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Processo n.º 324/11
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por despacho de 29 de Novembro de 2011, proferido na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que, por efeito da oposição deduzida, se converteu o procedimento de injunção deduzido por A., Lda., ora recorrida, contra B., Lda., ora recorrente, decidiu o 5.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, nos termos do disposto nos artigos 150.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), e 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, ordenar o desentranhamento da oposição apresentada por não pagamento, pela ré, da taxa de justiça devida.
A ré, invocando erro na determinação da norma aplicável, requereu a reforma do citado despacho, ao abrigo do artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do CPC, por entender que a norma do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, não exclui a aplicação do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil, pelo que, antes de mais, deveria ser notificada para os termos do disposto no n.º 3 do citado normativo legal.
Por despacho 16 de Fevereiro de 2011, foi indeferido o pedido de reforma por se considerar existir uma relação de especialidade entre o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e o Código de Processo Civil, pelo que, existindo disposição especial que impõe o desentranhamento da oposição em caso de não pagamento da taxa de justiça devida, não é de aplicar o disposto na norma geral do artigo 486.º - A do CPC.
A ré interpôs daquele primeiro despacho de 29 de Novembro de 2011, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada «a questão de inconstitucionalidade do artigo 150.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, e do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, quando interpretados no sentido de que o pagamento incompleto da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como acção declarativa especial (…), constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem conceder-se ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A, n.º 3, do Código de Processo Civil», por violação do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios da proibição da indefesa, do processo equitativo e da proporcionalidade.
O Tribunal recorrido admitiu o recurso, tendo a ré, notificada para o efeito, apresentado alegações onde conclui do seguinte modo:
“A. O artigo 150º-A, n.º 2 do Código de Processo Civil e o artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, quando interpretados no sentido de o pagamento incompleto da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição de procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como acção declarativa especial, constituir causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem conceder-se ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A, n.º 3 do Código de Processo Civil, são inconstitucionais, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, consagrados nos artigos 2º, 3º, n.º 2, 18º, 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
B. Ao atribuir-se ao artigo 150º-A, n.º 2 do Código de Processo Civil e ao artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, o sentido defendido pelo 5º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa nos doutos despachos de 29 de Novembro de 2010 (referência electrónica 5572118) e de 16 de Fevereiro de 2011 (referência electrónica 5697887):
a. Impede-se à Requerida no procedimento de injunção:
i. Apresentar e defender em Tribunal a sua posição sobre a matéria objecto de conflito; e
ii. Obter uma decisão, proferida pelo órgão com competência para tanto, sobre essa matéria.
b. Impõe-se à Requerida no procedimento de injunção, sem ser ouvida, sem ser-lhe permitido exercer o direito do contraditório alegando e provando os factos que considere relevantes para a resolução da causa, uma decisão de condenação no pedido apresentado pela Requerente no procedimento de injunção.
c. Impõe à Requerida no procedimento de injunção, sem dispor de quaisquer mecanismos legais para evitar esta situação, que seja proposta contra ela uma acção executiva, no âmbito da qual podem ser penhorados bens e / ou direitos por ela titulados antes da sua citação para o processo de execução em causa,
C. Ao atribuir-se ao artigo 150º-A, n.º 2 do Código de Processo Civil e ao artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, o sentido defendido pelo 5º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa nos doutos despachos de 29 de Novembro de 2010 (referência electrónica 5572118) e de 16 de Fevereiro de 2011 (referência electrónica 5697887), impede-se à Requerida no procedimento de injunção o exercício do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva e violam-se os seus direitos de defesa e de acesso a um processo justo, equitativo e adequado, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade.”
A autora, ora recorrida, não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir do mérito do recurso, sendo certo que, como antecipado pela recorrente no respectivo requerimento de interposição, não tendo tido em momento anterior à prolação do despacho recorrido oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada, estava, por força de tal circunstância, desonerada de o fazer.
2. A recorrente integra no objecto do recurso de constitucionalidade, como fonte legal da interpretação normativa sindicada, não apenas a norma do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, mas também a do n.º 2 do artigo 150.º-A do CPC, que, em matéria de pagamento de taxa de justiça, faz equivaler à falta de junção a apresentação de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Nessa conformidade, delimita o objecto do recurso por referência aos citados preceitos legais em dimensão normativa que considera ser o pagamento incompleto da taxa de justiça devida pelo réu causa de desentranhamento liminar da oposição por si deduzida sem se lhe conceder a possibilidade de pagamento prevista no n.º 3 do artigo 486.º-A do CPC.
Sucede que, se é certo que nos autos a ré comprovou o pagamento da taxa de justiça em valor inferior ao devido, a verdade é que, no juízo decisório formulado pelo tribunal recorrido com base na equivalência que é determinada pelo n.º 2 do artigo 150.º-A do CPC, o que se considerou determinante do desentranhamento liminar da oposição deduzida pela ré foi a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e não o seu pagamento incompleto.
Assim sendo, há que restringir o objecto do recurso à norma do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, quando interpretada no sentido de que o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como acção declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da Oposição à Injunção sem conceder-se ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil», por ter sido esse o entendimento normativo efectivamente sufragado pelo Tribunal recorrido.
3. A questão de inconstitucionalidade que constitui objecto dos presentes autos foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 434/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que, aferindo-a à luz dos mesmos parâmetros de inconstitucionalidade enunciados pela ora recorrente, decidiu «julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro – articulado com o disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais – segundo a qual, caso o réu não comprove o pagamento da taxa de justiça, nos 10 dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como acção, é logo desentranhada a peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal acção», com a seguinte fundamentação:
«O Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, surgiu no contexto da procura de vias de simplificação processual e desjudicialização, como resposta ao aumento exponencial de acções de reconhecimento e cobrança de dívidas, intentadas sobretudo por grandes empresas comerciais, com padrões de contratualização abrangendo múltiplos consumidores.
Foi objectivo deste diploma criar, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada dos tribunais de 1.ª Instância, um modelo de acção, inspirado no figurino da acção sumaríssima, mas com maior simplificação, em consonância com a corrente simplicidade das pretensões subjacentes, frequentemente caracterizadas pela não oposição dos demandados.
Especificamente no que concerne ao procedimento de injunção – que havia sido instituído pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, com o desiderato de facultar aos credores de obrigações pecuniárias a obtenção de títulos executivos, de forma mais simples e célere – o diploma legislativo em análise teve como finalidade incentivar a sua utilização, o que implicou a reforma de aspectos processuais que vinham merecendo críticas doutrinárias, nomeadamente quanto à dificuldade de articular a estrutura da providência e a necessidade de intervenção judicial, para decisão de questões incidentais.
As virtualidades do procedimento de injunção, no tocante à rapidez de resposta a incumprimentos de obrigações pecuniárias – facultando que o credor fique munido de título executivo, de forma simplificada e célere –, constituíram motivação para o alargamento da sua aplicabilidade à obrigação de pagamento decorrente de transacções comerciais entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, independentemente do valor, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Ficou assim ultrapassada a originária limitação quantitativa do recurso ao procedimento de injunção, que se cingia aos contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância. Posteriormente, tal valor genérico foi alterado para “valor não superior à alçada da Relação” (ex vi Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho) e, depois, para “valor não superior a (euro) 15.000” (ex vi Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
Relativamente à concreta alteração legislativa que introduziu a actual redacção do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, foi claramente motivada pela necessidade de adequar a regulação, em matéria de custas, ao novo regime decorrente do Regulamento das Custas Processuais.
Da presente síntese ressalta que o âmbito de aplicação do procedimento de injunção foi progressivamente alargado, em virtude das sucessivas alterações legislativas, podendo abranger pretensões de pagamento de valores consideráveis, mesmo superiores à alçada da Relação, desde que estejam em causa transacções comerciais, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro.
Podemos, assim, concluir que o regime simplificado de tramitação, pressuposto neste procedimento, encontra a sua fundamentação, cada vez mais, na expectativa de simplicidade jurídica da pretensão substantiva, não correspondendo a uma menor importância dos interesses pecuniários envolvidos, os quais podem determinar a posterior transmutação do procedimento injuntivo numa acção declarativa de condenação, com processo especial ou comum, nomeadamente sob a forma ordinária, em função do valor da causa.
(…) Concentrando agora a nossa atenção no preceito em que se centra o presente recurso, observemos a sua literal estatuição:
“Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, é desentranhada a respectiva peça processual.”
A interpretação normativa em apreciação, no presente recurso, pressupõe que o âmbito objectivo de aplicação do aludido artigo 20.º se estende, não apenas ao procedimento de injunção, mas igualmente à acção declarativa de condenação em que aquele procedimento se tenha transmutado, em consequência da dedução de oposição.
É que, no caso de o procedimento de injunção passar a seguir como acção, em virtude de o requerido ter apresentado oposição, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de dez dias, contado desde a distribuição, nos termos gerais fixados no Regulamento das Custas Processuais (n.º 4 do artigo 7.º).
Interpretado o preceito em análise nos termos desenvolvidos na decisão recorrida, resulta que a omissão de comprovação do pagamento da taxa de justiça pelo réu redunda no imediato desentranhamento da contestação, sem qualquer solução intermédia, nomeadamente de concessão de prazo suplementar para supressão da omissão, nos termos previstos no artigo 486.º-A, n.ºs 3 a 6, do Código de Processo Civil.
Definida tal interpretação como objecto do presente recurso, será sobre a mesma que incidirá a apreciação da alegada desconformidade com os parâmetros constitucionais, especificamente sobre o direito a um processo equitativo, como corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP).
«(…) Consubstanciando um direito fundamental, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva corresponde, concomitantemente, a uma garantia de protecção dos restantes direitos fundamentais, pela via judiciária, constituindo, por isso, um alicerce estruturante do Estado de Direito democrático.
Representa a consagração da possibilidade de defesa jurisdicional de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, conferindo-lhes assim condições de efectividade prática.
No presente caso, é a vertente da garantia dum processo equitativo que assume crucial importância como alvo de análise, por corresponder, de entre as várias dimensões em que a tutela jurisdicional efectiva irradia, àquela que surge como potencialmente beliscada pela interpretação normativa posta em crise.
O princípio da equitatividade é expressamente referido no n.º 4 do artigo 20.º da Lei Fundamental, que dispõe o seguinte:
“Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
É densificado por vários subprincípios, entre os quais se conta o direito de defesa e direito ao contraditório, traduzido na possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de facto e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os argumentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio. Corresponde, pois, tal direito a uma garantia de equilíbrio e de igualdade de armas entre os litigantes, que vêem constitucionalmente assegurada a possibilidade de exercerem influência efectiva no desenvolvimento do processo, que se pretende que conduza a uma decisão materialmente justa do litígio.
(…) Não obstante a ampla liberdade reconhecida ao legislador, no âmbito da definição da tramitação processual, é inegável que a garantia do contraditório, de que decorre a proibição da indefesa, constitui um limite vinculativo incontornável.
Desde logo, e no segmento que aqui nos interessa, as cominações e preclusões, associadas ao incumprimento de determinado ónus processual, não podem revelar-se funcionalmente desajustadas
O princípio do contraditório, como componente do direito a um processo equitativo, terá de manter a sua função operante num conteúdo mínimo, seja qual for a estrutura processual em que se desenhe o acesso à tutela judiciária.
Apesar de se reconhecer a importância de uma estrutura processual deliberadamente simplificada e célere, vocacionada para os objectivos de política legislativa que presidiram ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, é imperioso garantir que o bem jurídico celeridade não comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional efectiva.
A propósito do equilíbrio necessário entre a celeridade processual e a justiça da decisão, em termos transponíveis para a presente situação, refere C. Lopes do Rego:
“As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adopção de “mecanismos que desencorajem as partes de adoptar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere - mas também justa, adequada e ponderada” (in “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855).
Do exposto resulta que uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflicta considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitectura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efectividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.
Transpondo as considerações expendidas para a interpretação normativa em apreciação, teremos de concluir que associar ao incumprimento de um ónus processual, relativo ao pagamento de custas, a consequência, imediata e irreversível, de desentranhamento da contestação – impossibilitando a consideração das razões de facto e de direito, exceptuando as de conhecimento oficioso, aduzidas em tal peça processual - é manifestamente desproporcional, por acarretar o gravoso e inevitável resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou dirimição definitiva dos direitos ou interesses controvertidos. Existe, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efectividade da tutela jurisdicional
É de notar que tal solução interpretativa era expressamente afastada na anterior redacção do preceito relativo a custas, no âmbito do mesmo diploma legislativo.
Na verdade, dispunha o artigo 19.º que, se o procedimento de injunção seguisse como acção, seriam devidas custas, calculadas e liquidadas nos termos do Código das Custas Judiciais, devendo as partes efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de dez dias a contar da data da distribuição, sendo que, sem prejuízo do disposto no Código de Processo Civil, relativamente à contestação, na falta de junção, pelo autor, do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial no prazo referido de dez dias, seria desentranhada a respectiva peça processual.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se, no Acórdão n.º 625/03 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt) sobre a diferenciação de consequências, para autor e réu, do não pagamento da taxa de justiça inicial, no âmbito da acção em que se converteu o procedimento de injunção.
Em tal aresto, refere-se o seguinte:
“Ponto é saber se esse diverso tratamento afronta normas ou princípios constitucionalmente consagrados.
(…) Num primeiro passo, mister é que se não passe em claro que o desentranhamento do requerimento de injunção não consequencia irremissivelmente que o seu autor deixe de ter acesso aos tribunais. Tal desentranhamento, na verdade, configura uma figura de extinção da instância, desta forma não precludindo a possibilidade de aquele autor vir, novamente, quer através de novo procedimento de injunção, quer através de nova acção, fazer valer o direito que se propôs com o anterior procedimento. (…)
Depois, há que atentar que o não pagamento pelo réu da taxa inicial quando contesta a acção resultante da frustração do procedimento injuntivo, também não é desprovido de consequências, visto que um dos requisitos de atendimento da contestação é justamente o do pagamento de uma taxa equivalente ao dobro da em falta.
Trata-se, assim, de sancionamentos diversos que não deixam de atender ao diferente posicionamento do autor e do réu da acção em que se «converteu» o procedimento de injunção. E diz-se posicionamento diverso, já que, se porventura a consequência do não pagamento da taxa de justiça inicial por parte do réu quando contesta a acção fosse idêntica à prevista para o autor, o desentranhamento da contestação acarretaria a aplicação dos efeitos cominatórios decorrentes da falta de contestação, como óbvias repercussões no mérito da causa (cfr. artº 2º do Regime), sendo vedado ao réu, posteriormente (e não interessará aqui entrar em linha de conta com as hipóteses em que é possibilitado o recurso de revisão), o acesso ao tribunal para poder exercer de forma efectiva o seu direito de defesa.
Esta diferenciação de situações aponta, pois, para que se possa dizer que a estatuição de diversos regimes quanto às consequências do não pagamento da taxa de justiça por parte do autor e por parte do réu na acção a que se reportam os artigos 16º e 1º e seguintes do Regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 269/98, tem um fundamento material e, assim, se não apresenta como arbitrária (…).”
Os argumentos aduzidos no aludido acórdão, no tocante à posição do réu, corroboram o juízo já formulado, quanto à gravidade das consequências da interpretação normativa que apreciamos.
Tal interpretação, recusada pelo tribunal a quo, conduz, de facto, a um desproporcionado comprometimento do núcleo essencial do princípio do contraditório, como dimensão constitutiva crucial de um due process of law.
Concluímos, desta forma, que é inconstitucional a interpretação normativa do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro – articulado com o disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais – segundo a qual a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça, devida pelo réu, nos dez dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como acção, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal acção, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.»
Ora, afigura-se ser de acolher uma tal fundamentação, pelo que, pelas razões enunciadas no Acórdão n.º 434/11, e supra transcritas, se formula idêntico juízo de inconstitucionalidade.
4. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, quando interpretada no sentido de que o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como acção declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil.
b) Julgar, em consequência, procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão da constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.