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Processo n.º 676/11
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência, na 1.ª Secção, do Tribunal Constitucional
1. A. requereu, na Relação do Porto, a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[...]
20. O qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – cfr. n.º 1 do artº 78º da Lei do Tribunal Constitucional.
21. E de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artº 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já a Recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais elementares princípios constitucionais,
22. atenta o disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo das quais o presente recurso é interposto,
23. e ainda atenta ao disposto no art.º 67º da Lei do Tribunal Constitucional (com os seus efeitos previstos no art.º 68º),
24. designadamente a inconstitucionalidade das normas que emanam dos art.ºs 22º, 24º e 25º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – com as alterações que lhe foram introduzidas.
25. Tudo isto por manifesta violação de princípios e direitos fundamentais, como o princípio da igualdade – art.º 13º da CRP; o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva – art.º 20º da CRP; os princípios gerais de direito administrativo como o direito a ser informado; o principio da desburocratização da administração pública; o princípio da aproximação dos serviços da administração pública às populações.
Na verdade,
26. Todas estas questões de inconstitucionalidade constituem a base fundamental do inconformismo da Recorrente com a decisão proferida em primeira instância, de indeferimento liminar do requerimento de oposição à execução e à penhora que deduziu,
27. e, depois, com a decisão que negou provimento ao recurso que da mesma intentou,
28. e, por isso mesmo, foram suscitadas quer no requerimento de interposição do recurso para este douto Tribunal da Relação do Porto, quer nas alegações que no aludido recurso juntou.
Mas,
29. e por outro lado, também por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280.º da CRP, tendo em vista o art.º 13º e art.º 20º do mesmo compósito legal.
De facto,
30. nunca poderia a Recorrente conformar-se com a manifesta ilegalidade de qualquer opção administrativa e decisão judicial que, violasse as normas e os princípios constitucionais vigentes.
31. Como referido supra, foram todas as questões de inconstitucionalidade supra apontadas suscitadas que no requerimento de interposição de recurso para este douto Tribunal da Relação,
32. bem como o foram, nas alegações que se lhe juntaram.
Termos em que, observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque a recorrente tem legitimidade, está em tempo e representada por Patrona Oficiosa — cfr. art.ºs 72º/1, b), 75º e 83º da Lei do Tribunal Constitucional.
Requer a V.(s) Ex.a(s) que desde já considere(m) validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respectivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no art.º 79.º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
No Tribunal Constitucional, a recorrente foi convidada a esclarecer o sentido da norma que pretende impugnar, e respondeu:
A., Recorrente nos autos à margem referenciados e neles melhor identificada, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 75.º-A, n.º 5 da Lei do Tribunal Constitucional, vem, respeitosamente enunciar que o exacto sentido da interpretação normativa cuja conformidade constitucional pretende questionar é a seguinte:
“No âmbito de autos judiciais intentados quer contra o cônjuge marido, quer contra a cônjuge mulher, o art.º 22.º, n.º 7 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não está apenas vocacionado para a protecção jurídica individual. Ao abrigo deste artigo o requerimento de protecção jurídica que a Segurança Social (preenche e) recebe da titularidade de um dos cônjuges é extensível a ambos os cônjuges, sob pena de, se assim não se entender, aquele cônjuge cujo nome a instituição Segurança Social omitiu no preenchimento e recepção do aludido requerimento, ver coarctada a possibilidade de igualdade do direito de defesa e de lhe ser negado o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, em violação dos respectivos princípios plasmados nos art.º 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.”
Foi então proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com o seguinte fundamento:
É patente que o enunciado apresentado como objecto do recurso não concretiza uma norma. É, assim, possível concluir que a questão que a recorrente pretende tratar no recurso não é uma questão normativa, antes visa sindicar a própria decisão proferida no tribunal recorrido.
Acontece que o recurso previsto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional tem carácter normativo e, por essa razão, o Tribunal não pode conhecer de um tal objecto no âmbito deste recurso.
2. Inconformada, a recorrente veio apresentar reclamação para a Conferência, nos seguintes termos:
No âmbito dos autos de recurso que correram termos sob o processo n 361/06.8TBVLP-C.P1 na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, não se conformando a Recorrente com o acórdão exarado em conferência que colocou termo aos autos, recorreu para este douto Tribunal Constitucional.
Remetidos os autos do Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional, a recorrente foi convidada a responder ao Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator no sentido de “enunciar o exacto sentido da interpretação normativa cuja conformidade constitucional pretende questionar”, o que fez.
Todavia, decidiu o Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator não conhecer do recurso intentado para este douto Tribunal Constitucional, em virtude de “(…) o enunciado apresentado como objecto do recurso não concretiza a enunciação de uma norma. É, sim, possível concluir que a questão que a recorrente tratar no recurso não é uma questão normativa, antes visa sindicar a própria decisão proferida no tribunal recorrido.”
Sucede que, pese embora a Recorrente em resposta ao convite que lhe foi dirigido tenha feito alusão à sua situação do estado civil de casada para concretizar que a teleologia normativa inerente ao art.º 22º, n.º 7 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho não está apenas vocacionada para a protecção jurídica individual, o certo é que independentemente da aludida alusão ao seu estado civil, ainda assim se depreende que o sentido da interpretação normativa que pretende impugnar é que a norma em si não se destina apenas à protecção jurídica individual, cabendo nela situações de protecção jurídica colectiva – como por exemplo o caso dos cônjuges, o caso da acção popular, etc... Desde que uma mesma acção judicial possa comportar um mesmo interesse para diversos sujeitos que integram a mesma parte processual, aferindo-se uma interpretação de protecção jurídica individual do art.º 22º, n.º 7 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho sempre serão violados os princípios constitucionais plasmados nos art.º 13.º e 20.º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de Direito que os Excelentíssimos Juízes Conselheiros suprirão, deverá a presente reclamação ser julgada procedente e em consequência:
a) ordenar-se a revogação do despacho exarado pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional e que condenou a Recorrente em nas respectivas custas;
b) exarar-se despacho que admita o recurso em crise e ordenar-se a notificação da Recorrente para alegar, seguindo os autos a sua normal tramitação até final.
3. Não houve resposta, importando decidir.
4. A reclamante apresentou, na Relação do Porto, um requerimento no qual manifestava a intenção de interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das «alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional» para averiguar da inconstitucionalidade das «normas que emanam dos artigos 22º, 24º e 25º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho». No sentido de se alcançar uma melhor identificação do objecto do recurso, o Tribunal convidou a recorrente a enunciar as normas que pretendia impugnar. Na resposta, acima transcrita, o recurso foi reduzido ao artigo 22º, n.º 7 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, numa interpretação que o Tribunal considerou, na Decisão Sumária em reclamação, não constituir uma questão normativa, mas, diversamente, representar a decisão proferida no tribunal recorrido, cuja sindicância não cabe no âmbito do recurso previsto nas aludidas alíneas b) e f) do n.º 1 do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Isto é: ao identificar o objecto do recurso, a recorrente expôs um enunciado que manifestamente não representa um critério normativo que porventura a decisão recorrida haja aplicado como ratio decidendi. Tal enunciado, consiste, objectivamente, numa alegação crítica da própria decisão recorrida, sem isolar qualquer questão com carácter normativo.
Sendo esta a razão que fundamentou a decisão em reclamação, é manifesto que a reclamação não contraria nenhum segmento dessa decisão, razão pela qual o Tribunal mantém o entendimento de que não pode conhecer de um tal objecto no âmbito deste recurso.
5. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação e manter a decisão de não conhecer do recurso. Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.