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Processo 577/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2ª Secção deste Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2011 (cfr. fls.1108 a 113), dele interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:
(…)
1.
O recurso ora interposto é movido ao abrigo da alínea b) do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional – Lei 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei 13- A/98, de 26 de Fevereiro.
2.
Em 23.12.09, a Fls. 911 dos presentes autos de revista nº 4.678/04.8TBALM.S1, não podia, nem devia exarar-se “certidão de trânsito em julgado, porque o ACÓRDÃO de 26.11.09, de Fls. 902/906 não tinha transitado em julgado em 23.12.09 e ainda hoje não transitou e, nessa medida, não podia servir de título executivo.
3.
Também não podia ser lavrado o “Termo de remessa”, com “baixa do processo a título definitivo” para o Tribunal de Comarca e de Família e Menores/4º Juízo Competência Cível de Almada – Fls. 912/13.
4.
Dessa situação irregular/nula, o recorrente tomou conhecimento em 12.5.10, verificando que lhe tinham sido omitidas notificações/formalidades essenciais e que essas preterições provocaram INDEFESA proibida constitucionalmente e violadora do princípio da legalidade.
5.
O recorrente, em consequência, alegou violação das verdadeiras regras bíblicas, isto é, dos princípios de igualdade e do contraditório, suscitando, assim, o conhecimento de questões de ilegalidade/inconstitucionalidade, o que fez de modo processualmente adequado relativamente a determinadas normas, designadamente:
- art.º 18º, nº 1 do CCJ;
- art.º 26º, nº 1 do CCJ; e
- art.º 205º, nº 1 do CPC.
6º.
Tais normas foram interpretadas com sentido ilegal e inconstitucional, como profusamente foi invocado e demonstrado ao longo dos autos.
7.
Foram violadas as normas:
dos arts. 3º, 3º-A, 201º e 704º, nº 1 do CPC; e
do art.º 20º, nº 2 da CRP.
8.
Acresce ainda que ao longo dos autos o TRIBUNAL NATURAL foi substituído por um Tribunal “AD HOC”, pois a justificação da jubilação é tardia e extemporânea, pela simples razão de que o Tribunal Natural é fixado definitivamente por sorteio.
9.
As ilegalidades/inconstitucionalidades foram suscitadas especificadamente nas seguintes peças:
- Arguição de Nulidade de 12.5.10, de Fls. 918 e ss. – Pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 12 e 14;
- Exposição – requerimento de 16.7.10, de Fls. 950 e ss – Pontos 1 e 6;
- Reclamação para a Conferência de 27.10.10. de Fls ___ PONTOS I, 4, 5 e 6; II, 7, 17, 25, 29, 30, 31, 35 e 37; Observações Finais, alínea E).
- Arguição de nulidade de 26.12.10, de Fls. 1.06 e ss – PONTOS 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20 e 26 e Pedido Final.
10.
E foram especificadamente ajuizadas nas seguintes decisões:
- no Despacho de 10.9.09, Fls. 886;
- no Despacho de 15.10.09, Fls. 889;
- no Despacho de 21.10.10, Fls _________;
- no Acórdão de 26.11.09, Fls. 902/903;
- no Acórdão de 9.12.10, Fls ________; e
- no Acórdão de 14.4.11, Fls _______.
(…)
2. Tal recurso, por decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça em 5 de Maio de 2011, não foi admitido com os seguintes fundamentos:
(…)
1. Notificado do acórdão de fls. 1108, A. veio recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro.
Resulta do correspondente requerimento de interposição de recurso que “o recorrente, em consequência” do que anteriormente expôs, ‘alegou violação das verdadeiras regras bíblicas, isto é, dos princípios da igualdade e do contraditório, suscitando, assim, o conhecimento de questões de ilegalidade/inconstitucionalidade, o que fez de modo processualmente adequado relativamente a determinadas normas, designadamente:
— art.º 18°, n° 1 do CCJ;
—art°26°, n°1 do CCJ; e
—art°205°, n°1 do CPC.
(...)
Foram violadas as normas:
a. dos arts. 3°, 3°-A, 201°e 704°, n° 1 do CPC; e
b. do art.º 20°, n° 2da CRP”.
2. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nos 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996).
É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo” (citada al. b) do n° 1 do artigo 70°), como se disse, o que significa que há-de ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n° 2 do artigo 72° da Lei n° 28/82).
Para além disso, e como o Tribunal Constitucional também já observou inúmeras vezes, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica que é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida (ver, por exemplo, o acórdão n° 463/94, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994).
Ora, no caso, nenhuma das normas cuja inconstitucionalidade o recorrente afirma ter suscitado — o que se interpreta também no sentido de corresponderem ao objecto do presente recurso — foi aplicada no acórdão de pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, o que tornaria inútil o respectivo conhecimento.
Não pode, pois, ser admitido (artigo 76° da Lei n° 28/82)
Nestes termos, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
(…)
3. Inconformado com o despacho que não admitiu o referido recurso, dele, o, ora, reclamante apresentou reclamação nos termos e com os fundamentos seguintes:
(…)
II. A DECISÃO RECLAMADA
4. No Ponto 1 da DECISÃO SINGULAR afirma-se uma realidade de ilegalidade/inconstitucionalidade, mas no Ponto 2 nega-se essa mesma factualidade num discurso redondo e contraditório.
5. Este caso é paradigmático e tem o condão de reposicionar o debate sobre a crise na justiça relativamente à crise da sua funcionalidade, que faz com que a Justiça não seja um elemento atractivo e respeitado, credível e de prestígio institucional, ao serviço do cidadão e do País.
Qualquer dia esta fatia de soberania, que ainda representa os valores da justiça para a Nação vai perder força e legitimidade.
Mas, tudo leva a crer que tudo vai ficar na mesma até à próxima “TROIKA”, porque ninguém quer tomar as medidas exactas para resolver a crise da justiça de alto a baixo, mesmo que, algumas delas, possam contrariar interesses corporativos.
6. Efectivamente, no domínio da justiça constitucional há que criar ou fazer surgir O RECURSO DE AMPARO.
Na verdade, a defesa dos direitos fundamentais contra actos jurisdicionais deve assumir estatuto autónomo, quando, depois de esgotados os recursos perante os tribunais ordinários, se admite um recurso específico de defesa dos direitos fundamentais, perante um tribunal especialmente chamado a resolver tais recursos, como acontece em alguns ordenamentos constitucionais estrangeiros – “Recurso de amparo”, “Acção constitucional de defesa”, que conferem tal função aos tribunais constitucionais.
7. Sucede que, por enquanto, a Constituição da República Portuguesa não reconhece tal direito, admitindo o acesso ao Tribunal Constitucional pelos cidadãos apenas contra decisões judiciais que indevidamente apliquem ou deixem de aplicar uma norma constitucional (artº. 280º da CRP).
III. A POSIÇÃO DO RECLAMANTE
8. No caso vertente, fez-se a devida fiscalização concreta da (i)legalidade/(in)constitucionalidade (art.º. 280º da CRP; e alínea b) do art.º. 70º da Lei do Tribunal Constitucional – Lei 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
Aliás, a DECISÃO SINGULAR prolatada em5.5.11, a Fls ______, no Ponto 1 e início da primeira parte do Ponto 2 refere expressamente essa fiscalização concreta.
No entanto, no final da primeira parte desse Ponto 1 e nas segunda, terceira, quarta e quinta parte do Ponto 2 do referido DESPACHO é negada a fiscalização concreta.
9. De facto, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade legal/constitucional das normas e respectivas interpretações indicadas no requerimento recursivo de 28.4.11, de fls. ______, e nas precedentes arguições de nulidade e reclamações, “maxime” da norma/interpretação do art.º. 26º, nº 1 conjugado com o disposto no art.º. 18º, nº 1, ambos do Código das Custas Judiciais, cujas ilegalidades/inconstitucionalidades normativas/interpretativas foram suscitadas de modo processualmente adequado durante o processo perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida – os Venerandos Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça, em termos de ambos os Tribunais estarem obrigados a delas conhecer (art.º. 72, nº 2 da Lei 28/82, que, em nosso modesto entender, tem carácter limitativo manifestamente inconstitucional, pelo arbítrio que comporta e que é susceptível de colidir com os arts. 20º e 204º da Constituição).
E também foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, que transcreveu as decisões precedentemente impugnadas/arguidas/reclamadas e as confirmou na íntegra.
10. Acresce que tais normas foram aplicadas com o suscitado/acusado sentido ilegal/inconstitucional, como ratio decidendi e de modo assaz transcrito/confirmativo e repetitivo.
11. Também o julgamento das questionadas ilegalidades/inconstitucionalidades tem efectiva repercussão na decisão recorrida, porque afasta a INDEFESA proibida constitucionalmente, conduzindo à revogação do Acórdão de 26.11.09, de Fls. 902/906, ficando, assim, demonstrado e provado que não transitou em julgado em 23.12.09 e, nessa medida, não podia nem pode servir de título executivo.
12. Consequentemente, no caso sub Júdice, a ilegalidade/inconstitucionalidade objecto deste recurso, isto é, das normas suscitadas/aplicadas, como ratio decidendi e com julgamento repercutível na decisão recorrida, deve ser conhecida pelo Venerando Tribunal Constitucional, porque o seu conhecimento mantém toda a actualidade, pertinência e utilidade.
Cfr. Ac. RP, de 5.2.2001: JTRP00029716ITIJ/Net;
Ac. STJ de 21.10.1997: BMJ, 470º-532
Donde, o recurso deve ser admitido, revogando-se a decisão singular em crise.
TERMOS em que deve ser admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional em 28.4.11, a Fls.___.
a. É competente para apreciar a reclamação o Venerando STJ, de harmonia com o preceituado no artº. 688º/3 do CPC, a incidir sobre o indeferimento.
b. Mas, compete ao Venerando Tribunal Constitucional, em Secção, o julgamento da reclamação do Despacho que indeferiu o requerimento de recurso (arts. 76º e 77º, nº 1da Lei 28/82).
Consequentemente,
Requer a V. Exas. – Exmos. Senhores Doutores Juízes CONSELHEIROS do Venerando STJ que seja alterado o Despacho reclamado, mandando admitir o recurso em causa, seguindo imediatamente o recurso para o Tribunal Constitucional, nos próprios autos, com efeito suspensivo, “ex vi” do preceituado nos arts. 69 e ss. Da Lei 28/82, incorporando-se o presente apenso no processo principal (primeira parte do nº 4 do art.º. 688º do CPC).
(…)
4. O Exmo. Representante do Ministério Público, junto deste Tribunal Constitucional, pronunciou-se no sentido do indeferimento da presente reclamação, concluindo da seguinte forma:
(…)
6.º Assim, como muito bem sustenta o despacho reclamado, nenhuma das normas cuja inconstitucionalidade o reclamante afirma ter suscitado, constitui a “ratio decidendi” do acórdão recorrido, proferido pelo STJ contrariamente ao invocado pelo reclamante, não confirmou as “decisões precedentemente impugnadas/arguidas/reclamadas”.
7.º Ora, não tendo o acórdão recorrido aplicado, ou sequer interpretado, qualquer das normas em causa, não se verificam os pressupostos do recurso de constitucionalidade.
8.º Deve, pois, ser indeferida a reclamação.
(…)
Importa, assim, apreciar e decidir a presente reclamação.
II – Fundamentação
5. Dispõe-se no artigo 76.º, n.º 2 da LTC (Lei n.º 28/82, de 15/11, com as alterações posteriormente introduzidas, designadamente pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02) que «O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal constitucional deve ser indeferido …, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, … ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem manifestamente infundados».
O, ora, reclamante pretende ver admitido, para este Tribunal Constitucional, recurso do acórdão proferido, em 14 de Abril de 2011, no Supremo Tribunal de Justiça e com fundamento na alínea b) do artigo 70.º da LTC, como claramente se colhe do teor do requerimento de recurso, oportunamente, apresentado.
Entre os requisitos específicos de admissibilidade de tal recurso, ao abrigo da citada disposição legal – artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, encontra-se a 'efectiva aplicação de norma' e que ela tenha constituído a ratio decidendi, sendo certo que as decisões judiciais em si mesmas não integram objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
No que importa ao requisito específico da ‘efectiva aplicação de norma’, como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido, exigência esta que resulta da natureza instrumental (e incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cfr. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional em Portugal, 3ª edição, Coimbra, 2007, pp. 76 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
Na verdade, neste domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, a intervenção do Tribunal Constitucional limita-se ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado de modo a que a resolução de tal questão possa, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso ser provido, o que apenas sucederá quando a norma, cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie, tenha constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
No caso concreto, é manifesto que as ‘normas’ indicadas pelo reclamante, sob os n.ºs 5 e 7 do seu requerimento de recurso ( ainda que quanto às indicadas neste último número apenas se invoque a sua violação), não foram aplicadas na decisão recorrida, pois nesta tão só se apreciou a invocada nulidade do acórdão do STJ, proferido a 9.12.2010 (cfr. fls. 1042 e 1043); na realidade, isso mesmo deixa claro a decisão recorrida, quando de forma explícita afirma que «[e]stá portanto em causa a nulidade do acórdão de fls. 1042; quanto ao mais, este Tribunal não pode já pronunciar-se, por se ter esgotado o seu poder jurisdicional (artigos 666.º, n.º 1, 726.º e 716.º do Código de Processo Civil). / No entanto, da leitura do requerimento em apreciação resulta que o requerente invoca o ‘n.º 3 do artigo 668.º do Código de Processo Civil’, mas não vem arguir nenhuma nulidade do acórdão de fls. 1042, limitando-se a expor as razões pelas quais entende que este acórdão errou ao considerar sanada a nulidade decorrente da falta de notificação. …», deixando inequívoco que a única norma aplicada foi a do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
É certo que o, ora, reclamante, pretende que na decisão recorrida se faz referência a todas as outras decisões anteriores em que as ditas normas foram, segundo alega, aplicadas; porém, como resulta da análise da decisão recorrida, a elencagem de tais decisões e seu sentido decisório está integrada no relatório preliminar da decisão recorrida, juntamente com a indicação de outros actos processuais, visando explicar o iter processual que os autos seguiram até chegar à decisão recorrida e nada mais, isto é, não integram ou constituem qualquer fundamento da decisão recorrida em si propriamente dita, antes pelo contrário.
Pode concluir-se, face ao exposto, que as normas indicadas pelo reclamante, no seu requerimento de recurso, não só não foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida como, consequentemente, não constituíram a sua ratio decidendi, o que determina, sem necessidade de averiguação de quaisquer outros pressupostos, o indeferimento da reclamação.
Dir-se-á, todavia, por mero acréscimo, que dos sucessivos requerimentos apresentados pelo reclamante, ao longo dos autos e após a prolação do despacho de fls. 970, datado de 21.10.2010, o que aquele vem questionando é a (in)correcção da aplicação do direito infraconstitucional concretizada pelas sucessivas decisões.
Todavia, não pode deixar de ter-se em atenção que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/09, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito escreve CARLOS LOPES DO REGO («O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]”.
III – Decisão
Nos termos supra expostos, decide-se indeferir a reclamação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 9 de Novembro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.