecto do recurso
de constitucionalidade, pelos seguintes fundamentos:
O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo das alíneas
b) e c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
No que se refere à alínea c), é manifesto que não se encontram preenchidos os
pressupostos processuais do recurso aí previsto, na medida em que o tribunal
recorrido não recusou a aplicação de qualquer norma constante de acto
legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado. Às leis com valor reforçado refere-se o artigo 112º, n.º 3, da
Constituição – nos termos do qual “[t]êm valor reforçado, além das leis
orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como
aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário
de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas” -, sendo certo que,
percorrendo o texto da decisão recorrida, nele não se encontra qualquer
referência à não aplicação de uma norma, por esta contender com uma lei desta
natureza.
Aliás, da leitura do requerimento de interposição do recurso resulta que os
recorrentes se equivocaram, ao indicar a alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, pois que, na verdade, se insurgem contra a não
aplicação de certa norma do Código Civil: ora nem este diploma constitui lei com
valor reforçado, nem aquela alínea se reporta às situações de recusa de
aplicação de lei com valor reforçado.
Não pode, assim, tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso, na parte
em que foi interposto ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Mas também na parte em que foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional não pode conhecer-se do objecto do
recurso. Com efeito, os recorrentes não suscitaram qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal ora recorrido, pois que, nas
alegações que produziram (cujas conclusões se encontram acima transcritas) não
imputaram, a qualquer norma ou norma em certa interpretação, a violação de
normas ou princípios constitucionais.
Como tal, os recorrentes não cumpriram o ónus de suscitação das questões de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, conforme exigido pelos
artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional,
pelo que, desde logo por falta de preenchimento desse pressuposto processual,
não pode conhecer-se do recurso.”.
Os recorrentes vieram então reclamar para a conferência, dizendo, em síntese, o
seguinte:
- O Código Civil constitui lei com valor reforçado, uma vez que ocorreu a sua
adaptação à Constituição e o mesmo é uma lei estruturante, devendo ser
respeitado por outras leis;
- No caso dos autos, devia ter sido aplicado o artigo 570º, n.º s 1 e 2, do
Código Civil;
- Os recorrentes suscitaram, a fls. 2117 e seguintes, uma questão de
inconstitucionalidade normativa.
Na resposta, a recorrida A. pugnou pela manutenção da decisão sumária e, bem
assim, renovou o pedido de condenação da Exma Sra Dra B., mandatária da
recorrente, como litigante de má fé.
II. Fundamentação
O presente recurso foi interposto, em parte, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), preceito que determina caber
recurso para o Tribunal Constitucional de decisões judiciais que “recusem a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
ilegalidade por violação de lei com valor reforçado”.
Segundo os reclamantes, o presente recurso podia ter sido interposto ao abrigo
desta alínea, na medida em que a decisão recorrida devia ter aplicado o artigo
570º, n.º s 1 e 2, do Código Civil, e este Código constitui lei com valor
reforçado.
Ora, o Código Civil, ainda que tenha sido adaptado à Constituição e constitua
uma lei estruturante do sistema jurídico, não integra a natureza de uma lei com
valor reforçado, visto que não preenche qualquer dos pressupostos a que alude o
artigo 112º, n.º 3, da Constituição. Mesmo que assim não fosse, é claro que a
situação dos autos se não enquadra na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, pois que o que os recorrentes alegam é a
não aplicação ao caso da norma do artigo 570º do Código Civil, e não
propriamente a recusa de aplicação, pela decisão recorrida, de norma constante
de acto legislativo por a mesma violar o Código Civil, enquanto suposta lei de
valor reforçado, sendo que só essa hipótese a que poderia constituir fundamento
de recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto naquele preceito da LTC.
Afirmam ainda os reclamantes que, na parte em que o recurso foi interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, cumpriram o ónus de
suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa através do requerimento
apresentado a fls. 2117 e seguintes.
Ora, como resulta do disposto no artigo 72º, n.º 2, da LTC, o recurso previsto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC apenas pode ser interposto «pela
parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade (…) de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer», e, por conseguinte, essa questão
teria de ser suscitada no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça,
sendo inteiramente irrelevante, para esse efeito, a sua identificação no
requerimento de fls. 2117 e seguintes, que não é mais do que o próprio
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Sendo assim, é também evidente que não se verifica o pressuposto consagrado nos
artigos 70º. n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional,
pelo que não há motivo para alterar o julgado.
Pretende ainda a recorrida a condenação da mandatária da recorrente como
litigante de má fé, por uso do presente meio processual de forma manifestamente
reprovável. Não tem, no entanto, o Tribunal elementos que permitam concluir pela
verificação de qualquer dos pressupostos do artigo 456º, n.º 2, do Código de
Processo Civil, pelo que não se justifica a pretendida condenação.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação,
confirmando-se a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão
|