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Processo n.º 865/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorrida C., foi apresentada reclamação (fls. 1047 a 1054), para a 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão proferido por aquele em 21 de Setembro de 2010 (fls. 1013 a 1042), que viria a ser alvo de decisão de não provimento, por acórdão proferido em 09 de Novembro de 2010 (fls. 1061 a 1072). No requerimento através do qual foi deduzida reclamação, o recorrente peticionou ainda, subsidiariamente, o seguinte:
“E só, por cautela, se não for atendido, interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo e com fundamento nas várias alíneas a) e b) do nº 1 e ainda das alíneas do n.º 2, ambos da Constituição da República, e nº 1 do artº 70 als. A) e b) da Lei 28/82.” (fls. 1054)
2. Por despacho proferido em 02 de Dezembro de 2010 (fls. 1078 a 1080), o Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, recusou admitir o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Porém, aquele Relator admitiu o recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, nos seguintes termos:
“2 – Já é admissível o recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo diploma pois pode entender-se que este Supremo Tribunal recusou a aplicação da norma, com fundamento em inconstitucionalidade, fazendo-o, embora não de forma típica, mas desaplicando-a, de facto (n.º 1 do artigo 1817 do Código Civil) por interpretação de Acórdão do Tribunal Constitucional que a declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, interpretando esse aresto com mais amplo alcance.
Admito esse recurso, a subir imediatamente, nos autos e com efeitos suspensivo (artigos 78º nº 3 LOFPTC e 692º, n.º 2, a) CPC).” (fls. 1080)
3. Entretanto, logo que notificado do despacho de admissão do recurso, os recorrentes dirigiram a este Tribunal as respectivas alegações de recurso (fls. 1085 a 1093). Face a esta apresentação intempestiva, nos termos do n.º 5 do artigo 78º-A da LTC, perante o despacho de admissão, que aceitava, implicitamente, determinada configuração do objecto do recurso, a Relatora proferiu, em 31 de Janeiro de 2011, o seguinte despacho:
“Nos termos do art. 78º-A, n.º 5, da LTC, compete ao Relator notificar o recorrente para apresentar alegações, pelo que não compete ao recorrente apresentá-las por sua iniciativa.
Assim, consideram-se sem efeito as alegações apresentadas. Notifique-se o recorrente para, no prazo de 30 dias, nos termos do art. 79º, n.º 2, da LTC, alegar quanto à desaplicação da norma extraída do art. 1817º, n.º 1, do Cód. Civil, exclusivamente quanto ao recurso interposto ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 70º LTC.” (fls. 1094)
4. Notificados para tal pela Relatora, os recorrentes produziram alegações, das quais se podem extrair as seguintes conclusões:
«1º- A Constituição da República Portuguesa, ao abrigo da qual foi proferida decisão de inconstitucionalidade material – Acórdão 23/2006 – entrou em vigor a 25 de Abril de 1976
2º- O artigo 282 nº 2 da C.R.P., refere que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, quando se trate de inconstitucionalidade ou ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior só produz efeitos desde a entrada em vigor da norma constitucional ou legal posterior.
3º- No caso dos autos, está em causa uma situação de inconstitucionalidade superveniente.
4º- O disposto sobre o prazo de caducidade segundo o nº 1 do art. 1817 do C. Civil, na versão original do C. Civil aprovado pelo Dec. Lei nº 47334, alterou o disposto no art. 37 do Dec. nº 2 de 25-12-1910, que substituirá o art. 133 do C. Civil de 1867 e estabelecia vários prazos. Ora.
5º- A autora nasceu a 20 de Novembro de 1932 e atingiu a maioridade em 20-11-53 e a emancipação pelo casamento em 27-01-1951 – o que, segundo o art. 37 do Dec. nº 2 de 25-12-1910, garantia que o prazo para investigar a paternidade se estenderia até ao ano subsequente à morte do pretenso pai, ocorrido em 28-01-2004. Porém
6º- Muito antes deste óbito entrou em vigor o Código Civil de 1966 que restringia os prazos para 2 anos a contar da maioridade ou emancipação do investigante ou seis meses após a data em que obtivesse escrito em que o investigado declarasse inequivocamente a paternidade, ou um ano a partir da data em que cessasse a posse de estado.
7º –Todavia, o Dec. Lei 47344 que aprovou o Código Civil de 1966, no seu art. 19, derrogando as regras gerais sobre a contagem dos prazos, estabeleceu que “ o facto de se ter esgotado o período a que se refere o nº 1 do art. 1854 não impede que acções de investigação da maternidade ou paternidade ilegítima sejam propostas até 31 de Maio de 1968, desde que não tenha caducado antes em face da legislação anterior o direito de as propor;
8º- Atendendo ao tempo de emancipação ou maioridade da Autora, o prazo para esta propor a acção com fundamento exclusivamente na filiação biológica expirara em 31 de Maio de 1968 – antes da vigência das normas constitucionais em que se baseava o Acórdão 23/2006 que não terá efeito retroactivo, baseado em preceitos constitucionais posteriores aos que impõem a caducidade verificada.
9º- O direito extinto por caducidade não revivescerá – e interpretação contrária colidiria com o princípio da confiança e da segurança jurídica que qualquer Estado de Direito deve tutelar (art. 2º da C.R.P.)
10º- E a Autora não goza de posse de estado que lhe permita beneficiar da extensão do prazo de caducidade - assim julgaram as instâncias.
11º- O estabelecimento de prazo de caducidade para o exercício de uma faculdade legal que se funda nos direitos fundamentais a identidade pessoal e a constituir família (art. 26 nº 1 e 36 nº 1 da C.R.P) não integra uma restrição daqueles direitos, não contende com a extensão objectiva deles. E
12º- Ao propor a acção a Autora não tinha qualquer elemento que lhe permitisse confiar na inexistência de prazo de caducidade - tanto que invocou uma posse de estado que se não provou. Deste modo
13º- O exposto já demonstra que inconstitucional é a não aplicação do art. 19 do Dec. -Lei 47344 de 25-11-1966, e inconstitucional é a decisão do S. T. de Justiça.
Ainda
14º – Só o erro ou desatenção levaram o Tribunal recorrido a falar em paternidade biológica ou filiação biológica da Autora, com base num exame que não é fiável por não ter considerado o hipótese de a Autora poder ser filha do pai do investigado e ela ser irmã deste.
15º- Os argumentos da Autora baseados na fantasiosa identidade biológica são, neste caso ininvocáveis - verdade demonstrada nos autos por cientistas de relevo nacional e internacional, ou seja, verdade cientifica que não pode ser ignorada pelos julgadores, confessando o Juiz do Processo não haver sequer prova de relações sexuais entre a mãe da Autora e o investigado.
16º- A Autora não quer conhecer a sua; ascendência biológica, opondo-se ao exame que pudesse provar os seus verdadeiros direitos pessoas de identidade e de personalidade.
17º- Assim, sem prova de qualquer das presunções enumeradas no art. 1871, nº 1 do C. Civil nem da filiação biológica da Autora é evidente que o que é inconstitucional é a não obediência ao art. 19 do citado Dec. Lei 47344/66.
18º – A ciência ensina e quatro cientistas de Alto Mérito o garantem e o Instituto de Medicina Legal de Coimbra o reconheceu e confirmou que o exame feito a um investigado considerando ser este o verdadeiro pai ou o verdadeiro pai ser um desconhecido não dá garantias de paternidade biológica do investigado quando ela é atribuída também ao pai investigado.
19º- E até já se averiguou noutro processo contra o mesmo investigado que a probabilidade de o pai dele ser o verdadeiro pai da Autora foi de 99,999999, portanto superior à de 99,999985 considerada para o investigado. Ora,
20º- Por saber que seu pai, como consta dos autos, e que quer para avô – nada se importando com a sua identidade – é que a Autora sempre se opôs a que isso se averiguasse, receosa de se provar que não era filha de um garoto de 16 anos, como lhe convinha, mas do pai dele.
21º- O conhecimento científico de que não está, nem pode estar provada a paternidade biológica imputada ao investigado que a generalidade das pessoas atribuem ao pai deste é facto notório, que não carece prova e como tal terá de considerar-se, por ser do conhecimento geral e o Tribunal o não pode ignorar em virtude do exercício das suas funções – art. 514 do C. P. Civil. Assim,
22º- O direito a ver julgar a causa de acordo com um facto científico notório afasta a falsa declaração de estar provada uma paternidade biológica, falsa declaração que cientificamente se provou não estar provada – e nos termos do art. 26 da C.R.P. é assegurado o direito de não ser identificado como pai se for irmão.
23º- Incumbe aos Tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e só a verdade os pode determinar e defender e não a fantasia (artº 202 do C.R.P.) – e será flagrantemente inconstitucional a decisão que considere provada a paternidade biológica que não está provada como é notório e a ciência garante.
24º- Na folha 12 destas alegações sumariou-se o fundamental nelas exposto para provar que a C.R.P fere de inconstitucionalidade a pretensão da Autora que propôs a acção quando há muito caducara esse direito e que, já sem o poder fazer, quis servir-se de uma afirmação de filiação biológica que imputa ao investigado mas que não provou, nem se poderia provar, como é facto cientificamente assente sem averiguar se é filha do pai do investigado.
Termos em que – e principalmente nos que forem doutamente supridos – se espera, seja dado provimento ao recurso.» (fls. 1108 a 1110, com sublinhado e realce nossos)
3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida veio apresentar contra-alegações, que ora se resumem:
«1.ª - O n.º 3 do art.º 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, na sua parte final, estatui que as partes apenas podem impugnar a decisão que admita o recurso nas suas alegações.
2.ª - Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional no mesmo requerimento em que arguiram a nulidade do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc.º n.º 495/04 – 3TOBR.C.1.S.1 e fizeram-no no final do mencionado requerimento (no qual não referem qualquer norma cuja aplicação tenha sido recusada por esse Tribunal) e, para além de não terem identificado de forma individualizada e específica a alínea do n.º 1 do art.º 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso seria interposto, também não indicaram «a norma cuja inconstitucionalidade (…) se pretende que o Tribunal aprecie», como é exigido pelo n.º 1 do art.º 75.º-A da LTC.
3.ª - Tendo sido admitido o recurso sem que no respectivo requerimento fosse feita tal indicação, compete agora ao Excelentíssimo Senhor Juíz Conselheiro Relator, no Tribunal Constitucional, efectuar esse convite, se assim o entender (art. 75.º-A, n.º 6, da LTC) e na eventualidade de os recorrentes não responderem a esse convite, deve o recurso ser julgado deserto (art.º 75.º-A, n.º 7, da LTC). Sem prescindir,
4.ª – Nas suas alegações os recorrentes sustentam que, «salvo o devido respeito, ferida de inconstitucionalidade é a decisão de que se recorre» (destaque da ora recorrida), ou seja, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc.º n.º 495/04 – 3TOBR.C.1.S.1, voltando a insistir na mesma ideia, a fls. 9 afirmando que «neste caso, a não obediência ao artº 19 do Decreto Lei nº 47344/66 de 25 de Novembro (…) é que é inconstitucional e ilegal», reportando-se, ao Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mencionado no número anterior, pois foi este que «não obedeceu» à mencionada norma transitória (ao não a aplicar).
5.ª – De igual modo, ao longo das suas alegações, os recorrentes, para além de porem malevolamente em causa matéria de facto dada como assente pelas instâncias (a prova da paternidade biológica), referem ser inconstitucional «uma falsa declaração de estar provada uma paternidade biológica», porque, insinuam: «cientificamente é garantido que não está provada»; e essa declaração, pretensamente falsa, corresponderia a matéria de facto dada como assente pelas instâncias e, por conseguinte, pelas decisões dos Tribunais competentes para dela conhecerem.
6.ª – Os recorrentes reincidem, nas suas alegações e respectivas conclusões, na argumentação de que «inconstitucional é a não aplicação do artº 19 do Dec.-Lei 43344 de 25-11-1966» (e, por conseguinte, a decisão que a não aplicou), recuperando a asserção inicial de que «inconstitucional é a decisão do S. T. Justiça».
7.ª - Como sustentam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra, 2010, págs. 898 e segs., «[t]ambém não são susceptíveis de fiscalização da constitucionalidade as decisões jurisdicionais, salvo as que transportam interpretações normativas. Pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer motivo a Constituição. É esta a orientação jurisprudencial, repetidamente afirmada (…). Contra uma decisão judicial que viole ela mesma a Constituição só restam as vias de recurso ordinárias que caibam ao caso».
8.ª – Desta forma, o objecto do presente recurso deveria ser, não a própria decisão judicial, mas a norma, ou as normas, aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça nessa decisão, pelo que carece em absoluto de fundamento a pretensão dos recorrentes em verem declarada a «inconstitucionalidade da decisão» proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (considerada em si mesma).
9.ª - Os recorrentes, a fls. 8 e segts., aludem sucessivamente a: «erro que, neste caso, só uma desatenção explica, sobre a paternidade biológica, ou seja, sobre a filiação biológica da Autora»; «a autora pode ser irmã do investigado por ambos serem filhos do mesmo pai»; «sem a prova da filiação biológica, nem sequer há prova de relações sexuais entre a mãe da Autora e o investigado»; «a autora não quer conhecer a sua verdadeira ascendência biológica» e «sempre se opôs ao exame que a [sic] pudesse provar os seus verdadeiros direitos pessoais de identidade e de personalidade»; «não está, pois, provada a filiação biológica – nem qualquer das presunções enumeradas no artº 1871 nº 1 do C. Civil»; «o exame feito prova que não há prova científica da paternidade da Autora – e não há sequer das relações sexuais entre a mãe da Autora e D. de que esta [sic] viesse a engravidar»; «[o] conhecimento científico de que não está, nem pode estar provada a paternidade biológica imputada ao investigado por a generalidade das pessoas a imputar ao pai deste e haver razões para essa imputabilidade ser credível é facto notório, que não carece de prova e que como tal deve considerar-se por ser do conhecimento geral, acrescendo que sempre o Tribunal o não pode ignorar em virtude do exercício das suas funções na leitura do processo – artº 514 do C. P. Civil»; «é flagrantemente inconstitucional a decisão proferida em acção de investigação de paternidade que considere provada a paternidade biológica que não está provada como é notório e cientificamente comprovado», etc.
10.ª - Os recorrentes, além de «fingirem» malevolamente não conhecerem a matéria de facto dada como assente pelas instâncias, pretendem ilicitamente fazer do Tribunal Constitucional uma instância jurisdicional de controlo de supostos erros na apreciação da matéria de facto relevante para a decisão da causa e das provas (que nem sequer puderam ser objecto do recurso de revista, por força do disposto no art. 722.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil) ou de erros de julgamento, para o que não hesitaram em transpor para as alegações do recurso de constitucionalidade a argumentação em que fundamentaram a reclamação que apresentaram do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a qual foi justamente indeferida.
11.ª – No entanto, como estatui o n.º 1 do art.º 71.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), «[o]s recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada», não tendo este Tribunal competência para conhecer das questões da matéria de facto, uma vez que a apreciação de alegados erros de julgamento ou de errada qualificação da matéria de facto não é uma questão de constitucionalidade.
12.ª - Os recorrentes, para além de não mencionarem a norma, ou as normas, cuja inconstitucionalidade pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie (como é exigido pelo art. 75.º-A da LTC), dedicam uma parte substancial das suas alegações à defesa insistente da tese da aplicabilidade do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de Novembro de 1966, e sustentam mesmo que «inconstitucional é a não aplicação» desse artigo “inconstitucional é a decisão do S. T. Justiça”; ou a «não obediência a ele» (n.os 13.º e 17.º das conclusões e fls. 9).
13.ª - Não foi essa a norma cuja aplicação foi rejeitada, no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por contrária à Constituição ou aos princípios nela consignados, sendo que tal nem sequer é mencionada nesse Douto Acórdão, o que, naturalmente, só pode significar que o Supremo Tribunal de Justiça a não considerou aplicável ao caso decidendo, no uso da ineliminável prerrogativa que lhe assiste de determinar o direito aplicável.
14.ª - A norma que o Tribunal considerou aplicável foi a do art. 1817.º, n.º 1, do Código Civil (aplicável à investigação da paternidade ex vi do art. 1873.º), e foi essa a norma cuja aplicação foi recusada com fundamento na sua inconstitucionalidade – como resulta claramente de fls. 17 e segs. em especial, 17, 18, 24, 25, 26, 27 e 28, conclusões a) a d), desse Douto Acórdão e é confirmado pelo douto despacho que admitiu o presente recurso (n.º 2), pelo que nos termos do disposto no art.º 79.º-C da LTC (na parte que aqui interessa), o Tribunal Constitucional «só pode julgar inconstitucional (…) a norma [a] que a decisão recorrida (…) haja recusado aplicação (…)».
15.ª – Não podendo pois, ser atendido o que os recorrentes sustentam relativamente à aplicabilidade do mencionado art. 19.º do Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de Novembro de 1966, e a um pretenso erro na determinação da norma aplicável, que consubstanciaria um erro de julgamento e está, por isso, subtraído ao poder de cognição do Tribunal Constitucional.
16.ª - O Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que vem interposto o presente recurso acolheu a interpretação do Acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional – que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do art..º 1817.º, n.º 1, do Código Civil (aplicável por força da remissão efectuada pelo artigo 1873.º do mesmo Código), na redacção que lhe havia sido dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro – no sentido de a inconstitucionalidade por ele declarada implicar que «a norma em crise fique definitivamente arredada do ordenamento jurídico, independentemente da redacção do segmento final» e, por conseguinte, a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade, em virtude de o estabelecimento da paternidade se inserir «no acervo dos direitos pessoalíssimos de conhecimento da verdade biológica, da ascendência e marca genética e, afinal, da inserção numa genealogia com relevantes reflexos sociais e históricos» (fls. 17), por estar em causa, nomeadamente, o direito à identidade (pessoal) «direito inalienável e absoluto, sempre garantido pelos artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º1 da Constituição da República» (fls. 18).
17.ª - A imprescritibilidade das acções de investigação, como foi salientado, nomeadamente, nos Doutos Acórdãos n.º 486/2004 e 65/2010, está consagrada de forma irrestrita na Alemanha, na Itália e no Brasil, com cujos ordenamentos jurídicos mantemos uma forte ligação e na doutrina nacional, sobretudo devido à importância de que se revestem as provas científicas (maxime, os testes de ADN), a solução da imprescritibilidade das acções de investigação é defendida, em especial, por GUILHERME DE OLIVEIRA (Caducidade das acções de investigação, in «Lex Familiae» – Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 1, n.º 1, Coimbra, 2004, págs. 7 e 13, FRANCISCO PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. II, Tomo I, Coimbra, 2006 – que, como se diz no Prefácio, na parte respeitante ao Estabelecimento da Filiação, é da responsabilidade do segundo dos AA. –, págs. 247 a 253), JORGE DUARTE PINHEIRO (Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 4, do Código Civil – Anotação ao Ac. do TRC de 19.10.2004, Proc. 718/04, in Cadernos de Direito Privado, n.º 13, Janeiro/Março 2006, pág. 69) e RAFAEL VALE E REIS (O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas, Coimbra, 2008, págs. 207 e segs., em especial 214 e 494).
18.ª – Como defende e ensina em Critério Jurídico da Paternidade, Coimbra, 1983, págs. 460-471): «… creio que os progressos técnicos e os movimentos sociais de valorização das origens e de responsabilidade individual estão contra a limitação de investigar que resulta do prazo de caducidade. Em face do quadro de direitos constitucionais implicados e de uma valoração particular dos interesses gerais defendidos pela caducidade, julgo que a limitação de agir que resulta do prazo estabelecido pela lei vigente significa uma restrição não justificada, desproporcionada, do direito do filho. Julgo, em suma, que se tornou sustentável alegar a inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos arts. 1817.º e 1873.º CCiv.» (destaque da ora recorrida).
19.ª - Nesta ordem de ideias, que decorre do Douto Acórdão de que foi interposto o presente recurso, a alteração do art. 1817.º operada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, em nada alterou o juízo que a ora recorrida sempre fez sobre a inconstitucionalidade dos prazos de caducidade do direito de investigação da paternidade (e da maternidade).
20.ª - Como flui do exposto, apesar de poderem ser igualmente convocados o direito de constituir família (art..º 36.º, n.º 1, da Constituição), a proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (art..º 36.º, n.º 4, da Constituição) e o direito ao desenvolvimento da personalidade (art.º 26.º, n.º 1, da Constituição), «o parâmetro constitucional mais relevante para a aferição da legitimidade da previsão legal de limitações temporais ao direito de investigar a paternidade encontra-se no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, nos termos do qual é reconhecido o direito à identidade pessoal a todos os cidadãos» (cfr. o douto Acórdão n.º 626/09 do Tribunal Constitucional – com destaque da ora recorrida) [ou «o parâmetro constitucional mais significativo para a análise do regime de caducidade das acções de investigação é o direito à identidade pessoal» (cfr. o douto Acórdão n.º 65/2010 do Tribunal Constitucional – com destaque da ora recorrida)], que J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA designam por «direito à historicidade pessoal» e se traduz no «direito ao conhecimento da identidade dos progenitores» (Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, pág. 462 – onde estes Ilustres Constitucionalistas sustentam que tal direito pode «fundamentar, por exemplo, um direito à investigação da paternidade ou da maternidade, mesmo em alguns casos em que, prima facie, a lei parece estabelecer a preclusão do direito de accionar nas acções de investigação da paternidade»).
21.ª - «A identidade pessoal consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais» (cfr. o douto Acórdão n.º 626/09 do Tribunal Constitucional), ou seja, nas palavras de JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS (Constituição Portuguesa anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pág. 284), «uma unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas».
22.ª - Compreende-se, por isso, que qualquer restrição a esse direito, pela gravidade dos seus efeitos, tenha de ser sempre considerada como violadora do princípio da proporcionalidade (em sentido amplo), consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
23.ª - Pelo que se mantém plenamente justificado o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça, cuja confirmação pelo Tribunal Constitucional se espera, por assim ser de Lei e de inteira.» (fls. 1124 a 1131)
5. Perante a invocação de fundamentos que obstariam ao conhecimento do objecto do presente recurso, a Relator proferiu despacho, em 15 de Abril de 2011 (fls. 1173), ao abrigo dos artigos 703º, n.º 2, e 704º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 69º da TC, para que os recorrentes viessem aos autos pronunciar-se sobre aqueles fundamentos. Em resposta, os recorrentes pronunciaram-se, em 12 de Maio de 2011, podendo extrair-se as seguintes conclusões:
« 1) - O direito da Autora, relativo a investigação da sua paternidade a que aludia a norma do nº 1 do art. 1854 do C. Civil, mais tarde transposta para o nº 1 do art. 1817, extinguiu-se por caducidade em 31 de Maio de 1968 — nos termos do art. 19° do Dec-Lei 47344/6 de 25 de Novembro - e os efeitos da declaração da inconstitucionalidade do nº1 do art. 1817 do C. Civil não retroagiriam a situações temporalmente anteriores ao início da vigência das nonas constitucionais que fundamentaram a declaração de inconstitucionalidade, como se invocou, imediatamente, numas alegações que por não ter havido notificação para os Recorrentes as apresentaram, foram dadas sem efeito.
2) - Notificados para alegarem sobre a desaplicação sobre a norma extraída do art. 1817 nº 1 do C. C. – e na recepção do recurso o S. T. de Justiça, entendia ter-se recusado a aplicação da norma com fundamento na inconstitucionalidade.
3) - Nas alegações alega-se que a Autora propôs a acção quando há muito caducara esse direito — e imputa a paternidade biológica ao investigado sem se ter provado nem se poder provar, como é facto cientificamente inquestionável, sem se averiguar se é filha do pai do investigado.
4) - Ao admitir o recurso, o Sr. Conselheiro Relator entendeu ser ele admissível, por se poder entender que o Supremo recusou a aplicação da norma do art. 19 do Dec. Lei nº 47344/66 de 25 de Novembro, que torna inaplicável o nº 1 do art. 1817 do C. Civil ao caso, tornando possível a propositura da acção até 31 de Maio de 1968.
5) - E o Douto Despacho da Exma. Juíza Conselheira Relatora ao permitir que nos pronunciássemos sobre os fundamentos de não conhecimento do objecto do recurso, afasta definitivamente esta tentativa de impugnação.
De resto,
6) - As alegações da Autora, no recurso de revista, eram cópia quase integral das apresentadas no que interpusera do Acórdão da Relação de Coimbra proferida em 27-10-2009 no processo 375/04.2TBOBR que considerava tão semelhantes que já no Tribunal Constitucional juntou a este (662-10-1ª secção) uma cópia do Acórdão proferido naquele a que agora respondemos.
7) - E escrevia que C. já se acha reconhecida como filha biológica do mesmo investigado.
8) - Omitiu que os Recorrentes haviam interposto o presente recurso. E
9) - O outro em que a Autora era recorrente foi julgado em 03-05-2011 (Acórdão 225/2011, recurso nº 662/10 – 1ª Secção — e nele se decidiu não conhecer do objecto do recurso. E assim,
10) - O Tribunal Constitucional declarou extinto o direito da Autora (E.) instaurar a acção de investigação de paternidade por ter caducado em 31 de Maio de 1968, nos termos do art. 19 do Dec. Lei 47344/66 de 25 de Novembro.
11) - Por maioria de razão - de alguma maneira fora considerado poder o pai do investigado ser o pai biológico daquela Autora - sempre teria caducado o eventual direito desta Autora à investigação em que alegara posse de estado que não se provou e em que até as relações sexuais entre ela e o investigado só se consideram provadas por se acreditar naquele exame que nada prova e que apresenta uma probabilidade de paternidade inferior àquela que foi determinada para o pai do investigado em relação à E.
12) - Nascida em 1932, emancipada em 1951, maior em 1953 - em 1968 a Autora tinha mais de 35 anos e longe vinha a Constituição da República de 1976, que não se aplica retroactivamente, contra os princípios da confiança e da segurança jurídica (art. 2° da CR.P.).
13) - E poderiam citar-se textos de Canotilho e Vital Moreira e de outros Constitucionalistas, a ensinar que a C.R.P. não permite fazer renascer situações há muito extintas – em 31 de Maio de 1969 — lembrando que a acção só foi proposta quando a Autora já passava dos 71 anos.» (fls. 1180 a 1182)
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Atenta a tramitação dos presentes autos, importa, antes de mais, começar por aferir da possibilidade legal de conhecimento do objecto do presente recurso.
Com efeito, conforme sustenta a recorrida, os recorrentes não deram cabal cumprimento ao n.º 1 do artigo 75º-A da LTC, pois não indicaram expressamente, no requerimento de interposição de recurso, qual a norma que entendiam ter sido desaplicada. Porém, atento o despacho de admissão proferido pelo Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça – que admitiu ter desaplicado a norma extraída do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil –, a ora Relatora entendeu não se justificar o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, tendo ordenado a notificação dos recorrentes de que apenas deveriam proferir alegações quanto à desaplicação daquela norma.
No entanto, ainda que disso tivessem sido expressamente prevenidos, os recorrentes persistiram em alegar acerca de uma alegada desaplicação de norma extraída do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, nunca tendo invocado, especificamente, a inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 1817º, n.º 1, do CC. Pelo contrário, os recorrentes fizeram questão de frisar que:
“(…) a declaração de inconstitucionalidade do citado artº 1817, nº 1, do C. Civil, a que atrás se aludiu, nenhuns efeitos tem sobre o caso ajuizado, certo que, não obstante o disposto no n.º 1 do artº 282º da CRP, a norma que limitou temporalmente, a possibilidade de a autora investigar a paternidade não foi a do citado nº 1 do artº 181[7]º, aplicada por força do artº 1873º, também do C. Civil, mas a norma constante do artº 19º do DL. Nº 47344/66, de 25 de Novembro.” (fls. 1107 e, na resposta à invocação de fundamentos de não conhecimento, a fls. 1176, com sublinhado nosso)
E, nas respectivas conclusões, mais reforçaram que:
“13º- O exposto já demonstra que inconstitucional é a não aplicação do art. 19 do Dec. -Lei 47344 de 25-11-1966, e inconstitucional é a decisão do S. T. de Justiça.
(…)
17º- Assim, sem prova de qualquer das presunções enumeradas no art. 1871, nº 1 do C. Civil nem da filiação biológica da Autora é evidente que o que é inconstitucional é a não obediência ao art. 19 do citado Dec. Lei 47344/66.” (fls. 1109)
Além disso, mesmo após terem sido notificados para se pronunciarem sobre os fundamentos de não conhecimento de objecto do pedido, tal como invocados pela recorrida, os recorrentes persistiram nesta linha de argumentação, nunca demonstrando que pretendessem ver apreciada a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil. Ao invés, os recorrentes viriam a insistir na circunstância de que o objecto do presente recurso corresponderia à norma extraída do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966:
“Apesar disso, aludira a uma falsa falta de indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, ESQUECE QUE NO DESPACHO DE ADMISSÃO DE RECURSO, o Exmº Conselheiro Relator, considera ser ele admissível, por se entender que o Supremo recusou a aplicação da norma do artº 19 do Dec. Lei nº 47344 de 25 de Novembro de 1966 que torna inaplicável o nº 1 do artº 1817 nº 1 do C. Civil ao caso, tornando impossível a propositura da acção até 31 de Maio de 1968.” (fls. 1177)
Ora, conforme resulta inequivocamente do despacho citado – e supra transcrito, no relatório deste acórdão – o Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça apenas admitiu recurso quanto à desaplicação da norma do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, e nunca em relação ao artigo 19º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966.
Aliás, o modo como os recorrentes conceberam o objecto do presente recurso – patente ao longo de toda a sua intervenção nestes autos – evidencia uma confusão manifesta entre a decisão recorrida nos presentes autos e o acórdão proferido, pelo mesmo Supremo Tribunal de Justiça, que deu causa ao Proc. n.º 662/2010, que correu termos junto da 1ª Secção do Tribunal Constitucional e que culminou na prolação do Acórdão n.º 225/2011.
Dessa feita, sim, foi decidido não conhecer do objecto do recurso então interposto por E., precisamente porque aquela pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil, quando, naqueles outros autos, a decisão recorrida havia aplicado a norma extraída do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966. Assim, veja-se o Acórdão n.º 225/2011:
“Da parte acima transcrita do requerimento de interposição do recurso resulta, a qualquer luz, que a recorrente visa impugnar «a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do Código Civil, quer na redacção (do DL. N.º 47.344, e da Lei n.º 21/98 de 12-05) anterior à Lei n.º 14/2009, de 01 de Abril, quer na redacção desta lei, ela também inconstitucional». São estas as duas normas às quais a recorrente imputa inconstitucionalidade. Ora, a norma efectivamente aplicada como ratio decidendi, quer na Relação de Coimbra, quer no Supremo Tribunal de Justiça foi a norma transitória constante do artigo 19.º do Decreto-lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, que veio dispor, quanto às acções de investigação da filiação o seguinte:
«o facto de se ter esgotado o período a que se refere o n.º 1 do artigo 1854.º não impede que as acções de investigação da maternidade ou paternidade ilegítima sejam propostas até 31 de Maio de 1968, desde que não tenha caducado antes, em face da legislação anterior, o direito de as propor».
O n.º 1 do artigo 1854.º, na primeira versão do Código Civil de 1967, tinha a seguinte redacção:
«A acção de investigação de maternidade ou paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade».
Todavia, o tribunal a quo não aplicou esta última norma, mas, directamente, a norma constante do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, que determinava que o direito de investigação da filiação da autora havia caducado em 31 de Maio de 1968, conforme, aliás, acaba por reconhecer a recorrente na conclusão 12ª da sua alegação, ao afirmar:
12. É certo que o Douto Acórdão do STJ, mediante remissão para o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 10), aplicou também (e em primeira linha) a norma do art. 19.º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966.[...]
E a verdade é que ambos os tribunais sublinham ser essa a ratio decidendi da decisão de caducidade do direito de acção, afastando, expressamente, a aplicabilidade ao caso concreto do artigo 1817.º do Código Civil. Assim, afirma o Supremo Tribunal de Justiça:
«a norma que limitou, temporalmente, a possibilidade de a autora investigar a paternidade não foi a do citado nº 1 do art. 1817º, aplicada por força do art. 1873º, também do C.Civil, mas a norma constante do art. 19º do DL. nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966»
A norma objecto do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC deve ser aquela que foi aplicada como ratio decidendi na decisão recorrida o que significa que, no aludido recurso, apenas é sindicável a norma mobilizada como razão de decidir e não qualquer outra. No presente caso, é manifesto que a disposição submetida ao juízo do Tribunal não foi efectivamente aplicada na decisão recorrida. Deve, assim, concluir-se que a recorrente definiu como objecto do seu recurso duas normas que o tribunal recorrido manifestamente não aplicou.”
Sucede, porém, que, nos presentes autos, a decisão recorrida não corresponde à proferida, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Proc. n.º 662/2010. Pelo contrário, a decisão ora recorrida é diametralmente oposta àquela. Portanto, foram os recorrentes quem fixou o objecto do presente recurso em norma que não foi efectivamente desaplicada pela decisão recorrida.
É certo que não o fizeram expressamente em sede de requerimento de interposição de recurso, o que poderia ter conduzido a convite ao aperfeiçoamento. Porém, quer após terem sido notificados para alegar, expressa e exclusivamente quanto à norma extraída do artigo 1817º do Código Civil, quer após terem sido notificados para se pronunciarem sobre a invocação, pela recorrida, de fundamentos que obstariam ao conhecimento do objecto do recurso, os recorrentes persistiram em afirmar que pretendiam ver apreciada a decisão de desaplicação da norma extraída do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966. Ora, por força do artigo 79º-C da LTC, este Tribunal só deve conhecer da constitucionalidade de normas que tenham sido efectivamente desaplicadas pelos tribunais recorridos, pelo que, não tendo a decisão recorrida desaplicado aquela norma, não deve o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC´s, nos termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.