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Processo n.º 552/2010
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., notificado do Acórdão n.º 481/2011, proferido em 12.10.2011, através do qual se decidiu negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto, veio arguir a sua nulidade bem como pedir a reforma da decisão quanto a custas.
Fê-lo nos seguintes termos:
1 – Como se referiu na douta fundamentação, o arguido reagiu a uma condenação, em sede de recurso por si exclusivamente interposto, por ter lesado clientes – depositantes de um Banco,
2 – quando estes factos tinham sido analisados em 1ª instância e por eles não tinha havido condenação.
3 – Desta alteração de posição nas instâncias, resultou que, um delinquente primário, que buscava absolvição face ao quadro provado em 1ª instância, porque não integrava o tipo por que veio a ser condenado,
4 – embora nesta parte tivesse obtido provimento (!!),
5 – veio a ser condenado em prisão efectiva pôr cinco (!!) anos,
6 – agora por lesar os “depositantes”, conduta por que não fora censurado em 1ª instância.
7 – E isto sem ter tido possibilidade de se opor a esta “alteração”.
Reagiu em sede de princípios normativos, embora, como evidente, a pensar em casos paralelos, mais ou menos mediáticos...!
E reage agora porque, como ele próprio se apresenta nesta reclamação, crê que o acto de julgar é a maior prova de humildade que o cidadão – Juiz pode ter em face do cidadão – arguido, e que o contraditório tem a ver com a preocupação de uma certeza final, a propósito da interpretação da norma e sua adequação ao facto.
E, na verdade,
8 – no douto acórdão ora em análise, considerou?se que para se concluir por inconstitucionalidade no segmento normativo que é o tema do recurso, há que dar como assente, como premissas lógicas, ou pré?juízos que:
a) “A norma exige que a haver alteração; ela tenha conduzido a uma “agravação da posição jurídico – penal” e
b) “tenha sido surpreendido desprevenido com alteração, sem que pudesse orientar quanto a ela a sua estratégia de defesa”
9 – Quando cuidou de aplicar estes princípios fundamentadores ao caso vertente, concluiu o douto acórdão que, aqui e agora:
a) “A diferente qualificação não é agravação porque a pena até baixou;
b) Tal alteração não é surpreendente porque o “próprio arguido agora recorrente coloca ao tribunal a questão da identificação do “ofendido” no crime por que vinha acusado, porque se interrogava sobre quem eram os ofendidos: aos vários depositantes? Ao Banco? – fls. 2864” (sic)
10 – Se é verdade que a pena a final até baixou, isso teve a ver não com a qualificação – que foi de diferentes condutas mas pelo mesmo penal –, nem com a moldura penal abstracta, que era a mesma,
11 – antes sim pela aplicação ao caso, de diferente grau de censura atento o diferente condicionalismo.
Seria, pois, algo que não se enquadra na análise da norma do caso, requisito para que se conheça do fundo, como sabemos ser o douto entendimento jurisconstitucional;
é antes uma situação do “caso em face da norma” o que não é o mesmo!
Mas, em termos de “decisão surpresa” é que maior parece ser a contradição entre os fundamentos e o referencial normativo.
Vejamos, pois!
12 – Vemos que no douto acórdão se sublinha que, “fixado o objecto do processo [da acusação] não podendo o tribunal, por sua iniciativa, apreciar questões diversas das descritas [na acusação] .... Uma norma legal que tal permitisse violaria ... princípio constitucional” [n°5 do artigo 32 da CRP] (sic).
13 – No caso concreto, e sub judice, tratava?se de um recurso que foi interposto exclusivamente pelo arguido e em que este equaciona que a matéria que, constante da acusação, levara a condenação não estava dada como provada – a da lesão do património do BANCO.
14. – Parece, pois, que a “isto” se confinava o objecto do processo nesta fase, na instância de recurso – a símile da regra do artigo 409 do C.P.P.!
Ou seja, o que se equacionava era se a “acusação por burla ao Banco” estava provada e devia subsistir ou ser revogada!.
15 – Se o tribunal de recurso, afasta esta qualificação e passa a equacionar, sponte sua, a qualificação de eventual lesão a depositantes, que o recorrente não equacionara, nem podia equacionar, porque por eles não condenado,
não é esta a situação em que – tal como se enfatiza nos considerandos do douto acórdão – se deve encarar que, ao passar o tribunal a, “por sua iniciativa apreciar questões diversas das descritas [na acusação] ... não será estar a considerar ...”. Uma norma legal que tal permitisse violaria … princípio constitucional” [n° 5 do artigo 32 da CRP] (sic)?
16 – (Será que considerar que, condenar em instância de recurso, B. em 3 anos de prisão, por um crime de ofensas corporais simples, depois de uma condenação, na mesma pena, por ofensas corporais graves equivale à situação de o mesmo B., condenado que fora a ofensa corporal a uma prisão por 3 anos por ofensa a C., vir o mesmo B., em sede de recurso e porque absolvido desse crime por ofensa a C., a ser condenado porque o ofendido foi Carlos? E se a pena, neste caso, for de 30 dias de multa ou mesmo igual tempo de prisão, pode dizer?se que o “regime é o mais favorável”?)
17 – Para se desconsiderar o efeito “surpresa” ou momento de desprevenido, teve?se como relevante ter o mesmo feito uma pergunta, quanto à identificação dos lesados na douta decisão da ia instância e que enformara a decisão.
Ora,
18 – se o arguido – que só ele recorre! – para concluir que não pode ser senão absolvido do crime de burla ao Banco porque, em sede fáctica, o tribunal de 1ª instância não indicara com clareza quem seja o ofendido,
19 – usa, como esforço argumentativo da razoabilidade da dúvida – interrogando?se! – sobre se o tribunal encarou como tal um ou outro grupo de ofendidos,
20 – pode dizer?se que assumira posição consciente sobre qual o sentido por que deve orientar a sua defesa?
21 – Não está a mostrar que não pode defender?se devidamente, sem resposta a essa interrogação?
22 – Não está a equacionar que tal concepção de “certeza”, “livre convicção” sobre a matéria que suporta a qualificação, não é tolerável naquilo que deve ser um due process?
23 – A sua tese defensional era a de, face à decisão em recurso, não haver certeza que lesado fosse o Banco – e tão fundada era essa incerteza e interrogação, que deixou de se manter a condenação por burla ao Banco (!!),
24 – Aparece condenado na Relação porque o tribunal, muda a identidade do(s) ofendido(s).
25 – Mas essa era matéria por que não fora censurado, porque, como aponta o M°P° no seu douto parecer junto do Tribunal Constitucional, “aquando do julgamento em instância, os clientes?depositantes não se encontravam lesados, uma vez que o Banco lhes pagara a dívida” (sic – em (ii)) do douto acórdão!!
26 – Vir o tribunal de recurso a, por sua iniciativa, dar como lesados, na fase do recurso, interposto só pelo arguido quanto a diferente matéria de facto (!!!), “os clientes?depositantes [que] não se encontravam lesados, aquando do julgamento em 1ª instância” (sic), não é surpreendente?
27 – Se isso nunca fora equacionado, pois até se dera como assente que não eram lesados os clientes, era, em due process, exigível que devesse “orientar quanto a ela a sua estratégia de defesa”, nos exactos termos da douta fundamentação deste acórdão?!
Não será esta urna situação análoga a uma interpretação normativa que, tal permitindo, violaria .... princípio constitucional” [n° 5 do artigo 32 da CRP] (sic)?
28 – É exigível, em termos de normalidade, ter que prever que poderia ter que se defender de algo que não era objecto de recurso, e de que não fora nem poderia jamais ser censurado, por o recurso ser interposto somente pela defesa?
Perguntar parece ser responder!!
29 – Parece que, em juízo de normalidade e livre convicção segundo as regras de experiência comum; a base do raciocínio argumentativo do douto acórdão não se coaduna, antes contraria, a conclusão extraída quer que:
– A diferente qualificação não é agravação porque a pena até baixou,
– a alteração operada não é surpreendente quando e só porque o “próprio arguido agora recorrente coloca ao tribunal a questão da identificação do “ofendido” no crime por que vinha acusado, desta forma interrogativa quanto a quem se reportava a decisão da 1ª instância quando aludia a “ ofendidos: aos vários depositantes? Ao Banco?-fls. 2864” (sic)
30 – A douta decisão veio a condenar o arguido pelo decaimento numa taxa de justiça de 25 UC, ou seja, o equivalente a 2.550,00 €.
31 – A tese desenvolvida – e sem falsa modéstia – não era temerária, nem dilatória.
32 – A ter a fixação da taxa decretada tido em conta complexidade do tema, isso não é assacável à conduta do arguido, antes ao iter lógico da douta decisão da Relação;
33 – Tendo em conta a explanação constante do douto acórdão revidendo, não parece que tenha sido considerável a exigência teórica ou de tempo na preparação da douta decisão,
34 – pelo que o quantitativo fixado é, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, excessivo por desproporcionado,
35 – sobremaneira tendo em conta casos análogos.
CONCLUSÃO:
a) Se a diminuição da pena aplicada não resulta de diferente moldura penal, porque o tipo legal é o mesmo, mas
antes da culpa aferida pelas circunstâncias de diferente factualidade, não se pode dizer que
“A deferente qualificação não é agravação porque a pena até baixou”;
sendo que uma decisão do douto Tribunal Constitucional só pode ser análise da norma do caso, e não do “caso em face da norma”.
a.1) Se um arguido é condenado agora, sob o mesmo tipo penal, mas por factos que não tinham sido objecto de condenação na 1ª instância, parece que não pode deixar de se falar em “agravação “, até da posição processual do arguido e seu direito de defesa – artigo 5° a) do C.P.P.
b) Porque, no caso concreto, e sub judice, se tratava de um recurso que foi interposto exclusivam ente pelo arguido e em que este equaciona que a matéria que, constante da acusação, levara a condenação não estava dada como provada – a da lesão do património do BANCO –, a “isto” se confinando o objecto do processo nesta fase, na instância de recurso.
b.1) se o tribunal de recurso, afasta esta qualificação e passa a equacionar a qualificação de eventual lesão a depositantes, que o recorrente não equacionara, nem podia equacionar, porque por eles não condenado,
fá-lo “sponte sua”
b.2) Ao agir o tribunal, por sua iniciativa para tratar de matéria por que o arguido não fora censurado, porque, como aponta o M°P° no seu douto parecer junto do Tribunal Constitucional, “aquando do julgamento em instância, os clientes – depositantes não se encontravam lesados, uma vez que o Banco lhes pagara a dívida” (sic – em (ii)) do douto acórdão !!)
entrou a “... apreciar questões diversas das descritas [na acusação] .... Uma norma legal que tal permitisse violaria … princípio constitucional” [n° 5 do artigo 32 da CRP] (sic), como se enfatiza na douta decisão ora em análise”.
b.3) Se nunca fora equacionado, e porque não era esse “objecto do processo nessa fase”, pois até se dera como assente que não eram lesados os clientes, era, em due process, exigível que devesse “orientar quanto a ela a sua estratégia de defesa”, na expressão constante da douta fundamentação deste acórdão?!
Dizer que, em termos de normalidade e convicção livre, esse novo condicionalismo não era surpreendente, para o “plano da defesa”,
é notória contradição entre fundamentos e conclusão.
c) Seja porque, a ter que se ter em conta a complexidade do tema, porque isso não é assacável à conduta do arguido, antes ao iter lógico da douta decisão da Relação,
seja porque, a ter em conta a explanação constante do douto acórdão revidendo, não parece que tenha sido considerável a exigência teórica ou de tempo na preparação da douta decisão,
a condenação em taxa de justiça, no montante em que o foi, é, s.m.o., excessivo por desproporcionado,
O Exmo. Magistrado do Ministério Público no Tribunal Constitucional, notificado da arguição de nulidade e pedido de reforma, veio pugnar pelo seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Arguição de nulidade
2. O reclamante vem arguir a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, nos termos da qual é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
No acórdão ora reclamado o Tribunal Constitucional decidiu negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto por entender que, in casu, se não verificavam os pressupostos que, segundo a jurisprudência constitucional, conduzem a um juízo de inconstitucionalidade sobre uma norma relativa a uma alegada “alteração da qualificação jurídica dos factos”.
Assim sendo, é manifestamente infundada a arguição de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, porquanto a decisão proferida – negação de provimento ao recurso de constitucionalidade interposto – decorre logicamente da fundamentação que a sustenta – não verificação, in casu, dos referidos pressupostos.
Embora resulte do teor da reclamação apresentada que o reclamante entende que, ao contrário do que foi decidido, os referidos pressupostos retirados da jurisprudência constitucional estariam preenchidos, razão por que, diferentemente do decidido, se imporia um juízo de inconstitucionalidade, essa é matéria relativamente à qual o poder jurisdicional do Tribunal se esgotou com a prolação do acórdão ora reclamado.
Tanto basta para indeferir a arguição de nulidade.
Pedido de reforma da decisão quanto a custas
3. O reclamante vem pedir a reforma da decisão quanto a custas, por entender que o valor fixado é excessivo e desproporcionado.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 84.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, o limite legal máximo previsto para a taxa de justiça de uma decisão sobre o mérito de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é de 50 (cinquenta) unidades de conta.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, a taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em causa e a actividade contumaz do vencido.
Ora, o acórdão n.º 481/2011 condenou o recorrente, ora reclamante, em custas, fixadas em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, valor que, correspondendo à prática reiterada do Tribunal, se situa abaixo da média dos limites máximo e mínimo legalmente fixados, o que se revela adequado, atendendo ao critério previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, a que se fez referência.
Assim, indefere-se o pedido de reforma da decisão quanto a custas.
III – Decisão
Nestes termos, o Tribunal decide:
a) indeferir a arguição de nulidade;
b) indeferir o pedido de reforma da decisão quanto a custas.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.