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Processo n.º 517-A/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No processo n.º 517/11 deste Tribunal, em que era Recorrente A., após ter sido proferido Acórdão em 11 de Outubro de 2011 que julgou improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, aquele apresentou em 25 de Outubro de 2011 um requerimento em que veio arguir nulidades processuais relativas à tramitação que antecedeu a prolação do referido Acórdão.
Concluiu o seu requerimento do seguinte modo:
Termos em que, requer a V. Exas. o seguinte:
1) Que seja declarada a nulidade processual por violação do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, anulando-se, nos termos do artigo 201.º, n.º e 2, do CPC, toda a tramitação posterior ao despacho que notificou o Recorrente do prazo para alegar e determinando-se que o Recorrente poderá aperfeiçoar, no prazo de 10 dias, o seu requerimento de interposição de recurso, indicando quais os segmentos normativos, com referência ao artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, cuja constitucionalidade pretende em concreto fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional.
Se assim não se entender:
2) Que seja declarada a nulidade do processado prevista no artigo 201.º, n.º 1, com os efeitos do seu n.º 2, do CPC, por violação dos artigos 3.º, n.º 3, 704.º,n.º 1, e 69º da LTC, e, consequentemente, anulando-se, nos termos do artigo 201.º, n.º 2, do CPC, toda a tramitação posterior ao despacho que notificou o Recorrente do prazo para alegar, e concedendo-se ao Arguido, ora Requerente, o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o eventual não conhecimento parcial do seu recurso (leia-se, sobre a hipótese de delimitação objectiva do recurso a que se reportam os pontos 1.1 e 1.2 supra citados da fundamentação do douto Acórdão de 11OUT11)”.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a pretensão do Recorrente, considerando manifestamente improcedente a arguição de nulidades deduzida.
No dia 28 de Outubro de 2011, o Recorrente apresentou um segundo requerimento em que suscitou diversas causas de nulidade do Acórdão proferido em 11 de Outubro de 2011.
Concluiu este requerimento do seguinte modo:
“Termos em que deve ser declarada a nulidade do douto Acórdão, datado de 11 de Outubro de 2011, por ausência de fundamentação, contradição entre a fundamentação e a decisão, e omissão e excesso de pronúncia nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da LTC.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de não se verificar nenhuma das nulidades invocadas pelo Recorrente.
Pelo Tribunal foi proferido um Acórdão em 31 de Outubro de 2011 que considerou transitado em julgado, naquela data, o Acórdão proferido em 11 de Outubro de 2011, nos termos dos artigos 84.º, n.º 8, da LTC, e 720.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, e determinou a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de prosseguirem os seus termos, extraindo-se traslado dos autos de recurso para terem seguimento neste Tribunal, nomeadamente para apreciação das arguições de nulidade entretanto deduzidas, após o pagamento das custas devidas pelo Recorrente.
Mostrando-se pagas as custas, cumpre apreciar os incidentes pós-decisórios deduzidos pelo Recorrente.
Fundamentação
1. Requerimento de 25 de Outubro de 2011
O Recorrente, notificado do Acórdão que julgou improcedente o recurso de constitucionalidade por si interposto, veio arguir, em primeiro requerimento, a existência de duas nulidades processuais que teriam ocorrido na tramitação processual que antecedeu a prolação daquele aresto.
a) Do incumprimento do dever de convite ao aperfeiçoamento
O Recorrente alega que neste recurso o Tribunal omitiu o cumprimento do dever de convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º - A, n.º 5, da LTC.
O Artigo 75.º - A, n.º 5, da LTC, dispõe que se o requerimento de interposição de recurso não indicar alguns dos elementos previstos nesse artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação.
O Recorrente entende que o Tribunal incumpriu este dispositivo porque deveria tê-lo convidado a explicitar quais as interpretações normativas do artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, sustentadas na decisão recorrida, cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada.
Ora, da leitura do requerimento de interposição de recurso verifica-se que o Recorrente, ao mencionar como norma violadora da Constituição o artigo 40.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, enquanto obsta à constituição do tribunal de júri no julgamento dos crimes previstos naquele diploma, exprimiu com perfeita clareza e total precisão denotativa a identificação do objecto do recurso, não tendo feito menção a qualquer outra interpretação mais longínqua que se pudesse inferir do enunciado do preceito indicado, só tendo vindo a efectuar essa referência, tardiamente, nas alegações de recurso.
Daí que este Tribunal tenha interpretado o recurso interposto como cingindo-se ao sentido que imediatamente decorre da leitura do referido preceito legal, nos segmentos em que foi aplicado como fundamento exclusivo da decisão recorrida.
Os casos jurisprudenciais que o Recorrente cita, em que o Tribunal Constitucional procedeu ao pretendido convite, reportam-se a situações em que o recorrente referiu que pretendia ver fiscalizada a inconstitucionalidade de determinado preceito legal, na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido, sem explicitar essa interpretação, o que justificou esse convite. Trata-se de situações bem distintas da presente em que no requerimento de interposição de recurso nunca se questionou qualquer interpretação normativa para além do sentido que imediatamente decorre do preceito legal cuja inconstitucionalidade foi apontada.
Não houve, pois, incumprimento do dever de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, porque esse dever, neste caso, não existia.
b) Do incumprimento do dever de audição do Recorrente
O Recorrente alega que o Tribunal, não tendo conhecido parcialmente do recurso, omitiu o dever de o ouvir previamente a essa decisão, conforme obriga o disposto no artigo 704.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º, da LTC.
O Tribunal não proferiu qualquer decisão de não conhecimento parcial do recurso interposto pelo Recorrente. O Tribunal limitou-se a delimitar o objecto do recurso, interpretando o pedido constante do respectivo requerimento de interposição.
O Recorrente apenas expressou a pretensão de ver fiscalizada a constitucionalidade do disposto no artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, necessariamente reportado aos casos em que a decisão recorrida o invocou como fundamento exclusivo da decisão de não admitir a intervenção do júri.
Delimitado o objecto do recurso de acordo com esta interpretação, o Tribunal conheceu integralmente do seu mérito, ignorando as extemporâneas ampliações que constavam das alegações de recurso, pelo que não se justificava a audição do Recorrente sobre uma decisão de não conhecimento que não existiu.
2. Requerimento de 28 de Outubro de 2011
Neste requerimento o Recorrente acusa o Acórdão proferido em 11 de Outubro de 2011 de ausência de fundamentação, contradição entre a fundamentação e a decisão, omissão e excesso de pronúncia.
a) Da não apreciação da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no sentido de o Tribunal do júri não poder efectuar o julgamento com fundamento em que o arguido se encontra acusado de crimes previstos naquela lei, quando este não venha a ser condenado pela prática desses crimes
O Recorrente alega que o Tribunal ao não apreciar a inconstitucionalidade desta interpretação normativa incorreu em omissão de pronúncia.
Ocorre omissão de pronúncia quando a sentença não se pronuncia sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por terem sido submetidas adequadamente à sua apreciação pelas partes.
Como já se referiu, no requerimento de interposição de recurso o Recorrente limitou-se a questionar a constitucionalidade do próprio artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na sua literalidade, reportado aos casos em que a decisão recorrida o aplicou como exclusivo fundamento para não admitir a intervenção do tribunal de júri, pelo que aquela dimensão normativa, com origem interpretativa, não integrava o objecto de recurso, não podendo o Tribunal dela conhecer.
Estando vedado ao Tribunal o conhecimento desta questão, a omissão apontada não constitui qualquer nulidade, mas antes o respeito pelos limites da decisão.
b) Da apreciação da inconstitucionalidade do artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no segmento em que se refere ao crime de abuso de poder.
O recorrente alega que houve excesso de pronúncia quando o tribunal conheceu deste segmento normativo, uma vez que tal conhecimento era inútil, dado que o arguido foi absolvido deste crime.
A causa de nulidade decorrente do excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas em que a lei lhe permite delas conhecer oficiosamente. O excesso de pronúncia pressupõe, assim, que o julgador vai além do conhecimento do que lhe foi pedido pelas partes.
Este segmento integrava o objecto do recurso definido pelo respectivo requerimento de interposição de recurso, pelo que o seu conhecimento nunca pode integrar uma nulidade de excesso de pronúncia, sendo a questão da utilidade do seu conhecimento, que o Recorrente agora coloca, uma nova questão, cuja solução não determina o cometimento da nulidade por vício formal de excesso de pronúncia.
c) Da contradição entre os fundamentos e a decisão quando o Tribunal não conhece da constitucionalidade do artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no segmento em que se reporta ao crime de branqueamento de capitais, e conhece relativamente ao segmento em que se refere ao crime de abuso de poder
d) Da contradição entre os fundamentos e a decisão quando o Tribunal conhece dos três segmentos normativos do artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, e não conhece das interpretações normativas enunciadas nas alegações de recurso
A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, devido à argumentação desenvolvida ao longo da sentença apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão ser no sentido oposto.
O Tribunal, definindo o objecto do recurso, de acordo com o pedido formulado, face ao conteúdo da decisão recorrida, entendeu que apenas os segmentos normativos que foram apreciados se encontravam no âmbito do pedido, pelo que apenas deles conheceu, não existindo, por isso, qualquer oposição lógica entre esta opção e as razões que a motivaram.
e) Da não ponderação do fundamento do conceito de utilidade
O Recorrente diz que existe omissão de pronúncia e ausência de fundamentação porque o Tribunal não ponderou o conceito de utilidade quando sustentou que, existindo uma dupla fundamentação na decisão recorrida para a não admissão do tribunal de júri, relativamente ao crime de branqueamento de capitais, era inútil o conhecimento da constitucionalidade desse segmento normativo.
Da leitura do Acórdão impugnado e da argumentação do Recorrente quanto a este ponto facilmente se verifica que estamos perante uma mera discordância quanto ao conceito de utilidade do recurso constitucional, não existindo qualquer deficiência de fundamentação e muito menos uma situação de omissão de pronúncia.
f) Da não apreciação da violação do disposto no artigo 50.º, da Constituição
g) Da não apreciação da violação do princípio da universalidade estabelecido no artigo 12.º, n.º 1, da Constituição
O Recorrente defende que existe omissão de pronúncia porque o Tribunal não verificou a ofensa a estes parâmetros constitucionais pela norma recorrida.
O Recorrente, nas alegações de recurso, mencionou os referidos parâmetros constitucionais, conjuntamente com o princípio da igualdade, em apoio da tese de que a norma aplicada pela decisão recorrida tornava desigual o acesso ao tribunal do júri pelos titulares de cargos políticos, relativamente ao julgamento de quem não ocupa esses cargos. Não colocou qualquer outra questão que tivesse como parâmetros autónomos do princípio da igualdade os referidos preceitos constitucionais.
Aquela questão foi especificamente abordada e decidida no Acórdão impugnado no seu ponto 2.3., pelo que não se verifica a arguida omissão de pronúncia.
h) Da não apreciação da inconstitucionalidade do artigo 13.º, do Código de Processo Penal
O Recorrente alega que o Tribunal utilizou na sua fundamentação o disposto no artigo 13.º, do Código de Processo Penal, sem ponderar a sua constitucionalidade, o que constitui uma omissão de pronúncia.
Como já acima se lembrou só ocorre omissão de pronúncia quando a sentença não se pronuncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer, por terem sido submetidas adequadamente à sua apreciação pelas partes.
Ora, só agora é que o Recorrente vem colocar a questão da inconstitucionalidade do artigo 13.º, do Código de Processo Penal, pelo que a sua não consideração no Acórdão impugnado não integra qualquer omissão de pronúncia.
i) Da não consideração da dimensão formal do princípio da igualdade
O Recorrente alega que invocou o princípio da igualdade na sua dimensão formal, tendo o Tribunal desprezado os argumentos históricos, comparados e teleológicos por si invocados, o que, na sua óptica, constitui uma omissão de pronúncia e ausência de fundamentação.
Importa lembrar que para se verificar uma situação de falta de fundamentação integradora de uma nulidade da decisão ela tem que ser absoluta, não sendo exigível que o Tribunal aprecie todas as razões e argumentos utilizados pelas partes e sendo suficiente que se pronuncie sobre as questões por elas suscitadas.
Tendo o Acórdão impugnado apreciado a alegação de que a norma cuja inconstitucionalidade foi arguida torna desigual o acesso ao tribunal do júri pelos titulares de cargos políticos, relativamente ao julgamento de quem não ocupa esses cargos, e tendo fundamentado o respectivo juízo de não inconstitucionalidade, não existe omissão de pronúncia, nem ausência de fundamentação
Estamos mais uma vez perante uma discordância quanto à solução perfilhada quanto à não violação do princípio da igualdade, que o Recorrente qualifica indevidamente como um vício formal da decisão.
j) Da não apreciação da proporcionalidade da compressão do direito ao julgamento por tribunal de júri
O Recorrente alega que o Tribunal ao considerar que a norma em causa não configurava qualquer restrição do direito ao julgamento por um tribunal de júri evitou aferir da proporcionalidade da compressão do direito ao julgamento por tribunal de júri, tendo incorrido em omissão de pronúncia.
Mais uma vez o Recorrente tenta retirar duma discordância quanto à inexistência duma restrição a um direito constitucional, um vício de forma do Acórdão que não se verifica, uma vez que o Tribunal não deixou de apreciar a questão que lhe foi colocada, ou seja, se a norma cuja constitucionalidade foi colocada violava o direito ao julgamento por um tribunal de júri, não existindo omissão de pronúncia.
l) Da não indicação da razão da utilização do critério constante do artigo 13.º, do Código de Processo Penal
O Recorrente invoca finalmente que a falta de indicação desta razão faz incorrer o Acórdão em nulidade, por falta de fundamentação.
A falta de fundamentação só é causa de nulidade quando ela é absoluta, não sendo obrigatório que toda e qualquer afirmação proferida pelo Tribunal ao longo da fundamentação expendida tenha que ser justificada, pelo que a não indicação apontada não é causa de nulidade do Acórdão.
3. Conclusão
Pelas razões acima expostas verifica-se que não procede nenhuma das causas de nulidade invocadas pelo Recorrente em ambos os requerimentos apresentados pelo que deve ser indeferida a respectiva arguição.
Decisão
Pelo exposto, julgam-se improcedentes as arguições de nulidades deduzidas por A. nos requerimentos apresentados neste Tribunal em 25 e 28 de Outubro de 2011.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa 30 de Novembro de 2011.- João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.