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Processo n.º 551/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Trabalho do Barreiro, em que é
recorrente o Ministério Público, e recorrida A., Lda., foi interposto recurso
obrigatório de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), para apreciação da recusa de aplicação, por
inconstitucionalidade, da norma vertida na alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º do
Código do Trabalho (Lei n.º 7/2007, de 12 de Fevereiro) na versão constante da
Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 18 de Março.
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional
apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1. A Lei n.º 74/98, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 2/2005, de 24
de Janeiro, n.º 26/2006, de 30 de Junho e nº 42/2007, de 24 de Agosto, define e
circunscreve rigorosamente o âmbito em que podem ser feitas rectificações a
diplomas legais.
2. Subjacente, a um tal quadro jurídico, está a preocupação de assegurar que se
não alterem diplomas fora do quadro definido pelos requisitos constitucionais e
legais que legitimem uma tal alteração.
3. A Declaração de Rectificação n.º 21/2009, ao proceder, nos termos em que o
fez, a alterações substanciais no texto do diploma que, aparentemente, vinha
rectificar (Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o novo Código do
Trabalho), designadamente “recuperando” matéria contra-ordenacional que deixara,
entretanto, de vigorar no ordenamento jurídico, por força da versão inicial da
referida Lei, viola, assim, os princípios da não retroactividade da lei penal (e
contra-ordenacional), da segurança jurídica e da igualdade, decorrentes da
Constituição da República Portuguesa (cfr. artigos 9, alínea b), 13.º e 29.º,
n.ºs 1, 3 e 4).
4. Com efeito, no presente recurso, muito embora o art. 278, do anterior Código
do Trabalho, se haja mantido em vigor (cfr. art. 12, n.º 3, alínea a), da versão
original da Lei 7/2009), o mesmo não sucedeu com o art. 671 n.º 2 do mesmo
Código, que qualificava essa infracção como contra-ordenação grave (cfr. art.
12, n.º 3, alínea a), a contrario, da versão original da Lei 7/2009); a
referência a esta disposição apenas foi introduzida, na referida Lei 7/2009,
pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009, não constando do texto inicial
aprovado pela Assembleia da República.
5. Nestes termos, deve julgar-se inconstitucional a norma vertida na alínea a),
do n.º 3, do artigo 12.º do Código do Trabalho, na versão constante da
Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 18 de Março de 2009, mantendo-se,
assim, o juízo de inconstitucionalidade feito pelo Tribunal a quo, com as
consequências legais.»
3. A recorrida não contra-alegou.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
4. A decisão recorrida recusou a aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade, da norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º
7/2009, de 12 de Fevereiro (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), na
redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de
18 de Março.
No mesmo sentido se pronunciou o representante do Ministério Público junto deste
Tribunal.
Esta questão foi já apreciada por esta 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, no
Acórdão n.º 490/2009, de 28.09.2009, rectificado por Acórdão n.º 601/2009, de
18.11.2009.
Neste aresto o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade da citada
norma, por violação do princípio da segurança jurídica, inerente ao modelo do
Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º, da Constituição, com os
seguintes fundamentos:
« I - No presente caso, a rectificação da redacção da alínea a) do n.º 3 do
artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, resulta na manutenção em vigor, sem qualquer
hiato, da tipificação como contra-ordenação constante do artigo 671.º, n.º 1, do
Código de Trabalho de 2003, das condutas previstas no seu artigo 273.º, n.º 1,
apesar da revogação genérica deste diploma efectuada pelo artigo 12.º, n.º 1,
alínea a), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
II - Sendo a segurança jurídica um dos fins do Estado de direito democrático, as
pessoas devam saber com o que contam, pelo que as normas jurídicas não devem, em
princípio, ter efeito retroactivo, constituindo uma violação da confiança
legítima que as pessoas devem depositar na ordem jurídica a punição como
contra-ordenação de comportamentos ocorridos anteriormente à sua tipificação
legal.
III - No caso sub iudicio, a norma impugnada repõe a punição como
contra-ordenação de uma conduta, após o legislador ter afastado o seu
sancionamento contra-ordenacional, retroagindo essa reposição ao momento desse
afastamento, mantendo, assim, sem qualquer interrupção, tal sanção; ou seja,
aqui o efeito retroactivo da lei não determina a punição de um facto praticado
anteriormente à sua tipificação como contra-ordenação, mas elimina a
descontra-ordenação de uma determinada conduta efectivada pelo legislador em
data posterior à prática do facto.
IV - Vigorando em matéria contra-ordenacional, tal como em matéria penal, no
domínio da sucessão de leis, a regra da imposição da aplicação da lei mais
favorável, em obediência a uma ideia de desnecessidade de intervenção destes
instrumentos sancionatórios, o acto legislativo de descontra-ordenação
compromete o Estado perante os cidadãos, no sentido de que já não serão
sancionados os respectivos comportamentos, mesmo que praticados em data em que
tal punição se encontrava prevista na lei.
V - Este compromisso não pode ser quebrado, apesar do Estado verificar que se
equivocou ao abandonar o sancionamento como contra-ordenação daquelas condutas,
em defesa da fiabilidade da actividade de um Estado de direito democrático.»
Não colocando o presente caso qualquer questão nova que deva ser apreciada,
reitera-se aqui esta jurisprudência, inteiramente aplicável ao caso em apreço.
III − Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança
jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático consagrado no
artigo 2.º, da Constituição, a norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º da Lei
n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), na
redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de
18 de Março.
b) Consequentemente, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o juízo
de inconstitucionalidade adoptado na decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
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