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Processo n.º 667/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente “A., Lda.”, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com os seguintes fundamentos:
3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos do disposto na alínea b) desse preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
Independentemente de outros possíveis fundamentos de inadmissibilidade do presente recurso de constitucionalidade (nomeadamente o ter ele por objecto, não uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, mas uma decisão judicial em si mesma considerada), compulsados os autos, verifica-se que a dimensão normativa do artigo 683.º do Código de Processo Civil questionada não foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
Com efeito, resulta da fundamentação da decisão recorrida que aí se entendeu se não poder reapreciar a solução do acórdão de 24.05.2011 por tal extravasar o âmbito dos poderes do tribunal em sede de reforma do acórdão.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja susceptível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, não se verifica, in casu, o pressuposto processual de efectiva aplicação na decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, pressuposto esse sem a verificação do qual o Tribunal Constitucional não pode conhecer de recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Assim, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificada dessa decisão, “A., Lda.” veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
1º
Nos presentes autos de recurso para este Venerando Tribunal, foi prolatada Decisão Sumária, no sentido de não se conhecer o objecto de recurso.
2°
Tal entendimento escudou-se no facto de não se verificar, in casu, o pressuposto processual da efectiva aplicação na decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada.
3º
Salvo o devido respeito, que e de forma não bacoca, é muito, esta consideração mostra-se errónea.
4º
Basta atentar no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 2011/05/24, cuja cópia aqui se junta expressamente como doc. n.° 1 e se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
5º
Referimo-nos não ao acórdão que imediatamente precedeu este recurso, mas o acórdão prévio;
6°
o Acórdão que resultou do recurso interposto pela Companhia de Seguros “Fidelidade Mundial, S. A.”.
7º
Por deveras pertinente, cite-se parte de tal Acórdão:
– “Deste modo, não podendo o acidente ser considerado como de trabalho, não tem o recorrido jus a receber da recorrente as importâncias constantes da sentença recorrida, delas devendo a recorrente ser absolvida.
Refira-se que não tendo a Ré empregadora recorrido ou aderido ao recurso nos termos do artigo 683.º do Código de Processo Civil, a decisão recorrida transitou em julgado em relação a ela, sendo assim de manter quanto à mesma Ré/empregadora.” (pág. 16 do Acórdão – sublinhado nosso).
8.°
Foi, em resposta, a tal decisão do Tribunal da Relação de Évora que a ora Reclamante apresentou, também aí, Reclamação, na data de 2011/06/09, no sentido de ser corrigido lapso manifesto (art.° 667.° do CPC).
9º
Lapso manifesto que redunda numa situação de desigualdade injustificável.
10º
A ora Exponente não ignora que neste caso já foram prolatadas Decisões no sentido de negarem a sua pretensão (acórdão da Relação de Évora de 2011/07/12);
11º
contudo, pugna, nesta sede e perante a consideração de um colectivo de Juízes Conselheiros, pela (re)ponderação da presente situação.
12°
A presente situação reconduz-se, tão-somente, a duas decisões judiciais que não se encaixam.
A de primeira instância que considera ter existido um acidente de trabalho e condena a entidade patronal, aqui Reclamante;
14°
a da segunda instância, que não considera ter existido acidente de trabalho (o acidente ocorreu já no interior da propriedade privada do trabalhador) e absolve a Seguradora.
15º
Mais, a decisão da Segunda Instância absolve a Seguradora e condena a Ré entidade patronal;
16°
porquanto expressamente, no texto do Acórdão daquele Tribunal, se refere que os efeitos de tal decisão não aproveitam à Co-Ré, entidade patronal.
17º
Essa abordagem e consideração expressas já foram acima transcritas.
18°
Crê-se assim falir o argumento da Decisão Sumária havida neste Recurso para o Tribunal Constitucional, que ditou o não conhecimento do mesmo.
19°
A decisão que o Tribunal Constitucional eventualmente proferir neste Recurso é susceptível de produzir efeito decisivo sobre a decisão que recorre;
20°
mormente revogando-a na parte em que aquela se considera inextensível ao Co-Réu não recorrente.
21º
Mais do que o emaranhado hermenêutico das normas jurídicas relativas à admissibilidade de um recurso perante o Tribunal Constitucional;
22°
no caso sub judice colocam-se prementes situações de justiça, paridade, igualdade, não discriminação e harmonia das decisões judiciais.
III
CONCLUSÕES
a) A decisão recorrida, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora abordou directamente a questão da extensibilidade dos efeitos do recurso interposto perante tribunal.
b) Abordou-a, primeiramente, na decisão que se seguiu à interposição “solitária” de recurso pela Seguradora e abordou-a, novamente, aquando da decisão em resposta ao requerimento de 2011/06/09.
c) Manteve sempre a tese da não aplicabilidade do art.° 683.°, n.° 1 do CPC.
d) Aqui reside a aplicação de norma, em sentido que se mostra violador dos princípios e normas constitucionais consagrados.
e) Há assim manifesta violação do princípio da igualdade (art.° 13.° da CRP), do acesso à justiça, no caso do direito de recurso (recurso entendido em sentido amplo – art.° 20° da CRP), entre outros princípios constitucionais, como a harmonia das decisões judiciais.
f) A questão em apreciação, itere-se, demanda a tutela deste Tribunal Constitucional, como último bastião dos direitos fundamentais.
g) Como entender e reagir, senão através da presente instância recursiva, a este tratamento desigual, protagonizado pelo Tribunal da Relação de Évora, aplicando normas processuais em expressa contravenção do nosso Diploma Fundamental?
h) Urge impedir a consumação de tal desfecho: absolvição da Seguradora porque efectivamente não se trata de acidente de trabalho; e, paralelamente, condenação da Entidade Patronal, porque afinal é acidente de trabalho.
i) Onde cabe aqui a justiça?
j) Destarte, atenta a argumentação supra aduzida, no sentido da verificação dos pressupostos da alínea b) do n.° 1 do art.° 70.° da LTC, admitir e julgar o presente recurso;
k) e, sempre, com o Douto Suprimento de V.as Exas., no salutar uso do poder?dever de, oficiosamente, suprirem as eventuais omissões do recorrente.
3. Notificado da reclamação, pronunciou?se o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional no sentido do indeferimento da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na reclamação apresentada, a reclamante pretende controverter o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento do recurso de constitucionalidade – o de falta de verificação do pressuposto processual de efectiva aplicação pela decisão recorrida da norma que integra o objecto do recurso.
Afirma a reclamante que a decisão recorrida abordou directamente a questão da extensibilidade dos efeitos do recurso interposto. Tê-lo-ia feito – ainda no entender da reclamante – em dois momentos. Primeiro, no acórdão de 24.05.2011, através do qual, concedendo provimento ao recurso interposto, o Tribunal da Relação de Évora revogou a decisão recorrida na parte em que condenara a Ré, que foi absolvida dos pedidos. Segundo a reclamante, a questão da extensibilidade dos efeitos do recurso teria sido ainda abordada no acórdão, proferido em 12.07.2011, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão anterior.
Assim, e tendo-se sempre decidido pela tese da não aplicabilidade do n.º 1 do artigo 683.º do Código de Processo Civil, aí residiria justamente – conclui a reclamante – a aplicação dessa norma em sentido que se mostra violador da Constituição.
Não tem razão a reclamante.
A única decisão que releva para efeitos de verificar se se encontra preenchido o pressuposto processual de efectiva aplicação da norma que integra o objecto do recurso de constitucionalidade é a decisão recorrida, sendo irrelevante a circunstância de tal norma ter sido aplicada em decisões proferidas anteriormente nos autos.
Ora, in casu, atendendo ao teor do requerimento do recurso de constitucionalidade interposto – em que a recorrente, ora reclamante, indica que não se conforma com o acórdão de 12.07.2011 – não existe qualquer margem para dúvidas de que a decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 12.07.2011, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão de 24.05.2011.
Como se disse na decisão sumária ora reclamada, através do acórdão de 12.07.2011, o Tribunal da Relação de Évora, embora admitindo que a solução dada à questão colocada pela recorrente, ora reclamante, não se apresentava isenta de dúvidas, entendeu que não poderia reapreciar a solução do acórdão de 24.05.2011, por tal extravasar o âmbito dos poderes do tribunal em sede de reforma do acórdão.
Assim, é evidente que o acórdão de 12.07.2011 – a decisão recorrida – não aplicou a norma do artigo 683.º do Código de Processo Civil.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.