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Processo n.º 405/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
Delimitou o objecto do recurso, no respectivo requerimento de interposição, nos seguintes termos:
“a interpretação dada pela decisão da qual ora se recorre, acerca da al. f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP, no sentido de que no caso de as relações não se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos no recurso, ainda assim, caso a decisão da 1ª instância seja confirmada, tal decisão é irrecorrível”
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objecto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos se tais pressupostos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos in casu.
Comecemos tal análise, na perspectiva da natureza do objecto do recurso.
Não obstante o recorrente mencionar uma disposição legal, como suporte da pretensa interpretação normativa enunciada, é notório que a questão colocada não contém uma verdadeira dimensão normativa.
Na verdade, não é autonomizado um qualquer critério normativo – entendido como regra abstracta potencialmente aplicável a uma generalidade de situações – que tenha sido utilizado, na decisão recorrida, como ratio decidendi, sendo manifesto que o recorrente pretende a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão de acto de julgamento.
Aliás, a forma como o recorrente suscita a questão, perante o tribunal a quo, concluindo que o despacho reclamado violou várias disposições legais infraconstitucionais – incluindo o artigo seleccionado como suporte da pretensa norma, erigida como objecto do presente recurso – e, concomitantemente, a Lei Fundamental, deixa claro que a desconformidade constitucional é imputada, pelo recorrente, à própria decisão jurisdicional e não a qualquer norma extraível da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Ora, não tendo o recorrente suscitado qualquer verdadeira questão de constitucionalidade normativa, a propósito da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na reclamação, sempre se dirá que estaria, inelutavelmente, prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, ainda que o recorrente tivesse conseguido apresentar uma verdadeira questão normativa, no requerimento de interposição respectivo, o que, em todo o caso – saliente-se – não sucedeu.
De facto, ressalta que, com o objectivo de conseguir, junto do Tribunal Constitucional, uma última oportunidade de impugnar a decisão desfavorável, o recorrente constrói uma questão, com aparência abstracta, onde subrepticiamente introduz a sua valoração dos factos – especificamente, a verificação do vício de omissão de pronúncia do acórdão, cuja admissão do recurso pretende – sem curar de saber se tal construção encontra o mínimo reflexo, quer no fundamento normativo da decisão recorrida, quer no teor literal da disposição legal seleccionada como suporte do objecto do recurso.
Ora, o critério de distinção entre controlo de decisões e fiscalização de normas não se prende com o modo como o recorrente formula a questão de constitucionalidade, pressupondo antes a apreensão da verdadeira natureza da pretensão apresentada, de forma a afastar, do âmbito dos recursos de constitucionalidade em análise, as tentativas de forjar normas ou interpretações, que, com maior ou menor habilidade, dissimulam a intencionada sindicância de juízos subsuntivos.
Nestes termos, sendo certo que o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, concluindo-se pela inexistência de suscitação de uma verdadeira questão normativa, no presente caso, encontra-se prejudicada a admissibilidade do recurso.
Pelo exposto, atenta a inidoneidade do objecto, decide-se não conhecer do recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere o reclamante que o vício de desconformidade constitucional é assacado à norma ínsita no n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal e não à própria decisão jurisdicional.
Transcreve, para demonstrar a sua asserção, um trecho da motivação de recurso em que suscita a questão, nos seguintes termos:
“ A interpretação dada pela decisão da qual ora se recorre, acerca da al. f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP, no sentido de que no caso de as relações não se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos no recurso, ainda assim, caso a decisão da 1ª instância seja confirmada, tal decisão é irrecorrível, é materialmente inconstitucional, por violação, pelo menos do n.º 1 do art.º 32º da CRP”.
Conclui defendendo que foram cumpridos todos os requisitos de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que deve ser dado provimento à sua reclamação.
4. O Magistrado do Ministério Público respondeu à reclamação, defendendo o indeferimento da mesma.
Refere que a decisão reclamada não tomou conhecimento do objecto do recurso, “porque no momento processual adequado – reclamação para o Presidente Supremo Tribunal de Justiça – não fora suscitada uma questão de inconstitucionalidade de natureza normativa”, sendo que, analisada a referida peça processual, se verifica que, de facto, o que o recorrente verdadeiramente impugna é a decisão proferida na Relação, que não lhe admitiu o recurso para aquele Supremo Tribunal.
Acrescenta que a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tem sido entendida como não inconstitucional, em jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal Constitucional, pelo que sempre a questão seria resolvida por decisão sumária, face à sua simplicidade.
Por outro lado, referindo o recorrente que a específica dimensão do aludido preceito, problematizada in casu, se encontrava relacionada com a circunstância de a Relação não se ter pronunciado sobre todas as questões que haviam sido colocadas no recurso, então tal dimensão remete-nos para a temática das nulidades da sentença, nos termos do artigo 379.º do Código de Processo Penal, aplicável ao acórdão da Relação por força do artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma. Assim, a dimensão normativa referida pelo recorrente teria sempre de se “ancorar no preceito legal que fixa o regime de nulidade da sentença, ou seja, no artigo 379.º do CPP, e não no artigo 400º, nº 1, alínea f), do mesmo Código.”
Refere ainda que não existe qualquer decisão onde se afirme que a Relação não se pronunciou sobre todas as questões e, ainda que tal omissão se verificasse, era necessário demonstrar que existia um dever de pronúncia, pois nem toda a ausência de pronúncia é geradora de nulidade.
Conclui, desta forma, o Ministério Público, que apreciar a questão adiantada pelo recorrente seria apreciar a constitucionalidade duma norma ficcionada por aquele, e não extraível de qualquer decisão proferida nas instâncias.
Pelo exposto, termina pugnando pelo indeferimento da reclamação.
II - Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação apresentada e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, o reclamante não aduziu argumentos que infirmassem a correcção do juízo efectuado.
Na verdade, o reclamante limita-se a defender que a questão que suscitou, previamente, perante o tribunal a quo, detém um verdadeiro conteúdo normativo, que se prende com a interpretação feita da norma ínsita na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Porém, não lhe assiste razão, porquanto na enunciação da questão, quer junto do tribunal a quo, quer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, se verifica, como se refere na decisão reclamada, que o recorrente constrói uma formulação, “com aparência abstracta, onde subrepticiamente introduz a sua valoração dos factos – especificamente, a verificação do vício de omissão de pronúncia do acórdão, cuja admissão do recurso pretende – sem curar de saber se tal construção encontra o mínimo reflexo, quer no fundamento normativo da decisão recorrida, quer no teor literal da disposição legal seleccionada como suporte do objecto do recurso.”
De facto, o segmento referente aos acórdãos, proferidos em recurso pelas relações, “na parte em que omitem questões colocadas no recurso interposto” corresponde a uma conclusão do recorrente, quanto ao vício que assaca ao específico acórdão de que recorre, tendo um carácter inelutavelmente casuístico e não se traduzindo, por isso, em qualquer dimensão normativa extraível da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, entendida esta como sentido possível ainda reconhecível na literalidade do preceito em causa.
Assim, apenas resta reafirmar toda a fundamentação constante da decisão reclamada e, em consequência, concluir pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 20 de Junho de 2011.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 31 de Outubro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.