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Processo n.º 688/2010
1ª Secção
Relator: Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. quis recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido na Relação de Lisboa em 15 de Setembro de 2010, com invocação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC); alegou, em suma:
Conforme resulta dos presentes autos a prisão preventiva da recorrente estribou-se, em intercepções telefónicas e vigilâncias.
Acontece que em sede de 1° interrogatório judicial que é altura adequada e não a posteriori, não foi a arguida confrontada com uma única intercepção telefónica.
O mesmo se diga mutatis mutandis quanto às vigilâncias, informações policiais e fotografias!
A recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade dos normativos ínsitos no artigo 141.°, n.ºs 4 als. c) e d) do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo e efectuada no caso concreto, no sentido de que o cumprimento deste normativo se basta com a formulação de perguntas genéricas e abstractas, não concretizadoras das exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar que determinaram a imputação do crime de trafico p.p nº 1 do art° 21 do DL n.º 15/93 de 22/01, a qual coarcta e limita, de forma legal e constitucionalmente inadmissível, as garantias de defesa asseguradas ao arguido, e em especial viola de forma ostensiva e manifesta o estatuído nos artigos 27.°, n.º 4, 28.°, n.º 1, e 32.° da Constituição da República Portuguesa, que impõem ao juiz que comunique ao arguido em concreto ou seja de forma pormenorizada/detalhada os factos que lhe são imputados e as “…circunstâncias de tempo, lugar e modo”, dando-lhe oportunidade de defesa.
A interpretação que foi dada ao normativo ínsito no artigo 141.º pelo Tribunal a quo é inconstitucional, pois que impediu a aqui recorrente, de exercer o mais elementar direito de defesa que lhe é conferido, exercer o mais elementar direito de defesa que lhe é conferido, exercer o contraditório, com a ostensiva e evidente violação das garantias de defesa asseguradas à recorrente pelo artigo 32.° da Lei Fundamental.
Assim, porque da interpretação da disposição processual penal ora em apreço – artigo 141.° – devidamente conjugada com os artigos 27.°, n.º 4, 28.°, n.º 1, e 32.° da Constituição da República Portuguesa decorre expressa e inequivocamente a obrigatoriedade de o juiz de instrução dar a conhecer e indicar os motivos da sua detenção ao arguido e a comunicar-lhe e expor-lhe os factos e as provas que a fundamentam, é manifesta e ostensivamente inconstitucional a interpretação dada a estes normativos pelo Tribunal a quo, inconstitucionalidade que agora se pretende ver apreciada e declarada.
A interpretação que lhes foi dada pela M.ma Juiz de Instrução Criminal no despacho recorrido e reafirmada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola e contende com os preceitos constitucionais plasmados nos artigos 27.°, 28.° e 32°, em especial o seu n.º 1, 202.°, n.º 2, 203.° e 204.°, todos da Constituição da República Portuguesa.
A interpretação dada ao art. 141 n.º 4 als. c) e d) do CPP é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 27º nº 4, 28º nº 1 e nº 1 do art. 32 da CRP. [...]
2. Recebido o recurso no tribunal recorrido, foi proferida, no Tribunal Constitucional, decisão sumaria de não conhecimento do seu objecto, com o seguinte fundamento:
«[...] O recurso interposto, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, só pode ser interposto «pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» – n.º 2 do artigo 72º da mesma LTC.
Acontece que a recorrente – ao contrário do que afirma – não suscitou perante a Relação de Lisboa a questão de inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver decidida, pois não indicou, perante aquele tribunal, qualquer norma que não devesse ser aplicada ao seu caso por ser materialmente inconstitucional.
Assim, por ser manifesta a não ocorrência deste requisito de que depende o conhecimento do recurso, decide-se, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não conhecer do seu objecto.[...]»
3. Inconformada com esta decisão, a recorrente reclama para a conferência nos seguintes termos:
Nos presentes autos a recorrente pretendia ver apreciada a constitucionalidade dos normativos ínsitos no artigo 141. °, nº 4 als. c) e d) do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo e efectuada no caso concreto, no sentido de que o cumprimento deste normativo se basta com a formulação de perguntas genéricas e abstractas, não concretizadoras das exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar que determinaram a imputação do crime de tráfico pp nº 1 do art° 21 do DL, 15/93 de 22/01, a qual coarcta e limita, de forma legal e constitucionalmente inadmissível, as garantias de defesa asseguradas ao arguido, e em especial viola de forma ostensiva e manifesta o estatuído nos artigos 27.°, n.º 4, 28.°, n.º 1, e 32.° da Constituição da República Portuguesa, que impõem ao juiz que comunique ao arguido em concreto ou seja de forma pormenorizada/detalhada os factos que lhe são imputados e as “circunstâncias de tempo, lugar e modo”, dando-lhe oportunidade de defesa.
Pugnou no sentido de que a interpretação que foi dada ao normativo ínsito no artigo 141º pelo Tribunal a quo é inconstitucional, pois que impediu a aqui recorrente, de exercer o mais elementar direito de defesa que lhe é conferido, exercer o contraditório, com ostensiva e evidente violação das garantias de defesa asseguradas à recorrente pelo artigo 32. ° da Lei Fundamental.
Assim, porque da interpretação da disposição processual penal ora em apreço — artigo 141º — devidamente conjugada com os artigos 27. °, n.º 4, 28º, n.° 1, e 32. ° da Constituição da República Portuguesa decorre expressa inequivocamente a obrigatoriedade de o juiz de instrução dar a conhecer e indicar os motivos da sua detenção ao arguido e a comunicar-lhe e expor-lhe os factos e as provas que a fundamentam, é manifesta e ostensivamente inconstitucional a interpretação dada a estes normativos pelo Tribunal a quo, inconstitucionalidade que agora se pretende ver apreciada e declarada.
A interpretação que lhes foi dada pela M.mª Juiz de Instrução Criminal no despacho recorrido e reafirmada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola e contende com os preceitos constitucionais plasmados nos artigos 27°, 28. ° e 32.°, em especial o seu nº 1, 202.°, n.º 2, 2O3° e 2O4°, todos da Constituição da República Portuguesa.”
A interpretação dada ao art° 141 nº 4 als. c) e d) do CPP é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 27 nº4, 28 nº 1 e nº 1 do art° 32 da CRP.
A decisão da qual ora se reclama considerou que:
“O recurso interposto, fundado na al. b) do n° 1 do artigo 70° da LTC, só pode ser interposto «pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» - n.º 2 do artigo 72° da mesma LTC.
Acontece que a recorrente — ao contrário do que afirma — não suscitou perante a Relação de Lisboa a questão de inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver decidida, pois não indicou, perante aquele tribunal, qualquer norma que não devesse ser aplicada ao seu caso por ser materialmente inconstitucional.
Assim, por ser manifesta a não ocorrência deste requisito de que depende o conhecimento do recurso, decide-se, nos termos do n.º 1 do artigo 78°. -A da Lei do Tribunal Constitucional, não conhecer do seu objecto”.
Salvo o devido e muito respeito, a ora reclamante não pode concordar com tal argumentação dado que a mesma carece, “in casu” de fundamento, conforme se alcança, facilmente, da análise, tanto da motivação de recurso como das respectivas conclusões.
Na verdade na motivação a recorrente dedica toda a alínea A) da motivação, atinente à questão prévia suscitada, a qual se prende justamente com a violação do princípio do contraditório
Ou seja a reclamante não só suscitou a questão como lhe dedicou todo um item.
Acresce que mencionou de forma expressa, nas conclusões, nomeadamente na 25ª e 30ª, a violação do artº 32 da CRP, a recorrente ora reclamante, cumpriu todos os requisitos de interposição de recurso para o TC, debruçando-se o mesmo sobre a ratio decidendi da decisão recorrida, razão pela qual o objecto do recurso deveria ter sido conhecido e não proferida decisão sumária.
Termos em que deve ser atendida a presente reclamação e revogada a decisão sumária proferida a qual deverá ser substituída por outra que ordene os ulteriores termos processuais, mormente o conhecimento do objecto do recurso e o respectivo provimento.
Com o que V. Exas., farão assim justiça.
4. O representante do Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do pedido.
5. Cumpre decidir a reclamação.
O recurso interposto pela recorrente foi rejeitado pela decisão ora em análise com fundamento no n.º 2 do artigo 72º da LTC, em virtude de se haver ponderado que a recorrente não suscitara perante a Relação de Lisboa – o tribunal recorrido – a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver decidida, pois não tinha identificado, com oportunidade, qualquer norma que não devesse ser aplicada por ser inconstitucional.
É este julgamento que a reclamação pretende contrariar, afirmando a reclamante que dedicara toda a alínea A) da motivação à questão e que mencionou de forma expressa, nas conclusões, nomeadamente na 25ª e 30ª, a violação do artigo 32º da Constituição. Mostrar-se-ia, por isso, devidamente suscitada a questão objecto do recurso.
Todavia, uma vez que as conclusões 25ª e 30ª nada relevam para este efeito, já que se referem a vícios da decisão do tribunal e não à inconstitucionalidade de qualquer norma, vejamos o que invoca a recorrente na sua alegação. Diz o seguinte:
[...] Nos termos do disposto no art.º 141 do CPP, sob o título Primeiro, interrogatório judicial de arguido detido, o nº 4 reza assim:
– Seguidamente, o juiz informa o arguido:
b) Dos motivos da detenção
c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo.
Ora “in casu” no que tange à recorrente, pese embora lhe tenha sido dado conhecimento, embora ao de leve, dos motivos da respectiva detenção, já no que tange à concretização do factos imputados e bem assim às circunstâncias de tempo, modo e lugar, tal preceito não foi cumprido.
Na verdade é mencionado que a “actividade de tráfico de estupefacientes era encabeçada pela arguida A., tratada por “A1”, a qual adquiria a terceiros não identificados quantidades elevadas de diversos tipos de estupefacientes (Cocaína, Heroína e Haxixe).
Na posse dos estupefacientes a arguida A. utilizava a residência do arguido B. para aí guardar o estupefaciente até este ser totalmente escoado.
Na residência do arguido B. eram guardados, pertença da arguida A., para além do estupefaciente, as quantias monetárias provenientes da sua venda e outros a artigos relacionados com o tráfico.”
E bem assim que “Os factos são apoiados nos meios de prova constantes dos autos de detenção ...; nos relatórios de vigilância de fls.1249-1250; nos autos de busca e apreensão de fls.....; nas fotografias de fls.; nas informações policiais de fls.1062 a 1121 e 1652 a 1688; nos apensos com transcrições de sessões telefónicas ao alvo 39382M (arguida A. dois volumes) …
Acontece que em sede de 1° interrogatório judicial, que é altura adequada e não a posteriori, não foi a arguida confrontada com uma única intercepção telefónica, (pese embora lhe sido mencionada a existência de dois volumes! ...) .
O mesmo se diga “ mutatis mutandis “ quanto às vigilâncias, informações policiais e fotografias! …
Não tendo a recorrente sido confrontada em concreto com qualquer intercepção telefónica as existentes no processo não poderiam ter sido ser usadas como foram para estribar a respectiva medida de prisão, e o mesmo se diga quanto às vigilâncias e formações policiais.
Todavia tais elementos de prova foram decisivos em sede de aplicação/ /fundamentação da prisão da recorrente, pois foi com base neles que toda a alegada actividade imputada àquela antes da respectiva detenção se estriba nos mesmos.
Em vez de, com a lei impõe, o tribunal concretizar o factos, optou imputações vagas e genéricas, não tendo a recorrente sido confrontada com uma única situação concreta da qual objectiva e imparcialmente se pudesse concluir com o grau de certeza e segurança necessários para se poder falar de forte indiciação.
Quando se refere que alegadamente a recorrente encabeçaria as actividade de tráfico, o que faria desde Abril de 2009, vendendo elevada quantidades a revendedores e bem assim vendendo ela própria a pessoas da respectiva confiança, a defesa questiona-se:
Na verdade a ser assim que quantidades vendeu, a quem, a que preços, que produtos, etc., etc. são tudo questões que cujo conhecimento lhe foi vedado certamente porque nada consta nos autos…
Ao proceder desse modo foram violados os mais elementares direitos de defesa, nomeadamente o direito/dever de comunicação pois, em concreto a arguida não poderá exercer o contraditório.
O legislador sanciona tal omissão com integrando uma irregularidade processual, a qual foi arguida em tempo, e tem como consequência a impossibilidade da consideração de tais elementos para efeitos de aplicação de prisão preventiva da recorrente, tendo-se como não escritas as referências aos mesmos.
Ora bem: devendo a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa consistir na identificação de uma norma jurídica que não pode ser aplicada por ofender a Constituição, certo é que da transcrita alegação nada resulta que possa ser entendido como a acusação de inconstitucionalidade – apta a abrir a via do recurso de inconstitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – relativa ao artigo 141.° n.º 4 alíneas c) e d) do Código de Processo Penal, preceito que contém as normas que a reclamante impugna no requerimento de interposição do recurso.
Deve, por isso, concluir-se – como na decisão sumária em análise – que a reclamante não suscitou a questão perante o tribunal recorrido e que o recurso não reúne este requisito que é essencial ao seu conhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
6. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.