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Processo n.º 312/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Ministério Público, junto do Tribunal de Trabalho de Faro,
Secção Única, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), da sentença daquele tribunal proferida no Proc. de Recurso de
Contra-Ordenação n.º 74/09.9TTFR, em que é recorrente A., Lda., que recusou a
aplicação dos artigos 1.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
237/2007, de 19 de Junho – precisão feita após convite nos termos do n.º 5 do
artigo 75.-A, da mesma Lei – sob o fundamento da sua inconstitucionalidade
orgânica, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da
República Portuguesa.
2 – Alegando no Tribunal Constitucional assim concluiu o
Procurador-Geral Adjunto a sua motivação de recurso:
«1. Apenas se situa no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia
da República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação
social, podendo o Governo legislar em tal matéria, desde que o faça dentro dos
limites impostos por esse regime geral.
2. Face à definição de contra-ordenação laboral constante do artigo 614° do
Código do Trabalho de 2003 (norma integrada no Regime Geral das
Contra-Ordenações Laborais), podem estar incluídos entre os sujeitos
responsáveis pela infracção tanto as entidades empregadoras como os
trabalhadores.
3. Dessa forma, e uma vez que é respeitado aquele regime geral, o critério
normativo, extraído dos artigos 1°, nº 3, 8°, nº 1 e 10º, nº 2, do Decreto-Lei
nº 237/2007, de 19 de Junho, que determina a responsabilidade do empregador pela
contra-ordenação consistente em violação do limite máximo de duração do trabalho
diário dos “trabalhadores móveis” (definidos no artigo 2°, alínea d), do mesmo
diploma), não viola o artigo 165°, nº 1, alínea d), da Constituição, não sendo,
por isso, organicamente inconstitucional.
4. Termos em que deverá proceder o presente recurso».
3 – A recorrida não contra-alegou.
B – Fundamentação
4 – A questão de constitucionalidade que se coloca no presente
recurso já foi, recentemente, objecto de apreciação nos Acórdãos, desta Secção,
n.ºs 598/09 e 599/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, tendo-se, em
ambas as decisões, concluído, por unanimidade, pela sua não
inconstitucionalidade.
Para assim ajuizar, discorreu-se no primeiro aresto do seguinte
modo, tendo-se o outro acórdão louvado nos mesmos fundamentos:
«Considerou a decisão recorrida que o Decreto-Lei n.º 237/2007, de
19 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 202/15/CE
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do
tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte
rodoviário, é organicamente inconstitucional, quando prevê a punição do
empregador pela infracção ao disposto no artigo 8.º, n.º 1, como
contra-ordenação, por alegada violação do artigo 165.º, nº 1, alínea d), da
Constituição.
Neste preceito constitucional impõe-se que o regime geral da punição
dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo seja
definido pela Assembleia da República, salvo autorização ao Governo.
Mas esta reserva legislativa abrange apenas o regime geral deste
direito sancionatório.
Como tem dito este Tribunal (v.g. os Acórdãos n.º 56/84, em ATC, 3.º
vol, pág. 153, 158/92, em ATC, 21.º vol., pág. 713, 594/97, em DR, II Série, de
10-12-1997, 236/2003, em ATC 56.º vol., pág. 233, e 324/2003, em
www.tribunalconstitucional.pt) tal regime abrange apenas as regras essenciais
deste direito sancionatório, ou seja, a definição geral do ilícito
contra-ordenacional, do tipo de sanções aplicáveis às contra-ordenações e dos
seus limites, e das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a
aplicação concreta de tais sanções, podendo o Governo, com respeito por este
regime geral, criar livremente contra-ordenações concretas, modificar ou
eliminar as contra-ordenações já existentes e estabelecer as coimas a elas
aplicáveis.
A definição do regime geral pode destinar-se genericamente a todas e
quaisquer contra-ordenações, como sucede com o Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de
Outubro, ou ter como objecto apenas as contra-ordenações previstas para um
determinado sector (v.g. o regime geral das contra-ordenações laborais,
constante do Código de Trabalho, ou o regime geral das contra-ordenações
fiscais, constante do Regulamento Geral das Infracções Tributárias), nada
impedindo, contudo, que o Governo, desde que respeite o disposto nesses regimes
gerais, por razões de economia legislativa, também aprove algumas regras comuns
a um determinado conjunto de contra-ordenações, agrupadas tematicamente.
Necessário é que essas regras não invadam o âmbito do regime geral
ou essencial das contra-ordenações e, quando nele se insiram, se limitem a
reproduzir as soluções que já constam do regime fixado pela Assembleia da
República ou por ela autorizado.
O Decreto-lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, procedeu à transposição
para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das
pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, regulando
determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho de
trabalhadores móveis que participem em actividades de transporte rodoviário
efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CEE) n.º
3820/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao
Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais
Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30
de Junho.
No artigo 8.º, n.º 1, impõe-se que o período de trabalho diário dos
trabalhadores móveis seja interrompido por um intervalo de descanso de duração
não inferior a 30 minutos, se o número de horas de trabalho estiver compreendido
entre seis e nove, ou a quarenta e cinco minutos, se o número de horas for
superior a nove, e no artigo 16.º tipifica-se a violação deste dever como
contra-ordenação.
O artigo 10.º, depois de no n.º 1 determinar que o regime geral
previsto nos artigos 614.º a 640.º do Código do Trabalho se aplica às
contra-ordenações por violação daquele diploma, no n.º 2 responsabiliza o
empregador pela prática das respectivas infracções.
Deste modo, os preceitos sob análise limitam-se a tipificar uma
determinada contra-ordenação, submetida ao regime geral das contra-ordenações
laborais aprovado pela Assembleia da República.
Note-se que o n.º 2, do artigo 10.º, é perfeitamente compatível com
o regime geral do artigo 614.º, do Código do Trabalho, uma vez que este regime
comporta a imputação subjectiva a qualquer um dos sujeitos da relação laboral.
Estes preceitos, como é evidente, não se integram num regime geral
das contra-ordenações, correspondendo apenas à criação de contra-ordenações no
domínio da duração e organização do tempo de trabalho de trabalhadores móveis
que participem em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território
nacional, sujeitas ao regime geral das contra-ordenações laborais previsto no
Código do Trabalho.
Por isso a sua aprovação pelo Governo não viola a reserva
legislativa da Assembleia da República consagrada no artigo 165.º, n.º 1, d), da
C.R.P., devendo, assim, ser julgado procedente o presente recurso».
É a fundamentação aí expendida que aqui se renova.
C – Decisão
5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide julgar não inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 1,
8.º, n.º 1, e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, e,
consequentemente, dar provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão
recorrida em função do precedente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
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