Imprimir acórdão
Processo n.º 458/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente a sociedade A., Ld.ª e recorrida a sociedade B., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 14 de Abril de 2011.
2. Notificada do acórdão do Tribunal da Relação de 14 de Dezembro de 2010, a recorrente interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido. Desta não admissão reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho do relator de 14 de Abril de 2011, a reclamação foi indeferida. Desta decisão foi, então, interposto o presente recurso de constitucionalidade.
3. Pela Decisão Sumária n.º 402/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente.
Desta decisão a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.
4. Por despacho da relatora de 25 de Outubro de 2011, a recorrente e a recorrida foram notificadas do seguinte:
«É de admitir que a conferência venha a indeferir a reclamação da Decisão Sumária n.º 402/2011, com fundamento no não esgotamento dos meios ordinários, nestes se incluindo as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (artigo 70.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Com efeito, nos presentes autos não houve reclamação para a conferência nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil».
5. A recorrente respondeu o seguinte:
«1. Na decisão sumária que foi objecto de reclamação para a conferência, Vossa Excelência, Senhora Juíza Conselheira Relatora, sustentava que a norma cuja constitucionalidade era questionada não constituía a ratio essendi da decisão recorrida.
2. Agora, ao que parece, a conferência prevê indeferir a reclamação contra aquela decisão sumária com base num outro (novo) fundamento: o alegado não esgotamento dos meios ordinários.
3. Segundo o despacho de Vossa Excelência, o meio ordinário que a recorrente não teria usado seria a reclamação para a conferência prevista no art. 700.º/3 do CPC.
4. Supõe-se (pois, apesar de o despacho não o esclarecer, qualquer outra hipótese seria absurda em face da configuração do percurso processual do caso,) que Vossa Excelência se refere à reclamação para a conferência do Tribunal da Relação de Lisboa do despacho do Juiz Desembargador Relator que não admitiu a interposição do recurso de revista para o STJ.
5. Com o devido o respeito, só por lapso a conferência deste alto Tribunal poderia fundar a sua decisão no argumento de que o recorrente não teria reclamado para a conferência da Relação de Lisboa, nos termos do art. 700.º/3.
6. Na verdade, quando se trata de despacho do relator que indefere requerimento de interposição de recurso, é a propria lei a vedar à parte o uso da reclamação prevista no art. 700.º/3 do CPC, remetendo-a antes para o meio impugnatório previsto no art. 688.º, consistente na reclamação para o tribunal que seria competente para conhecer do recurso.
7. A letra do art. 700.º/3 do CPC é absolutamente esclarecedora e eloquente:
“Salvo o disposto no art. 688.º (…)”.
8. Quer dizer, quando se trate de situação que caia no âmbito de aplicação do art. 688.º (como sucede no caso), não se aplica o art. 700.º/3.
9. Bem vistas as coisas, o legislador, ao ressalvar a aplicação do art. 688.º, limitou-se a declarar a solução que sempre resultaria dos princípios que regem as relações entre a norma geral e a norma especial.
10. Como dizem José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes (…), cabe a reclamação do despacho do relator prevista no art. 700.º/3 do CPC “ (...) desde que não seja de rejeição do requerimento de interposição de recurso, caso em que cabe a reclamação prevista no art. 688.º(…)”.
11. O recorrente, confrontado com o despacho do Juiz Relator Desembargador da Relação de Lisboa que indeferira o requerimento de interposição de recurso para o STJ, fez, por conseguinte, a única coisa que a lei lhe permitia que fizesse: reclamou, nos termos do art. 688.º do CPC, para o próprio STJ.
12. E, simetricamente, não fez o que a lei proibia que fizesse: não apresentou a reclamação prevista no art. 700.º/3.
13. Não há, pois, qualquer razão de natureza jurídico-normativa (e não se vê que outras razões se pudesse invocar) que impeça o conhecimento do presente recurso de constitucionalidade».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
De acordo com o disposto no artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, sendo equiparadas a recursos ordinários as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
Este requisito do esgotamento dos meios impugnatórios não pode dar-se por verificado nos presentes autos, o que obsta ao conhecimento do objecto do recurso. Com efeito, o despacho recorrido admitia, ainda, reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Trata-se, como é óbvio, face ao disposto no artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, do despacho proferido pelo relator no Supremo Tribunal de Justiça e não do despacho proferido pelo relator no Tribunal da Relação.
Sobre a admissibilidade de reclamação para a conferência do despacho do relator que, no tribunal que seria competente para conhecer do recurso, indefere reclamação do despacho que não o admite, lê-se o seguinte na Decisão Sumária n.º 386/2010, confirmada pelo Acórdão n.º 457/2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«(…) a reclamação contra o despacho de não admissão dos recursos em processo civil, que anteriormente era dirigida ao presidente do tribunal superior, passou a caber ao tribunal competente para conhecer do recurso não admitido (n.º 1 do artigo 688.º do CPC). A competência primária para a apreciação de tal reclamação é do relator (n.º 4 do artigo 688.º). Mas o despacho proferido no exercício dessa competência, como qualquer outra decisão do relator que não seja de mero expediente, é impugnável pela via normal de reacção contra os despachos do relator: a reclamação para a conferência nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC).
Na verdade, nenhuma razão se vislumbra para subtrair tais despachos à garantia que resulta da possibilidade de submisssão do processo à conferência nos termos gerais. A reclamação é dirigida ao tribunal e o titular último do poder jurisdicional é, nos tribunais superiores, a formação colegial de julgamento. A decisão de deferimento ou indeferimento da reclamação contra a não admissão do recurso afecta o interesse da parte para a qual é desfavorável – pelo menos no caso de indeferimento da reclamação, de modo irremediável –, não se justificando que aí haja menos possibilidade de reexame do que perante qualquer outra decisão singular do relator.
Nem se objecte com o disposto na primeira parte do n.º 3 do artigo 700.º. O que neste inciso se exceptua da possibilidade de reclamação para a conferência são aqueles despachos proferidos pelo relator de não admissão de recurso de decisões proferidas no próprio tribunal, que tem a sua via especial de impugnação na reclamação para o tribunal superior, como antes a encontravam na reclamação para o presidente do tribunal superior. Neste aspecto nada mudou, mantendo o preceito a redacção que anteriormente tinha. Mas seria desrazoável sacrificar a tendencial uniformidade inerente à concentração da competência nos presidentes das relações sem o acréscimo de garantia que a intervenção do órgão colegial, por via da reclamação das decisões do relator, é susceptível de proporcionar. Assim, a ressalva da parte inicial do n.º 3 do artigo 700.º é restrita ao n.º 1 do artigo 688.º. Se na Relação não se admitir um recurso interposto de acórdão aí proferido reclama-se para o Supremo Tribunal de Justiça (ou para o Tribunal Constitucional, se for o caso – n.º 4 do artigo 76.º da LTC) e não para a conferência da Relação. Mas da decisão do relator que aprecia a reclamação de despacho de não admissão de recurso para o próprio tribunal reclama-se para a conferência (Neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 112; Abrantes Geraldes, “Reforma dos recursos em processo civil”, in Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril de 2008, pág. 68; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Tomo I, 2.ª ed. pág. 75).
É este entendimento que agora se reitera, concluindo, consequentemente, pelo não conhecimento do objecto do recurso interposto.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.