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Processo n.º 613/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
1. O autor interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito que tem em vista decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
2. Seriam tais normas os artigos 483.º, 562.º e 566.º/2 do Código Civil.
3. Não vemos que alguma inconstitucionalidade tenha sido suscitada quanto a estas disposições legais sobre as quais logicamente o acórdão nem sequer se pronunciou, aplicando-as ou desaplicando?as. Veja-se 13 do acórdão conjugado com 60, 61 e 62.
4. Refere o recorrente que deve ser apreciada a inconstitucionalidade da não aplicação das normas constantes dos artigos 430.º/3 e 257.º/7 do C.S.C. bem com o das normas relativas ao mandato, nomeadamente os artigos 564.º, 1166.º e 1172.º, alínea c) do Código Civil porque o Tribunal entendeu que a perda das remunerações do autor em consequência directa do terminus” do mandato, revogado unilateralmente pela ré, sem justa causa e antes do termo, não é um dano efectivo, ignorando por completo os prejuízos efectivos sofridos pelo autor, a título de lucros cessantes, alegados e demonstrados nos autos.
5. No entanto, o entendimento do acórdão não é o que a recorrente refere.
6. Reconheceu?se em primeiro lugar que não ocorreu caducidade do mandato do autor em razão da publicação do DL 267/2001 (ver 52 e 53) e, por conseguinte, prosseguiria ele as suas funções até ao termo do mandato ou até à sua destituição se esta se verificasse e, por isso, desde logo estão prejudicadas quaisquer considerações que fundassem a não atribuição de indemnização ao autor com base na caducidade do mandato
7. Reconheceu?se depois que o autor foi destituído em assembleia geral (artigo 403.º/1 do C.S.C., redacção anterior ao DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março) não tendo ele sido nomeado pelo Estado (ver 47), não sendo suscitada qualquer questão sobre a admissibilidade da destituição ad nutum (ver 50).
8. Reconheceu-se finalmente que o autor destituído sem justa causa tinha direito à indemnização antes mesmo de lhe ser reconhecido expressamente tal direito por força da redacção do artigo 403.º/5 do C.S.C. introduzida pelo Decreto-Lei n.º 76?A/2006, de 29 de Março ( ver 61. a 64.).
9. A indemnização não lhe foi atribuída visto que lhe cumpria alegar os factos integrativos do prejuízo, o que não fez, pois partiu do pressuposto de que o seu prejuízo correspondia à perda das retribuições que iria auferir se não tivesse sido destituído (ver 65) quando se lhe impõe demonstrar que não mais auferiu qualquer remuneração desde o momento em que foi destituído (ver 67).
10. Não houve, portanto, qualquer desaplicação das aludidas normas pelo Supremo Tribunal nem tão pouco o Tribunal deixou de reconhecer que o administrador destituído ad nutum deve ser ressarcido pelos prejuízos sofridos.
11. No entanto, os prejuízos têm de ser alegados e provados e, conforme se referiu, o autor não fez essa prova, não constituindo prejuízos a mera perda de vencimentos decorrente da destituição ad nutum.
12. Por isso, a questão de constitucionalidade que poderia ter sido suscitada – e não foi – seria a de saber se, admitindo?se que o direito à indemnização a que o autor tinha direito seria in casu atribuível à luz dos critérios que foram corporizados no artigo 403.º/5 (redacção actual) – primeiro pressuposto – isso implicaria, sob pena de inconstitucionalidade (e qual?), entender?se que “a indemnização pelos danos sofridos “ em consequência da destituição imporia necessariamente e no mínimo o pagamento das remunerações que o administrador destituído iria auferir até ao termo do mandato.
13. Nada disto, como se vê, está em bom rigor aqui em causa e, por isso, afigura?se?nos s.m.o. que o recurso agora interposto para o Tribunal Constitucional não é admissível, o que se decide.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
1. O recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo ora reclamante deve ser admitido.
Na verdade,
2. O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado pelo recorrente satisfaz todos os requisitos previstos no art.° 75°-A da LTC.
3. O recurso foi interposto por meio de requerimento, no qual foi indicada a alínea do n.° 1, do art.° 70°, ao abrigo da qual o recurso foi interposto, bem como as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
4. O Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que se recorreu admite recurso para o Tribunal Constitucional (vd. art.° 70°, n.° 1, al. b), e n.° 2, da LTC).
5. O recurso foi interposto dentro do prazo previsto no art.° 75° da LTC.
6. O recurso foi interposto por quem tinha legitimidade para o interpor, conforme o estabelecido no art.° 72°, n.° 1, al. b) e n.° 2, daLTC.
7. O recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n.° 1 do art.° 70º da LTC e está devidamente fundamentado.
Vejamos,
8. São requisitos específicos deste recurso os seguintes:
a) Que a decisão recorrida tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
b) Que tenha sido o recorrente a suscitar essa inconstitucionalidade durante o processo;
c) Que a decisão recorrida não seja passível de recurso ordinário, seja por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam (regra da exaustão dos meios ordinários de recurso), seja por a lei o não prever.
9. Foi com fundamento na não verificação do primeiro requisito que o Tribunal «a quo» indeferiu o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
10. Porém, contrariamente ao entendimento do Tribunal «a quo», in casu, este requisito mostra-se preenchido.
11. No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos art.°s 483°, 562° e 566°, n.° 2, todos do Código Civil, na sua aplicação pelo Tribunal «a quo» ao caso concreto, quanto ao valor da indemnização.
12. Contrariamente ao afirmado no despacho que indeferiu a admissão do recurso, estas normas foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido.
13. No ponto 66, quando concluiu que “o direito de indemnização pressupõe a existência de danos e, quanto aos danos patrimoniais, vale a teoria da diferença …”, o Douto Acórdão aplicou de forma implícita a norma constante do n.° 2 do art.° 566° do Código Civil, que consagra a teoria da diferença.
14. Por outro lado, quando concluiu que “no caso de destituição ad nutum o administrador goza do direito a indemnização nos termos gerais ...”, o Douto Acórdão aplicou de forma implícita as normas constantes dos art.°s 483° e 562° do Código Civil, que consagram o regime geral do dever de indemnizar.
Ora,
15. É certo que a apreciação da questão da inconstitucionalidade suscitada ao abrigo da al. b) está condicionada por uma efectiva aplicação da norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Porém,
16. É entendimento da nossa Jurisprudência e da nossa Doutrina que a aplicação da norma – a que se refere a al. b) do n.° 1 do art.° 70° da LTC – tanto pode ser expressa como implícita e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma como a uma certa interpretação da mesma (vd. Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, in “Breviário de Direito Processual Constitucional – Recurso de Constitucionalidade” – 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 43 e ss.)
17. O Douto Acórdão recorrido com a interpretação que fez das normas dos art.°s 483°, 562° e 566°, n.° 2, do C.C., que foram aplicadas de forma implícita, considerou que a perda das remunerações do recorrente, em consequência directa do “terminus” do mandato, revogado unilateralmente pela recorrida, sem justa causa e antes do termo do mandato, não é um dano, não é um prejuízo efectivo.
18. Por outro lado, o Tribunal «a quo» ao não ter aplicado, ao valor da indemnização, as normas dos art.°s 430°, n.° 3, 257°, n.° 7, ambos do Código das Sociedades Comerciais, e dos art.°s 564°, 1156° e 1172°, al. c), todos do Código Civil, com a interpretação de que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – danos futuros desde que previsíveis –, ignorou por completo os prejuízos efectivos sofridos pelo Autor, a título de lucros cessantes, devidamente alegados e demonstrados nos autos.
19. A ratio da previsão da al. c) do art.° 1172° do Código Civil é a tutela da confiança. Tutela-se o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído. Por isso, em ambas as situações da al. c) da citada disposição legal 2 prejuízo do mandatário traduz-se na perda da retribuição a que tinha direito (danos futuros previsíveis).
20. Assim, in casu, o prejuízo do Autor corresponde também às retribuições que este deixou de auferir (danos futuros previsíveis) em virtude da destituição sem justa causa.
21. Sendo que, o Autor alegou e provou os factos integrativos desse seu prejuízo (danos futuros previsíveis).
22. In casu, a medida da indemnização, o montante indemnizatório corresponde, pois, às importâncias que deveriam ter sido pagas pela Ré ao Autor, até ao fim previsto para o mandato, que foram alegadas e demonstradas nos presentes autos.
23. O Douto Acórdão recorrido faz uma interpretação muito restritiva das citadas disposições legais e foi com base nessa interpretação restritiva que negou ao Autor, ora recorrente, o direito à indemnização correspondente ao prejuízo efectivo com a perda das suas retribuições futuras e previsíveis, violando os princípios da estabilidade contratual, da boa-fé, da confiança, da justa indemnização e do direito à justiça.
24. A negação do direito à justa indemnização, correspondente às retribuições futuras e previsíveis, viola o estabelecido nos art.°s 37º, n.° 4, e 62º, n.° 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
25. A não observância dos princípios da estabilidade contratual, da boa-fé, da confiança, e do direito à justiça, viola frontalmente o estatuído nos art.°s 2°, 3°, 12°, 13°, 20° e 53°, todos da Constituição da República Portuguesa.
26. Face ao exposto, conclui-se que o primeiro requisito mostra-se preenchido, uma vez que a decisão recorrida fez uma “aplicação efectiva” de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
27. Os dois últimos requisitos específicos do recurso interposto ao abrigo da al. b) do n.° 1 do art.° 70° da LTC não suscitam quaisquer dificuldades e também se mostram preenchidos no caso concreto.
28. Foi o recorrente que suscitou as inconstitucionalidades ao longo do processo, em concreto nas alegações do recurso de revista apresentadas pelo recorrente em Outubro de 2010, na resposta às alegações do recurso de apelação interposto pela Ré, ora recorrida, apresentada em Maio de 2009, e nas alegações do recurso de apelação apresentadas pelo recorrente em Junho de 2004.
29. A decisão recorrida não é passível de recurso ordinário, pois, verifica-se o esgotamento dos meios ordinários de recurso quanto à decisão recorrida.
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
1. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do art.° 70° da Lei n.° 28/82, de 15/11, na redacção dada pela Lei n.° 85/89, de 07/09, e pela Lei n.° 13-A198, de 26/02.
2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos art.°s 483°, 562° e 566°, n.° 2, todos do Código Civil, na sua aplicação pelo Tribunal «a quo» ao caso concreto, quanto ao dever de indemnizar e ao valor da indemnização.
3. Pretende-se ver ainda apreciada a inconstitucionalidade da não aplicação das normas constantes dos art.°s 430°, n.° 3, 257°, n.° 7, ambos do Código das Sociedades Comerciais, bem como das normas relativas ao mandato, nomeadamente os art°s 564°, 1156° e 1172°, al. c), todos do Código Civil, pelo Tribunal «a quo», ao caso concreto, quanto ao dever de indemnizar e ao valor da indemnização.
4. O Tribunal «a quo», com a interpretação que fez das normas dos art.°s 483°, 562°, e 566°, n.° 2, todos do Código Civil, considerou que a perda das remunerações do Autor, em consequência directa do “terminus” do mandato, revogado unilateralmente pela Ré, sem justa causa e antes do termo, não é um dano efectivo.
5. O Tribunal «a quo», ao não ter aplicado, ao dever de indemnizar e ao valor da indemnização, as normas dos art.°s 430°, n.° 3, 257°, n.° 7, ambos do Código das Sociedades Comerciais, e dos art.°s 564°, 1156° e 1172°, al. c), todos do Código Civil, com a interpretação de que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – danos futuros desde que previsíveis –, ignorou por completo os prejuízos efectivos sofridos pelo Autor, a título de lucros cessantes, alegados e demonstrados nos autos.
6. A ratio da previsão da al. c) do art.° 1172° do Código Civil é a tutela da confiança. Tutela-se o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído. Por isso, em ambas as situações da al. c) da citada disposição legal o prejuízo do mandatário traduz-se na perda da retribuição a que tinha direito (lucros cessantes).
7. In casu, a medida da indemnização terá, pois, de corresponder às importâncias que deveriam ter sido pagas pela Ré ao Autor, até ao fim previsto para o mandato.
8. Deste modo, o Tribunal «a quo» negou ao Autor o direito à indemnização, violando os princípios da estabilidade contratual, da boa-fé, da confiança, da justa indemnização e do direito à justiça.
9. A negação do direito à justa indemnização viola o estabelecido nos art.°s 37º, n.º 4 e 62°, n.° 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
10. A não observância dos princípios da estabilidade contratual, da boa-fé, da confiança, e do direito à justiça, viola frontalmente o estatuído nos art.°s 2°, 3°, 12°, 13°, 20° e 53°, todos da Constituição da República Portuguesa.
11. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada ao longo do processo, em concreto nas alegações do recurso de revista apresentadas pelo recorrente em Outubro de 2010, na resposta às alegações do recurso de apelação interposto pela Ré, apresentada em Maio de 2009, e nas alegações do recurso de apelação apresentadas pelo recorrente em Junho de 2004.
12. O recurso interposto mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior. O recurso sobe nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo (vd. art.° 78°, n.° 4, da Lei 28/82, de 15/11).
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer o seguinte.
1. Segundo o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, o reclamante pretende ver apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:
– inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos artigos 483.°, 562.°, 566.°, n.° 2, todas do Código Civil;
– inconstitucionalidade da “não aplicação” das normas constantes dos artigos 430.°, n.° 2, 257.°, n.° 7, ambas do Código das Sociedades Comerciais, bem como das normas dos artigos 564.°, 1156.° e 1172.°, alínea c) do Código Civil.
2. No que diz respeito ao primeiro conjunto de normas, indicado, como bem se diz no douto despacho reclamado, onde se remete para as partes pertinentes do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, esta decisão não se pronunciou sobre elas, aplicando-as ou desaplicando-as.
3. Por outro lado, quanto ao segundo conjunto de normas, a decisão recorrida não as aplicou com o sentido que lhe é imputado pelo reclamante, como bem e exaustivamente se demonstra no douto despacho reclamado.
4. Acresce que nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente não invoca qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, não podendo, obviamente, considerar-se como tal a simples referência que, em alguns pontos, é feita à Constituição (vd. v.g. fls. 96 e 98).
5. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
5. O relator no Tribunal Constitucional proferiu despacho a convidar o reclamante a pronunciar-se sobre a eventualidade de a reclamação ser indeferida pelo facto de não ter sido previamente suscitada, relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade que integram o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, de modo processualmente adequado – nos termos do exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC – perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, um problema de constitucionalidade normativa.
6. Em resposta ao despacho proferido pelo relator, o reclamante veio dizer o seguinte:
1. Perante o Tribunal Constitucional não pode suscitar-se a questão de constitucionalidade da decisão do acto de aplicação do direito – mas sim das normas que nela haja(m) sido aplicada(s).
2. Os recursos devem, pois, suscitar a questão da inconstitucionalidade relativamente à norma e não relativamente à decisão.
3. Porém, “a questão de inconstitucionalidade tanto pode respeitar a norma ou a sua dimensão parcelar, considerada em si, como, também, e mais restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida” (vd. Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, in “Breviário de Direito Processual Constitucional”, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 30) (sublinhado e negrito nossos).
4. Ora, in casu, a questão de inconstitucionalidade diz respeito à interpretação ou sentido com que as normas foram tomadas no caso concreto e aplicadas na decisão recorrida.
5. O Douto Acórdão recorrido com a interpretação que fez das normas constantes dos art.°s 483°, 562° e 566°, n.° 2, do CC., aplicadas de forma implícita pelo Tribunal recorrido (vd. n.°s 65, 66 e 69 do Douto Acórdão do STJ, quando afirma que o direito de indemnização pressupõe a existência do danos e, quanto as danos patrimoniais, vale a teoria da diferença ...) e aplicadas de forma explicita em decisões anteriores (vd. pág. 18, 19 e 20 do Douto Acórdão da RL), considerou que a perda das remunerações do recorrente, em consequência directa do “terminus” do mandato – revogado unilateralmente pela recorrida sem justa causa e antes do termo do mandato – não é um dano efectivo, não é um prejuízo efectivo, limitando, com esta interpretação, o direito à indemnização do Autor, correspondente ao acréscimo patrimonial frustrado.
6. Por outro lado, o Tribunal «a quo» ao não ter aplicado, ao valor da indemnização, as normas dos art.°s 430°, n.° 3, 257°, n.° 7, ambos do Código das Sociedades Comerciais, e dos art.°s 564°, 1156° e 1172°, al. c), todos do Código Civil, com a interpretação de que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão - danos futuros desde que previsíveis -, ignorou por completo os prejuízos efectivos sofridos pelo Autor, a título de lucros cessantes, devidamente alegados e demonstrados nos autos, limitando, com esta interpretação, o direito à indemnização do Autor, correspondente ao acréscimo patrimonial frustrado.
7. Ora, esta interpretação e sentido dados pelo Tribunal «a quo» às referidas normas é inconstitucional, pois, viola os princípios da estabilidade contratual, da boa-fé, da confiança, da justa indemnização, do direito à estabilidade e segurança no trabalho e do direito à justiça, consagrados nos art.°s 2°, 3°, 12°, 13°, 20°, 53°, 37°, n.° 4, e 62°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
8. Sendo que, nas alegações do recurso de revista o recorrente suscitou, de modo processualmente adequado, a referida inconstitucionalidade normativa.
9. Nas alegações do recurso de revista é alegado o seguinte:
«É entendimento da nossa doutrina e jurisprudência que se aplicam as regras de revogação do mandato, para efeitos de atribuição de indemnização, aos administradores destituídos sem justa causa e antes do termo do mandato.» (e não as regras dos art.°s 483°, 562° e 566º, n.° 2, do CC.)
«In casu, será, pois, de aplicar as disposições, por analogia, do art.° 430°, 3, e 257°, n.° 7, do Código das Sociedades Comerciais e as normas relativas ao mandato, nomeadamente os art.°s 1156° e 1172°, al. e), ambos do C.C., aplicáveis ao contrato de administração por força do art.° 987°, n.° 1, do CC. (vd. Vaz Serra, in RLJ 103, pág. 235, 239 a 240; Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 493, Ac. STJ, in BMJ n.° 441, pág. 359; Ac. STJ de 17.12.91, in www.dgsi.pt).»
«Segundo Januário Costa Gomes, os termos da alínea c) do art.° 1172° do C.C. vão no sentido do cálculo da indemnização se limitar ao lucro cessante, pois, “se não fora esse o propósito da lei, também o mandatário que actuasse gratuitamente em execução de mandato para determinado assunto, teria direito a uma indemnização pela ruptura do vínculo desencadeado pelo mandante” (vd. in Direito das Obrigações, 3.° Vol., coordenado por Menezes Cordeiro).»
«Para Pires de Lima e Antunes Varela, a indemnização destina-se a ressarcir os danos causados e, portanto, a restabelecer o equilíbrio patrimonial no âmbito do mandato, procurando-se, assim, fixar o lucro cessante do mandatário (vd. in Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, pág. 735)
Por lucros cessantes entendem-se os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, o acréscimo patrimonial frustrado (vd. art.° 564°, n.° 1, 2.ª parte do CC) (vd. Ac, RL de 12/05/2005, in www.dgsi.pt).»
«Neste mesmo sentido, Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, Comentário do CSC, III, 119, diz o seguinte: “os prejuízos indemnizáveis são os resultantes da perda dos proventos do gerente, nessa qualidade, durante certo tempo. Não há prejuízo se a gerência for gratuita.” (sublinhado e negrito nossos).»
«Assim, da conjugação dos preceitos legais acima citados resulta, com segurança, que o Autor destituído que foi do cargo de administrador da Ré, sem justa causa, tem direito a ser indemnizado. E, mesmo na hipótese de ausência de outros danos, tem desde 1020 direito a ser ressarcido do lucro cessante correspondente aos vencimentos / remunerações que deixou de auferir até ao termo do seu mandato (vd. Ac. RL de 09/06/2009, in www.dgsi.pt).»
«Os mandatários têm a legítima expectativa de poderem auferir os respectivos proventos até final dos mandatos e têm a legítima expectativa de, durante os referidos mandatos, manterem uma ocupação satisfatória, um trabalho.
Estas legítimas expectativas assentam no acordado e estabelecido no contrato de mandato celebrado entre as partes.
Não se podendo frustrar legítimas expectativas e o normal plano de vida daí decorrente, mesmo ao quadro superior de uma empresa, seja ou não administrador, sob pena de se violar o princípio da estabilidade contratual, o princípio da confiança e o direito à estabilidade e segurança no trabalho, direito fundamental consagrado no art.° 53º da Constituição da República Portuguesa.
Negar ao Autor o direito à indemnização reclamada (...) é ignorar o princípio da confiança “segundo o qual cada contraente deve responder pelas expectativas que justificadamente cria, com a sua declaração, no espírito da contraparte” (vd. Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 236, Ac. RL de 12-05-2005, in www.dgs.pt).»
«Assim, contrariamente ao afirmado no Douto Acórdão recorrido, existe dano indemnizável, traduzindo-se este na frustração de um ganho, em consequência da quebra da relação que existia entre o Autor e a Ré.
In casu, os danos causados consistem nos proventos e benefícios deixados de receber, pelo Autor, em consequência do “terminus” do mandato, de forma unilateral, sem justa causa e antes do seu termo.
Estes danos foram alegados pelo Autor e encontram-se demonstrados nos autos.
O Douto Acórdão recorrido, ao ignorar por completo o lucro cessante do mandatário, ora recorrente, que está assente, está a limitar o direito à indemnização do Autor, violando o preceito constitucional do art.° 62°, n.° 1, da CRP.
O Prof. António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito das Sociedades, II Volume, 2.° ed. – 2007, pág. 441, ensina que:
Nos termos do art.° 62°, n.° 1, da Constituição, são inconstitucionais todas as limitações ao direito à indemnização: isso poderá corresponder à manutenção de um dano não compensado e, logo, de um atentado à propriedade privada (em sentido amplo). Além disso, os diversos direitos fundamentais, que incluem muitos direitos de personalidade, devem ser tutelados, também no plano indemnizatório, ainda que aqui com o mero sentido de uma compensação.
Quer isto dizer que, perante uma destituição sem justa causa que obrigue a indemnizar, são computáveis:
– os lucros cessantes, correspondentes à perda da remuneração até ao final do mandato ou por um período razoável: a lei refere os quatro anos, mas esse ponto pode ser aferido caso a caso,
– os danos emergentes: maiores despesas, custos de instalação, perda de lugar do cônjuge, que tenha acompanhado o gerente abandonando a anterior ocupação, deslocação dos filhos e outras,
– os danos morais: uma destituição ad nutum, sem justa causa ou com uma alegação de justa causa que não venha a demonstrar-se é, antes de mais, um grave atentado à dignidade pessoal e profissional de cada um.»
10. Face ao alegado nas alegações de revista, o STJ estava em condições de conhecer das questões de inconstitucionalidade suscitadas, pois as mesmas foram colocadas de forma clara e perceptível, uma vez que foi indicada a interpretação dos preceitos legais reputada de inconstitucional e foram indicados os princípios e normas constitucionais violados com tal interpretação.
11. Além disso, as questões de constitucionalidade normativa foram suscitadas no momento processual adequado: isto é, no recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
12. Assim, deve considerar-se cumprido o ónus que recai sobre o recorrente de suscitar previamente, perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa em termos de este a dever apreciar, e, em consequência, deve ser admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ordenando-se o seu prosseguimento de acordo com os termos legais.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Integram o objecto do recurso de constitucionalidade interposto e não admitido pelo Tribunal a quo, tal como delimitado pelo recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição do mesmo, duas questões de constitucionalidade, a saber: (i) a questão de inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos artigos 483.º, 562.º e 566.º, n.º 2 do Código Civil, na sua aplicação pelo Tribunal a quo ao caso concreto, quanto ao dever de indemnizar e ao valor da indemnização; (ii) a questão de inconstitucionalidade da não aplicação das normas constantes dos artigos 430.º, n.º 3, 257.º, n.º 7, ambos do Código das Sociedades Comerciais, bem como das normas relativas ao mandato, nomeadamente os artigos 564.º, 1156.º e 1172.º, alínea c), todos do Código Civil, com a interpretação de que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – danos futuros desde que previsíveis – pelo Tribunal a quo, ao caso concreto, quanto ao dever de indemnizar e ao valor da indemnização.
No que respeita à questão de inconstitucionalidade indicada em primeiro lugar – relativa à interpretação das normas constantes dos artigos 483.º, 562.º e 566.º, n.º 2 do Código Civil –, entendeu o Tribunal a quo, através do despacho reclamado, que, porque nenhuma questão de inconstitucionalidade havia sido suscitada quanto a essas disposições legais, o acórdão que julgou o recurso de revista não se pronunciou sobre as mesmas, aplicando-as ou desaplicando-as.
Já no que respeita à segunda questão de inconstitucionalidade – a qual incide sobre a não aplicação pelo Tribunal a quo das normas constantes dos artigos 430.º, n.º 3, 257.º, n.º 7, ambos do Código das Sociedades Comerciais, bem como das normas relativas ao mandato, nomeadamente os artigos 564.º, 1156.º e 1172.º, alínea c), todos do Código Civil – entendeu o Tribunal a quo, através do despacho reclamado, que a decisão recorrida não as aplicou com o sentido que lhe é imputado pelo recorrente, ora reclamante.
Na sua reclamação, o reclamante sustenta que, contrariamente ao decidido pelo despacho reclamado, as normas sindicadas foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida.
Afirma ainda o reclamante que se encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Em resposta ao despacho proferido pelo relator no Tribunal Constitucional, advertindo-o para a eventualidade de a reclamação ser indeferida pelo facto de nenhuma das questões que integram o objecto do recurso de constitucionalidade ter sido previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, afirma o reclamante, em síntese, que, face ao alegado nas alegações de revista, o Tribunal a quo estava em condições de conhecer das questões de constitucionalidade suscitadas.
Não tem razão o reclamante.
Independentemente do fundamento oferecido pelo despacho reclamado para a não admissão do recurso de constitucionalidade, verifica-se que em lugar algum das alegações do recurso de revista interposto para o Tribunal a quo o recorrente, ora reclamante, suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de, como dispõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, este estar obrigado a dela conhecer, não se podendo como tal considerar a afirmação que aí, no ponto ll) das conclusões é feita, nos termos da qual “[o] Douto Acórdão recorrido ao ignorar por completo o lucro cessante do mandatário, ora recorrente, que está assente, está a limitar o direito à indemnização do Autor, violando o preceito constitucional do art.º 62º, n.º 1, da CRP”, na medida em que, aí, a violação da Constituição é imputada, não a uma norma ou dimensão normativa de determinado preceito legal, mas à própria decisão judicial. O mesmo se diga do conteúdo do ponto tt) das conclusões, em que se afirma que “[o] Tribunal recorrido ao decidir como decidiu violou as normas constantes dos art.ºs 53º e 62º, ambos da Constituição da República Portuguesa […]”.
Segundo jurisprudência firme do Tribunal Constitucional, “[s]uscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido” (Ac. n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Como se afirma no Ac. n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “[a]o questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há?de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição”.
Tanto basta para que se não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
III – Decisão
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.