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Processo n.º 602/11
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 509/11, decidiu o relator não tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto por «A., SA», ora reclamante, por inutilidade decorrente do facto de as normas que o integram não constituírem fundamento jurídico da decisão recorrida, sendo o eventual juízo de inconstitucionalidade que, no seu conhecimento, viesse a ser formulado, insusceptível de operar modificação de julgado.
A recorrente dela reclamou para a conferência, invocando, no essencial, que, embora o tribunal recorrido não tenha apreciado a questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do recurso, observou o ónus de suscitação que a tanto obrigava, pelo que, estando em causa normas comunitárias sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, deve o recurso prosseguir para a sua apreciação de mérito.
A recorrida Fazenda Pública, notificada para o efeito, não respondeu à reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Pretende a reclamante seja apreciado o mérito do recurso, aferindo-se da inconstitucionalidade dos artigos 2.º e 3.º da Decisão da Comissão Europeia C (2002) 4487 «Auxílio Estatal C 35/2001 (EX NN 10/2000), de 11 de Dezembro de 2002.
Está em causa uma decisão comunitária dirigida ao Estado Português em ordem à recuperação de auxílios financeiros cujo regime a Comissão Europeia considerou incompatível com o mercado comum, relativamente à qual se coloca, desde logo, a questão de saber se se trata de uma norma geral e abstracta susceptível de integrar o direito comunitário derivado, ou, antes, de uma decisão individual e concreta proferida pela Comissão Europeia ao abrigo das normas dos Tratados nela expressamente referenciadas (artigos 88.º, n.º 2, do Tratado que institui a Comunidade Europeia e 62.º, n.º 1, alínea a), do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu) e do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999 (artigos 1.º, 2.º, 3.º e 14.º).
Independentemente, porém, do carácter normativo das determinações comunitárias e da própria competência do Tribunal Constitucional para apreciar a sua pretensa desconformidade com a Lei Fundamental, o certo é que o prosseguimento do recurso de constitucionalidade, como se afirmou na decisão sumária reclamada, não tem qualquer utilidade, visto que o tribunal recorrido não chegou a aplicar as referidas disposições como ratio decidendi, bastando-se com considerações de ordem formal atinentes à recorribilidade dos actos de liquidação que constituíam objecto da impugnação judicial.
Considera a reclamante que a circunstância de ter suscitado perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade normativa legitimaria, só por si, o seu conhecimento de mérito.
Mas assim não é.
Necessário é que a arguição de inconstitucionalidade tenha recaído sobre as normas, que, sendo aplicáveis ao caso, constituam efectivo fundamento jurídico da decisão.
Com efeito, o recurso de constitucionalidade, embora preordenado à fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas, é também um instrumento de modificação de julgado que só faz sentido accionar nos casos em que o eventual juízo de inconstitucionalidade possa colocar em crise, pela invalidade dele recorrente, o fundamento normativo da decisão, implicando a sua alteração.
Sucede que o tribunal recorrido, na legítima e previsível aferição liminar da recorribilidade dos actos tributários concretamente impugnados, considerou, em termos que não são sindicáveis pelo Tribunal Constitucional – por não lhe competir aferir da bondade das soluções de direito substantivo e adjectivo adoptadas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional –, que «os vícios de violação de lei assacados a meros actos de execução por efeito ou decorrência dos vícios de que originalmente padece o acto exequendo não são passíveis de conhecimento na impugnação deduzida contra aqueles primeiros, porquanto os actos de execução, desde que se contenham dentro dos limites estatuitários do acto exequendo e não padeça de vícios próprios, não têm autónoma virtualidade lesiva relativamente aos actos que executam», como se salienta na decisão sumária ora em reclamação.
E, transpondo um tal entendimento para o caso dos autos, sustentou especificamente o tribunal recorrido que os actos de liquidação impugnados eram meros actos de execução da decisão da Comissão Europeia, como tais, não recorríveis por vícios imputáveis a essa decisão, que, aliás, se considerou insindicável pelos tribunais portugueses.
Por isso, não lhe era exigível conhecer, como não conheceu, do mérito da impugnação, aferindo se os artigos 2.º e 3.º da decisão da Comissão Europeia padeciam ou não dos invocados vícios de inconstitucionalidade.
Ora, não tendo o tribunal recorrido aplicado, por razões prévias de ordem processual, as disposições cuja inconstitucionalidade pretende a reclamante ver apreciada, afigura-se inútil o seu conhecimento, por não constituir fundamento normativo da decisão, pelo que não pode o recurso prosseguir para apreciação de mérito.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.