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Processo n.º 698/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade apontadas no seu requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objecto do recurso, assim argumentou o reclamante:
“(...)
1- No art. 399º do CPP estabelece-se o princípio geral da admissibilidade de recursos das sentenças, dos acórdãos e dos despachos judiciais; Por outro lado,
2- A Constituição da República Portuguesa garante a todos os cidadãos o acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos (art. 20° CRP);
3- No que diz respeito ao Processo Penal, o princípio constitucional das garantias de defesa, impõe ao legislador que consagre a faculdade de os arguidos de recorrerem de quaisquer actos judiciais que, no decurso do processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de quaisquer outros dos seus direitos fundamentais. Assim,
4- O recurso em processo penal é uma forma de defesa, pelo que a Constituição impõe, que o legislador consagre nesse campo a faculdade de recorrer de todos e qualquer acto do juiz, restringindo-se apenas, quando dessa forma não se atinja o núcleo essencial do direito de defesa.
5- No caso concreto dos autos, o arguido quando foi condenado encontrava-se em vigor a redacção da Lei 48/2007 e por esta, o art. 103° exceptuava o processo sumário e o processo abreviado do prazo normal, mas uniu com o devido respeito pela opinião em contrário no que dizia respeito a arguidos detidos. Porquanto,
6- No que diz respeito a estes, os processos corriam em férias e, assim, poderia encurtar-se a sua detenção. Porém,
7- Em todos os outros casos, o prazo não poderia, mais uma vez com o devido respeito pela opinião em contrário, correr em férias, uma vez que estaria a pôr-se em causa os direitos dos arguidos julgados em processo sumário ou abreviado em relação aos arguidos julgados em processo comum, cujos os crimes são bastante mais graves.
8- Segundo a Constituição da República Portuguesa todos os cidadãos são iguais perante a lei, bem como todos os arguidos, pelo que não pode ser coarctado o seu direito de defesa, como aconteceu nos presentes autos;
9- Os prazos para o recurso em processo penal eram e são de 20 dias. Porém,
10- Só se compreende e só faz sentido que este prazo corresse em férias desde que se tratasse de arguido detido no âmbito de processo sumário ou abreviado, caso contrário, estaria a pôr-se em causa o direito de igualdade previsto na CRP com outros arguidos em liberdade e que dispõe de via dias para o recurso e que não correm em férias.
11- Com o devido respeito. “Será que uns são filhos de Deus e outros do Diabo!”;
12- É que para um arguido julgado em processo comum (não preso) que pretenda interpor recurso do acórdão e este seja proferido antes de férias, nomeadamente em 15 de Julho, este tem até 20 de Setembro para interpor recurso e os julgados em processo sumário, também não detidos, apenas teriam até 5 de Agosto.
13- Isto com o devido respeito, a ser assim, era limitar o direito do arguido em processo sumário e abreviado, caso o mesmo não estivesse detido e isso não é o que a nossa Constituição da Republica quer ou alguma vez quis;
14- ‘Iodos os cidadãos são iguais perante a lei e como tal devem de ser tratados pelas Instituições. Assim,
15- O recurso interposto pelo arguido deveria ter sido admitido. Para além disso,
16- O recurso interposto do despacho de não admissão do recurso, com o devido respeito pela opinião em contrário, também é admissível. Porquanto,
17- A não admissão do recurso põe termo ao processo e das decisões que põem termo ao processo recorre-se e não se reclama.
18- Prazos encurtados só se justificam para arguidos detidos e não para arguidos em liberdade. Pois,
19- O espírito do legislador teria de ser a aplicação do art. 103º do CPP no que tange ao carácter urgente do processo sumário, até ao julgamento e respectiva sentença, feito e elaborado em resultado de um flagrante delito. Porém,
20- A partir desse momento, em que está feita a prova e o arguido se encontra em liberdade, o processo deixa de ter carácter de urgente à semelhança de qualquer outro processo crime e é tramitado como qualquer outro processo em virtude de não existirem presos. Assim,
21- O seu prazo não pode correr em férias. Porém,
22- Se assim se entender, estamos perante uma inconstitucionalidade do art. l03º n° 2 al. c) por violar os mais elementares direitos dos arguidos com prazos para recurso em processo sumário e em liberdade. Deste modo,
23- Com o devido respeito pela opinião em contrário deve revogar-se a decisão de rejeição liminar do recurso e consequentemente prosseguir os seus demais termos sendo proferido acórdão sobre o mesmo.
(...)”.
3. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1 de Junho de 2011, pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 103.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, conjugada com o artigo 411.º, do mesmo diploma, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
2. O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo. No entanto, tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e como o presente caso se integra no âmbito da hipótese delimitada no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, profere-se a seguinte decisão sumária.
3. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Como é consabido, o objecto de tal recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade de normas que a decisão recorrida, após ter sido suscitada a questão, tenha efectivamente aplicado em termos de constituírem o fundamento normativo do aí decidido, tendo esse recurso carácter instrumental.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência decorre da natureza incidental do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000), não cabendo a este Tribunal conhecer de questões de validade normativo-constitucional que não possam repercutir-se na decisão, determinando a sua alteração em caso de procedência do recurso de constitucionalidade.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas se afigura possível quando a norma cuja inconstitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie esgote a ratio decidendi da decisão recorrida, sendo certo que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional, enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e qualquer apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos» (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia, inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na decisão recorrida.
Ora, no presente caso é manifesto que as normas questionadas sub species constitutionis não foram aplicadas pela decisão recorrida, como expressamente se refere no Acórdão recorrido e como também resulta da história processual retratada nos autos.
Vejamos.
O recorrente, inconformado com a decisão condenatória que o punira pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, interpôs recurso, aí dissentindo da escolha concreta da pena e pugnando pela sua substituição.
Esse recurso não foi admitido com fundamento na sua intempestividade, ex vi o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, alínea c), 104.º, n.º 2, e 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal – cf. despacho de 10 de Março de 2009, fls. 82.
Discordando da decisão, o arguido interpôs recurso desse despacho, o qual, por despacho datado de 21 de Maio de 2010, foi tido por legalmente inadmissível, não se determinando a sua convolação em reclamação, por extemporaneidade do requerido, face ao disposto no artigo 405.º, do Código de Processo Penal.
Notificado desta decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual fora rejeitado liminarmente pelo Desembargador relator, que o considerou manifestamente infundado.
Na sequência, o arguido reclamou para a conferência, tendo então sido proferido o Acórdão de 1 de Junho de 2011, do qual foi interposto o presente recurso de constitucionalidade.
Ora, nessa decisão foi exclusivamente apreciado o despacho 21 de Maio de 2010, que não admitiu o recurso interposto contra a decisão que, por seu turno, não admitira o recurso interposto da sentença condenatória, tendo o Tribunal a quo apreciado exclusivamente a questão relativa ao meio processual próprio para reagir a uma decisão de não admissão do recurso para tribunal superior, tendo apenas aplicado o disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, para concluir, entre o mais, que “do despacho judicial que não admite um recurso não se recorre mas reclama-se”.
Ademais, o próprio Acórdão recorrido é assaz claro ao reter que “não há nem houve aqui interpretação ou aplicação do artigo 103.º do Código de Processo Penal na decisão agora sob recurso”, porquanto, “o despacho aqui recorrido consiste na decisão de 21 de Maio de 2010 e que não constitui objecto deste recurso o despacho judicial proferido em 10 de Maio de 2009 (que não admitiu por extemporaneidade o recurso da sentença)”.
Sendo assim, não tendo a decisão recorrida feito aplicação das normas pretendidas sindicar constitucionalmente, não se verificam os pressupostos determinantes da admissibilidade e conhecimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
4. Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
(...)”.
5. Perscrutando o teor da reclamação supra transcrita, constata-se que o recorrente não impugnou os argumentos que determinaram a prolação da decisão de não conhecimento do objecto do recurso, insistindo, ao invés, no juízo de inconstitucionalidade que assaca ao artigo 103.º, do Código de Processo Penal.
Como consta da decisão reclamada, o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, impõe que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado a(s) norma(s) controvertidas como ratio(nes) decidendi, o que não sucede, claramente, no caso sub judicio.
Deste modo, nada há a acrescentar à decisão sumária, cuja argumentação aqui se mantém.
III. Decisão
Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs..
Lisboa, 16 de Novembro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.