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Processo n.º 528/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são reclamantes A. e cônjuge B. e reclamada a Câmara Municipal de Vizela, os primeiros reclamaram, ao abrigo do artigo 76º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 26 de Abril de 2011 que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Por acórdão de 8 de Novembro de 2007, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou procedente a apelação da Expropriante e improcedente a apelação dos Expropriados, qualificando a parcela expropriada como solo para outros fins.
Para o que agora releva é a seguinte a fundamentação desta decisão:
«Defende a Expropriante que, para efeitos de calculo da indemnização, a parcela expropriada deveria ter sido classificada como solo apto para outros fins, por não se verificarem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do art,º 25º e no n.º 12 do art 26.º do Código de Expropriações (CE), com a correspondente indemnização a esta aptidão da parcela expropriada.
A sentença recorrida qualificou como apto para a construção, o solo da parcela expropriada. Para o efeito consignou, a final, que “em sintonia com os peritos designados pelo Tribunal entendemos que sendo a parcela expropriar servida por via publica em terra batida, existindo a cerca de 70 m, a sul, um caminho público com rede pública de abastecimento de água, rede de distribuição de energia eléctrica e rede telefónica e, tendo em atenção que a parcela se situa junto de aglomerados urbanos mais ou menos consolidados, deve a parcela ser classificada como solo apto para construção – art. 25º/1 a) e 26º do CE; assim, o valor da parcela em causa, será apurado com base no art. 26º do CE”.
Vejamos.
O n.º 12 do art.º 26.º do Código de Expropriações, intitulado cálculo do valor do solo apto para a construção, tem por pressupostos que a parcela expropriada fosse “solo classificado como zona verde, de lazer ou para instalação de infra estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz e cuja aquisição (pelo expropriado) seja anterior à entrada em vigor (daquele plano municipal)” e que, em consequência daquela classificação, lhe haja sido retirada a aptidão construtiva que tinha antes dela.
O Prof. Fernando Alves Correia, em Código de Expropriações e Outra Legislação Sobre Expropriações Por Utilidade Pública, Aequitas Editorial Notícias, 1992, pág. 23/24, comentando este normativo, na redacção do CE/91, onde se previa apenas a classificação como zona verde ou de lazer, afirma que a “norma refere-se apenas às expropriações (em sentido clássico) dos solos classificados como zona verde ou de lazer [hoje também classificados para instalação de infra estruturas e equipamentos públicos] por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, isto é, àquelas em que se verificam simultaneamente um momento privativo e um momento apropriativo do direito de propriedade que incide sobre aqueles bens”, casos em que “a lei manda atender no cálculo do [seu] valor… a factores próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para a construção”.
No caso em apreço, à data da publicação da declaração de expropriação por utilidade pública, a parcela expropriada não estava classificada por instrumento de gestão territorial, devido a estarem suspensos os Planos. Directores Municipais de Guimarães, Lousada e Felgueiras, relativamente às áreas que integram o novo Município de Vizela, em cuja área se situa a parcela expropriada.
Antes da referida suspensão do PDM de Guimarães, a parcela expropriada estava nele classificada como “solo não urbanizável.”
E da matéria de facto provada não é viável a ilação de ter sido a anterior, e ora suspensa, classificação dos terrenos, onde se integrava a parcela expropriada, como “solo não urbanizável”, feita pelo referido Plano Director Municipal de Guimarães, que lhe retirou a potencialidade edificativa ou construtiva, pelo que nem sequer se pode equacionar a eventual aplicação extensiva ou analógica da referida norma ao cálculo da indemnização devida pela parcela expropriada.
Assim, a parcela expropriada não se inclui na previsão abstracta do n.º12 do art.º 26.º do Código de Expropriações.
Relativamente à qualificação da parcela expropriada como solo apto para a construção ao abrigo da alínea a) do n.º 2, do art,º 25.º do Código de Expropriações, não se provou que a parcela expropriada disponha de acesso rodoviário, de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica, com características adequadas para servir as edificações construídas ou a construir, pelo que, por subsunção a este normativo, a parcela expropriada não pode ser classificada como solo apto para a construção.
Na verdade provou-se apenas que na parcela expropriada existe uma baixada agrícola de electricidade trifásica, com 1,20 m de extensão e de que dispõe, por confrontar com ele, a poente, de acesso por um caminho público, com 100 metros de comprimento, pavimentado em terra batida sobre um camada de “tout venant” caminho este desprovido de quaisquer infra-estruturas urbanísticas. Algumas destas, concretamente, um arruamento, com rede pública de abastecimento de água, com rede de distribuição de energia eléctrica e com rede telefónica, apenas existem a sul e a cerca de 70 m da parcela expropriada, não se destinando, pois, a servi-la.
Relativamente a qualificação da parcela expropriada como solo apto para a construção ao abrigo da alínea b) do n º 2, do art,º 25 º do Código de Expropriações, este normativo, alem de exigir que o solo expropriado disponha de parte das infra-estruturas urbanísticas mencionadas na anterior alínea (acesso rodoviário e redes de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento aptas a servir as edificações nele existentes ou a construir nele), o que se não provou, exige ainda que o solo expropriado “se integre em núcleo urbano existente”, requisito este igualmente inverificado, por a parcela ou prédio expropriado distar cerca de 1,5 km do centro urbano de Vizela e cerca de 7 km da cidade de Guimarães, inserir-se em local com características rurais, envolvida por áreas predominantemente agrícolas e florestais, serem dispersas as construções existentes nas proximidades dela e de tipologia unifamiliar de rés-do-chão e um piso, pelo que, por subsunção a este normativo, a parcela expropriada também não pode ser classificada como solo apto para a construção.
Também não é viável, nem vem pedida, a qualificação do prédio ou da parcela expropriada como solo apto para construção ao abrigo das demais alíneas do n.º 2 do art.º 25.º do CE, pelo que, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, terá de considerar-se como solo para outros fins e, com base nesta classificação, arbitrada a atinente indemnização.
Procede, pois, a apelação da Expropriante, ficando, em consequência, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas porque dependentes da classificação da parcela expropriada como solo apto para a construção, com consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição com a fixação da indemnização devida pela parcela expropriada como solo apto para outros fins, para o que utilizaremos, por acatar os critérios legais valorativos indicados pelos art.ºs 23.º, n ºs 1 a 5, e 27.º, n.º 3, do CE, o laudo unânime dos Srs Peritos avaliadores constante de fls 574 a 576 com os esclarecimentos de fls 611 e 612, e com base nele deva ser arbitrada a indemnização de €53.973,33 pelo terreno da parcela expropriada e a de €8.108,75 pelas benfeitorias nela existentes, no total de €62.082,08».
Os expropriados interpuseram, então, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o mesmo não foi admitido no Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho de 10 de Janeiro de 2008. Apresentada reclamação desta decisão, foi a mesma indeferida no Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 14 de Fevereiro de 2011.
3. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães para:
«(...) apreciação da inconstitucionalidade do artigo 25º, n.os 2 e 3 do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido dado no referido acórdão, por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar, por violação dos artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa - inconstitucionalidade essa suscitada pelos recorrentes na resposta às alegações de apelação».
4. No Supremo Tribunal de Justiça foi proferida a decisão reclamada, que tem o seguinte teor:
«Indefiro o requerimento de interposição de recuso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08-11-07, já que o requerimento de interposição de recurso foi indevidamente endereçado (artº 76º - nº 1 da L.T.C.) – cfr. Carlos Lopes do Rego, in “Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, pags. 211 a 213 e 220».
5. Esta decisão foi objecto da presente reclamação, através de requerimento onde se lê o seguinte:
«Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º1 e do n.º 2 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08/11/2007, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 25º, n.os 2 e 3 do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido dado no referido acórdão, por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar, por violação dos artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa - inconstitucionalidade essa suscitada pelos recorrentes na resposta às alegações de apelação.
O recurso foi interposto por meio de requerimento dirigido ao Ex.mo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça e remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, onde se encontravam os autos.
Por despacho de 26-04-2011, proferido pelo Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro, foi indeferido o requerimento de interposição de recurso com fundamento no facto de o requerimento ter sido indevidamente endereçado.
Conforme dispõe o artigo 76º n.º 1 da Lei 28/82, de 15-11, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso.
De facto, tratando-se de um recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08/11/2007, seria este Tribunal o competente para apreciação do recurso interposto.
E assim, o requerimento deveria ter sido dirigido ao Ex.mo Desembargador Relator e não ao Ex.mo Conselheiro Relator.
Contudo, encontrando-se os autos do Supremo Tribunal de Justiça, o requerimento deveria ser remetido a esse Tribunal – como foi -, sendo, em face do mesmo, o processo remetido ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciação da admissão do recurso.
Ora, muito embora o requerimento estivesse indevidamente dirigido ao Senhor Conselheiro Relator, o que deveria ter sido decidido era a sua remessa, juntamente com os autos, ao Tribunal da Relação de Guimarães, para apreciação.
Em vez disso, o Senhor Juiz Conselheiro apreciou a interposição de recurso – apesar de não ser competente para o efeito -, decidindo pelo seu indeferimento.
Acontece que, o facto de o requerimento ser indevidamente endereçado não é fundamento de indeferimento, conforme resulta do disposto no artigo 76º n.º2 da Lei 28/82.
O referido n.º1 do artigo 76.º prevê os casos em que o requerimento de interposição de recuso deve ser indeferido, designadamente quando não satisfaça os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º5, se houver sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou, nos casos previstos nas alienas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º, quando forem manifestamente infundados.
Ora, o requerimento de interposição de recurso deu entrada em juízo em 28-02-2011, ou seja, no 10 dia após a notificação, em 18-02-2011, do despacho do Sr. Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação apresentada pelos recorrentes do despacho do Sr. Desembargador Relator que decidiu não admitir o recurso de revista interposto.
Os requerentes são partes legítimas porquanto são partes no presente processo judicial no âmbito do qual foi proferido acórdão da Relação de que se recorre.
No requerimento de interposição de recurso é indicada a alínea b) do n.º1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja constitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie (artigo 25º n.º 2 e 3 do Código das Expropriações).
Assim sendo, não se verifica qualquer dos fundamentos de indeferimento do recurso previstos no artigo 76º n.º 2 da Lei 28/82, devendo o mesmo ser admitido.
Mesmo que se considerasse que, segundo a melhor interpretação da referida disposição legal, o facto de o requerimento não ser dirigido ao tribunal competente para apreciar a admissão do recurso é fundamento de indeferimento, sempre se diria que, neste caso, deveriam os recorrentes ser notificados, ao abrigo do n.º5 do artigo 75º-A da mesma Lei, para corrigir o requerimento.
Na verdade, se a Lei prevê essa possibilidade para corrigir a falta de indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto ou da norma cuja constitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie, tratando-se estas faltas mais gravosas, sempre teria de se fazer uma interpretação desse n.º 5 no sentido de se aplicar ao caso de o requerimento estar indevidamente dirigido».
6. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
«5. Efectivamente, “carece o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade de ser dirigido ao Magistrado titular do órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida – não podendo, segundo jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional conhecer-se do recurso quando o respectivo requerimento tiver sido dirigido a entidade incompetente, “a non domino”, para sobre ela se pronunciar” (Carlos Lopes do Rego – Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, pág. 213).
6. Aquela conclusão não é alterada pelo facto “ de o processo estar pendente no momento da interposição do recurso de constitucionalidade em tribunal diverso do que proferiu na decisão” (Carlos Lopes do Rego ob. cit. pág. 214), sendo certo que, no caso dos autos, não se está perante nenhuma das situações “anómalas” referidas pelo mesmo Autor (ob. e loc. cit.).
7. A admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC, depende da verificação de determinados requisitos.
8. Ora, se em virtude do comportamento processual dos reclamantes, o Juíz do tribunal competente para se pronunciar sobre essa verificação não o fez, nunca poderia o Tribunal Constitucional deferir, sem mais, a reclamação, se esse deferimento levasse à admissibilidade do recurso, como pretendem os reclamantes.
9. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
7. Em cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC, os reclamantes e a reclamada foram notificados do seguinte despacho:
«É de admitir que a conferência venha a indeferir a reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto, com fundamento na não indicação da norma cuja inconstitucionalidade os recorrentes pretendem ver apreciada por este Tribunal.
Com efeito, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e na reclamação do despacho de não admissão deste recurso não é especificada a interpretação que o Tribunal da Relação de Guimarães fez do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Código das Expropriações, não se observando, por isso, o disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, parte final da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). Os recorrentes reclamantes ao especificarem «por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar», estão tão-só a especificar a consequência da interpretação que reputam inconstitucional. Por outro lado, resulta do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação de Guimarães aplicou, como ratio decidendi, os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 25.º na sua totalidade e não segundo determinada interpretação».
8. Os reclamantes pronunciaram-se nos seguintes termos:
«1. O recurso para apreciação da constitucionalidade foi interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, interpretando e aplicando o artigo 25 n.º 2 e 3 do Código das Expropriações, classificou a parcela expropriada com o solo apto para outros fins.
2. Em face da factualidade dada como provada, o Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou de direito a sua decisão, interpretando e aplicando o artigo 25º do Código das Expropriações, nos seguintes termos:
(…)
3. Ora, conforme resulta dos autos, o fim da expropriação era construção de uma escola.
4. Tal significa que, na parcela expropriada é (e era, à data da DUP) possível edificar.
5. Significa ainda que o local estava destinado a adquirir as características descritas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do CE.
6. Perante estes factos, entendem os recorrentes que o solo deveria ter sido classificado como solo apto para construção, nos termos do disposto no artigo 25º n.º 2 alínea c) do CE, segundo o qual:
(…)
7. Na verdade, muito embora o PDM de Guimarães estivesse suspenso, não se encontrando, por isso, em vigor, à data da DUP, qualquer instrumento de gestão territorial, o certo é que, o fim da expropriação era a construção de uma escola e por isso, em consequência da sua construção, o local estava destinado a adquirir as características descritas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25º.
8. No entender dos recorrentes, esta seria a interpretação a fazer da mencionada alínea c), em consonância com o disposto nos artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa, aplicando-se em consequência no caso sub judice e assim classificando-se a parcela expropriada como solo apto para construção.
9. Interpretação diversa, como a que foi feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no entender dos recorrentes reclamantes, inconstitucional, porquanto viola o princípio da igualdade e da justa indemnização, consagrados na CRP.
10. É esta questão, da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da interpretação feita no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que os recorrentes pretendem que seja apreciada pelo Tribunal Constitucional.
11. A respeito desta alínea c) do n.º 2 do artigo 25º, no acórdão da Relação de Guimarães apenas é referido o seguinte: (…)
12. Desta afirmação decorre que o Tribunal recorrido entende que não se aplica no caso a alínea c) do n.º 2 do artigo 25ºdo CE.
13. No entanto, o Tribunal da Relação não fundamenta tal afirmação, bastando-se com a afirmação de que não é viável a classificação da parcela expropriada como solo apto para construção ao abrigo, entre outras, da referida alínea c).
14. Por esse motivo, no requerimento de interposição de recurso não é especificada a interpretação que o Tribunal da Relação de Guimarães fez do artigo 25º n.º 2 e 3 do Código das Expropriações e, em especial, da alínea c) do n.º 2, apenas se pedindo a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 25º, n.os 2 e 3 do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido dado no referido acórdão, por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar.
15. Face ao exposto, entendem os recorrentes que o recurso interposto preenche todos os requisitos legais, assim como o respectivo requerimento observa o disposto no artigo 75º-A, n.º 1, parte final da LCT, devendo assim ser admitido».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho reclamado não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto por o requerimento de recurso ter sido indevidamente endereçado (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).
1. Independentemente da questão de saber se tal justifica uma decisão de inadmissibilidade, o que é facto é que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não satisfaz os requisitos do artigo 75.º-A da LTC, concretamente o da indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (n.º 1, parte final). Tão-pouco é indicada tal norma na reclamação do despacho de não admissão de recurso.
Como os próprios recorrentes reconhecem, requereram a apreciação do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido dado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (ponto 14. da resposta constante do ponto 7. do Relatório). Sem especificação, portanto, da dimensão interpretativa que pretendem ver apreciada. Ora, este Tribunal tem entendido reiteradamente que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre outros, Acórdão n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mas neste último caso tem “o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional” (Acórdão n.º 21/2006, disponível no mesmo sítio), uma vez que o objecto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 286/2000 e 293/2007, disponíveis no mesmo sítio).
2. Ainda que aquele requisito do requerimento de interposição de recurso possa ter-se por satisfeito, aceitando que tem conteúdo normativo a indicação de que se pretende a apreciação do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Código das Expropriações, quando interpretado por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar, será sempre de concluir pela não verificação de um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto – a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida ao Tribunal Constitucional (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Com efeito, a finalidade edificativa da expropriação não integrou, de todo, a razão de decidir no sentido de a parcela expropriada dever ser classificada como “solo para outros fins”. O tribunal recorrido verificou apenas se, face aos factos dados como provados, estavam ou não preenchidas as alíneas do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações. Concluindo que “não se provou que a parcela expropriada disponha de acesso rodoviário, de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica, com características adequadas para servir as edificações construídas ou a construir” – alínea a) –, diferentemente do ajuizado na sentença de 1.ª instância; que não se provou o requisito de que “o solo expropriado «se integre em núcleo urbano existente»” – alínea b); que não era viável, nem vinha pedida, “a qualificação do prédio ou da parcela expropriada como solo apto para construção ao abrigo das demais alíneas do n.º 2 do art.º 25.º do CE”; e que, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, teria “de considerar-se como solo apto para outros fins”.
Dos presentes autos resulta, ainda, que a questão de constitucionalidade não foi suscitada, previamente e de forma adequada, perante o Tribunal da Relação de Guimarães, o que sempre obstaria ao conhecimento do objecto do recurso (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
3. É de concluir, pois, pelo indeferimento da presente reclamação, ainda que com fundamento diverso do constante do despacho de não admissão do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.