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Processo n.º 694/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, em nome próprio, na defesa colectiva dos seus associados, trabalhadores do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e também em representação, substituição e na defesa dos direitos e interesses individuais das suas associadas A., B. e C., intentou acção administrativa especial conexa com normas administrativas, pedindo a condenação dos réus Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ministério das Finanças e da Administração Pública e Presidência do Conselho de Ministros a:
a) no prazo de seis meses, suprir a omissão de regulamentação prevista nos n.ºs 2 e 3 do art. 17.º do Decreto-Lei 404-A/98, relativamente aos trabalhadores do Ministério dos Negócios Estrangeiros abrangidos pelo Decreto Regulamentar n.º 22/91;
b) que essa regulamentação produza efeitos desde a data da entrada em vigor do decreto-lei regulamentado, ou seja, 01 de Julho de 1998;
c) ao pagamento das diferenças salariais daí decorrentes e dos juros de mora respectivos, tudo a apurar em execução de sentença.
A 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 04 de Fevereiro de 2009 julgou a acção improcedente.
Inconformado, o Autor interpôs recurso jurisdicional para o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 22 de Abril de 2010, concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e ordenou a baixa do processo para prosseguimento dos autos.
A 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19 de Outubro de 2010, decidiu julgar a acção improcedente nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do CPTA e convidar as partes para em 20 dias acordarem a indemnização devida.
A Presidência do Conselho de Ministros interpôs recurso jurisdicional desta decisão para o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 14 de Abril de 2011, decidiu conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar totalmente improcedente a acção, absolvendo do pedido as entidades demandadas.
Notificado deste acórdão, o Autor apresentou reclamação, em que requereu a aclaração e a reforma do mesmo, de molde a ser expurgado das obscuridades e nulidades que lhe assacou.
O Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 16 de Junho de 2011, indeferiu a reclamação apresentada.
O Autor recorreu então para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
«O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, notificado do douto Acórdão do Pleno da 1ª Secção de 16/6/2011, por via do qual foi indeferida a reclamação que apresentou do não menos douto Acórdão do mesmo Tribunal Pleno de 14/04/2011, a fls. 450ss, vem, ao abrigo do disposto na al. b) do nº1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional – LTC (Lei nº 28/82, de 15/11, na redacção que lhe foi conferida pelas Leis nºs 143/85, de 26/11, 85/89, de 7/9, 88/95, de 1/9, e 13-A/98, de 26/2) interpor recurso para o Tribunal Constitucional, restrito às questões da inconstitucionalidade, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Dando cumprimento ao disposto no nº 1 do art. 75º-A da LTC, as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são:
a) A decorrente do nº 3 do art. 12º do ETAF aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19/2, (e, também, do nº 3 do art. 722º do CPC), que define o âmbito dos poderes de cognição do Pleno do STA, na interpretação e aplicação que lhe foi dada, em diversos momentos, pelos Acórdãos do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos presentes autos, de 14/04/2011 e de 16/06/2011.
b) A extraída da al. a) do nº 1 do art. 669º do CPC, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007, de 24/8, que define o alcance do conceito de obscuridade ou ambiguidade para efeitos de reclamação, na interpretação e aplicação que lhe foi feita, por mais de uma vez, pelo Acórdão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 16/06/2011.
c) A que se retira do art. 664º do CPC, conjugada e harmonizada com o disposto na al. b) do nº 1 do art. 668º do mesmo Código, na interpretação e aplicação que lhe foi dada pelo Acórdão do Pleno de 16/6/2011 na parte e na medida em que nele se considerou que o Tribunal não tinha o dever de convolar o pedido de aclaramento em arguição de nulidade, de conhecimento oficioso, no tocante à afirmação do Acórdão reclamado, a que o Recorrente imputou obscuridade, que começa com a seguinte proposição: “não há a mínima dúvida de que ela (a Subsecção) ignorava quais os «grupos de pessoal» cujas carreiras e categorias lhes corresponderiam no «regime geral» (...)“;
d) A que se extrai do nº 3 do art. 3º do CPC – princípio de contraditório – conjugado com o nº 3 do art. 685º-A do CPC, na parte e na medida em que nos Acórdãos do Pleno de 14/04/2011 e de 16/06/2011 se entendeu, implicitamente, não se mostrar necessário dar oportunidade ao Recorrido, aqui Recorrente, para se pronunciar sobre o resultado do «labor exegético» que conduziu ao pretenso «genuíno significado» da segunda conclusão do recurso da então Recorrente (PCM), aqui Recorrida, quando essa conclusão tem manifestamente, atento o seu texto, um significado diferente daquele que lhe foi atribuído no referido «labor exegético»;
e) A que se retira do nº 1 do art. 201º em conjugação com a parte final da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC – excesso de pronúncia – na parte e na medida em que o Acórdão do Pleno de 16/06/2011 se considerou não existir no Acórdão reclamado nulidade por excesso de pronúncia, invocada nas conclusões 14ª e 18ª da reclamação do ora Recorrente.
2. Dando cumprimento ao disposto no nº 2 do art. 75º-A da LTC, indica-se o seguinte:
a) A norma que se retira do nº 3 do art. 12º do ETAF/2002 (bem como do nº 3 do art. 722º do CPC) na interpretação que lhe foi implicitamente conferida pelos Acórdãos do Pleno de 14/04/2011 e 16/06/2011 colide com os princípios constitucionais da protecção da confiança ou da tutela de confiança (ínsito no princípio do Estado de direito democrático plasmado no art.º 2º da CRP) e do processo equitativo e da igualdade das partes ou igualdade de armas (consagrado constitucionalmente como corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva no art. 20º da Constituição).
b) O Recorrente suscitou esta questão de inconstitucionalidade nos artigos 50º a 59º e nas conclusões 31ª a 36ª da Reclamação que apresentou do Acórdão do Pleno de 14/04/2011.
c) A inconstitucionalidade invocada na al. b) do número anterior, ou seja, da al. a) do nº 1 do artº 669º do CPC quando se entenda – como foi feito no acórdão do pleno do STA de 16/06/2011 – que o conceito de obscuridade não abarca a falta de fundamentos de uma decisão do Tribunal, porquanto, em tal interpretação e aplicação, colide materialmente com o disposto no nº 1 do art. 205º da Constituição e, também, com o princípio da proibição da indefesa que se extrai do nº 1 do art. 20º da mesma Lei Fundamental.
d) O Recorrente não teve a oportunidade de invocar esta inconstitucionalidade nas suas anteriores peças processuais porquanto foi completamente surpreendido com esta interpretação no Acórdão do Pleno, de 16/06/2011, que apreciou e decidiu a sua reclamação, não podendo razoavelmente contar com esta decisão que viola lei expressa.
e) A inconstitucionalidade invocada na alínea c) do número anterior, isto é, da norma que se extrai da conjugação do disposto no art. 664º com a al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC na interpretação e aplicação que dela foi feita no Acórdão do Pleno de 16/06/2011 segundo a qual do Tribunal não tinha o dever de convolar o pedido de aclaramento do Acórdão reclamado em arguição de nulidade, de conhecimento oficioso, contende com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, na sua vertente antiformalista e pro actione, plasmado no art. 20º da Constituição e concretizado nos art.ºs 2º e 7º do CPTA.
f) O Recorrente não teve oportunidade de invocar esta inconstitucionalidade em anteriores peças processuais pois não podia razoavelmente contar com tal decisão do Tribunal que, assim, constitui uma manifesta decisão-surpresa, visto que violadora de normas processuais positivadas.
g) A inconstitucionalidade invocada na alínea d) do número anterior, ou seja, da norma que foi extraída pelo Pleno do STA nos seus Acórdãos de 14/04/2011 e 16/06/2011 do disposto nos nº 3 do art. 3º e nº 3 do art. 685º-A do CPC, segundo a qual implicitamente considerou não se mostrar necessário o Tribunal notificar as partes para se pronunciarem sobre o resultado do «labor exegético» ali referido viola materialmente o princípio do contraditório garantido pelo art. 20º, nºs 1 e 4, da Constituição.
h) Interpretação e decisão que foram também absolutamente surpreendentes para o Recorrente.
i) A inconstitucionalidade alegada na alínea e) do número anterior, concretamente a da norma resultante da conjugação do nº 1 do art. 201º e parte final da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC, na interpretação e aplicação do Acórdão do Pleno de 16/06/2011, segundo a qual no Acórdão reclamando não existiu excesso de pronúncia ao modificar a interpretação da Subsecção e contrariar os factos que esta considerou assentes, colide frontalmente com o princípio da protecção da confiança, que se extrai, como já referido, do art. 2º da Lei Fundamental, e com o princípio do processo equitativo com assento no também já referido art. 20º da CRP.
j) Também aqui o Recorrente não poderia minimamente contar com tal interpretação e aplicação dos normativos citados, pelo que, existindo normas processuais expressas sobre os limites de cognição do Tribunal Pleno e sobre o que consiste em excesso de pronúncia, a decisão em causa constitui também uma inequívoca decisão-supresa.
3. Termos em que, por tempestivo, deve o presente recurso para o Tribunal Constitucional, restrito às questões da inconstitucionalidade, ser admitido e feito subir, o que se requer.»
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro acto de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional pelo recorrente.
Vejamos agora as questões suscitadas pelo Recorrente, tendo em atenção os aludidos requisitos.
a) A questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 3, do artigo 12.º, do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19/2, e do n.º 3, do artigo 722.º, do CPC
O Recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade da “norma que se retira do nº 3 do art. 12º do ETAF/2002 (bem como do nº 3 do art. 722º do CPC) na interpretação que lhe foi implicitamente conferida pelos Acórdãos do Pleno de 14/04/2011 e 16/06/2011 colide com os princípios constitucionais da protecção da confiança ou da tutela de confiança (ínsito no princípio do Estado de direito democrático plasmado no art.º 2º da CRP) e do processo equitativo e da igualdade das partes ou igualdade de armas (consagrado constitucionalmente como corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva no art. 20º da Constituição)”.
Conforme se alcança do requerimento de interposição de recurso, o recorrente não pretende sindicar a constitucionalidade das normas dos artigos 12.º, n.º 3, do ETAF, e 722.º, n.º 2, do CPC, em si mesmas, mas sim na interpretação “que lhe foi implicitamente conferida pelos Acórdãos do Pleno de 14/04/2011 e de 16/06/2011”. O recorrente refere ainda que suscitou a questão de inconstitucionalidade nos artigos 50.º a 59.º e nas conclusões 31.ª a 36.ª da Reclamação que apresentou do Acórdão do Pleno de 14/04/2011, mas não identifica qual a interpretação normativa que pretende sindicar.
Tal insuficiência poderia ser remediada através de um convite ao aperfeiçoamento. Contudo, no caso dos autos, da leitura das conclusões 31.ª a 36.ª da “Reclamação” que o recorrente apresentou do Acórdão do Pleno de 14/04/2011, tal como sucede nos artigos 50.º a 59.º, das alegações, constata-se que também aí não é possível identificar qual a interpretação normativa cuja constitucionalidade é questionada.
Com efeito, nessas conclusões, o recorrente alegou o seguinte:
[…]
31ª - o Acórdão reclamado qualifica como matéria de direito o juízo que a Subsecção fez acerca de preenchimento do conceito indeterminado «desenvolvimento indiciário mais ou menos igual», quando também constitui jurisprudência constante e pacífica desse Tribunal Pleno que a integração de conceitos indeterminados feita através da aplicação das regras da vida e da experiência comum, sem necessidade de interpretar qualquer norma legal nem fazer apelo à sensibilidade jurídica do julgador, mas apenas mediante a valoração dos factos assentes e da extracção de presunções naturais de acordo com aquelas regras, constitui matéria de facto. Assim,
32ª - O Acórdão reclamado conheceu, também nesta parte, de matéria de facto, o que estava fora do seu âmbito de cognição, excedendo assim os seus poderes de pronúncia, gerando igualmente a nulidade prevista na parte final da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Por outro lado e finalmente,
33ª - O Reclamante foi completamente surpreendido com esta inesperada actividade cognitiva do Tribunal Pleno, mormente ao conhecer, dar acolhimento, pronunciar-se e proferir decisão com base na alegação constante da segunda conclusão do recurso da PCM. Pois,
34ª - O que era lícito – e no que o Reclamante confiou – era que o Tribunal, seguindo a sua própria jurisprudência e o disposto no art. 12º, nº 3 do ETAF e no art. 722º, nº 3 do CPC, recusasse tomar conhecimento do alegado erro da Subsecção de fixar matéria de facto sem que o autor fizesse a prova da mesma.
35ª - Não o tendo feito e, pelo contrário, tendo interpretado a segunda conclusão do recurso da PCM muito para além e sem um mínimo apoio na letra da mesma – no fundo, corrigindo-a e alterando-a – o douto Acórdão reclamado veio fazer uma interpretação e aplicação da norma legal que define o seu âmbito de cognição (art. 12º, n.º 3 do ETAF) que contende materialmente com os princípios constitucionais da protecção da confiança ou da tutela da confiança (ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático plasmado no art. 2º da Constituição) e do processo equitativo ou da igualdade das partes ou da igualdade de armas (consagrado constitucionalmente como corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva no art. 20º da CRP). Visto que,
36ª - Em tal interpretação, a referida norma, ao permitir tamanha e tão excessiva flexibilidade nos poderes de cognição do Tribunal Pleno, põe em crise a confiança depositada pelos cidadãos no modo como os Tribunais podem aplicar a lei e com isso abala e contende com os princípios da certeza e segurança jurídicas, basilares do Estado de Direito. […]
Face ao exposto, importa apreciar se o Recorrente suscitou validamente uma questão de constitucionalidade normativa.
Como é sabido, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica, no plano formal, que o recorrente tenha cumprido o ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objecto do recurso, envolvendo ainda uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a “norma” que pretende submeter à apreciação do tribunal, indicando e deixando claro qual o preceito ou preceitos cuja legitimidade constitucional se pretende questionar.
Acresce que, no caso de pretender questionar apenas certa interpretação de uma dada norma, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou “arco normativo” que tem por violador da Constituição, enunciando cabalmente e com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.
Neste sentido, escreveu-se no acórdão n.º 269/94 (acessível na Internet em www.tribunalconstitucional.pt):
“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.”
No caso dos autos, constata-se que o Recorrente não questionou a conformidade constitucional de determinada norma ou dimensão normativa, ou seja, não pretendeu verdadeiramente questionar um critério normativo de decisão, mas sim a concreta e casuística valoração das circunstâncias próprias e específicas do caso concreto, em grande medida indissociáveis deste, e que foram tidas em conta na decisão recorrida por forma a alcançar um juízo decisório.
Ou seja, o que o Recorrente realmente demonstrou pretender perante o tribunal recorrido foi discutir uma alegada inconstitucionalidade directamente imputada à decisão judicial em si mesma – o que, conforme se disse, não é admissível no nosso ordenamento jurídico-constitucional que não consagra a figura do “recurso de amparo” ou da acção constitucional para defesa de direitos fundamentais – e não a aplicação de um critério jurídico, genérica e abstractamente concebido, que seria passível de controlo jurídico-constitucional.
Ora, o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe que o Recorrente tenha suscitado, em termos oportunos e adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa, não podendo ter-se limitado a invocar que certa decisão jurisdicional ou determinada solução jurídica, envolveram a violação de preceitos ou princípios da Constituição.
Não o tendo feito não se pode considerar que o Recorrente tenha cumprido o ónus de suscitação perante o tribunal recorrido de qualquer critério normativo que agora possa recolocar perante o Tribunal Constitucional, pelo que revela-se inútil qualquer explicitação neste momento da interpretação normativa cuja constitucionalidade o Recorrente pretende ver fiscalizada.
Assim, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
b) A questão da inconstitucionalidade da interpretação da norma extraída da al. a), do n.º 1, do artigo 669º do CPC, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/8.
O recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC, quando interpretada no sentido de que “o conceito de obscuridade não abarca a falta de fundamentos de uma decisão do Tribunal”, sustentando que tal interpretação colide materialmente com o disposto no n.º 1 do art. 205.º da Constituição e, também, com o princípio da proibição da indefesa, que se extrai do n.º 1 do art. 20.º da mesma Lei Fundamental.
Porém, fazendo-se uma leitura atenta da decisão recorrida, constata-se que a interpretação normativa enunciada pelo Recorrente não foi a adoptada pelo tribunal a quo e, consequentemente, não chegou a ser efectivamente aplicada como fundamento da decisão recorrida (ratio decidendi).
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever a decisão recorrida, na parte que ora releva:
“Mas o reclamante não tem razão. As afirmações que ele considera «obscuras», são, em si mesmas, claras; motivo por que ele reporta a pretensa obscuridade delas a uma falta da sua fundamentação. Ora, a ausência de fundamentos de um qualquer dito pode retirar-lhe aptidão para convencer – precisamente porque não indica aquilo que o funda e o tornaria irrecusável; mas essa ausência não acarreta, «ea ipsa», a obscuridade do que se afirmou.
Portanto, a denúncia do reclamante confunde dois planos – o da inteligibilidade de um texto e o da sua verdade ou credibilidade. No fundo, constata-se que o reclamante acha que as sobreditas afirmações estão erradas; mas esse hipotético erro não é motivo de aclaração, nos termos do art. 669.º do CPC.”
Ou seja, em rigor, a decisão recorrida não afirma que “o conceito de obscuridade não abarca a falta de fundamentos de uma decisão do Tribunal”, mas sim que a ausência de fundamentos de uma afirmação (“dito”) não acarreta a obscuridade do que se afirmou. Conclui, por isso, que sendo as afirmações em questão claras e inteligíveis, o facto de não estarem fundamentadas não é motivo de aclaração.
Ora, constatando-se que a decisão recorrida não se apoiou no critério normativo apontado pela Recorrente, forçoso é concluir que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicar não integrou a ratio decidendi de tal decisão.
Não se mostrando satisfeito este requisito essencial do recurso de constitucionalidade sob apreciação, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do mesmo nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.°-A, n.º 1, da LTC.
c) A questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 664.º, do CPC, conjugado com o disposto na al. b), do n.º 1, do artigo 668.º, do mesmo Código
O Recorrente pretende que seja declarada a inconstitucionalidade “da norma que se extrai da conjugação do disposto no art. 664º com a al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC na interpretação e aplicação que dela foi feita no Acórdão do Pleno de 16/06/2011 segundo a qual o Tribunal não tinha o dever de convolar o pedido de aclaramento do Acórdão reclamado em arguição de nulidade, de conhecimento oficioso, contende com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, na sua vertente antiformalista e pro actione, plasmado no art. 20º da Constituição e concretizado nos art.ºs 2º e 7º do CPTA.”
Conforme se depreende do alegado pelo Recorrente, este sustenta que o tribunal recorrido, ao ter entendido que não existia obscuridade da decisão, mas falta de fundamentos da mesma, deveria ter convolado o pedido de aclaração em arguição de nulidade e, oficiosamente, conhecer da nulidade decorrente da falta de fundamentos da decisão.
Segundo o Recorrente, o facto de não ter conhecido desta nulidade significa que o tribunal recorrido aplicou, de forma implícita, o disposto no art. 664º, em conjugação com a al. b) do n.º 1 do art. 668º, ambos do CPC, na interpretação acima enunciada.
O Tribunal Constitucional tem entendido que a aplicação da norma cuja constitucionalidade se suscitou tanto pode ser expressa como implícita, não sendo indispensável que o julgador haja explicitamente fundamentado de direito a decisão que tomou através da invocação dos preceitos legais especificados pelo recorrente como estando feridos de inconstitucionalidade.
Contudo, tal situação ocorrerá nos casos em que o recorrente tenha suscitado previamente a inconstitucionalidade de determinada norma ou interpretação normativa. Nessa hipótese, mesmo que a decisão recorrida não faça a expressa menção, como fundamento jurídico do decidido, dos preceitos legais cuja constitucionalidade vinha questionada pelo recorrente, haverá aplicação implícita quando seja possível concluir que a solução de direito ínsita na decisão do pleito não possa, de um ponto de vista lógico-jurídico, ter deixado de passar pela consideração das normas ou sentidos normativos indicados pelo recorrente como padecendo da alegada inconstitucionalidade.
No caso concreto, a decisão recorrida não faz qualquer referência expressa às normas em causa, na interpretação normativa que o recorrente reputa de inconstitucional. Contudo, tal omissão não significa que nessa decisão se tenha aplicado as referidas normas de forma implícita, uma vez que a inconstitucionalidade não havia sido suscitada previamente.
Assim, se entendia que o tribunal a quo deveria ter convolado o pedido de aclaração em arguição de nulidade e, oficiosamente, conhecido da nulidade decorrente da falta de fundamentos da decisão, o recorrente, antes de recorrer para o Tribunal Constitucional, deveria ter arguido a nulidade de tal decisão, por omissão de pronúncia, invocando a inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido e, só depois, face à decisão que viesse a ser proferida, interpor recurso, caso tais normas fossem efectivamente aplicadas, expressa ou implicitamente.
Assim, não se podendo concluir que a interpretação normativa sindicada foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida, e não se mostrando satisfeito o aludido requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade, deve ser proferida, também quanto a esta questão, decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º-A, nº 1, da LTC.
d) A questão da inconstitucionalidade da norma que se extrai do n.º 3, do artigo 3.º do CPC, conjugado com o n.º 3 do artigo 685º-A do CPC.
O recorrente suscitou a inconstitucionalidade destas normas “na parte e na medida em que nos Acórdãos do Pleno de 14/04/2011 e de 16/06/2011 se entendeu, implicitamente, não se mostrar necessário dar oportunidade ao Recorrido, aqui Recorrente, para se pronunciar sobre o resultado do «labor exegético» que conduziu ao pretenso «genuíno significado» da segunda conclusão do recurso da então Recorrente (PCM), aqui Recorrida, quando essa conclusão tem manifestamente, atento o seu texto, um significado diferente daquele que lhe foi atribuído no referido «labor exegético»;”
Conforme acima referido, o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente tenha colocado uma questão de inconstitucionalidade normativa, não podendo ter-se limitado a invocar que certa decisão jurisdicional ou determinada solução jurídica, envolveram a violação de preceitos ou princípios da Constituição.
Ora, também no que respeita a esta questão, o recurso interposto pelo recorrente não incide sobre o critério ou padrão normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, pretendendo antes sindicar o acto de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto.
Por isso, também quanto a esta questão, o Tribunal Constitucional não tem competência para conhecer do recurso, na medida em que a questão suscitada tem como objecto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa, como acima já se explicou.
Assim, também quanto a esta questão, deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
e) A inconstitucionalidade da norma que se retira do n.º 1 do artigo 201º, em conjugação com a parte final da al. d), do nº 1, do artigo 668.º do CPC.
O recorrente invocou a inconstitucionalidade destas normas, “na interpretação e aplicação do Acórdão do Pleno de 16/06/2011, segundo a qual no Acórdão reclamando não existiu excesso de pronúncia ao modificar a interpretação da Subsecção e contrariar os factos que esta considerou assentes”, por violação do princípio da protecção da confiança, que se extrai do artigo 2.º da Lei Fundamental, e com o princípio do processo equitativo, com assento no artigo 20.º da CRP.
A exemplo do que acontece com a questão precedente, também quanto a esta questão o Tribunal Constitucional não tem competência para conhecer do recurso, na medida em que a inconstitucionalidade suscitada tem como objecto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa, como acima já se explicou.
Assim, relativamente a esta questão, também deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, com os seguintes argumentos:
“Na Decisão Sumária aqui reclamada decidiu-se não conhecer nenhuma das cinco questões que constituem fundamentos do recurso, pelas razões que a seguir se sintetizam:
1. Quanto à questão identificada sob a al. a), por o recorrente não ter “cumprido o ónus de suscitação perante o tribunal recorrido de qualquer critério normativo que agora possa recolocar perante o Tribunal Constitucional” – cfr. pág. 10 da Decisão.
2. No respeitante à questão identificada sob a al. b), por a decisão recorrida não se ter apoiado no critério normativo apontado pelo Recorrente, pelo que “forçoso é concluir que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicar não integrou a ratio decidendi de tal decisão” – cfr. pág. 12.
3. No que se refere à questão identificada sob a al. c), porque “não se podendo concluir que a interpretação normativa sindicada foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida” e por não se mostrar satisfeito o “requisito da suscita ção prévia de constitucionalidade” – cfr. pág. 13.
4. No que tange à questão identificada sob a al. d), porque “o recurso interposto pelo recorrente não incide sobre o critério ou padrão normativo da decisão”, tendo “como objecto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa” – cfr. pág. 14.
5. No tocante à questão identificada sob a alínea e), porque “também quanto a esta questão o Tribunal Constitucional não tem competência para conhecer do recurso, na medida em que a inconstitucionalidade suscitada tem como objecto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa” – cfr. pág. 15.
Acresce que,
Quando aprecia a questão que identificou sob a al. a), na Decisão Sumária reclamada é dito que “tal insuficiência poderia ser remediada através de um convite ao aperfeiçoamento, contudo, no caso dos autos, da leitura das conclusões 31º a 36º da «Reclamação» que o recorrente apresentou do Acórdão do Pleno de 14/04/2011, tal como sucede nos artigos 50º a 59º das alegações, constata-se que também aí não é possível identificar qual a interpretação normativa cuja constitucionalidade é questionada” – cfr. págs. 7 e 8.
Porém,
O Recorrente não se pode conformar com tal Decisão Sumária porquanto, salvo o devido respeito, entende que a mesma peca por erro de julgamento.
Na verdade,
I– Quanto à 1ª questão
Das conclusões 31º e 39º da reclamação citada a págs. 8 e 9 da douta Decisão sumária, retira-se que o Recorrente pretendeu impugnar o critério normativo ou dimensão normativa do disposto no nº 3 do art. 12º do ETAF (e no nº 3 do art. 722º do CPC) na parte e na medida em que o Pleno do STA fez a sua aplicação, como ratio decidendi, ao caso concreto em diversos momentos e questões que apreciou. Ou seja,
Permitindo-se:
a) Modificar o entendimento que a Subsecção fixou sobre o conteúdo da vontade das partes (conclusão 15ª)
b) Tomar conhecimento de alegado erro da subsecção na fixação da matéria de facto ao interpretar correctivamente uma conclusão do recurso da PCM (conclusões 19ª a 28ª);
c) Qualificar como matéria de direito o juízo que a Subsecção fez acerca do conceito indeterminado «desenvolvimento indiciário mais ou menos igual» (conclusão 19ª).
Assim, de tais conclusões, bem como das conclusões 31ª a 36ª, retira-se, sem dificuldades de maior, que a dimensão normativa de tais dispositivos legais que o Recorrente arguiu de inconstitucionalidade foi a que se pode expressar em proposição antagónica à contida no nº 3 do art. 12º do ETAF, segundo a qual é permitido ao Pleno de cada Secção do STA funcionando como tribunal de revista modificar o entendimento que o tribunal recorrido fixou sobre o conteúdo da vontade das partes, tomar conhecimento de alegado erro na fixação da matéria de facto que foi feita no tribunal recorrido, criticando e afastando factos materiais por este fixados, e, ao arrepio da jurisprudência constante e pacífica desse Tribunal Pleno, considerar como matéria de direito “a integração de conceitos indeterminados feita através da aplicação das regras de vida e da experiência comum, sem necessidade de interpretar qualquer norma legal nem fazer apelo à sensibilidade jurídica do julgador” (conclusões 31º, 32º e 33º).
Por outro lado,
Embora difusamente invocado nas pertinentes alegações e conclusões da citada Reclamação, pode-se ainda retirar das mesmas estar em causa uma outra dimensão normativa, extraída dos mesmos dispositivos legais; segundo a qual ao tribunal de revista é permitido interpretar uma alegação de um recorrente e, sem apoio na letra desta, reformulá-la por modo a considerá-la como questão de direito ainda que nela só conste expressamente suscitado pedido de apreciação sobre matéria de facto (conclusão 35ª).
O que tudo, embora imperfeitamente expresso – reconhece-se –, se encontra sintetizado na 36ª conclusão da dita reclamação. Assim,
Salvo o merecido respeito, contrariamente ao defendido na douta Decisão Sumária reclamada, quer no Pleno do STA quer no Tribunal Constitucional, caso se considerasse ocorrer insuficiência na alegação de inconstitucionalidade, cabia convidar o Reclamante/Recorrente a aperfeiçoar a sua peça processual, tal como é imposto pelo princípio pro actione e antiformalista, concretizado no artigo 7º do CPTA – mas que também se extrai do n.º 3 do art.º 685º-A do CPC – como corolário do direito de acesso à justiça e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).
Tanto mais que no acórdão do Pleno do STA, de 16/6/2011, se conheceu da questão de inconstitucionalidade suscitada, embora apenas para lhe negar relevância, sendo certo que no mesmo Acórdão existem declarações de voto em sentido contrário, as quais aqui se aproveitam e, por economia processual, se dão inteiramente por reproduzidas.
Nesta conformidade, verifica-se ocorrer erro de julgamento na douta decisão vestibular reclamada quer quando se considerou não haver lugar a convite para aperfeiçoamento quer quando se considerou que o Recorrente não cumpriu o ónus de suscitação perante o tribunal recorrido de qualquer critério normativo que agora possa recolocar perante o Tribunal Constitucional.
No que, assim, tal Decisão Sumária, por ilegal, não se poderá manter.
II – Quanto à 2ª questão
Sempre salvo o merecido respeito, a douta Decisão Sumária reclamada mostra-se eivada de erro quando nela se considera que, no tocante à questão que identificada na al. b), a decisão recorrida não se apoiou no critério normativo apontado pelo recorrente por não ter integrado a sua ratio decidendi.
Na verdade,
A al. a) do nº 1 do art. 669º do CPC diz que qualquer das partes pode requerer ao tribunal que proferiu a sentença “o esclarecimento de alguma obscuridade ou antiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”.
Por seu turno, o nº 1 do art. 205º da Constituição determina que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como afirmam os Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, o preceito constitucional constante do artigo 205º, “é aplicável a todas as decisões dos órgãos que, de acordo com a
Constituição, mereçam a qualificação de tribunais” (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo III, pág. 69, anotação ao art.º 205º)
A propósito do dever de fundamentação, escrevem os mesmos autores:
“(...) quanto à fundamentação em matéria de facto, maxime da sentença final (...), pode dizer-se que a exigência constitucional de fundamentação racionaliza o princípio, vigente no direito processual português, da livre apreciação da prova, excluindo o carácter voluntarístico ou subjectivo da sentença. Com efeito, apesar de julgar a matéria de facto de acordo com a sua consciência, o juiz deve explicitar objectivamente, através de critérios baseados na experiência comum, em juízos de probabilidade, por que razão formou a sua convicção num sentido e não noutro (...).
Noutro plano, a fundamentação das decisões dos tribunais constitui condição indispensável do exercício esclarecido do direito de recurso. Com efeito, o exercício do direito ao recurso pressupõe que o destinatário da decisão possa atacar os seus fundamentos de facto e de direito, o que implica, logicamente, a tomada do seu conhecimento” (idem, pág. 71)
No sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2007, processo n.º 07B2028, pode ler-se:
“4. O princípio da livre apreciação da prova não contende com o dever de fundamentação das decisões judiciais, aliás judicialmente imposto (artigo 205º da Constituição)” - disponível em www.dgsi.pt).
Por seu turno, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 27/2007, Processo n.º 784/05, 17 de Janeiro de 2007, in www.tribunalconstitucional.pt, diz:
“Deste dever de fundamentação das decisões judiciais decorre que, nas decisões sobre matéria de facto, é obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A imposição constitucional referida só fica satisfeita com a explicitação das razões dessa decisão, feita pelo seu próprio autor, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou impugná-la de forma consciente e eficiente. O exame crítico das provas credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar «o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão», como foi sublinhado já na Conferência Parlamentar sobre a Revisão do Código de Processo Penal, em 7 de Maio de 1998 (cfr. intervenções de Luís Nunes de Almeida, Germano Marques da Silva e Eduardo Maia Costa, entre outros, em Código de Processo Penal – Processo Legislativo, vol. 2, tomo 2, ed. da Assembleia da República, 1999, págs. 68, 85, 86, 90 e 95 e segs.).
Ocupando essa garantia de fundamentação das decisões judiciais um lugar central no sistema de valores nos quais se deve inspirar a administração da justiça no Estado democrático moderno (cfr. Michele Taruffo, “Notte suila Garanzia Costitutionale deila Motivazione”, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, vol. 55, 1979, págs. 29 e segs.). Ela deve ser susceptível, como se escreveu já em Acórdão deste Tribunal, “de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida” (cfr. o Acórdão n.º 680/98, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Março de 1999).
A respeito da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, pode ler-se também no Acórdão n.º 6 1/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«[…]
Foi a primeira revisão constitucional (1982) que, com a inserção do novo n.º 1 do então artigo 210.º da CRP, veio proclamar que “As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”, formulação que, sem alteração de redacção, transitou, com a segunda revisão constitucional (1989) para o n.º 2 do artigo 208.º. A remissão para a lei, não apenas da modulação dos termos, mas também da definição dos casos em que a fundamentação das decisões dos tribunais era devida (muito embora sempre se entendesse que “a discricionariedade legislativa nesta matéria não [era total], visto o dever de fundamentação [ser] uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cfr. art. 2.º), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso”), representando “a falta de consagração constitucional de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais”, surgia como “pouco congruente com o princípio do Estado de direito”, para além de não se compreender que “a garantia de fundamentação seja constitucionalmente menos exigente quanto às decisões judiciais do que quanto aos actos administrativos (artigo 268.º, n.º 3)” (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pp. 798-799) – preceito este último que impunha a “fundamentação expressa” dos “actos administrativos (...) quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
Foi a revisão constitucional de 1997 que deu à norma em causa a sua localização (artigo 205.º, n.º 1) e formulação (“As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”) actuais. Estabeleceu-se, assim, com dignidade constitucional, a regra geral do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, com a única excepção das de mero expediente, remetendo-se para a lei ordinária a definição, já não dos casos em que a fundamentação é devida, mas tão-só da forma de que se pode revestir.
O alcance desta alteração foi salientado por este Tribunal, no Acórdão n.º 680/98, nos seguintes termos:
“7. Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que «as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei». A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.”
Também o Acórdão n.º 147/2000 salientou que a “actual redacção do artigo 205.º, n.º 1, imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde a Constituição remetia para a lei os «casos» em que a fundamentação era exigível, passou a concretizar-se que ela se impõe em todas as decisões «que não sejam de mero expediente», mantendo-se apenas a remissão para a lei quanto à «forma» que ela deve revestir”, acrescentando:
“Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controle mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas.
De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à actuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a «forma» em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido útil daquele mandado (cfr. Acórdão nº 59/97, in Diário da República, II Série, n.º 65, de 18 de Março de 1997) – qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
[…]
Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judiciais naquele domínio.”
A exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais tem uma função não apenas endoprocessual, mas também dirigida ao exterior do processo: ela visa explicitar a ponderação que integrou o juízo decisório e permitir às partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de fundamentação possibilita também, mediatamente, o exercício do direito ao recurso que possa caber no caso). Mas a exigência de fundamentação visa também possibilitar o próprio conhecimento pela comunidade das razões que levaram a uma determinada decisão, e, pela via da exigência de lógica ou racionalidade da fundamentação (contida na exigência de fundamentação), contribui também para a própria legitimação da actividade decisória dos Tribunais”.
A decisão recorrida, “na parte que ora releva”, não é apenas a transcrita na página 11 da
Decisão Sumária reclamada, mas também a que se pronunciou sobre as conclusões 11ª a 13ª da reclamação apresentada perante o tribunal recorrido.
Pela simples leitura da primeira daquelas decisões se verifica que o tribunal recorrido, dizendo que “As afirmações que ele considera obscura, são, em si mesmas, claras; motivo por que ele reporta a pretensa obscuridade delas a uma falta da sua fundamentação”, conclui: “Ora, a ausência de fundamentos de um qualquer dito pode retirar-lhe aptidão para convencer – precisamente porque não indica aquilo que o funda e o tornaria irrecusável; mas essa ausência não acarreta, «ea ipsa», a obscuridade do que se afirmou” – sublinhado nosso. Porém,
Importa ter presente:
a) O que, a este propósito foi escrito no voto de vencido do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa que, com a devida vénia, se aproveita e transcreve:
“1 – A meu ver o Reclamante tem razão quanto à existência de obscuridade, relativamente à 1ª questão colocada na sua reclamação.
No presente acórdão, sobre a 1.ª questão colocada pelo Reclamante, que é a da fundamentação das afirmações de que «não há a mínima dúvida de que ela ignorava quais os “grupos de pessoal” cujas carreiras e categorias lhes corresponderiam no “regime geral”; e, “a fortiori”, a Subsecção ignorava qual o “desenvolvimento indiciário” destas últimas carreiras e categorias», diz-se o seguinte:
As afirmações que ele considera «obscuras», são, em si mesmas, claras; motivo por que ele reporta a pretensa obscuridade delas a uma falta da sua fundamentação. Ora, a ausência de fundamentos de um qualquer dito pode retirar-lhe aptidão para convencer – precisamente porque não indica aquilo que o funda e o tornaria irrecusável; mas essa ausência não acarreta, «ea ipsa», a obscuridade do que se afirmou.
Portanto, a denúncia do reclamante confunde dois planos – o da inteligibilidade de um texto e o da sua verdade ou credibilidade. No fundo, constata-se que o reclamante acha que as sobreditas afirmações estão erradas; mas esse hipotético erro não é motivo de aclaração, nos termos do art. 669º do CPC. Improcede, pois, o primeiro pedido de esclarecimento.
A meu ver, este entendimento é errado e contraria mesmo norma expressa após as alterações introduzidas ao art. 669.º do CPC naquele artigo pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Actualmente, resulta do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do art. 669.º do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ao permitir «o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos», que a obscuridade de uma decisão judicial relevante para efeitos de aclaração pode afectar quer a própria decisão quer a sua fundamentação.
Assim, quando uma decisão judicial carece em absoluto de fundamentação, será nula, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (como vem sendo jurisprudência pacífica, só a falta absoluta de fundamentação constitui nulidade); quando a decisão judicial tem alguma fundamentação (como é o caso), mas ela é obscura, não se percebendo as razões porque se decidiu como se decidiu, há dever de aclaração, nos termos daquela alínea a) do n.º 1 do art. 669.º.
Ao contrário do que se defende no presente acórdão, não basta, para afastar o dever de aclarar, que as afirmações sejam «em si mesmas, claras» ou que não haja «obscuridade do que se afirmou»: só não existirá tal dever se as razões por que se fazem essas afirmações também sejam claras.
Aliás, é este o único entendimento que se compatibiliza com o dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, que não se confunde com a mera emissão de afirmações infundamentadas ou infundamentáveis.
No caso, o Reclamante não se limita a defender que essas afirmações são erradas: não sabe é quais as razões por que essas afirmações são feitas e tem o direito constitucionalmente reconhecido a sabê-las.
Aliás, compreende-se perfeitamente a curiosidade do Reclamante sobre as razões pelas quais se entendeu que «não há a mínima dúvida» de que a Secção ignorava quais os “grupos de pessoal» cujas carreiras e categorias lhes corresponderiam no “regime geral”; e, “a fortiori”, e qual o “desenvolvimento indiciário” destas últimas carreiras e categorias, numa situação em que a Secção obteve com facilidade o conhecimento que o Pleno maioritariamente, considerou impossível de obter, através do percurso pormenorizadamente explicado no voto de vencido proferido pelo Excelentíssimo Senhor Cons. António São Pedro.
Por isso, é errado o entendimento manifestado no presente acórdão de que não há dever de aclaração.
De resto, o dever que o Tribunal têm de, na condução e intervenção no processo, cooperar com as partes, concorrendo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sempre imporia que, se se entendesse que se está perante uma falta absoluta de fundamentação de tal afirmação, geradora de nulidade e não de dever de aclaração (como sugere a afirmação de que «ele (o Reclamante) reporta a pretensa obscuridade delas a uma falta da sua fundamentação»), a arguição do vício que consubstancia o pedido de aclaração em causa, sempre imporia que o Tribunal apreciasse e declarasse a respectiva nulidade, convolando o pedido de aclaração em arguição de nulidade, o que é viável à face da regra do art. 664.º do CPC.
A tese adoptada, a ser a de que não há dever de aclaração por que o que há é falta de fundamentação, carece de razoabilidade, por se reconduzir a que o Reclamante não tenha um direito processual menor (o direito a aclaração, densificadora da fundamentação) por se estar perante uma situação em que tem direito maior (indicação da fundamentação completamente omitida).
2 – Tem razão ainda o Reclamante quanto ao erro do acórdão reclamado ao afirmar que «não há a mínima dúvida de que ela (a Secção) ignorava quais os “grupos de pessoal” cujas carreiras e categorias lhes corresponderiam no “regime geral”».
Para constatar o erro e a falta de razão para a proclamada inexistência de dúvidas sobre a possibilidade de a Secção saber o que afirmou saber, basta atentar em que se está perante uma situação em que três membros de um Supremo Tribunal com créditos profissionais não inferiores aos subscritores do acórdão reclamado, tomaram na Secção posição contrária à adoptada no acórdão reclamado e, mesmo neste, foram emitidos vários votos de vencido que esse conhecimento era e é possível, o que é demonstrado pormenorizada e rigorosamente no voto de vencido proferido no acórdão reclamado pelo Excelentíssimo Senhor Cons. António São Pedro.
E, sendo o meio através do qual esse conhecimento é obtido o mero exame do Diário da República e interpretação das alegações da ora Reclamante que não apresentam dificuldade apreciável para juízes de um Supremo Tribunal, terá de se concluir que há um lapso do acórdão recorrido reclamado ao afirmar que não há sequer a mínima dúvida de que Secção não sabia o que afirmou saber e que esclareceu como soube, lapso esse que, pela clareza com que é detectável, é susceptível de enquadramento nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 669.º do CPC, justificando a reforma do acórdão.
3 – No que concerne à nulidade por excesso de pronúncia por alteração ilegal da matéria de facto em situação em que o Pleno detinha meros poderes de revista, subscrevo o voto de vencido proferido relativamente ao presente aresto pelo Excelentíssimo Senhor Cons. António São Pedro.
4 – Entendo ainda que o acórdão deve ser anulado por violação do princípio do contraditório.
Na verdade, a entender-se que a 2ª conclusão das alegações poderia ter a interpretação que o Pleno fez no acórdão recorrido reclamado, é manifesto que essa interpretação não decorria com clareza do seu texto, o que impunha a sua qualificação com «obscura».
Na verdade, a conclusão 2ª tem o seguinte teor:
O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento ao ter considerado provado que a situação dos trabalhadores representados pelo autor se enquadra no nº 2 do artigo 17º do DL nº 404-A/98 porquanto incumbia a este fazer tal prova, o que não se verifica nos presentes autos;
O acórdão reclamado para determinar aquilo que julgou ser o seu «genuíno significada» teve de fazer estas considerações:
É contra este segmento do aresto que a recorrente se insurge na sua segunda conclusão – cuja singeleza é só aparente, obrigando a um labor exegético.
À primeira vista, dir-se-ia que esta conclusão, ao referir-se à «prova» e à parte a quem «incumbia» fazê-la, se restringe à «fixação dos factos materiais da causa» (art. 722º do CPC) e é insusceptível de análise por este Pleno, que só conhece de matéria de direito (art. 12º, n.º 3, do ETAF). Mas não é assim.
«Primo», porque o efectivo alcance da conclusão há-de obter-se conjugando-a com as respectivas premissas, insertas no «corpus» da minuta de recurso. Ora, relendo-se o que a recorrente aí escreveu, constata-se que a sua crítica não tem a ver com a necessidade dos factos provados o serem pelos autores – o que até seria absurdo, dado o princípio da aquisição processual, plasmado no art. 515º do CPC, nem tal crítica respeita a uma qualquer violação das regras do ónus da prova – que a recorrente, aliás, não cita. O que ela imediatamente ali afirma é que a Subsecção decidiu sem prova, pois nada nos autos – nem sequer as «condições» que o acórdão recorrido postulou e cuja ocorrência a recorrente nega – permitiria incluir o caso na previsão do art. 17º, n.º 2, do DL n.º 404-A/98.
«Secundo», porque o ponto do aresto que vem atacado na dita conclusão mescla factos e direito de um modo quase inextricável, factos, ao genericamente aludir à comparabilidade dos desenvolvimentos indiciários – que, todavia, o acórdão não recolheu nem indicou – e ao apreciar o alcance probatório do projecto de decreto regulamentar (a 1.ª das «condições» que estipulou); direito, ao subsumir os dados de que dispunha àquele art. 17º, n.º 2, e ao julgar que houvera a aceitação pelos demandados, «no processo», de que o desenvolvimento indiciário das carreiras e categorias a cotejar era «mais ou menos igual» (o que constituía a segunda daquelas «condições»). E não deixa de ser significativo que a Subsecção pareça ter encarado o momento decisório acometido na segunda conclusão como uma «quaestio juris» - razão por que o tratou na parte do acórdão relacionada com o direito e se absteve de levar à factualidade provada todos os factos que seriam necessários ao preenchimento da previsão daquele art. 17º, n.º 2.
O atrás exposto já apontava para que a conclusão em apreço realmente se ocupe de questões de direito, cognoscíveis por este Pleno. Mas importa, até, ir mais longe na captação do autêntico sentido dessa conclusão. Apesar de aí se aludir à «prova», o que imediatamente significa a falta dela, o que a recorrente pretende, no fundo, dizer é que a Subsecção aplicou o art. 17º, n.º 2, do DL º 404-A/98 sem dispor dos factos indispensáveis a tal operação; e, se assim foi, o aresto impugnado incorreu num erro de direito, sindicável pelo Pleno. Na verdade, as «quaestiones juris» reportam-se à «indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (art. 664º do CPC). Portanto, se a Subsecção efectivamente realizou uma actividade subsuntiva sem que dispusesse dos factos requeridos pela norma aplicada, cometeu um erro de aplicação – que é de direito e cognoscível «hic et nunc».
Detectado, assim, o genuíno significado da segunda conclusão da recorrente, resta ver se ela procede.
É patente que, se o «genuíno significado» da referida conclusão fosse efectivamente este, o seu texto seria manifestamente obscuro, pois só seria possível atingi-lo perante com um «labor exegético» de dimensão anormal.
Aliás, vários votos de vencido proferidos no acórdão reclamado, em sentido contrário à conclusão a que se chegou com tal «labor exegético» confirmam inquestionavelmente a obscuridade de tal conclusão, se o resultado atingido correspondesse efectivamente ao «genuíno significado» de tal conclusão.
Em tais condições, para o contraditório ser assegurado, impunha-se ou convidar o Recorrente a esclarecer a obscuridade da referida conclusão (como é obrigatório fazer em relação a todas as conclusões obscuras, por força do preceituado no art. 685-.º A, n.º 3, do CPC) ou, ao menos, dar oportunidade ao Recorrido de se pronunciar sobre o resultado de tal «labor exegético», que conduziu à detecção de um pretenso «genuíno significado» de tal conclusão manifestamente diferente do significado naturalmente decorrente do seu texto.
É que o direito ao contraditório assegurado pelos arts. 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, não é um direito meramente formal de as partes se pronunciarem sobre os peças processuais apresentadas, mas sim o direito de efectivamente se pronunciarem sobre as questões que irão ser apreciadas, dependendo a sua efectividade da clareza da colocação da questões, exigência que se concretiza naquele art. 685.º-A n.º 3 do CPC.
E a questão do cumprimento do ónus de alegação pelo Autor, que o acórdão reclamado acabou por apreciar, depois de nele se obter a convicção que se tinha alcançado o «genuíno significado» da conclusão 2ª nada tem a ver com qualquer questão que tivesse sido apreciada pela Secção ou colocada explicitamente pelo Recorrente naquela conclusão, em que fala apenas da falta de prova de factos e do ónus da prova, sendo manifestamente uma questão nova, sobre a qual o Recorrido não se pronunciou nem teve oportunidade de se pronunciar, porque, se esta questão estivesse mesmo contida naquela conclusão (e não estava), estaria tão camuflada que não seria exigível que o recorrido se apercebesse que ela foi colocada.
Será materialmente inconstitucional, por ofensa do art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP (direito à defesa de direitos e a um processo equitativo), uma interpretação do art. 3.º, n.º 3, do CPC que se reconduz a que o tribunal de recurso possa conhecer de uma questão que não foi apreciada na decisão recorrida nem é colocada com clareza nas alegações de recurso, sem previamente convidar o recorrente a sanar a obscuridade (como impõe o art. 685.º-A, n.º 3, do CPC), nem de qualquer forma a dar oportunidade ao recorrido de sobre ela se pronunciar”
b) E, na outra questão – conclusões 11ª a 13ª da reclamação do Recorrente – também com a devida vénia se aproveita o voto de vencido do Exmo. Senhor Conselheiro António Bento São Pedro na parte que ora interessa:
“2. Conclusões 11ª a 13ª
Nestas conclusões é imputada nova obscuridade ao acórdão. Ali se diz que o acórdão reclamado afirma que a PCM ao “contestar, recusou que a pretensão dos autores merecesse proceder “ex vi” do art. 17º, n.º 2 do Dec. Lei 404-A/98”, pois não está justificada, nem existe nos autos algo que a suporte.
O acórdão diz que mais uma vez a reclamante passa indevidamente da falta de fundamentação para a obscuridade. E por aí se fica.
Ora, o que se imputa ao acórdão é algo de muito importante, pois imputa-se-lhe a interpretação de uma peça processual contra os seus dizeres expressos ou implícitos e ao modo como foi interpretada pela Subsecção, sem que se compreenda porquê.
A reclamante diz que o acórdão imputa à contestação do PCM a impugnação de que às autoras era aplicável o art. 17º, 2 do Dec. Lei 404/A/98, sem que isso seja verdade.
Ou seja, imputa-lhe a existência de uma proposição que, a seu ver, contém um erro e não consegue perceber como é que esse erro pode ser tão solenemente afirmado. Erro que consiste em ter lido na contestação coisas que lá não estavam. Por isso, por ter constatado tão notável divergência entre a contestação da PCM e o modo como foi interpretada pelo acórdão reclamado, questionou-se sobre as razões de tal conclusão: em que parte da contestação é que foi posta em causa a integração das representadas do autor no âmbito de aplicação do art. 17º, 2 do Dec. Lei 404/A/98?
O acórdão não pode deixar em aberto esta dúvida.
Pois, das duas uma:
- ou esta interpretação é possível e cumpre agora justificá-la, indicando a parte da contestação que a permite;
- ou tal interpretação não é possível e por razões de coerência deve admitir o erro (que a existir é manifesto) e reformar o acórdão de acordo com a verdade.
O que não pode é atribuir à contestação da PCM um sentido – contrário ao que a Subsecção lhe atribuiu – sem explicar porquê.
Não explicitar este ponto é, mais uma vez, violar o art. 669º, 1, a) do CPP ou interpretá-lo de maneira manifestamente inconstitucional, por violação do dever de fundamentação imposto pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, pois permite a formulação de juízos de auto-certeza pura, sem que ninguém possa entender os seus fundamentos”.
Na verdade,
O que o Recorrente afirmou nas alegações e na 1ª conclusão da sua reclamação foi que “É incompreensível por não fundamentada, logo obscura, a conclusão a que se chegou no Acórdão reclamado quando afirma que não há a mínima dúvida de que ela ignorava quais os «grupos de pessoal» cujas carreiras e categorias lhes corresponderiam no «regime geral»; e, «a fortiori», a Subsecção ignorava, qual «desenvolvimento indiciário» destas últimas carreiras e categoria (ademais, e anterior à aplicação do DL nº 404-A/98) – razão por que lhe era impossível concluir, após preencher e concretizar o conceito indeterminado, que se estava perante desenvolvimentos mais ou menos iguais “.
Ora:
a) Nas conclusões seguintes, 2ª a 8ª, o Reclamante apresenta argumentos à luz dos quais aquele “dito” se torna ainda mais obscuro, por modo a evidenciar a necessidade do seu aclaramento. Por outro lado,
b) Nas conclusões 11ª a 13ª o Reclamante invoca a impossibilidade de perceber o fundamento de uma afirmação do Acórdão reclamado que, como bem salienta o Exmo. Senhor Conselheiro António Bento São Pedro na parte supra transcrita do seu voto de vencido ficou sem esclarecimento.
Todavia,
Na Decisão Sumária reclamada entendeu-se que “(...) em rigor, a decisão recorrida não afirma que «o conceito de obscuridade não abarca a falta de fundamentos de uma decisão do tribunal”, mas sim que a ausência de fundamentos de uma afirmação (“dito”) não acarreta a obscuridade do que se afirmou.
Mas acrescenta que: “conclui, por isso, que sendo as afirmações em questões claras e inteligíveis, o facto de não estarem fundamentadas não é motivo de aclaração”.
Partindo desta premissa, a decisão vestibular reclamada remata que, “constatando-se que a decisão recorrida não se apoiou no critério normativo apontado pelo Recorrente, forçoso é concluir que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicar não integrou a ratio decidendi de tal decisão”, pelo que considera não satisfeito este requisito essencial do recurso e, assim, que “o Tribunal Constitucional não pode conhecer do mesmo nesta parte”.
Mas,
Também aqui ocorre erro de julgamento.
Efectivamente,
Na supra transcrita conclusão 1a da Reclamação, o reclamante invocou a falta de clareza da fundamentação existente e, bem assim, fez equivaler a obscuridade a completa ausência da fundamentação da decisão.
Isto por maioria de razão. Visto que,
Se a lei permite que se peça o esclarecimento de alguma obscuridade dos fundamentos de uma decisão, há-de permitir que se peça o mesmo esclarecimento quando essa decisão não está adequadamente fundamentada.
Pois, de outro modo, nas decisões judiciais de que já não coubesse recurso nem reclamação (como é o caso), estaria criada uma escapatória inconcebível: o modo de evitar pedidos de aclaramento dos seus fundamentos seria pura e simplesmente não apresentar quaisquer fundamentos.
No que, em tal interpretação, implícita na Decisão Sumária reclamada, a norma que resultou do disposto na al. a) do nº 1 do art. 669º do CPC, isto é, o critério normativo segundo o qual as partes podem requerer ao tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento da decisão ou dos seus fundamentos mas já não se poderão socorrer de tal mecanismo processual quando a mesma, sendo clara nos seus dizeres, não contenha fundamentação adequada seria, mais uma fez, frontalmente contrária ao nº 1 do art. 205º da CRP.
Tanto mais que, se a exigência da fundamentação das decisões judiciais visa evidenciar ou tornar claro o caminho cognitivo e valorativo que conduziu, à formação de tal decisão, como se poderá conceber que faltando em absoluto tal evidenciação ou clareza, a respectiva decisão não sofra de obscuridade. Aliás,
Mais uma vez, só numa visão extremamente formalista e contrária ao princípio pro actione se pode conceber tal construção.
No que, assim, a Decisão Sumária reclamada também nesta questão peca por erro de julgamento.
III – Quanto à 3ª questão
No tocante à questão que na Decisão Sumária reclamada vem enunciada sob a al. c), importa antes de mais notar que o Acórdão de 16/06/2011 do Pleno da Secção de Contencioso do STA, aqui recorrido, foi proferido em sede de reclamação do Acórdão do mesmo Tribunal de 14/04/2011. Assim,
Encontraram-se esgotados rodos os mecanismos processuais, legalmente admissíveis, ao dispor do ora Reclamante, excepção feita ao recurso para o Tribunal Constitucional restrito às questões de constitucionalidade. Pelo que,
Salvo o merecido respeito, contrariamente ao afirmado na douta Decisão Sumária reclamada, o recorrente, antes de ter recorrido para o Tribunal Constitucional, não podia, “ter arguido a nulidade de tal decisão, por omissão de pronúncia, invocando a inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido” uma vez que a decisão em causa foi proferida em sede da supra referida reclamação.
Decisão que constitui manifesta decisão surpresa, como é invocado na al. c) do ponto 2 do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, consistente em interpretar o pertinente bloco normativo numa dimensão segundo a qual o tribunal de revista estaria dispensado de, em sede de reclamação de acórdão, convolar oficiosamente o pedido de aclaramento em arguição de nulidade
Assim,
A decisão vestibular reclamada ao considerar não dever ser conhecida por não se mostrar satisfeito o requisito de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, peca também nessa parte de erro de julgamento.
IV – Quanto à 4ª questão
No que se refere à questão identificada sob a al. d) da douta Decisão Sumária, tal como é referido quando a mesma trata da primeira questão, “tal insuficiência poderia ser remediada através de um convite ao aperfeiçoamento”.
Sendo certo que, nesta o Recorrente/Reclamante não teve oportunidade de a suscitar perante o tribunal recorrido, pois, como alega na al. h) do nº 2 do seu requerimento de interposição de recurso, tratou-se de uma interpretação e decisão absolutamente surpreendentes.
Pelo que cabia ao caso e fazendo desde logo apelo ao princípio pro actione e antiformalista, já aludido, e ao disposto no nº 5 do art. 75º-A da LTC, notificar o ora Reclamante para aperfeiçoar o requerimento nos termos ali referidos.
Pois, neste caso a interpretação normativa que o Recorrente/Reclamante pretende sindicar é a que implicitamente foi extraída pelo tribunal recorrido dos indicados dispositivos legais (nº 3 do art. 3º conjugado com o nº 3 do art. 685-A do CPC) segundo a qual, tratando-se do resultado do labor exegético ou interpretativo do tribunal sobre matéria alegada por uma das partes, o juiz está dispensado de observar o princípio do contraditório e, assim, pode decidir questões de direito ou de facto sem notificar a parte contrária para se pronunciar sobre tal resultado, pois, tal como afirmado pelo Exmo. Senhor Conselheiro António Bento São Pedro:
“É patente que, se o «genuíno significado» da referida conclusão fosse efectivamente este, o seu texto seria manifestamente obscuro, pois só seria possível atingi-lo perante com um «labor exegético» de dimensão anormal.
Aliás, vários votos de vencido proferidos no acórdão reclamado, em sentido contrário à correcção de tal «labor exegético» confirmam inquestionavelmente a obscuridade de tal conclusão.
Em tais condições, para o contraditório ser assegurado, impunha-se ou convidar o Recorrente a esclarecer a obscuridade da referida conclusão (como é obrigatório fazer em relação a todas as conclusões obscuras, por força do preceituado no art. 685-.ºA, n.º 3, do CPC) ou, ao menos, dar oportunidade ao Recorrido de se pronunciar sobre o resultado de tal «labor exegético», que conduziu à detecção de um pretenso «genuíno significado» de tal conclusão manifestamente diferente do significado naturalmente decorrente do seu texto.
É que o direito ao contraditório assegurado pelos arts. 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, não é um direito meramente formal de as partes se pronunciarem sobre os peças processuais apresentadas, mas sim o direito de efectivamente se pronunciarem sobre as questões que irão ser apreciadas, dependendo a sua efectividade da clareza da colocação da questão, exigência que se concretiza naquele art. 685.º-A n.º 3 do CPC.
Será materialmente inconstitucional, por ofensa do art. 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, uma interpretação do art. 3.º, n.º 3, do CPC que se reconduz a que o tribunal de recurso possa conhecer de uma questão que não foi apreciada na decisão recorrida nem é colocada com clareza nas alegações de recurso, sem previamente convidar o recorrente a sanar a obscuridade (como impõe o art. 685.º-A, n.º 3, do CPC), nem de qualquer forma a dar oportunidade ao recorrido de sobre ela se pronunciar”.
Critério normativo esse que, salvo o devido respeito e, reconhece-se, embora imperfeitamente expresso, se encontra identificado no requerimento de interposição do recurso. Mas,
Que é ainda claramente discernível na decisão recorrida, sobretudo quando esta é colocada em confronto com os votos de vencido que a acompanham, designadamente do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa, que aqui se tem de novo por reproduzido.
No que, assim, a douta Decisão Sumária reclamada não pode manter-se pois está eivada dos erros de julgamento antes indicados.
V – Quanto à 5ª questão
Do mesmo modo e tal como acontece com a anterior questão, a apontada insuficiência do requerimento de interposição do recurso no tocante à questão identificada na al. e) da douta Decisão Sumária poderia ter sido resolvida se tivesse sido dada oportunidade ao seu aperfeiçoamento. Pois,
Também como ali, tratou-se de uma decisão surpresa como, aliás, vai referido na al. j) do nº 2 do dito requerimento.
Efectivamente,
A interpretação normativa que resulta do acórdão recorrido nesta matéria (da norma que se retira do nº 1 do art. 201º em conjugação com a parte final da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC) é a de que o tribunal de recurso em sede de revista não excede os seus poderes de pronúncia ainda que afaste factos materiais dados como assentes no tribunal recorrido.
Interpretação normativa que, salvo o devido respeito, era perfeitamente discernívei na decisão recorrida levando em linha de conta os votos de vencido nela apostos, designadamente o do Exmo. Senhor Conselheiro Rosendo Dias José, que também se dá aqui por reproduzido.
Pelo que, também quanto a esta questão, ocorre erro de julgamento pois, ao menos, deveria ter sido apresentado convite ao Recorrente para aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, nos termos previstos no art. 75ºA, nº 5 da LTC, em homenagem ao princípio de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva no seu corolário antiformalista e por actione (art. 20º da CRP).
O Recorrido respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
O Recorrente colocou ao Tribunal Constitucional cinco questões de constitucionalidade.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento destas questões.
O Recorrente reclama, defendendo o conhecimento de todas elas.
Relativamente à primeira questão a decisão reclamada não a conheceu por ter entendido que o Recorrente pretendia a fiscalização de uma interpretação de determinados preceitos legais mas que não enunciou essa interpretação, não se justificando a correcção dessa omissão porque se constatava que o Recorrente não havia suscitado adequadamente perante o tribunal recorrido qualquer questão de constitucionalidade que incidisse sobre uma interpretação desses preceitos.
O Recorrente defende que nas conclusões 31ª a 36ª da reclamação apresentada perante o Tribunal recorrido suscitou a inconstitucionalidade da interpretação que agora pretende ver fiscalizada pelo Tribunal Constitucional.
Ora, da leitura das referidas conclusões não se consegue extrair que a arguição do vício de inconstitucionalidade fosse dirigida a um critério normativo identificável com um mínimo de clareza, permitindo a sua apreensão pelo tribunal recorrido. O que se lê nessas alegações é que o Recorrente acusa a anterior decisão proferida pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de efectuar juízos subsuntivos que violam parâmetros constitucionais, o que não configura a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Assim sendo, revela-se correcta a opção de não convidar o Recorrente a formular o critério normativo cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, porque sempre estaria ausente o requisito da sua prévia suscitação perante o tribunal recorrido.
Quanto à segunda questão, a decisão reclamada não conheceu do seu mérito porque a mesma não constituiu ratio decidendi do acórdão recorrido, uma vez que enquanto o Recorrente pretendia a fiscalização da interpretação da alínea a), do n.º 1, do artigo 669.º, do Código de Processo Civil, segundo a qual a falta de fundamentos de uma decisão não a torna obscura, a decisão recorrida tinha-se limitado a sustentar que a falta de fundamentos de um qualquer dito numa sentença não torna esta necessariamente obscura.
O Recorrente nesta reclamação limita-se a tentar demonstrar que a falta de fundamentos de uma sentença pode torná-la obscura.
Ora não compete a este Tribunal sindicar a correcção infra-constitucional das decisões recorridas mas apenas verificar se as normas ou interpretações normativas por ele aplicadas infringem parâmetros constitucionais.
Não constando dos critérios normativos aplicados pela decisão recorrida aquele cuja fiscalização é pedida pelo Recorrente, não pode essa questão ser apreciada, uma vez que esse juízo careceria de qualquer utilidade, dado que seria incapaz de se repercutir no sentido da decisão recorrida.
Por este motivo revela-se também correcta a decisão de não conhecer o mérito desta segunda questão colocada pelo Recorrente.
Quanto à terceira questão, a decisão reclamada não conheceu do seu mérito porque também entendeu que a interpretação normativa questionada não tinha sido aplicada pelo tribunal recorrido quer expressa, quer implicitamente.
O Recorrente defende que não teve oportunidade para suscitar esta questão perante o tribunal recorrido.
Contudo, o fundamento do não conhecimento, não foi a falta de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, mas sim a circunstância da decisão recorrida não ter aplicado o critério normativo arguido de inconstitucional, o que facilmente se constata da leitura da decisão recorrida.
Por isso também quanto a este ponto se revela correcta a decisão de não conhecer do mérito desta terceira questão.
Quanto às quarta e quinta questões a decisão reclamada não as apreciou por ter entendido que as mesmas não incidiam sobre critérios normativos utilizados pela decisão recorrida, mas sim sobre o sentido da própria decisão.
O Recorrente defende que deveria ter sido notificado para corrigir a enunciação destas questões.
O artigo 75.º - A, n.º 5, da LTC, dispõe que se o requerimento de interposição de recurso não indicar alguns dos elementos previstos nesse artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação.
Um desses elementos é o objecto sobre o qual deve recair o juízo de verificação da constitucionalidade.
Ora, no requerimento de interposição de recurso o Recorrente não deixou de indicar o objecto sobre o qual pretendia que recaísse um juízo de apreciação da constitucionalidade, pelo que não se verificava uma omissão que necessitasse de ser colmatada.
A deficiência residia no facto desse objecto não ter cariz normativo, reportando-se antes ao sentido da própria decisão recorrida, e essa deficiência não pode ser corrigida, devendo o tribunal recusar-se a proceder à fiscalização requerida, atentos os limites do recurso constitucional.
Deste modo também aqui se revela correcta a decisão reclamada, pelo que deve ser totalmente indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores da decisão sumária proferida nestes autos.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.