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Processo n.º 402/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante a Câmara Municipal de Loures, e expropriada A., S.A., foi proferida, em 10 de Setembro de 1986, decisão arbitral que fixou, por unanimidade, o valor da indemnização em Esc.6.695.400$00. A expropriada não aceitou a decisão e o Tribunal Judicial da comarca de Loures, por sentença de 5 de Maio de 1987, acabou por fixar a indemnização em Esc.19.242.966$00. Ambas as partes recorreram, mas a Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Abril de 1988, manteve a decisão do Tribunal de Loures. Inconformada, a expropriada recorreu para o Tribunal Constitucional que, por acórdão de 18 de Abril de 1990, fez aplicação da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 30.º, n.º 1 do Código das Expropriações de 1976, feita no Acórdão n.º 131/88 (Diário da República, Iª Série, de 29 de Junho de 1988), ordenando, com o provimento do recurso, a reforma da decisão recorrida. Em consequência, a Relação de Lisboa, no acórdão de 11 de Outubro de 1990, ordenou a avaliação da parte do prédio fora do aglomerado urbano com a área de 44.088 m2. Na sequência de nova perícia realizada, tendo ainda em conta a expropriação total do prédio – entretanto ordenada –, o tribunal de 1ª instância proferiu nova sentença, datada de 17 de Julho de 1993, a fixar o valor global da indemnização em Esc.746.583.550$00, actualizável a partir dessa data de acordo com os índices de preço do consumidor. De novo irresignadas, as partes recorreram para a Relação de Lisboa, que decidiu, por acórdão de 7 de Julho de 1994, anular a peritagem relativa à parte rústica sobrante do prédio não abrangida pela declaração de utilidade pública e determinar que se procedesse a nova avaliação da mesma parcela.
Foi finalmente proferida sentença em 13 de Setembro de 2004 a fixar o valor total da indemnização na quantia de Esc.65.986.990$00, a actualizar de acordo com os índices de preços divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística.
Inconformadas, novamente apelaram a expropriante e a expropriada, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa decidiu julgar improcedentes ambas as apelações e manter a sentença nos seus precisos termos. O acórdão, de 20 de Outubro de 2006, diz, para o que aqui releva:
“ Resta apreciar a adequação da indemnização fixada pela expropriação.
Ambas as partes nos seus recursos pretendem a sua reapreciação pelo Tribunal ad quem.
(…)
a)Considerandos gerais
Atentemos em algumas notas breves acerca do critério legal para a determinação da indemnização no processo de expropriação.
Acerca da justa indemnização em caso de expropriação, garantia económica contemplada no art. 62.º da CRP segundo o qual:
“A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
O Tribunal Constitucional tem considerado que a direito à justa indemnização se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as suas restrições deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, mas sempre com respeito pela observância dos princípios materiais da Constituição de igualdade e de proporcionalidade.
Neste seguimento, do Assento do S.T.J. de 22-11-95 consta que a indemnização “será justa se respeitar os princípios materiais da Constituição da igualdade e proporcionalidade.”
Mas, se na Lei Fundamental encontramos a exigibilidade do pagamento de justa indemnização para a realização da expropriação por utilidade pública, na senda da garantia do direito de propriedade – art. 62.º da CRP, no que concerne à determinação do conceito de justa indemnização, remete-se para a lei ordinária a definição dos critérios atinentes à sua concretização.
Normativo que é concretizado no art. 28.º, n.º 1 do CEXP 76, segundo o qual “A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação. O prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriado, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente
Na verdade, o direito de propriedade é um direito com garantia constitucional.
Como corolário deste pensamento, não podem aceitar-se condicionantes que rigidamente delimitem o apuramento do “quantum” indemnizatório, na sua justa medida, estando neste caso as normas do art. 30.º n.º 1 e 2, 33.º, n.º 1 bem como a do art. 131.º do CEXP 76 que foram julgadas inconstitucionais por consagrarem critérios restritivos de valoração do bem expropriado e, por isso, determinando para os cidadãos seus titulares numa oneração acrescida e injustificada (cf. os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 341/86, 109/88, 381/89, 420/89 e 143/93, respectivamente, em Diário da República, 2.ª série n.ºs 65 de 19.3.87, 202 de 1.9.88, 207 de 8.9.89, 213 de 15.9.89 e 83 de 8.4.93.
Quanto ao art. 131.º do mesmo Código, a sua desconformidade com a lei fundamental reside na circunstância de este preceito resultar para o art. 62.º da Lei dos Solos (DL 794/76) e com a finalidade exclusiva de fazer funcionar a diferenciação de critérios clausulada nos ditos art. 30.º n.º 1 e 2 (como, aliás, se diz no Acórdão do T.C. n.º 147/93 já referido.
O princípio da igualdade de encargos entre os cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os não expropriados, mas, também, que, pela via da expropriação, não venham os expropriados a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não expropriados.
Afinal, o que se pretende é o apuramento do valor real do prejuízo do expropriado, sendo por isso, admissíveis critérios de valoração determinativos de parâmetros de avaliação que conduzam a tal apuramento, por modo a que a lesão patrimonial sofrida seja adequadamente reparada e não perigue o princípio de igualdade entre o cidadão que viu a sua propriedade expropriada e aquele outro que não foi expropriado.
Aponta-se usualmente, como ponto de referência o valor do mercado, mas dela se devendo afastar as componentes especulativas ou ficcionadas e as mais valias resultantes da própria expropriação ou de outras circunstâncias posteriores dela dependentes da vontade do expropriado ou de terceiro (cf. o art. 29.º nº 1 e 2 do CEXP76).
Seguindo este pano de fundo, analisemos de perto o regime legal aplicável ao caso espécie e suportada na classificação do CEXP76: terrenos fora dos aglomerados urbanos, terrenos situados em aglomerados urbanos e terrenos destes diferenciados.
Entendemos não ser de acolher o critério segundo o qual o bem a expropriar, situando-se “fora do aglomerado urbano” (por contraposição a “aglomerado urbano”) terá de ser considerado exclusivamente como prédio rústico, baseada na distinção da lei fiscal entre prédios rústicos e prédios urbanos, a qual não tem qualquer aplicação em especial na matéria referente às expropriações, importando apenas considerar se o terreno a expropriar se situa dentro ou fora do aglomerado urbano.
Acresce que, o que se revela mais consentâneo com os dados da experiência comum, assentar no pressuposto inicial, de que todo o solo (incluindo o dos prédios rústicos) é apto a edificar, desde que a tal não se oponham razões de ordem material / por exemplo, terrenos particulares declivosos, inundáveis, pantanosos, desmoronáveis, inacessíveis, de paisagem natural de protecção ecológica, de grande aptidão agrícola, ou dos que, pelas suas dimensões, configuração, etc., não são por natureza edificáveis).
b) Os terrenos em avaliação
No que concerne aos terrenos expropriados as recorrentes não questionam as classificações atribuídas às parcelas, e bem assim as respectivas áreas definidas como terreno em aglomerado urbano e dele excluído.
Temos então para avaliar da indemnização fixada às parcelas B e C, (consoante estão identificadas na sentença impugnada), respectivamente, a B com a área de 44.088 m2, objecto da DUP, situada em zona diferenciada e fora do aglomerado urbano, e a C, com área de 34.895 m2 referente à parte sobrante, integrada após na expropriação total e toda ela situada fora do aglomerado urbano.
A sentença recorrida seguiu a avaliação tirada pelos peritos maioritários – dois nomeados pelo Tribunal e o outro pela expropriante.
Em ambas as parcelas, porém, todos os peritos estiveram em sintonia quanto a três elementos axiais: trata-se de terrenos fora do aglomerado urbano mas com potencial edificativo, constituindo terrenos nus.
(…)
Não encontramos, na realidade, elementos ponderosos, nem os esgrimidos pela expropriada são explicados objectivamente, para que nos afastemos do laudo dos peritos que obteve maioria e da quantificação da indemnização assim alcançada.
Desse modo, e porque não se vislumbra que tais laudos tenham sido proferidos ao arrepio dos comandos legais previstos para o efeito e dos factos apurados, não haverá razões para não seguir o entendimento dominante dos peritos, que puderam analisar os terrenos circundantes com as mesmas características.
Incontornável parece ser, pois que, nesta perspectiva, não merece censura, a opção do julgador pela prova que constituem os laudos maioritários dos Srs. Peritos, a qual embora não vinculativa, é um instrumento reconhecidamente indispensável para se decidir sobre a indemnização.
A expropriada insiste em que o índice de construção a fixar deverá ser de 0,8 enquanto, os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito da expropriante configuram como acertado o índice de construção em 0,6.
A informação camarária é o único elemento que refere aquela indicação como capacidade edificativa destas parcelas.
Por outro lado, a existência de acessos rodoviários não contorna a questão do terreno nu e de igual sorte, estando perto redes de abastecimento de água, esgotos e energia eléctrica, porque não se apresentam como infra-estruturas das quais os prédios sejam dotados.
Segue-se a questão do índice fundiário pois que inexistem elementos que justifiquem a majoração de 15% para 20%.
É que a declaração de inconstitucionalidade do disposto no art. 33.º, nº 1 do CEXP acerca do índice de 15% para o valor do custo provável da construção ali definido, apenas indica que esse valor poderá e deverá, quando a casuística do prédio o justifique, ser ultrapassado, mas não está demonstrado no caso em análise.
Destaque-se que, considerando que estas parcelas são terreno nu e lhes foi mantido o índice de construção igual ao da parcela sita em aglomerado urbano, é adequado a oneração de 0,20% para deduzir os custos das infra estruturas que inerentes que estes não possuem.
Finalmente, acolhendo o critério do valor real /mercado, não logrou a expropriada apresentar elementos que contrariem a avaliação apresentada pelo laudo maioritário.
Na verdade, o valor de construção 35.000$00/ m2 foi o anteriormente considerado e não tinha que ser actualizado de per si, pois que, a indemnização deve reportar-se à data da DUP.
(…)”.
Notificada deste acórdão, a A., SA., veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, bem como para o Supremo Tribunal de Justiça. O Tribunal Constitucional decidiu, porém, não tomar conhecimento do recurso, por se encontrar pendente o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça fundado na nulidade do acórdão recorrido, violação de caso julgado e oposição de julgados no que respeita à fixação do valor da indemnização. Por despacho do Relator, de 7 de Maio de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento do recurso, na parte relativa à fixação do valor da indemnização, por não se verificar a oposição de julgados que fundamentava o recurso, prosseguindo quanto ao mais. Em 13 de Outubro de 2009 o Supremo Tribunal de Justiça negou, por acórdão, a revista.
2. Sempre inconformada, a expropriada recorreu novamente para o Tribunal Constitucional. Esclareceu, a convite do Tribunal, que a norma que constitui o objecto do recurso é retirada dos artigos 27º, 28º, 30º e 33º do Código das Expropriações de 1976, com o sentido de que é deduzido ao montante da indemnização o valor das obras necessárias à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado, norma que seria inconstitucional por violação dos princípios do Estado de direito democrático, da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos artigos 2º, 13º e 62º da Constituição.
3. Recebido o recurso, a recorrente alegou e concluiu:
A – DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO
1º. O presente recurso não tinha que ser interposto da decisão que aplicou ou recusou a aplicação de norma reputada de inconstitucional - no caso sub iudice, do Ac. da Relação de Lisboa, de 2006.10.24 -, mas sim da “ulterior decisão que confirm(ou) a primeira”, in casu, do douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal, de 2009.10.13 (art. 70º/6 da LTC) – cfr. texto nos. 1 e 2;
B – DO PRINCÍPIO DA JUSTA INDEMNIZACÃO
2º. A justa indemnização por expropriação deve ser fixada com base no valor real e corrente de mercado dos imóveis expropriados, considerando as suas efectivas potencialidades económicas e edificativas, de forma a garantir aos expropriados uma compensação plena da perda patrimonial suportada (v. arts. 13º e 62º da CRP) – cfr. texto nºs. 3 e 4 3º
3.º O cálculo da indemnização devida in casu deve realizar-se considerando-se as normas e princípios constitucionais consagrados, além do mais, nos arts. 2º, 90, 13º e 62º da CRP e de acordo com as disposições legais constantes do Código das Expropriações, aprovado pelo DL 845/76, de 11 de Dezembro (CE 76), por ser esse o diploma em vigor à data da prolação e publicação da respectiva declaração
de utilidade pública (v. art. 12º do C. Civil) – cfr. texto n.º. 5;
C - DA INADMISSIBILIDADE DA DEDUÇÃO SUB JUDICE
4º. A sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, de 2004.09.13, e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 2006.10.24 (v. fls. 1341 v. e 1354 v. dos autos), considerando o Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional, de 1990.04.18, proferido no presente processo (v. fls. 359 e segs. do autos), que declarou a inconstitucionalidade do art. 30.º/1 do CE 76, decidiram que as parcelas em causa teriam que ser “classificadas como solo apto para construção” (v. fls. 1361 v. dos autos), tendo de considerar-se a “potencial edificabilidade e localização desses terrenos” (v. fls. l609 dos autos) – cfr. texto nºs. 6 e 7;
5º. As referidas decisões aplicaram as regras constantes do art. 33 do CE 76, referentes a terrenos situados em aglomerados urbanos, considerando um índice fundiário de 15%, tendo, apesar disso, deduzido ao valor da indemnização os montantes alegadamente necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado, em percentagem superior à do índice fundiário, o que é manifestamente inadmissível (v. arts. 13.º e 62º da CRP)- cfr. texto nºs. 6 e 7;
6º. No caso sub iudice tem de atender-se às circunstâncias e condições do prédio-mãe de “onde (são) destacada(s) a(s) parcela(s) expropriada(s), entendido como uma unidade, e não dessa(s) parcela(s) isoladamente considerada(s)” (v. Ac. RP, de 2007.01.11, Proc.0636693,www.dgsi.pt) – cfr. texto nº. 8
7º. As parcelas em causa dispõem de todas as infra-estruturas urbanísticas necessárias –cfr. texto n.º 8
8º. O valor do solo sempre teria que ser calculado em função das infra-estruturas existentes junto do prédio expropriado, não se exigindo que aquelas infra-estruturas estejam instaladas dentro da própria parcela (v. Ac. RP de 2002.10.17, Proc.0231137,www.dgsi.pt) – cfr. texto n.º 8;
9.ª A consideração simultânea do “índice fundiário” e de um alegado “índice do terreno nu” envolve uma dupla dedução, pelo que o sentido normativo atribuído aos arts. 27º a 33º do CE 76 viola os princípios constitucionais do Estado de Direito democrático, da igualdade e da justa indemnização (v. arts. 2º, 9º, 13º, 18º e 62º da CRP)- cfr. texto nº. 9;
10º. Na determinação do valor de prédios com manifestas capacidades edificativas, como se verifica in casu, a lei estabelece apenas como critério a considerar o índice fundiário, não contendo os arts. 2º, 9º, 13º, 18º e 62º da CRP e os CE 76, CE 91 e CE 99, qualquer norma que preveja a aplicação e dedução de um alegado “índice do terreno nu”, na fixação da justa indemnização – cfr. texto nº. 9
11º.A dupla dedução efectuada não permite assim alcançar o valor real ou de mercado do bem expropriado, pelo que os arts. 27º a 33º do CE 76, interpretados com um sentido normativo que permita a dedução proposta, são claramente inconstitucionais, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos arts. 2º, 9º, 13º, 18º e 62º da CRP – cfr. texto nºs. 10 e 11.
NESTES TERMOS,
Deverá ser:
a) Dado provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade das normas dos arts. 27º a 33º do CE 76, quando interpretadas e aplicadas com sentido normativo segundo o qual permitiriam e impunham a dupla dedução ao valor da indemnização dos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos arts. 2º, 9º, 13º, 18º e 62º da CRP;
b) Determinada a reformulação das decisões recorridas, em conformidade com o referido juízo de constitucionalidade.
4. A recorrida Câmara Municipal de Loures alegou, concluindo da seguinte forma:
1. O presente recurso é inadmissível, por intempestivo, já que versa uma decisão do TRLisboa, de 24/10/06, há muito transitada em julgado.
2. O douto acórdão do STJ, de 13/10/2009 não confirmou a decisão do TRLisboa, de 24/10/06, no que respeita ao objecto do presente recurso, mesmo porque, nos termos do art. 66.º, n,º 5, do C. Exp., a decisão do TR era irrecorrível.
3. E, tendo a Recorrente interposto recurso para o STJ, com fundamento em oposição de julgados, o mesmo não foi admitido por douto despacho de 7/5/09, por não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade, pelo que não pode prevalecer-se do disposto no art. 70.º, n.º 6, da LCT, até porque o acórdão do STJ, de 13/10/09 nada decide quanto à questão “sub judice”.
4. Assim, nos termos do art.º 75.º, n.º 2, da LCT, era a partir do trânsito em julgado do douto despacho de 7/5/09 que a Recorrente devia ter interposto o recurso para este Venerando Tribunal, o que não aconteceu.
5. deste modo, o presente recurso é manifestamente intempestivo por, à data da sua interposição já se encontrarem ultrapassados todos os prazos para tanto, pelo que deve ser indeferido, não se conhecendo do seu objecto.
6. “In casu” foram respeitados todos os princípios e normas da justa indemnização, designadamente os consagrados nos arts. 2.º, 9.º, 13.º, 18.º e 62.º, da CRP e CE76.
7. No que concerne à justa indemnização, o que se pretende é o apuramento do valor real do prejuízo do expropriado, apontando-se como referência para tal aferição o valor de mercado, mas sem as componentes especulativas ou ficcionadas e as mais valias resultantes da própria expropriação (cfr. Art. 29.º, n. s 1 e 2 do CE76), tendo-se utilizado no caso “sub judice” o critério de estar o prédio fora ou dentro de aglomerado urbano considerando-se o solo apto a edificação.
8. Ao contrário do alegado pela Recorrente inexiste no caso em apreço qualquer dupla dedução, já que o que se verificou foi uma avaliação, na medida em que houve uma majoração do índice fundiário de 15% para 20%, atendendo a que se tratava de terreno com índice de construção igual ao da parcela sita em aglomerado urbano.
9. Contrariamente ao invocado pela Recorrente, o prédio em apreço não dispõe de infra-estruturas, pois é diferente estar perto delas a tê-las, efectivamente, para além de que a existência de acessos rodoviários não contorna o facto de se tratar de terreno nu e, de igual sorte, o facto de estar perto de redes de abastecimento de água, electricidade e esgotos, estas não se apresentam como dele fazendo parte.
10. Não se trata, pois, de considerar simultaneamente um “índice fundiário” e um “índice de terreno nu”, mas tão só, dar ao prédio o seu justo e adequado valor de acordo com a sua realidade (terreno fora de aglomerado urbano, com potencial edificativo, constituindo terrenos nus – conforme decisão unânime dos peritos), tendo-lhe sido atribuído um valor igual a 20% do valor que teria se dispusesse de infra-estruturas, não se tendo verificado qualquer dedução, mas uma avaliação.
11. Inexiste, assim, qualquer inconstitucionalidade dos arts. 27.º a 33.º, do CE76 por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático da igualdade e da justa indemnização consagrados nos arts. 2.º, 9.º, 13.º, 18.º e 62.º, da CRP, já que os mesmos não foram minimamente interpretados no sentido apontado pela Recorrente.
Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve:
Ser o presente recurso indeferido, por intempestivo e inadmissível, não se tomando conhecimento do seu objecto, ou
– Ser o presente recurso considerado improcedente por inexistência da inconstitucionalidade das normas dos arts. 27.º a 33.º, do CE 76, já que não foram interpretadas nem aplicadas no sentido apontado pela Recorrente, não se tendo verificado qualquer violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos arts. 2.º, 9.º, 13.º, 18.º e 62.º, da CRP;
– Serem, assim, mantidas as decisões recorridas.
II. Fundamentação
5. Invoca a recorrida que o presente recurso é inadmissível, por versar sobre uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2006 transitada em julgado.
O n.º 6 do artigo 70.º da LTC determina expressamente que “se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira”.
O recorrente pode, portanto, optar por interpor recurso por oposição de julgados antes de recorrer para o Tribunal Constitucional, sem precludir a oportunidade de o fazer posteriormente. Neste sentido, veja-se o Acórdão n.º 411/2000 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt):
“(…) quando determinada decisão de um tribunal (no caso, do Tribunal Central Administrativo) apenas admita o recurso fundado em oposição de julgados (ou seja, o recurso destinado a uniformização da jurisprudência), a parte que, durante o processo, acaso tenha suscitado a inconstitucionalidade de uma norma legal e tenha visto a sua pretensão desatendida, pode recorrer imediatamente dessa decisão para o Tribunal Constitucional (cf. artigos 70º, nºs 1, alínea b) e 2, e 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
(…)
A parte pode, no entanto, optar por, em vez de recorrer logo para o Tribunal Constitucional, interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão do Tribunal Central Administrativo.
Se assim proceder, também a parte não verá precludida a possibilidade de impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão do Pleno que, acaso, lhe seja desfavorável. E isso, quer o Pleno profira decisão de mérito, quer, por entender que se não verifica a invocada oposição de julgados, não conheça do recurso: de facto, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Tribunal Central Administrativo não faz precludir o direito de o interpor da decisão do Pleno que a confirma (cf. o citado artigo 70º, nº 6) (..)”
Deve, por isso, concluir-se que a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça não ter conhecido do recurso por oposição de julgados – por ter considerado não se verificarem os respectivos pressupostos – não preclude o direito de recurso para o Tribunal Constitucional.
Por outro lado, não tem razão a recorrida quando invoca que o prazo para a interposição do mesmo se contaria, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º da LTC, a partir do despacho de 7 de Maio de 2009 no qual o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso quanto à questão da fixação da justa indemnização com invocação de oposição de julgados. E assim é porque o n.º 2 do artigo 75.º da LTC se aplica às situações em que o recurso não é admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão. Não é esse o alcance do despacho de 7 de Maio de 2009, que delimitou o objecto do recurso de revista, não conhecendo da questão da fixação da indemnização, e ordenando o prosseguimento do recurso para apreciação das outras duas questões suscitadas. Foi apenas em 13 de Outubro de 2009 que o Supremo Tribunal de Justiça julgou a revista, negando-a.
É, assim, de concluir que o recurso, interposto em 30 de Outubro de 2009, é tempestivo.
6. A norma que constitui objecto do presente recurso, tal como foi identificada pela recorrente, é resultante da aplicação dos artigos 27º, 28º, 30º e 33º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, com a interpretação segundo a qual permite a dedução ao valor da indemnização dos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado. A recorrente invocou a inconstitucionalidade da mesma por violação dos princípios do Estado de direito democrático, da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos artigos 2º, 13º e 62º da Constituição.
Nas alegações, a recorrente alarga a inconstitucionalidade às normas dos «artigos 27.º a 33.º» do Código das Expropriações de 1976, no sentido usado pelo tribunal a quo. Tem sido entendimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional que o objecto do recurso é fixado no momento da interposição do mesmo, pelo que apenas se tomará conhecimento da alegada inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 27º, 28º, 30º e 33º do Código das Expropriações de 1976.
Os referidos artigos têm a seguinte redacção:
Artigo 27.º
1 - A Expropriação por Utilidade Pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber uma justa indemnização.
2 – A indemnização será fixada com base no valor real dos bens expropriados e calculada em relação à propriedade perfeita, saindo deste valor o que deva corresponder a quaisquer ónus ou encargos, salvo no que se refere à caducidade do arrendamento, nos termos do artigo 36.º
Artigo 28.º
1. A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação. O prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.
2. Quando os expropriados fiquem, em consequência da expropriação, comprovadamente impossibilitados de obter meios de subsistência equivalentes aos que lhes proporcionavam os bens expropriados, terão direito a uma prestação periódica de natureza assistencial, nos termos que vierem a ser regulamentados.
Artigo 30.º
1. Para efeito de expropriação, o valor dos terrenos situados fora dos aglomerados urbanos será calculado em função dos rendimentos efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústico e ao seu estado no momento da expropriação, devendo tomar-se se em conta, porém, a natureza do terreno e do subsolo, a sua configuração e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas, susceptíveis de incluírem no seu valor, desde que respeitem unicamente àquele destino.
2. O valor dos terrenos situados em zona diferenciada do aglomerado urbano, que, pelas suas condições, sejam insusceptíveis de rendimento como prédios rústicos, não poderá exceder o valor correspondente aos terrenos de médio rendimento da mesma zona ou região.
Artigo 33.º
1. O valor dos terrenos situados em aglomerado urbano será calculado nos termos dos artigos 27.º e 28.º, mas não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15 % do custo provável da construção que neles seja possível, determinado nos termos seguintes:
a) Calcula-se primeiramente o volume e o tipo de construção ou construções que será possível erigir no terreno, num aproveitamento economicamente normal, no estado actual, em face do desenvolvimento local e dos regulamentos em vigor, não devendo ter-se em conta, para o efeito, quaisquer projectos, planos ou estudos que por alguma forma alterem essa possibilidade;
b) Apura-se em seguida o custo provável da construção, sem o terreno, pelo custo médio correspondente ao tipo de construção e à região;
c) Se o custo da construção dever ser sensivelmente agravado pelas especiais condições do local, a importância do acréscimo daí resultante será abatida ao valor máximo a atribuir ao terreno.
2. Poderão ser fixados por portaria ministerial:
a) Coeficientes máximos de ocupação do solo para o cálculo a que se refere a alínea a) do número anterior, através da definição do volume útil máximo de construção para cada metro quadrado cuja ocupação seja possível pelos regulamentos em vigor, conforme as zonas;
b) Preços médios de construção para o cálculo a que se refere a alínea b) do número anterior, consoante os diversos tipos e categorias de construção e as várias regiões ou localidades.
3. Aos terrenos a que se refere o presente artigo não é aplicável o disposto nos artigos 31.° e 32.º
7. A recorrente alega que a norma impugnada foi interpretada no sentido de impor uma dupla dedução ao valor da indemnização dos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado. Já o recorrido alega que a referida norma foi interpretada no sentido de atribuir ao terreno um valor igual a 20% do valor que teria se dispusesse das infra-estruturas referidas, não se tendo verificado uma dedução, mas sim simples avaliação, na medida em que houve uma majoração do índice fundiário de 15 para 20%.
Todavia, quer do laudo dos peritos, quer da sentença do tribunal de 1ª instância, os quais foram seguidos pelo acórdão aqui recorrido, resulta que as normas foram interpretadas no sentido invocado pela recorrente. Para o cálculo do montante da indemnização foram sucessivamente aplicados o índice fundiário de 0.15 e o índice de terreno nú de 0.20. De facto, resulta do aresto recorrido que primeiramente se calculou o valor do terreno através da multiplicação da área do terreno pelo índice de construção, pelo custo de construção e pelo índice fundiário de 15%. Ao total daí resultante foi depois deduzido 20% – o chamado índice de terreno nú –, uma dedução que corresponde aos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado.
A norma impugnada é, em suma, resultante dos artigos 27º, 28º, 30º e 33º do Código das Expropriações de 1976, interpretada no sentido de permitir a dedução ao valor da indemnização dos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado.
8. Não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a classificação, feita pelo tribunal a quo, das parcelas expropriadas como solo apto para construção, nem tão-pouco discutir se as mesmas possuem potencialidade edificativa, ou se dispõem das necessárias infra-estruturas urbanísticas, ou se devia ter-se atendido às circunstâncias e condições do prédio mãe de onde as mesmas são destacadas. Sendo o recurso de constitucionalidade um recurso que incide sobre normas, não incumbe ao Tribunal Constitucional apreciar o mérito da decisão do tribunal a quo, mas tão só discutir se a norma aplicada pelo mesmo – ou a interpretação feita dessa mesma norma – viola a Constituição.
Por outro lado, alega o recorrente que os artigos 27º, 28º, 30º e 33º do Código das Expropriações de 1976 não mencionam expressamente a referida dedução dos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas no interior do prédio expropriado. Não obstante, o tribunal a quo considerou que para se alcançar o valor de uma indemnização justa, se deveria aplicar ao cálculo do montante da indemnização a referida dedução de 20% – o chamado “índice de terreno nú”. Ora, não incumbe ao Tribunal Constitucional sindicar a correcção da interpretação normativa realizada pelo Tribunal a quo, nem analisar se decorre dos referidos preceitos do Código das Expropriações a imposição da dedução aqui em causa. Cabe apenas verificar se a referida aplicação dessa norma viola os preceitos constitucionais convocáveis. Importa, assim, discutir se é inconstitucional a interpretação da norma que constitui o objecto do presente recurso entendida no sentido de prever uma dedução dos montantes alegadamente necessários à realização ou construção de infra-estruturas no interior do prédio expropriado.
9. A recorrente invoca a violação dos princípios do Estado de direito democrático, da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos artigos 2º, 13º e 62º da Constituição. Não obstante, deverá reconduzir-se a análise do presente recurso à violação do princípio da justa indemnização, cuja extensão abrange, no caso concreto, os restantes parâmetros invocados.
É vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o princípio da justa indemnização. Constituindo a propriedade privada um direito fundamental consagrado no artigo 62.º da Constituição, o instituto da expropriação é admitido constitucionalmente apenas na estrita medida em que for acompanhado do pagamento de uma justa indemnização. O próprio Tribunal Constitucional afirmou já que a indemnização não é um mero efeito ou consequência do poder de expropriação, mas antes um pressuposto de legitimidade do seu exercício e um elemento integrante do próprio conceito da mesma, no sentido de que, faltando indemnização, não se estará perante uma expropriação (Acórdão n.º 108/92, publicado no Diário da República, IIª Série, de 15-07-1992). Daí que a jurisprudência do Tribunal Constitucional qualifique o direito à justa indemnização como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 442/87, publicado no Diário da República, IIª Série, de 17-02-1988).
Tem-se entendido que o artigo 62.º, n.º 2 da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respectivo montante, cuja aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo de expropriação (assim, entre outros, os Acórdão n.º 210/93, publicado no Diário da República, de 28-05-1993 e n.º 140/03, publicado no Diário da República, IIª Série, de 26-05-2003). Escreveu-se no primeiro dos arestos citados:
“Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, p. 532,546)”.
Por outro lado, o Tribunal sempre se absteve de afirmar que o valor da justa indemnização tenha de corresponder a todo e qualquer valor de mercado do bem a expropriar, não podendo a indemnização estar sujeita ou condicionada por factores especulativos, artificialmente criados, antes devendo representar e traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado. Assim, entre muitos outros, os Acórdãos n.º 390/91 (Diário da República, IIª Série, de 02-04-1992) e n.º 422/04 (Diário da República, IIª Série, de 04-11-2004).
É, enfim, ao conceito de valor de mercado normativamente entendido que se há de atender.
10. Cumpre, assim, averiguar se a interpretação feita pelo tribunal a quo das normas em causa viola o princípio da justa indemnização assim caracterizado. O tribunal a quo qualificou o terreno em causa como “solo apto para construção”, e aplicou as regras constantes do artigo 33.º do Código das Expropriações de 1976, referentes a terrenos situados em aglomerados urbanos, considerando um índice fundiário de 0.15 e um índice de construção de 0.6, e deduziu posteriormente ao valor primeiramente encontrado o factor correctivo de 0.20, qualificado como “índice de terreno nú”.
Alega o recorrente que o tribunal a quo realizou assim, sucessivamente, duas deduções ao montante da indemnização – uma traduzida na aplicação do índice fundiário de 0.15, e outra no índice de 0.20 de “terreno nú”.
Há que sublinhar que não se discute aqui a aplicação de forma fixa e rígida do índice fundiário de 15%, dimensão que foi julgada inconstitucional pelos acórdãos n.º 210/93 (Diário da República, IIª Série, de 28 de Maio de 1993), e n.º 264/93 (Diário da República, IIª Série, de 5 de Agosto de 1993) nem semelhante interpretação decorre do acórdão recorrido que afirma expressamente que “a declaração de inconstitucionalidade do disposto no art.º 33, n.º1 do CEXP acerca do índice de 15% para o valor do custo provável da construção ali definido, apenas indica que esse valor poderá e deverá, quando a classificação casuística do prédio o justifique, ser ultrapassado, mas não está demonstrado no caso em análise”.
Por outro lado, a aplicação do índice fundiário de 15% não se traduz verdadeiramente numa dedução ao montante da indemnização, mas sim na avaliação da aptidão edificativa do terreno, o que constitui um elemento decisivo para o cálculo do seu valor, já que permite tomar em consideração a potencial edificabilidade e localização do terreno a avaliar.
11. Por seu turno, não se pode dizer que o referido “índice de terreno nú”, – traduzindo-se muito embora numa dedução ao valor calculado através da consideração dos custos de construção, área de terreno, índice de construção e índice fundiário –, careça de justificação objectiva. Muito pelo contrário, sendo aplicado de uma forma não rígida e fixa – como, aliás, o foi no presente caso –, ele constitui um factor que permite alcançar o valor de mercado (normativamente entendido) do bem, e assim, o seu valor real.
“Terreno nú” foi definido pelo tribunal a quo como sendo aquele que não contém em si infra-estruturas urbanísticas, estando situado para além de 50 metros das infra-estruturas urbanísticas existentes nas proximidades. Por se tratar de um terreno assim qualificado, o tribunal a quo considerou ser justificado o entendimento dos peritos de que se deveria onerar seu o valor com uma dedução de 0.20. Diz a decisão: “como se trata de terreno nú, há que onerar o seu valor com 0,20% correspondente a custos das infra-estruturas em falta (arruamentos, esgotos, água e luz). Isto sob pena de não se fazer qualquer destrinça entre um terreno que beneficia de todas as infra-estruturas pré-existentes à construção (e situado em aglomerado urbano) e o terreno que não tem quaisquer estruturas de apoio à futura construção (terreno nú – situado fora de aglomerado urbano)”.
Ora, estando em causa nos presentes autos terrenos que, não obstante se situarem fora do aglomerado urbano, foram qualificados como terrenos aptos para construção – tendo-lhes sido inclusivamente atribuído índices de construção equivalentes aos de terrenos situados dentro desses aglomerados –, a dedução em causa, fundamentando-se na falta de infra-estruturas urbanísticas, revela-se um elemento adequado a diferenciar o valor do terreno em causa, do valor dos terrenos situados dentro dos aglomerados urbanos.
Com efeito, a existência de infra-estruturas urbanísticas pode realmente ser considerada um elemento que interfere no valor de mercado do bem e, por isso, um elemento a atender para se alcançar o seu valor. Tanto assim é que, não só o Código das Expropriações de 1991, mas também o código de 1999, admitem que a circunstância de o terreno ser servido por infra-estruturas urbanísticas implica acréscimos no montante da indemnização, assim como a circunstância de ser necessário um reforço das infra-estruturas existentes implicar reduções no montante da indemnização. Como nota PERESTELO DE OLIVEIRA, com as mesmas não se visa pôr a cargo do expropriado as despesas com as infra-estruturas urbanísticas necessárias mas, pelo contrário, chegar ao valor real e corrente do bem, para o qual essas despesas interferem (Código das Expropriações Anotado, 2ª Edição. Almedina, 2000, p. 102).
A 'valorização' da falta dessas infra-estruturas não se afigura, por isso, ilegítima, sendo aliás justificada para se apurar o valor real do bem que servirá de base ao cálculo do valor da indemnização justa. Em suma, a dedução qualificada nos autos como “índice de terreno nú” possui um objectivo legítimo, e constitui um elemento a ter em conta para se apurar o valor real do bem.
No que toca ao método escolhido para a ponderação desse elemento – a aplicação de uma dedução ao valor chegado após a aplicação de uma fórmula que pondera a área de construção, o custo de construção, o índice de construção e o índice fundiário, sempre se dirá que não incumbe ao Tribunal Constitucional sindicar o método escolhido para a tomada em consideração desse factor, pois que tal tarefa cabe ao legislador ou aos peritos. Na verdade, a presente fórmula não deixa de ter em consideração os vários elementos que permitem alcançar o valor real e corrente do bem expropriado, não se relevando desproporcionada ou não equitativa. Num sentido semelhante, afirmou-se no Acórdão n.º 140/03 (Diário da República, IIª Série, de 26 de Maio de 2003):
“(…)o artigo 62º, n.º 2, da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização, visa certamente banir a arbitrariedade e a desproporção no cálculo do valor da indemnização, mas não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respectivo montante, cuja aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo de expropriação.
(…) ao Tribunal Constitucional não compete emitir um juízo de censura sobre um critério que, podendo não ser o “mais justo”, ainda assim se revela equitativo e, como tal, obedece aos parâmetros do artigo 62º, n.º 2, da Constituição. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional não pode ser chamado a pronunciar-se sobre o melhor método de cálculo do valor da indemnização por expropriação por utilidade pública, pois que tal função compete ao legislador ou aos peritos”.
Por outro lado, não resulta dos autos que a referida dedução, ou “índice de terreno nú”, se tenha aplicado de forma cega, fixa ou invariável, tendo-se atendido, pelo contrário, às circunstâncias específicas do terreno expropriado – nomeadamente o facto de se encontrar servido de acesso rodoviário, mas não de redes de abastecimento de água, esgotos e energia eléctrica – infra-estruturas essas que importam um custo que foi analisado pelo laudo dos peritos.
A aplicação de uma dedução justificada pelo facto de o terreno não se encontrar servido pelas necessárias infra-estruturas urbanísticas, é um método não ilegítimo para se alcançar o valor real do bem e, assim, uma indemnização justa. A norma resultante dos artigos 27º, 28º, 30º e 33º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, na interpretação segundo a qual permite a dedução ao valor da indemnização dos montantes necessários à realização ou construção de infra-estruturas urbanísticas no interior do prédio expropriado não viola, por isso, o princípio da justa indemnização ou os demais invocados.
III. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal decide negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.