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Processo n.º 635/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Évora, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«(…) A., vem, nos termos do artigo 77.° da Lei do Tribunal Constitucional, apresentar RECLAMAÇÃO da não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que faz com os seguintes fundamentos:
1. O recorrente nos autos de processo à margem referenciados, não se conformando com o douto despacho proferido da não admissão de recurso para Supremo Tribunal de Justiça, dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento em aplicação de norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, em conformidade com o disposto no art.° 70.°, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.° 88/95 de 1 de Setembro e Lei n.° 13- A/98 de 26 de Fevereiro.
2. Em conformidade com o disposto no art.° 75-A do mesmo diploma, pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do art.° 410.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, na medida em que a fundamentação deve ser de modo a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, da matéria de facto. Não o fazendo verifica-se violação do art.° 18.° e 32.° da CRP, restringindo os direitos de defesa do arguido.
3. A aplicação das normas referidas viola as normas constantes dos art.°s 18.° e 32.° da CRP.
4. Estas inconstitucionalidades foram invocadas e suscitadas na motivação de recurso apresentada no Supremo Tribunal de Justiça.
5. O recurso é interposto em tempo, o recorrente tem legitimidade e não é manifestamente infundado.
6. Nos termos do disposto no art.° 78.° n.° 1 e 4, o presente recurso mantém o regime e os efeitos do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
7. Foi o ora reclamante notificado do douto despacho em que não admite o requerimento de recurso para o douto Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) e n.° 2 do artigo 70.° da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
8. O ora reclamante considera que o seu direito a recorrer para o Tribunal Constitucional é irrenunciável.
9. Nos termos do artigo 71.° da LTC invocou inconstitucionalidade, anteriormente suscitada.
10. O recurso é restrito a questões jurídico-constitucionais.
11. Nos termos do artigo 72.° da LTC tem legitimidade para recorrer.
12. A reclamação, em processo constitucional, é apreciada pelo próprio Tribunal Constitucional, em secção, e não pelo presidente tribunal “a quo” (Tribunal da Relação de Évora), o que atenua sensivelmente a (essencial) diferença, vigente nos processos civil e penal, entre a reclamação ou ‘recurso de queixa’ e o verdadeiro e próprio recurso, a interpor (e julgar) perante o Tribunal ad quem.
13. Fundamentalmente, porque em processo constitucional não existe a possibilidade de impugnar autonomamente, perante o próprio Tribunal Constitucional os despachos ulteriormente proferidos no tribunal ‘a quo’, que condicionem decisivamente o seguimento do recurso de constitucionalidade inicialmente admitido, maxime julgando-o (contra legam) deserto.
14. Conclui-se, assim, que a reclamação é um meio processual admissível para apreciar a legalidade de uma situação como a dos autos, já que tem de ser o Tribunal Constitucional a sindicar de forma completa a ilegalidade de quaisquer decisões proferidas na instância recorrida e que possam afectar a subida e o momento oportuno de apreciação do recurso de fiscalização concreta.
15. No caso dos autos, pela própria natureza do Recurso interposto para o Tribunal Constitucional, entende o Reclamante que, agora, não cabe Reclamação para o Exmo Presidente do Tribunal do despacho que não admitiu o recurso.
Pelo supra exposto, mui respeitosamente, se requer face ao exposto que seja admitido a presente reclamação e consequentemente que seja admitido o recurso interposto para o Constitucional.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação de Évora que negou provimento ao recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância que o condenara na pena de 5 anos de prisão.
2. Por despacho de 17 de Maio de 2011, proferido pelo Senhor Desembargador Relator, o recurso não foi admitido.
3. Vem então o arguido, em 7 de Junho de 2011, recorrer para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade de uma determinada interpretação do artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
4. Uma vez que o requerimento não era claro, foi o arguido notificado para esclarecer se recorria para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação ou do despacho que não admitira o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
5. Esclareceu, então, de forma clara e inequívoca, que recorria do “douto despacho proferido de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
6. Como Senhor Desembargador Relator não admitiu o recurso, porque o recorrente não esgotara os meios ordinários de impugnação – do despacho em causa cabia reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 405.º do CPP) – reclamou aquele para este Tribunal Constitucional (artigo 77.º, n.º 1, de LTC).
7. Apesar do recorrente não ter efectivamente esgotado os meios ordinários de impugnação, poderia, eventualmente, ser aplicável ao caso dos autos, o disposto na segunda parte do n.º 4 do artigo 70.º da LTC.
8. No entanto, para, com segurança, nos pronunciarmos, teríamos de conhecer a data em que o recorrente foi notificado do despacho de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois só dessa forma se poderia saber quando terminava o prazo para reclamar, nos termos do artigo 405º do CPP.
9. Apesar desse elemento não constar da certidão enviada, como nos parece evidente que falta um requisito de admissibilidade do recurso, entendemos não ser necessário solicitar o seu envio.
10. Efectivamente, pretendendo o recorrente ver apreciada uma determinada interpretação do artigo 410.º, n.º 2 do CPP (relacionada com o grau e o sentido da fundamentação das decisões), a decisão recorrida não aplicou, nem podia ter aplicado tal norma.
11. Na verdade, o despacho, que se limitou a não admitir o recurso, fê-lo recorrendo, exclusiva e expressamente, ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
12. Pelo exposto, ainda que com fundamento diferente, deve indeferir-se a reclamação.»
3. Notificado o reclamante para se pronunciar sobre as questões suscitadas na resposta do Ministério Público, aquele nada disse.
4. O reclamante pretende interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC) para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, «na medida em que a fundamentação deve ser de modo a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz, pela via do recurso, da matéria de facto» (cfr. fls. 119 dos presentes autos de reclamação).
O recurso vem interposto do despacho proferido pelo relator no Tribunal da Relação de Évora que não admitiu o recurso, igualmente interposto pelo ora reclamante, para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento no artigo 400.º, alínea f), do CPP (cfr. fls. 111 dos autos).
É assim manifesto que o recurso de constitucionalidade não pode ser admitido pela razão já avançada pelo Ministério Público, ou seja, pelo facto de a decisão recorrida (o citado despacho) não ter aplicado a norma cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende ver apreciada.
Sendo esta razão, só por si, obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, torna-se desnecessário averiguar se os demais pressupostos estão preenchidos.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade acima identificado.
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 31 de Outubro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.